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OPINIÃO24 | maio-junho 2015 |VIDA JUDICIÁRIA
A
maisindefesa,porémamaisinques-
tionável de todas as propriedades, a
que se cria pela inteligência e pelo
espírito imortal do homem. Assim falava
Almeida Garrett, figura incontornável da
literatura lusófona e cujo papel na consti-
tuição do que hoje é o direito de autor foi
determinante.
Verdade que a afirmação e o papel do
seu autor se dirigiam essencialmente à
propriedade literária e artística, contudo
a afirmação não só mantém actualidade
como é susceptível de ser aplicada a toda
a propriedade intelectual mesmo vista na
sua actual complexidade.
Falar de propriedade intelectual na ac-
tualidade é passar por um vasto conjunto
normativo que atravessa toda a nossa vida
e com quem todos nos cruzamos diaria-
mente. O direito de autor e os direitos co-
nexos. O direito das marcas, das patentes
e do design. As novas tecnologias e a pri-
vacidade. Todo este conjunto de soluções
jurídicas que procuram o enriquecimento
das sociedades deve ser considerado como
forma de unir as populações e não de as
apartar. À semelhança, aliás, da língua e
da cultura lusófonas.
A defesa do direito de autor é inelutavel-
mente um caminho seguro na defesa das
culturasnacionais,pelaconsagraçãodenor-
masquepermitam,aquemdedicaoseutra-
balhoàcriaçãointelectual,veroseuesforço
consagrado e devidamente remunerado no
sentido de não se perder a consistência e a
subsistência do processo criativo contínuo.
As legislações lusófonas sobre direito de
autor e conexos tendem a uniformizar-se
nosseusprincípiosgeraisseguindoaescola
do droit d’auteur de raiz europeia, sem pre-
juízo de traços comuns com o copyright, de
origem anglo-saxónica, como é o caso do
Brasil. Quer as Leis dos Direitos de Autor e
Conexos Angolana e Moçambicana quer o
Código do Direito de Autor e dos Direitos
Conexos Português conferem protecção à
obra enquanto criação intelectual, sendo
estendida a protecção que lhe é conferi-
da aos seus autores, adquirindo estes um
vasto conjunto de direitos de natureza pes-
soal e moral.
De igual forma, as recentes “actualiza-
ções” legislativas procuram conferir pro-
tecção a quem antes não a tinha expressa-
mente consagrada de forma positiva. Se
emPortugalamatériadosdireitosconexos
(direitos dos artistas, intérpretes e execu-
tantes, entre outros) tem consagração le-
gal enraizada, em Angola, por exemplo, fez
parte da mais recente alterações legislati-
vas com a publicação da Lei dos Direitos
de Autor e Conexos. De permeio, passou
a tratar do tema da Cópia Privada que em
Portugal atravessa um momento de larga
discussão pública.
Por seu turno, as questões associadas à
gestão colectiva do direito de autor e co-
nexos através de entidades geridas para o
efeito tem vindo a sofrer evoluções inte-
ressantes em vários países da comunidade
Lusófona.SeemAngolaaLeide2014apro-
veitou para “resolver” também esse tema,
já em Portugal acabaram de ser publicadas
as esperadas alterações à lei que regula as
entidades de gestão colectiva do direito de
autor e dos direitos conexos.
Com as alterações referidas e com um
maior suporte legal resultante das mes-
mas, tem vindo a assistir-se a um incre-
mentar de acordos de cooperação e de re-
presentação das próprias entidades de ges-
tão colectiva, como foi o caso, por exem-
plo, dos acordos assinados entre a UNAC
(União Nacional dos Artistas e Composito-
res)deAngolaeascongéneresPortuguesas
GDA, GEDIP e AUDIOGEST.
Com relação aos direitos de propriedade
industrial, continua a ser tema constante-
mente na ordem do dia, pela sua premên-
cia, a questão da marca lusófona. Sem pre-
juízo de a informação não ser abundante, a
soluçãodacriaçãodeumsistemaderegisto
de uma marca lusófona deve continuar a
ser negociada pelos países lusófonos.
Entretanto, enquanto este sistema não
for criado, o registo de marcas nos países
de língua portuguesa pode ser efectuado
nosmesmosmoldesqueoregistodemarcas
João Laborinho Lúcio
Advogado,
Sócio da Pedro Raposo e
Associados – Sociedade de
Advogados RL
A Lusofonia da Propriedade
Intelectual
“Falar de
propriedade
intelectual na
actualidade é
passar por um
vasto conjunto
normativo que
atravessa toda
a nossa vida e
com quem todos
nos cruzamos
diariamente. O
direito de autor
e os direitos
conexos. O
direito das
marcas, das
patentes e
do design.
As novas
tecnologias e a
privacidade”
OPINIÃO VIDA JUDICIÁRIA | maio-junho 2015 | 25
internacionais, ou seja, directamente no
paíspretendidosouatravésdeorganizações
internacionais,casoessespaísesfaçampar-
te das mesmas.
No que à Lusofonia diz respeito, os re-
gistos terão que seguir diferentes cami-
nhos, uns através da OMPI (Organização
MundialdaPropriedadeIntelectual),como
sejam Moçambique e São Tomé e Prínci-
pe, bastando para tal que haja um regis-
to nacional prévio exactamente idêntico.
Nos demais casos, os registos terão que
ser promovidos directamente nos respec-
tivos países.
Assumindo a propriedade intelectual em
geral e a industrial em particular um pa-
pel de verdadeiro activo das empresas, é
de registar um aumento significativo dos
fluxos de protecção da mesma na propor-
ção do crescimento económico de cada um
dos países que compõem, nomeadamente,
os PALOP.
As questões associadas à privacidade e
à protecção dos dados pessoais que, de al-
guma forma, se associam à propriedade
intelectual têm vindo a ganhar um relevo
determinante nas sociedades modernas.
A necessidade de legislação de protecção
dos dados pessoais é, para além de um de-
senvolvimento das obrigações assumidas
pelos Estados enquanto parte da Decla-
ração Universal dos Direitos do Homem,
umacadavezmaiorferramentadeapoioao
desenvolvimento económico, pelo que se
mostra relevante o caminho de conformi-
dadelegislativanoquerespeitaàregulação
dastransferênciasinternacionaisdedados.
Para que as economias lusófonas consi-
gamserverdadeiramentecompetitivas,de-
vemnecessariamentedesenvolverstandar-
ds que garantam a quem procura localizar
nelas o seu capital, um grau de protecção
que confira segurança às suas operações.
No que respeita ao mundo lusófono, ex-
cluindo a situação portuguesa, inovadora
e desenvolvida em termos de transposição
comunitária, podemos verificar, nomeada-
mente, que existe legislação específica em
Angola, Cabo Verde e Portugal. Em Mo-
çambique,nãoexistindoumaleiespecífica,
há um conjunto de normas sobre o direito
à reserva da vida privada e estabelece-se
uma série de princípios referentes à utili-
zação de meios informáticos para registo
e tratamento de dados individualmente
identificáveis.
Qualquer um dos diplomas em questão
procura, nomeadamente, que os dados se-
jam obtidos e tratados de forma leal e lí-
cita, ou seja, com consentimento do seu
titular, para finalidades determinadas e
legítimas, não podendo ser utilizados de
modo incompatível com essas finalidades,
devendo ser adequados, pertinentes e não
excessivos em relação às finalidades, tal
como devem ser exactos e, se necessário,
actualizados e conservados por um perío-
do que não exceda o tempo necessário às
finalidades.
Consagram igualmente os direitos reco-
nhecidos a nível internacional aos titulares
dosdados,direitodeinformação,direitode
acesso, direito de rectificação e eliminação
e direito de oposição.
Assim, considera-se que os princípios
gerais comummente aceites quanto ao
tratamento de dados são expressamente
aceites e estão presentes nas suas legisla-
ções, consagrando igualmente os direitos
reconhecidos a nível internacional aos ti-
tulares dos dados.
Em pleno século XXI, a economia da pro-
priedade intelectual, da informação e dos
dados pode ser uma valiosa fonte de cres-
cimento e criação de riqueza, onde os bens
em jogo são uma valiosa moeda de troca,
sendo, portanto, fundamental que a nível
da lusofonia seja aceite que para se atrair
mais investimento inteligente e inovadoré
imperiosa a existência de legislação, dou-
trina e jurisprudência condicentes.
Cabe, assim, agarrar essa oportunidade e
adaptar as estruturas legais e sociais a rea-
lidades que vieram para ficar, tendo sem-
pre em foco que a protecção da proprieda-
de intelectual, mais do que um verdadeiro
activo das pessoas e empresas, é sinal de
riqueza e desenvolvimento social e político
e um marco de identidade cultural.
“Com relação aos direitos de propriedade industrial,
continua a ser tema constantemente na ordem do dia,
pela sua premência, a questão da marca lusófona.
Sem prejuízo de a informação não ser abundante, a
solução da criação de um sistema de registo de uma
marca lusófona deve continuar a ser negociada pelos
países lusófonos”
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João Laborinho Lúcio in Vida Judiciária

  • 1. OPINIÃO24 | maio-junho 2015 |VIDA JUDICIÁRIA A maisindefesa,porémamaisinques- tionável de todas as propriedades, a que se cria pela inteligência e pelo espírito imortal do homem. Assim falava Almeida Garrett, figura incontornável da literatura lusófona e cujo papel na consti- tuição do que hoje é o direito de autor foi determinante. Verdade que a afirmação e o papel do seu autor se dirigiam essencialmente à propriedade literária e artística, contudo a afirmação não só mantém actualidade como é susceptível de ser aplicada a toda a propriedade intelectual mesmo vista na sua actual complexidade. Falar de propriedade intelectual na ac- tualidade é passar por um vasto conjunto normativo que atravessa toda a nossa vida e com quem todos nos cruzamos diaria- mente. O direito de autor e os direitos co- nexos. O direito das marcas, das patentes e do design. As novas tecnologias e a pri- vacidade. Todo este conjunto de soluções jurídicas que procuram o enriquecimento das sociedades deve ser considerado como forma de unir as populações e não de as apartar. À semelhança, aliás, da língua e da cultura lusófonas. A defesa do direito de autor é inelutavel- mente um caminho seguro na defesa das culturasnacionais,pelaconsagraçãodenor- masquepermitam,aquemdedicaoseutra- balhoàcriaçãointelectual,veroseuesforço consagrado e devidamente remunerado no sentido de não se perder a consistência e a subsistência do processo criativo contínuo. As legislações lusófonas sobre direito de autor e conexos tendem a uniformizar-se nosseusprincípiosgeraisseguindoaescola do droit d’auteur de raiz europeia, sem pre- juízo de traços comuns com o copyright, de origem anglo-saxónica, como é o caso do Brasil. Quer as Leis dos Direitos de Autor e Conexos Angolana e Moçambicana quer o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos Português conferem protecção à obra enquanto criação intelectual, sendo estendida a protecção que lhe é conferi- da aos seus autores, adquirindo estes um vasto conjunto de direitos de natureza pes- soal e moral. De igual forma, as recentes “actualiza- ções” legislativas procuram conferir pro- tecção a quem antes não a tinha expressa- mente consagrada de forma positiva. Se emPortugalamatériadosdireitosconexos (direitos dos artistas, intérpretes e execu- tantes, entre outros) tem consagração le- gal enraizada, em Angola, por exemplo, fez parte da mais recente alterações legislati- vas com a publicação da Lei dos Direitos de Autor e Conexos. De permeio, passou a tratar do tema da Cópia Privada que em Portugal atravessa um momento de larga discussão pública. Por seu turno, as questões associadas à gestão colectiva do direito de autor e co- nexos através de entidades geridas para o efeito tem vindo a sofrer evoluções inte- ressantes em vários países da comunidade Lusófona.SeemAngolaaLeide2014apro- veitou para “resolver” também esse tema, já em Portugal acabaram de ser publicadas as esperadas alterações à lei que regula as entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos. Com as alterações referidas e com um maior suporte legal resultante das mes- mas, tem vindo a assistir-se a um incre- mentar de acordos de cooperação e de re- presentação das próprias entidades de ges- tão colectiva, como foi o caso, por exem- plo, dos acordos assinados entre a UNAC (União Nacional dos Artistas e Composito- res)deAngolaeascongéneresPortuguesas GDA, GEDIP e AUDIOGEST. Com relação aos direitos de propriedade industrial, continua a ser tema constante- mente na ordem do dia, pela sua premên- cia, a questão da marca lusófona. Sem pre- juízo de a informação não ser abundante, a soluçãodacriaçãodeumsistemaderegisto de uma marca lusófona deve continuar a ser negociada pelos países lusófonos. Entretanto, enquanto este sistema não for criado, o registo de marcas nos países de língua portuguesa pode ser efectuado nosmesmosmoldesqueoregistodemarcas João Laborinho Lúcio Advogado, Sócio da Pedro Raposo e Associados – Sociedade de Advogados RL A Lusofonia da Propriedade Intelectual “Falar de propriedade intelectual na actualidade é passar por um vasto conjunto normativo que atravessa toda a nossa vida e com quem todos nos cruzamos diariamente. O direito de autor e os direitos conexos. O direito das marcas, das patentes e do design. As novas tecnologias e a privacidade”
  • 2. OPINIÃO VIDA JUDICIÁRIA | maio-junho 2015 | 25 internacionais, ou seja, directamente no paíspretendidosouatravésdeorganizações internacionais,casoessespaísesfaçampar- te das mesmas. No que à Lusofonia diz respeito, os re- gistos terão que seguir diferentes cami- nhos, uns através da OMPI (Organização MundialdaPropriedadeIntelectual),como sejam Moçambique e São Tomé e Prínci- pe, bastando para tal que haja um regis- to nacional prévio exactamente idêntico. Nos demais casos, os registos terão que ser promovidos directamente nos respec- tivos países. Assumindo a propriedade intelectual em geral e a industrial em particular um pa- pel de verdadeiro activo das empresas, é de registar um aumento significativo dos fluxos de protecção da mesma na propor- ção do crescimento económico de cada um dos países que compõem, nomeadamente, os PALOP. As questões associadas à privacidade e à protecção dos dados pessoais que, de al- guma forma, se associam à propriedade intelectual têm vindo a ganhar um relevo determinante nas sociedades modernas. A necessidade de legislação de protecção dos dados pessoais é, para além de um de- senvolvimento das obrigações assumidas pelos Estados enquanto parte da Decla- ração Universal dos Direitos do Homem, umacadavezmaiorferramentadeapoioao desenvolvimento económico, pelo que se mostra relevante o caminho de conformi- dadelegislativanoquerespeitaàregulação dastransferênciasinternacionaisdedados. Para que as economias lusófonas consi- gamserverdadeiramentecompetitivas,de- vemnecessariamentedesenvolverstandar- ds que garantam a quem procura localizar nelas o seu capital, um grau de protecção que confira segurança às suas operações. No que respeita ao mundo lusófono, ex- cluindo a situação portuguesa, inovadora e desenvolvida em termos de transposição comunitária, podemos verificar, nomeada- mente, que existe legislação específica em Angola, Cabo Verde e Portugal. Em Mo- çambique,nãoexistindoumaleiespecífica, há um conjunto de normas sobre o direito à reserva da vida privada e estabelece-se uma série de princípios referentes à utili- zação de meios informáticos para registo e tratamento de dados individualmente identificáveis. Qualquer um dos diplomas em questão procura, nomeadamente, que os dados se- jam obtidos e tratados de forma leal e lí- cita, ou seja, com consentimento do seu titular, para finalidades determinadas e legítimas, não podendo ser utilizados de modo incompatível com essas finalidades, devendo ser adequados, pertinentes e não excessivos em relação às finalidades, tal como devem ser exactos e, se necessário, actualizados e conservados por um perío- do que não exceda o tempo necessário às finalidades. Consagram igualmente os direitos reco- nhecidos a nível internacional aos titulares dosdados,direitodeinformação,direitode acesso, direito de rectificação e eliminação e direito de oposição. Assim, considera-se que os princípios gerais comummente aceites quanto ao tratamento de dados são expressamente aceites e estão presentes nas suas legisla- ções, consagrando igualmente os direitos reconhecidos a nível internacional aos ti- tulares dos dados. Em pleno século XXI, a economia da pro- priedade intelectual, da informação e dos dados pode ser uma valiosa fonte de cres- cimento e criação de riqueza, onde os bens em jogo são uma valiosa moeda de troca, sendo, portanto, fundamental que a nível da lusofonia seja aceite que para se atrair mais investimento inteligente e inovadoré imperiosa a existência de legislação, dou- trina e jurisprudência condicentes. Cabe, assim, agarrar essa oportunidade e adaptar as estruturas legais e sociais a rea- lidades que vieram para ficar, tendo sem- pre em foco que a protecção da proprieda- de intelectual, mais do que um verdadeiro activo das pessoas e empresas, é sinal de riqueza e desenvolvimento social e político e um marco de identidade cultural. “Com relação aos direitos de propriedade industrial, continua a ser tema constantemente na ordem do dia, pela sua premência, a questão da marca lusófona. Sem prejuízo de a informação não ser abundante, a solução da criação de um sistema de registo de uma marca lusófona deve continuar a ser negociada pelos países lusófonos” *este texto não segue o Novo