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Gary Hamel

A Era da
Revolução
O progresso gradual já pertence ao passado. É tempo de mudanças descontínuas e de
oportunidades fugazes. A batalha se dará entre a hierarquia da experiência e
a força da imaginação. Por Gary Hamel
Não basta melhorar as coisas. Não basta resolver os problemas racionalmente. É preciso
mudar tudo, revolucionar. Não é a primeira vez que Gary Hamel defende esse ponto de
vista. Ao contrário: em 1998, seu artigo inovador Dez princípios de revolução agitou as
páginas de HSM Management (número 6, página 116), marcando o início dessa “pregação”
de Hamel, uma das mais importantes cabeças do management mundial de hoje, sem
sombra de dúvida. Agora, aqui, ele aprofunda o assunto, vai às últimas consequências,
coincidindo com o lançamento de seu livro Liderando a Revolução, publicado no Brasil pela
editora Campus.

HSM Management/
Ano 4 /Número 24/
janeiro - fevereiro
2001

Por que é preciso revolucionar a empresa? As oportunidades são fugazes, explica o
especialista, e os “insurgentes” ganham mercado e reúnem os melhores talentos. Com suas
armas estratégicas originais, desafiam os “titulares” do mercado. A velha-guarda versus a
vanguarda. O poderio do estabelecido versus a força da imaginação. Nesta nova era, que
oferece oportunidades inéditas, o desafio é superar as inovações dos inovadores. Não
basta reformular o produto ou o serviço; é preciso reformular também o conceito do
negócio, imaginando soluções completamente novas para as necessidades dos clientes.
Definitivamente, o segredo é elaborar estratégias que gerem novas receitas e sejam tão
revolucionárias como os novos tempos. Os inovadores são os “novos alquimistas”, capazes
de produzir algo do nada e de lutar contra a hegemonia das práticas estabelecidas em seu
setor de atividade.
A Era do Progresso chegou ao fim. Estamos no limiar de uma nova era, a Era da
Revolução.
A própria natureza da mudança mudou. Não é mais agregadora; não se movimenta mais
em linha reta. No século XXI, a mudança é descontínua, abrupta, indócil. Em uma única
geração, o custo de decodificação do gene humano caiu de milhões de dólares para cerca
de 100 dólares e o preço para armazenar um megabyte de dados despencou de centenas de
dólares para praticamente nada.
As coisas também mudavam na Era do Progresso. Velhas empresas desapareceram e
novas surgiram, por exemplo. Mas as mudanças ocorriam de forma gradual e raramente
abalaram os alicerces da ordem industrial. Hoje uma empresa que evolui lentamente já está
a caminho da extinção.
A nova ordem industrial
A Era do Progresso produziu um mundo de gigantes industriais: Mitsubishi, ABB,
Citigroup, General Electric, DaimlerChrysler, DuPont e outras. Essas empresas exploravam
as disciplinas do progresso, tais como planejamento rigoroso, melhoria contínua, controle

HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
artigo

Gary Hamel

Ao afirmar
que “a
Microsoft está
sempre dois
anos à frente
do fracasso”,
Bill Gates
mostra que
compreende a
realidade
competitiva
da nova era

estatístico de processo, qualidade total. Concentravam-se obstinadamente em ser cada
vez melhores. E se, por acaso, alguma se atrasava em relação a mudanças no ambiente,
havia muito tempo para alcançar os concorrentes.
Em um mundo de mudanças descontínuas, no entanto, a empresa que se perde em uma
curva crucial da estrada talvez nunca recupere o tempo perdido. Alguns exemplos:
A Motorola, que liderava o comércio mundial de telefonia celular no início dos anos 90,
atrasou-se alguns anos na mudança para a tecnologia digital. Azar. O jogo acabou e a
Nokia venceu. E mais: dez anos antes, a Nokia fabricava pneus para neve e botas de
borracha.
Quer construir um grande portal na Internet? Esqueça, é tarde demais. O segmento de
portais está se consolidando com a mesma velocidade com que decolou.
Nos últimos anos, a Nike aprendeu uma lição dolorosa sobre a atenção fugaz dos
adolescentes de 14 anos. Eles não mais atormentam seus pais para comprar um tênis Air
Jordan de US$ 100. Para eles, Michael Jordan, o herói do basquete exclusivo da Nike, é
apenas um pretendente a jogador de golfe. Seus tênis preferidos, pelo menos no momento,
são Vans e Airwalks.
Na Era da Revolução, as oportunidades vêm e vão à velocidade da luz. Empresas podem
perder US$ 1 bilhão em um piscar de olhos.
Vejamos mais algumas evidências. Os norte-americanos com mais de 40 anos talvez se
lembrem da Main Street, aquela rua central de suas cidades com uma despretensiosa fileira
de lojas de propriedade dos moradores locais que conheciam as crianças pelo nome e
preenchiam todas as necessidades, suas e de sua família. Isso tudo pertence ao passado,
substituído décadas atrás por shopping centers muito parecidos, com a Sears em uma
extremidade, a J.C. Penney na outra e uma fileira de lojas especializadas, como a B. Dalton e
a KB Toys, no meio. E, de repente, quando menos se esperava, os shoppings da periferia
das cidades iniciaram a longa descida rumo à irrelevância do varejo.
Lentamente, lojas especializadas, como Toys’R’Us, Home Depot e Staples, começaram a
esmagar muitos dos varejistas especializados que no passado impulsionavam os
shoppings, e a Wal-Mart desalojou a Sears como maior varejista dos EUA. E qual é a
chance de que a revolução varejista tenha fim com a Wal-Mart e a Toys’R’Us? Nenhuma.
Os consumidores não vão passar o resto da vida percorrendo os corredores anódinos da
Wal-Mart para economizar alguns dólares na compra de um martelo.
Os varejistas que ocupam as “grandes caixas” flutuantes em um mar de asfalto um dia
vão se descobrir no lado errado da revolução deflagrada pela Internet. E vale a pena
observar que, com poucas exceções, não há líderes de mercado no varejo off-line que
liderem sua categoria on-line. Na grande maioria, as empresas à moda antiga simplesmente
não se movimentaram com a rapidez necessária. Não estavam preparadas para a revolução.
Na nova ordem industrial, as linhas de batalha não estão posicionadas entre regiões e
países. Não se trata mais de Japão versus Estados Unidos, por exemplo. Hoje são os
rebeldes versus os titulares, os revolucionários versus a elite. Os revolucionários setoriais
explorarão qualquer impulso defensivo, qualquer hesitação por parte da oligarquia. Todas
as tentativas de retração, recuo, reagrupamento ou desmobilização serão exploradas como
oportunidades para a conquista de mais terreno. Primeiro, os revolucionários vão
conquistar mercados e clientes. Em seguida, vão atrair os melhores funcionários –por
exemplo: em 1999, 25% dos graduados em administração em Harvard começaram a trabalhar
em empresas com menos de 50 funcionários. E, finalmente, vão avançar sobre seus ativos

HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
artigo

Gary Hamel

Para a plena
realização das
promessas
dessa nova
era, cada um
de nós
precisa
converter-se
em sonhador
e em
construtor

–afinal, quem esperava que a eBay.com, firma de leilões pela Internet, adquirisse a terceira
maior casa de leilões dos Estados Unidos, a Butterfield & Butterfield?
O único limite é a imaginação
Toda era traz uma mistura própria de promessas e perigos, e a Era da Revolução é farta
em ambos os ingredientes. No entanto, existem motivos para sermos mais esperançosos do
que temerosos, pois essa era nos acena com oportunidades jamais apresentadas.
Hoje, nosso único limite é a imaginação. No entanto, as pessoas capazes de imaginar
uma nova realidade sempre foram menos numerosas do que as incapazes de fazê-lo. Para
cada Leonardo da Vinci, Jonas Salk ou Charles Babbage, existem centenas de milhares de
pessoas que não conseguem sair dos trilhos lubrificados da história. São poucos aqueles
que se desvencilham dos limites do mundo linear.
Para a plena realização das promessas dessa nova era, cada um de nós precisa converter-se em sonhador e em construtor. Na Era do Progresso, os sonhos, quase sempre,
eram pouco mais do que fantasias românticas. Hoje, como nunca, os sonhos são portas de
entrada para novas realidades. Nossas organizações também precisam aprender a sonhar.
Em muitas empresas a imaginação coletiva tem sido um enorme fracasso.
Como prosperar na Era da Revolução
Em algum lugar há uma arma apontada contra sua empresa. Em algum lugar há um
concorrente, ainda por nascer e desconhecido, que tornará sua estratégia obsoleta. É
impossível esquivar-se da bala –é preciso atirar primeiro. É necessário ser mais inovador
que os inovadores.
Ao afirmar que “a Microsoft está sempre dois anos à frente do fracasso”, Bill Gates não
está assumindo uma postura defensiva contra as acusações de monopólio. Gates
compreende a realidade competitiva da nova era. Ele sabe que não são apenas os ciclos de
vida dos produtos que estão encolhendo; os ciclos de vida das estratégias também estão
cada vez mais curtos. O ritmo quase entorpecente da mudança impõe a certeza de que
qualquer conceito empresarial, não importa quão brilhante, rapidamente perderá sua
eficiência econômica. Hoje, as empresas devem ser capazes de reinventar sua estratégia
não apenas uma vez por década, em meio às crises de substituição de seus presidentes,
mas de forma contínua, ano após ano.
Em uma pesquisa que coordenei, perguntou-se a cerca de 500 presidentes de empresa:
“Quem melhor aproveitou as mudanças em seu setor nos últimos dez anos: recém-chegados, concorrentes tradicionais ou sua empresa?” A resposta mais frequente foi recémchegados. A outra pergunta foi se os recém-chegados haviam vencido por “executar
melhor” ou por “mudar as regras do jogo”. Os recém-chegados haviam ganho por
mudar as regras, segundo 62% dos entrevistados.
“Eu costumava passar boa parte de meu tempo preocupado com o ‘como’ –como fazer
as coisas, como operar, como ser eficiente. Agora, dedico quase todo o tempo a pensar no
‘quê’ –que oportunidades devemos buscar, que parcerias devemos formar, que tecnologias
apoiar, que experiências iniciar”, diz Bob Shapiro, presidente da Monsanto. A questão é
simples. Quando a organização tiver espremido os últimos 5% de eficiência do “como”,
alguém já terá inventado um novo “quê”. E esse é o segredo da prosperidade na Era
da Revolução.

HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
artigo

Gary Hamel

Num mundo
não-linear,
apenas as
idéias nãolineares
criarão novas
riquezas.
A inovação
radical é o
único meio de
escapar da
hipercompetição
impiedosa

Inovação não-linear
O símbolo da conquista na Era Industrial era o conceito de melhoria contínua. O
aprendizado organizacional e a gestão do conhecimento, por sua vez, são primos-irmãos da
melhoria contínua. Têm mais a ver com aprimorar do que com diferenciar. A última proeza
da Era do Progresso foi transformar o conhecimento em commodity. Hoje é possível
comprar conhecimento a quilo –de consultores apregoando as melhores práticas, de
funcionários que vieram de concorrentes e de todas as organizações que esperam que sua
empresa terceirize tudo. Mas, na Era da Revolução, não será o conhecimento que produzirá
a nova riqueza, mas o insight –o insight de oportunidades para inovações descontínuas.
Em um mundo não-linear, apenas as idéias não-lineares criarão novas riquezas. Há muito
tempo que, na grande maioria, as empresas atingiram o ponto de retornos decrescentes em
seus programas de melhorias incrementais. A inovação radical é o único meio de escapar
da hipercompetição impiedosa que vem achatando as margens nos mais variados setores.
A inovação não-linear exige que a empresa rompa os grilhões dos precedentes e imagine
soluções inteiramente inéditas para as necessidades dos clientes.
Quem tentar aumentar receitas ou reduzir custos por meio de uma abordagem incremental e em linha reta acabará enfrentando um “hiato de inovação” no confronto com os
concorrentes que conseguiram quebrar as convenções e mudar-se para novos degraus ou
patamares. Cada vez mais, o mundo se divide em dois tipos de organização: as que não
foram além da melhoria contínua e as que conseguiram dar o salto para a inovação nãolinear.
Inovação dos conceitos empresariais
As empresas revolucionárias de seus setores adotam como ponto de partida para a
inovação o conceito empresarial e não o conceito de um produto ou serviço. Elas sabem
que a concorrência não é mais entre produtos ou serviços, mas sim entre conceitos
empresariais concorrentes. Alguns exemplos:
A compra de livros pela Internet é um modelo empresarial radicalmente diferente do da
livraria convencional.
Ao longo das últimas décadas, os bancos perderam quase a metade de sua participação
nos ativos financeiros das famílias norte-americanas para recém-chegadas como a Fidelity
e a Charles Schwab. Os bancos encaravam os clientes como poupadores; o setor de
fundos de investimento sabia que também eram investidores.
A estratégia da Hotmail para atrair visitantes –e-mail gratuito custeado pela propaganda– era completamente diferente da abordagem inicial da AOL para conquistar novos
clientes –inundar o mundo com disquetes de instalação e cadastramento. Em 18 meses, a
Hotmail saltou da estaca zero para 10 milhões de usuários.
O grande sucesso da DirectTV fundamenta-se em um modelo empresarial sem paralelo
no antigo mundo das redes de televisão.
Na Nasdaq, os formadores de preço tradicionais estão sendo desafiados pelas novas
“redes de comunicação eletrônica”, que oferecem oportunidades de negociação 24 horas
por dia e com margens menores.
Uma série de mercados de Internet –desde a venda de aço laminado a programadores de
Java– ameaça suplantar os preços fixos com leilões em tempo real.

HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
artigo

Gary Hamel

A inovação
radical e
sistêmica no
conceito
empresarial
atropela as
regras da
concorrência.
Porém a
inovação em
produtos
ainda é
importante

Esses são exemplos de inovação radical e sistêmica no conceito empresarial. Eles
atropelam as regras tradicionais da concorrência. Os revolucionários setoriais não ficam só
à margem. Eles explodem os antigos modelos e criam novos.
No entanto, a maioria das organizações conta com poucos indivíduos que pensam de
forma holística sobre conceitos empresariais inteiramente novos ou efetuam mudanças
radicais nos existentes. Em grande parte das empresas, a convocação de “mais inovação” é
interpretada como um apelo por novos produtos ou novas características em produtos
antigos. Nesse sentido, a maioria das pessoas desenvolve uma visão bastante truncada da
inovação.
Na Nabisco, por exemplo, inovação é quando se dobra a quantidade de recheio entre as
bolachas de chocolate. Não me interprete mal. O Oreo é um excelente biscoito, e o Double
Stuf Oreo (com o dobro de recheio) é ainda melhor. Mas isso não é inovação de um
conceito empresarial; é inovação incremental, centrada em um único componente do
modelo empresarial.
Porém não se iluda: a inovação em produtos ainda é importante. Quando, após anos de
tentativas, a Clorox conseguiu criar alvejantes com essência de limão, a categoria ingressou em fase de crescimento de dois dígitos. E todos que já se barbearam com o Gillette
Mach III entendem por que o produto justifica um preço mais alto. No entanto, a visão de
inovação baseada no produto é excessivamente estreita. Não estou convencido de que o
café Starbucks seja melhor do que o oferecido em qualquer estabelecimento de boa categoria. Acontece que ele é servido dentro de um modelo de negócio bastante diferente.
E mais: muitos também vêem a inovação como algo basicamente induzido pela tecnologia, o que em geral é verdade. Todavia, nem sempre a inovação de um conceito empresarial está relacionada com uma nova tecnologia.
A inovação do conceito empresarial é a capacidade de reconceber os modelos empresariais existentes para que criem um novo valor para os clientes, desequilibrem os concorrentes e produzam uma nova riqueza. Como tal, será a vantagem competitiva decisiva na
Era da Revolução –a única maneira de as empresas escaparem da hipercompetição implacável que vem golpeando as margens nos mais variados setores.
A nova riqueza
Em cada dobra do tecido da história, cria-se uma nova riqueza e destrói-se a antiga. Não
será diferente à medida que a Era do Progresso cede a vez para a Era da Revolução. A
pergunta é: quem criará a nova riqueza e quem dilapidará a antiga? Os revolucionários já
puseram as mãos em riqueza suficiente para pagar o resgate de todos os líderes políticos
do mundo. Com um patrimônio líquido de US$ 90 bilhões, Bill Gates é o ser humano mais
rico da história, tendo utilizado a Microsoft como uma alavanca gigante para subverter o
setor de computadores. Liderando uma empresa que, em 1999, chegou a uma capitalização
de mercado duas vezes superior à da maior montadora dos EUA, Michael Dell é um peixe
mais graúdo no mercado financeiro do que Jack Smith, presidente da General Motors.
Igualmente, o valor da Wal-Mart é superior ao valor somado de Sears, Roebuck e J.C.
Penney.
Hoje as empresas estão obcecadas em satisfazer os acionistas. Cisões, megafusões,
recompra de ações, programas de eficiência –são todas iniciativas que liberam riqueza, mas
não criam nova riqueza. Essas estratégias não criam nova riqueza porque não geram novos
mercados, novos clientes ou novos fluxos de receita.

HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
artigo

Gary Hamel

No âmago da
inovação do
conceito
empresarial
encontra-se a
capacidade
de criar novas
estratégias
que geram
riqueza. O
desafio é
descobrir de
onde vêm
essas
estratégias

Já os revolucionários setoriais estão no negócio de criar nova riqueza. Analise o valor
de mercado de alguns revolucionários que obtiveram as maiores conquistas na última
década –empresas como Charles Schwab, Home Depot, Gap Inc., Yahoo!, Amazon.com,
eBay, Dell Computer e outras. Depois, pergunte-se: algum dos programas de melhoria de
minha empresa, algum dos esquemas de engenharia financeira, alguma das aquisições,
alguma das técnicas criativas de gestão do lucro gera algum tipo de vantagem? Não perca
tempo respondendo. Eu lhe garanto que não.
Quem quiser prosperar na Era da Revolução precisará fazer mais do que extrair algumas
gotas de riqueza das estratégias de ontem. Os revolucionários não liberam riqueza; criam
riqueza. Não são representantes; são empreendedores. Fazem mais do que meramente
conservar; eles constroem. É por isso que, setor após setor, os recém-chegados criaram
uma parcela tão grande da nova riqueza.
A origem da estratégia
No âmago da inovação do conceito empresarial encontra-se a capacidade de criar novas
estratégias que geram riqueza. Mas de onde vêm essas novas estratégias?
É possível que as estratégias saiam do processo de planejamento anual, aquele ritual
bem-ensaiado que acontece em quase todas as organizações? Antes de mais nada, a
noção de que estratégia é “fácil” decorre do pressuposto errôneo de que planejamento
estratégico tem algo a ver com a elaboração da estratégia. A estratégia parece fácil quando
o processo de planejamento limita de forma constrangedora o escopo da descoberta, a
amplitude do envolvimento e a intensidade do esforço intelectual despendido, e quando a
meta está muito longe da revolução. Qualquer empresa imbuída da crença de que o planejamento gerará estratégias revolucionárias vai se encontrar presa na trama do incrementalismo, enquanto os forasteiros libertários assumem a liderança de insurreições vitoriosas.
Bem, talvez as estratégias revolucionárias sejam obra de “visionários” como Bill Gates
(Microsoft), Ted Turner (CNN), Anita Roddick (The Body Shop), Howard Schwartz
(Starbucks), Michael Dell (Dell Computer) e tantos outros empresários de grande visão.
Muitas, se não a maioria, das revoluções setoriais tiveram origem na visão de um único
indivíduo. No entanto, frequentemente a empresa chega ao fim do facho de luz projetado
pelo visionário, choca-se com o primeiro obstáculo e perde o rumo.
Os visionários não continuam visionários para sempre. Poucos são capazes de imprimir
sua marca em uma segunda visão e seus apóstolos tornam-se dependentes do profeta,
abdicando de sua responsabilidade de intuir novas oportunidades. Em geral, o visionário
que também é presidente da empresa inibe inconscientemente a capacidade de inovação
radical da organização.
Afinal, de onde vem a estratégia? É uma pergunta danada de boa.
Vejamos a origem de três estratégias revolucionárias:
Quando seu marido saiu de Littlehampton, Inglaterra, para realizar o antigo sonho de ir a
cavalo de Buenos Aires a Nova York, Anita Roddick ficou com o encargo de cuidar de si e
das filhas. Para sustentar a família, abriu uma pequena loja de cosméticos nas imediações
de Brighton, enchendo pequenos frascos de plástico com uma substância viscosa. Dessa
semente germinou a Body Shop, empresa que registrou receita de US$ 1 bilhão em 1998.
Pouco antes de seu 58º aniversário, Mike Harper, o agressivo presidente da ConAgra,
sofreu um ataque cardíaco. Depois de um prolongado período na UTI, Mike deixou o
hospital com o compromisso de mudar seus hábitos alimentares. O novo Mike, preocupado com a saúde, desafiou a empresa a criar uma linha de produtos saudáveis, mas

HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
artigo

Gary Hamel

Nesta Era da
Revolução, a
concorrência
se dará não
apenas entre
modelos
empresariais,
mas também
entre regimes
de inovação

saborosos. O resultado foi a Healthy Choice, uma linha de refeições congeladas nutritivas
que rapidamente se transformou em líder da categoria. A marca Healthy Choice abrange
hoje mais de 300 produtos que, em 1999, geraram mais de US$ 15 milhões em vendas.
O que os “porta-balas” Pez –embalagens de plástico com a cabeça de famosos personagens de desenho animado– têm a ver com uma das empresas de Internet mais badaladas
do mundo? Muito. Basta perguntar a Pierre Omidyar. Sua noiva era uma colecionadora
fanática do produto. De que maneira, matutou Pierre, ele conseguiria ajudá-la a saciar sua
paixão pelos Pez? A resposta: uma comunidade de troca on-line, pessoa a pessoa, na qual
os colecionadores comprariam e venderiam esses cobiçados objetos. A idéia de Pierre
desabrochou na eBay, o principal site de leilões da Internet, no qual mais de 2 milhões de
membros efetuam 1 milhão de lances por dia.
Casualidade ou antevisão? A resposta é a seguinte: as novas estratégias são sempre –
sempre mesmo– produto de uma antevisão feliz. Uma coisa é certa: o insight básico não
deriva de processos de planejamento; é resultado de um coquetel de circunstâncias
fortuitas, desejo, curiosidade, ambição e necessidade. Mas é preciso que haja algum grau
de antevisão –um sentido de onde estão as novas riquezas. Portanto, a inovação do
conceito empresarial é sempre parte casualidade e parte clarividência.
Se a possibilidade de prosperar na Era da Revolução depende da aptidão das organizações de reimaginar a essência de seu propósito e destino e de criar continuamente
novos sonhos e novos rumos, ficamos em uma situação de perplexidade. Como aumentar a
probabilidade de germinação de novas estratégias criadoras de riqueza na empresa?
O movimento pela qualidade nos dá uma analogia útil. Muitas empresas precisaram de
uma ou mais décadas para absorver e internalizar a qualidade como capacidade. Agora, o
desafio não é mais a qualidade. É construir a capacidade de inovar profundamente o
conceito empresarial criando condições para produzir conceitos empresariais inteiramente
novos e reinterpretar de forma radical os antigos. Como os primeiros líderes do movimento
pela qualidade, precisaremos inventar novas práticas.
A Era da Revolução não pede soldados diligentes que se lançam em massa contra o
inimigo, mas sim guerrilheiros altamente motivados e dotados de grande autonomia. A Era
da Revolução exige revolucionários. Quem agir como tutelado da organização jamais
deixará de ser pupilo, para seu prejuízo e o da organização. Portanto, se você ainda age
como cortesão ou consorte, fazendo mesuras aos preconceitos dos altos dirigentes,
inflando seus já imensos egos, preocupando-se com o que eles querem ouvir, criando
calos nos joelhos, pare! Vai privar você e a empresa de um futuro que vale a pena. Sem
desculpas. Sem medo.
A batalha final
Na Era da Revolução, a concorrência se dará não apenas entre modelos empresariais,
mas também entre regimes de inovação. Grande ciência, gênios em laboratórios, problemas
aparentemente insolúveis, anos de desenvolvimento concentrado: esse era o regime de
inovação da Era Industrial. Seus passos eram comedidos e lentos: preparar, preparar,
preparar, preparar, apontar, apontar, apontar, fogo. Esse regime produziu inovações como o
CD, medicamentos de combate ao colesterol, o Jumbo 747, a fibra óptica e muito mais.
Criou uma enorme riqueza para empresas suficientemente corajosas e ricas, dispostas
a arriscar tudo nas extravagâncias da descoberta científica.

HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
artigo

Gary Hamel
Havia também outro regime de inovação, que primeiro criou e depois alimentou a
sociedade de consumo. Seus heróis foram a Coca-Cola, a Procter & Gamble, a Unilever, a
Nestlé e a Kellogg. Embora essas empresas e seus muitos concorrentes investissem em
pesquisa e desenvolvimento, seu negócio era mais a criação de necessidades do que de
inovações científicas revolucionárias. Em um mundo não mais sujeito às restrições de
capacidade, o desafio consistia em induzir os consumidores a comprar uma marca específica de sabão em pó, de manteiga ou de refrigerante. Nesse mundo, os profissionais de
marketing e não os cientistas eram os inovadores.
A nova ordem industrial é o produto de um tipo muito diferente de inovação, uma
inovação que não mais se baseia na lenta sedimentação do conhecimento científico ou na
exaltação publicitária da marca, mas nos saltos da imaginação humana. Agora, os recursos
iniciais são quase irrelevantes –os inovadores quase sempre começam de bolsos vazios.
As escalas dos prazos de desenvolvimento se medem em semanas, não em anos. Os
clientes são co-criadores, dão feedback em tempo real por meio de um ciclo infindável de
experimentação, adaptação, experimentação, adaptação. Fogo, fogo, fogo, fogo, apontar
mais uma vez, fogo, fogo, fogo –não há mais tempo para a etapa “preparar”. A meta não é
o registro da patente ou a nova campanha publicitária, mas o modelo empresarial radicalmente novo.
Essa nova realidade está mais para Vale do Silício do que para laboratório corporativo
ou pesquisa qualitativa com clientes. No Vale do Silício não há presidentes de empresa
destinando recursos a projetos concorrentes. Em vez disso, pululam milhares de idéias
para negócios que concorrem no espaço que despontou como um mercado aberto para a
inovação do conceito empresarial. As que têm mérito atraem pessoas talentosas e capital,
exatamente como as flores atraem as abelhas. Embora as atividades de pesquisa e desenvolvimento e marketing de consumo permaneçam como trajetórias para a criação de
riqueza, já não são as únicas nem as mais lucrativas. Para florescer na Era da Revolução,
toda empresa precisará aprender a cultivar em suas fronteiras a alquimia singular do Vale
do Silício.

HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
artigo

Gary Hamel

Saiba mais sobre
Gary Hamel
Gary Hamel é considerado um dos
maiores especialistas da atualidade em
estratégia, ao lado de C.K. Prahalad –
com quem escreveu o best seller
Competindo pelo Futuro (ed. Campus)– e Michael Porter. Pesquisador da
Harvard Business School e professor
de estratégia e administração internacional da London Business School,
preside a Strategos, importante firma
de consultoria sediada na Califórnia.
Autor também de Strategic Flexibility
(ed. John Wiley), lançou recentemente
o livro Leading the Revolution, publicado no Brasil pela editora Campus
com o título Liderando a Revolução.
Hamel já teve artigos e entrevistas
publicados em várias edições de HSM
Management, como na edição número
2 (página 140), número 6 (página 114),
número 15 (página 66) e número 20
(página 130). Entre suas especialidades
estão a dinâmica do mercado globalizado e as estratégias indicadas para o
ambiente volátil, que não aceita mais o
progresso paulatino e pede revoluções.

HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001

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A Era da Revolução e as oportunidades fugazes

  • 1. artigo Gary Hamel A Era da Revolução O progresso gradual já pertence ao passado. É tempo de mudanças descontínuas e de oportunidades fugazes. A batalha se dará entre a hierarquia da experiência e a força da imaginação. Por Gary Hamel Não basta melhorar as coisas. Não basta resolver os problemas racionalmente. É preciso mudar tudo, revolucionar. Não é a primeira vez que Gary Hamel defende esse ponto de vista. Ao contrário: em 1998, seu artigo inovador Dez princípios de revolução agitou as páginas de HSM Management (número 6, página 116), marcando o início dessa “pregação” de Hamel, uma das mais importantes cabeças do management mundial de hoje, sem sombra de dúvida. Agora, aqui, ele aprofunda o assunto, vai às últimas consequências, coincidindo com o lançamento de seu livro Liderando a Revolução, publicado no Brasil pela editora Campus. HSM Management/ Ano 4 /Número 24/ janeiro - fevereiro 2001 Por que é preciso revolucionar a empresa? As oportunidades são fugazes, explica o especialista, e os “insurgentes” ganham mercado e reúnem os melhores talentos. Com suas armas estratégicas originais, desafiam os “titulares” do mercado. A velha-guarda versus a vanguarda. O poderio do estabelecido versus a força da imaginação. Nesta nova era, que oferece oportunidades inéditas, o desafio é superar as inovações dos inovadores. Não basta reformular o produto ou o serviço; é preciso reformular também o conceito do negócio, imaginando soluções completamente novas para as necessidades dos clientes. Definitivamente, o segredo é elaborar estratégias que gerem novas receitas e sejam tão revolucionárias como os novos tempos. Os inovadores são os “novos alquimistas”, capazes de produzir algo do nada e de lutar contra a hegemonia das práticas estabelecidas em seu setor de atividade. A Era do Progresso chegou ao fim. Estamos no limiar de uma nova era, a Era da Revolução. A própria natureza da mudança mudou. Não é mais agregadora; não se movimenta mais em linha reta. No século XXI, a mudança é descontínua, abrupta, indócil. Em uma única geração, o custo de decodificação do gene humano caiu de milhões de dólares para cerca de 100 dólares e o preço para armazenar um megabyte de dados despencou de centenas de dólares para praticamente nada. As coisas também mudavam na Era do Progresso. Velhas empresas desapareceram e novas surgiram, por exemplo. Mas as mudanças ocorriam de forma gradual e raramente abalaram os alicerces da ordem industrial. Hoje uma empresa que evolui lentamente já está a caminho da extinção. A nova ordem industrial A Era do Progresso produziu um mundo de gigantes industriais: Mitsubishi, ABB, Citigroup, General Electric, DaimlerChrysler, DuPont e outras. Essas empresas exploravam as disciplinas do progresso, tais como planejamento rigoroso, melhoria contínua, controle HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
  • 2. artigo Gary Hamel Ao afirmar que “a Microsoft está sempre dois anos à frente do fracasso”, Bill Gates mostra que compreende a realidade competitiva da nova era estatístico de processo, qualidade total. Concentravam-se obstinadamente em ser cada vez melhores. E se, por acaso, alguma se atrasava em relação a mudanças no ambiente, havia muito tempo para alcançar os concorrentes. Em um mundo de mudanças descontínuas, no entanto, a empresa que se perde em uma curva crucial da estrada talvez nunca recupere o tempo perdido. Alguns exemplos: A Motorola, que liderava o comércio mundial de telefonia celular no início dos anos 90, atrasou-se alguns anos na mudança para a tecnologia digital. Azar. O jogo acabou e a Nokia venceu. E mais: dez anos antes, a Nokia fabricava pneus para neve e botas de borracha. Quer construir um grande portal na Internet? Esqueça, é tarde demais. O segmento de portais está se consolidando com a mesma velocidade com que decolou. Nos últimos anos, a Nike aprendeu uma lição dolorosa sobre a atenção fugaz dos adolescentes de 14 anos. Eles não mais atormentam seus pais para comprar um tênis Air Jordan de US$ 100. Para eles, Michael Jordan, o herói do basquete exclusivo da Nike, é apenas um pretendente a jogador de golfe. Seus tênis preferidos, pelo menos no momento, são Vans e Airwalks. Na Era da Revolução, as oportunidades vêm e vão à velocidade da luz. Empresas podem perder US$ 1 bilhão em um piscar de olhos. Vejamos mais algumas evidências. Os norte-americanos com mais de 40 anos talvez se lembrem da Main Street, aquela rua central de suas cidades com uma despretensiosa fileira de lojas de propriedade dos moradores locais que conheciam as crianças pelo nome e preenchiam todas as necessidades, suas e de sua família. Isso tudo pertence ao passado, substituído décadas atrás por shopping centers muito parecidos, com a Sears em uma extremidade, a J.C. Penney na outra e uma fileira de lojas especializadas, como a B. Dalton e a KB Toys, no meio. E, de repente, quando menos se esperava, os shoppings da periferia das cidades iniciaram a longa descida rumo à irrelevância do varejo. Lentamente, lojas especializadas, como Toys’R’Us, Home Depot e Staples, começaram a esmagar muitos dos varejistas especializados que no passado impulsionavam os shoppings, e a Wal-Mart desalojou a Sears como maior varejista dos EUA. E qual é a chance de que a revolução varejista tenha fim com a Wal-Mart e a Toys’R’Us? Nenhuma. Os consumidores não vão passar o resto da vida percorrendo os corredores anódinos da Wal-Mart para economizar alguns dólares na compra de um martelo. Os varejistas que ocupam as “grandes caixas” flutuantes em um mar de asfalto um dia vão se descobrir no lado errado da revolução deflagrada pela Internet. E vale a pena observar que, com poucas exceções, não há líderes de mercado no varejo off-line que liderem sua categoria on-line. Na grande maioria, as empresas à moda antiga simplesmente não se movimentaram com a rapidez necessária. Não estavam preparadas para a revolução. Na nova ordem industrial, as linhas de batalha não estão posicionadas entre regiões e países. Não se trata mais de Japão versus Estados Unidos, por exemplo. Hoje são os rebeldes versus os titulares, os revolucionários versus a elite. Os revolucionários setoriais explorarão qualquer impulso defensivo, qualquer hesitação por parte da oligarquia. Todas as tentativas de retração, recuo, reagrupamento ou desmobilização serão exploradas como oportunidades para a conquista de mais terreno. Primeiro, os revolucionários vão conquistar mercados e clientes. Em seguida, vão atrair os melhores funcionários –por exemplo: em 1999, 25% dos graduados em administração em Harvard começaram a trabalhar em empresas com menos de 50 funcionários. E, finalmente, vão avançar sobre seus ativos HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
  • 3. artigo Gary Hamel Para a plena realização das promessas dessa nova era, cada um de nós precisa converter-se em sonhador e em construtor –afinal, quem esperava que a eBay.com, firma de leilões pela Internet, adquirisse a terceira maior casa de leilões dos Estados Unidos, a Butterfield & Butterfield? O único limite é a imaginação Toda era traz uma mistura própria de promessas e perigos, e a Era da Revolução é farta em ambos os ingredientes. No entanto, existem motivos para sermos mais esperançosos do que temerosos, pois essa era nos acena com oportunidades jamais apresentadas. Hoje, nosso único limite é a imaginação. No entanto, as pessoas capazes de imaginar uma nova realidade sempre foram menos numerosas do que as incapazes de fazê-lo. Para cada Leonardo da Vinci, Jonas Salk ou Charles Babbage, existem centenas de milhares de pessoas que não conseguem sair dos trilhos lubrificados da história. São poucos aqueles que se desvencilham dos limites do mundo linear. Para a plena realização das promessas dessa nova era, cada um de nós precisa converter-se em sonhador e em construtor. Na Era do Progresso, os sonhos, quase sempre, eram pouco mais do que fantasias românticas. Hoje, como nunca, os sonhos são portas de entrada para novas realidades. Nossas organizações também precisam aprender a sonhar. Em muitas empresas a imaginação coletiva tem sido um enorme fracasso. Como prosperar na Era da Revolução Em algum lugar há uma arma apontada contra sua empresa. Em algum lugar há um concorrente, ainda por nascer e desconhecido, que tornará sua estratégia obsoleta. É impossível esquivar-se da bala –é preciso atirar primeiro. É necessário ser mais inovador que os inovadores. Ao afirmar que “a Microsoft está sempre dois anos à frente do fracasso”, Bill Gates não está assumindo uma postura defensiva contra as acusações de monopólio. Gates compreende a realidade competitiva da nova era. Ele sabe que não são apenas os ciclos de vida dos produtos que estão encolhendo; os ciclos de vida das estratégias também estão cada vez mais curtos. O ritmo quase entorpecente da mudança impõe a certeza de que qualquer conceito empresarial, não importa quão brilhante, rapidamente perderá sua eficiência econômica. Hoje, as empresas devem ser capazes de reinventar sua estratégia não apenas uma vez por década, em meio às crises de substituição de seus presidentes, mas de forma contínua, ano após ano. Em uma pesquisa que coordenei, perguntou-se a cerca de 500 presidentes de empresa: “Quem melhor aproveitou as mudanças em seu setor nos últimos dez anos: recém-chegados, concorrentes tradicionais ou sua empresa?” A resposta mais frequente foi recémchegados. A outra pergunta foi se os recém-chegados haviam vencido por “executar melhor” ou por “mudar as regras do jogo”. Os recém-chegados haviam ganho por mudar as regras, segundo 62% dos entrevistados. “Eu costumava passar boa parte de meu tempo preocupado com o ‘como’ –como fazer as coisas, como operar, como ser eficiente. Agora, dedico quase todo o tempo a pensar no ‘quê’ –que oportunidades devemos buscar, que parcerias devemos formar, que tecnologias apoiar, que experiências iniciar”, diz Bob Shapiro, presidente da Monsanto. A questão é simples. Quando a organização tiver espremido os últimos 5% de eficiência do “como”, alguém já terá inventado um novo “quê”. E esse é o segredo da prosperidade na Era da Revolução. HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
  • 4. artigo Gary Hamel Num mundo não-linear, apenas as idéias nãolineares criarão novas riquezas. A inovação radical é o único meio de escapar da hipercompetição impiedosa Inovação não-linear O símbolo da conquista na Era Industrial era o conceito de melhoria contínua. O aprendizado organizacional e a gestão do conhecimento, por sua vez, são primos-irmãos da melhoria contínua. Têm mais a ver com aprimorar do que com diferenciar. A última proeza da Era do Progresso foi transformar o conhecimento em commodity. Hoje é possível comprar conhecimento a quilo –de consultores apregoando as melhores práticas, de funcionários que vieram de concorrentes e de todas as organizações que esperam que sua empresa terceirize tudo. Mas, na Era da Revolução, não será o conhecimento que produzirá a nova riqueza, mas o insight –o insight de oportunidades para inovações descontínuas. Em um mundo não-linear, apenas as idéias não-lineares criarão novas riquezas. Há muito tempo que, na grande maioria, as empresas atingiram o ponto de retornos decrescentes em seus programas de melhorias incrementais. A inovação radical é o único meio de escapar da hipercompetição impiedosa que vem achatando as margens nos mais variados setores. A inovação não-linear exige que a empresa rompa os grilhões dos precedentes e imagine soluções inteiramente inéditas para as necessidades dos clientes. Quem tentar aumentar receitas ou reduzir custos por meio de uma abordagem incremental e em linha reta acabará enfrentando um “hiato de inovação” no confronto com os concorrentes que conseguiram quebrar as convenções e mudar-se para novos degraus ou patamares. Cada vez mais, o mundo se divide em dois tipos de organização: as que não foram além da melhoria contínua e as que conseguiram dar o salto para a inovação nãolinear. Inovação dos conceitos empresariais As empresas revolucionárias de seus setores adotam como ponto de partida para a inovação o conceito empresarial e não o conceito de um produto ou serviço. Elas sabem que a concorrência não é mais entre produtos ou serviços, mas sim entre conceitos empresariais concorrentes. Alguns exemplos: A compra de livros pela Internet é um modelo empresarial radicalmente diferente do da livraria convencional. Ao longo das últimas décadas, os bancos perderam quase a metade de sua participação nos ativos financeiros das famílias norte-americanas para recém-chegadas como a Fidelity e a Charles Schwab. Os bancos encaravam os clientes como poupadores; o setor de fundos de investimento sabia que também eram investidores. A estratégia da Hotmail para atrair visitantes –e-mail gratuito custeado pela propaganda– era completamente diferente da abordagem inicial da AOL para conquistar novos clientes –inundar o mundo com disquetes de instalação e cadastramento. Em 18 meses, a Hotmail saltou da estaca zero para 10 milhões de usuários. O grande sucesso da DirectTV fundamenta-se em um modelo empresarial sem paralelo no antigo mundo das redes de televisão. Na Nasdaq, os formadores de preço tradicionais estão sendo desafiados pelas novas “redes de comunicação eletrônica”, que oferecem oportunidades de negociação 24 horas por dia e com margens menores. Uma série de mercados de Internet –desde a venda de aço laminado a programadores de Java– ameaça suplantar os preços fixos com leilões em tempo real. HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
  • 5. artigo Gary Hamel A inovação radical e sistêmica no conceito empresarial atropela as regras da concorrência. Porém a inovação em produtos ainda é importante Esses são exemplos de inovação radical e sistêmica no conceito empresarial. Eles atropelam as regras tradicionais da concorrência. Os revolucionários setoriais não ficam só à margem. Eles explodem os antigos modelos e criam novos. No entanto, a maioria das organizações conta com poucos indivíduos que pensam de forma holística sobre conceitos empresariais inteiramente novos ou efetuam mudanças radicais nos existentes. Em grande parte das empresas, a convocação de “mais inovação” é interpretada como um apelo por novos produtos ou novas características em produtos antigos. Nesse sentido, a maioria das pessoas desenvolve uma visão bastante truncada da inovação. Na Nabisco, por exemplo, inovação é quando se dobra a quantidade de recheio entre as bolachas de chocolate. Não me interprete mal. O Oreo é um excelente biscoito, e o Double Stuf Oreo (com o dobro de recheio) é ainda melhor. Mas isso não é inovação de um conceito empresarial; é inovação incremental, centrada em um único componente do modelo empresarial. Porém não se iluda: a inovação em produtos ainda é importante. Quando, após anos de tentativas, a Clorox conseguiu criar alvejantes com essência de limão, a categoria ingressou em fase de crescimento de dois dígitos. E todos que já se barbearam com o Gillette Mach III entendem por que o produto justifica um preço mais alto. No entanto, a visão de inovação baseada no produto é excessivamente estreita. Não estou convencido de que o café Starbucks seja melhor do que o oferecido em qualquer estabelecimento de boa categoria. Acontece que ele é servido dentro de um modelo de negócio bastante diferente. E mais: muitos também vêem a inovação como algo basicamente induzido pela tecnologia, o que em geral é verdade. Todavia, nem sempre a inovação de um conceito empresarial está relacionada com uma nova tecnologia. A inovação do conceito empresarial é a capacidade de reconceber os modelos empresariais existentes para que criem um novo valor para os clientes, desequilibrem os concorrentes e produzam uma nova riqueza. Como tal, será a vantagem competitiva decisiva na Era da Revolução –a única maneira de as empresas escaparem da hipercompetição implacável que vem golpeando as margens nos mais variados setores. A nova riqueza Em cada dobra do tecido da história, cria-se uma nova riqueza e destrói-se a antiga. Não será diferente à medida que a Era do Progresso cede a vez para a Era da Revolução. A pergunta é: quem criará a nova riqueza e quem dilapidará a antiga? Os revolucionários já puseram as mãos em riqueza suficiente para pagar o resgate de todos os líderes políticos do mundo. Com um patrimônio líquido de US$ 90 bilhões, Bill Gates é o ser humano mais rico da história, tendo utilizado a Microsoft como uma alavanca gigante para subverter o setor de computadores. Liderando uma empresa que, em 1999, chegou a uma capitalização de mercado duas vezes superior à da maior montadora dos EUA, Michael Dell é um peixe mais graúdo no mercado financeiro do que Jack Smith, presidente da General Motors. Igualmente, o valor da Wal-Mart é superior ao valor somado de Sears, Roebuck e J.C. Penney. Hoje as empresas estão obcecadas em satisfazer os acionistas. Cisões, megafusões, recompra de ações, programas de eficiência –são todas iniciativas que liberam riqueza, mas não criam nova riqueza. Essas estratégias não criam nova riqueza porque não geram novos mercados, novos clientes ou novos fluxos de receita. HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
  • 6. artigo Gary Hamel No âmago da inovação do conceito empresarial encontra-se a capacidade de criar novas estratégias que geram riqueza. O desafio é descobrir de onde vêm essas estratégias Já os revolucionários setoriais estão no negócio de criar nova riqueza. Analise o valor de mercado de alguns revolucionários que obtiveram as maiores conquistas na última década –empresas como Charles Schwab, Home Depot, Gap Inc., Yahoo!, Amazon.com, eBay, Dell Computer e outras. Depois, pergunte-se: algum dos programas de melhoria de minha empresa, algum dos esquemas de engenharia financeira, alguma das aquisições, alguma das técnicas criativas de gestão do lucro gera algum tipo de vantagem? Não perca tempo respondendo. Eu lhe garanto que não. Quem quiser prosperar na Era da Revolução precisará fazer mais do que extrair algumas gotas de riqueza das estratégias de ontem. Os revolucionários não liberam riqueza; criam riqueza. Não são representantes; são empreendedores. Fazem mais do que meramente conservar; eles constroem. É por isso que, setor após setor, os recém-chegados criaram uma parcela tão grande da nova riqueza. A origem da estratégia No âmago da inovação do conceito empresarial encontra-se a capacidade de criar novas estratégias que geram riqueza. Mas de onde vêm essas novas estratégias? É possível que as estratégias saiam do processo de planejamento anual, aquele ritual bem-ensaiado que acontece em quase todas as organizações? Antes de mais nada, a noção de que estratégia é “fácil” decorre do pressuposto errôneo de que planejamento estratégico tem algo a ver com a elaboração da estratégia. A estratégia parece fácil quando o processo de planejamento limita de forma constrangedora o escopo da descoberta, a amplitude do envolvimento e a intensidade do esforço intelectual despendido, e quando a meta está muito longe da revolução. Qualquer empresa imbuída da crença de que o planejamento gerará estratégias revolucionárias vai se encontrar presa na trama do incrementalismo, enquanto os forasteiros libertários assumem a liderança de insurreições vitoriosas. Bem, talvez as estratégias revolucionárias sejam obra de “visionários” como Bill Gates (Microsoft), Ted Turner (CNN), Anita Roddick (The Body Shop), Howard Schwartz (Starbucks), Michael Dell (Dell Computer) e tantos outros empresários de grande visão. Muitas, se não a maioria, das revoluções setoriais tiveram origem na visão de um único indivíduo. No entanto, frequentemente a empresa chega ao fim do facho de luz projetado pelo visionário, choca-se com o primeiro obstáculo e perde o rumo. Os visionários não continuam visionários para sempre. Poucos são capazes de imprimir sua marca em uma segunda visão e seus apóstolos tornam-se dependentes do profeta, abdicando de sua responsabilidade de intuir novas oportunidades. Em geral, o visionário que também é presidente da empresa inibe inconscientemente a capacidade de inovação radical da organização. Afinal, de onde vem a estratégia? É uma pergunta danada de boa. Vejamos a origem de três estratégias revolucionárias: Quando seu marido saiu de Littlehampton, Inglaterra, para realizar o antigo sonho de ir a cavalo de Buenos Aires a Nova York, Anita Roddick ficou com o encargo de cuidar de si e das filhas. Para sustentar a família, abriu uma pequena loja de cosméticos nas imediações de Brighton, enchendo pequenos frascos de plástico com uma substância viscosa. Dessa semente germinou a Body Shop, empresa que registrou receita de US$ 1 bilhão em 1998. Pouco antes de seu 58º aniversário, Mike Harper, o agressivo presidente da ConAgra, sofreu um ataque cardíaco. Depois de um prolongado período na UTI, Mike deixou o hospital com o compromisso de mudar seus hábitos alimentares. O novo Mike, preocupado com a saúde, desafiou a empresa a criar uma linha de produtos saudáveis, mas HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
  • 7. artigo Gary Hamel Nesta Era da Revolução, a concorrência se dará não apenas entre modelos empresariais, mas também entre regimes de inovação saborosos. O resultado foi a Healthy Choice, uma linha de refeições congeladas nutritivas que rapidamente se transformou em líder da categoria. A marca Healthy Choice abrange hoje mais de 300 produtos que, em 1999, geraram mais de US$ 15 milhões em vendas. O que os “porta-balas” Pez –embalagens de plástico com a cabeça de famosos personagens de desenho animado– têm a ver com uma das empresas de Internet mais badaladas do mundo? Muito. Basta perguntar a Pierre Omidyar. Sua noiva era uma colecionadora fanática do produto. De que maneira, matutou Pierre, ele conseguiria ajudá-la a saciar sua paixão pelos Pez? A resposta: uma comunidade de troca on-line, pessoa a pessoa, na qual os colecionadores comprariam e venderiam esses cobiçados objetos. A idéia de Pierre desabrochou na eBay, o principal site de leilões da Internet, no qual mais de 2 milhões de membros efetuam 1 milhão de lances por dia. Casualidade ou antevisão? A resposta é a seguinte: as novas estratégias são sempre – sempre mesmo– produto de uma antevisão feliz. Uma coisa é certa: o insight básico não deriva de processos de planejamento; é resultado de um coquetel de circunstâncias fortuitas, desejo, curiosidade, ambição e necessidade. Mas é preciso que haja algum grau de antevisão –um sentido de onde estão as novas riquezas. Portanto, a inovação do conceito empresarial é sempre parte casualidade e parte clarividência. Se a possibilidade de prosperar na Era da Revolução depende da aptidão das organizações de reimaginar a essência de seu propósito e destino e de criar continuamente novos sonhos e novos rumos, ficamos em uma situação de perplexidade. Como aumentar a probabilidade de germinação de novas estratégias criadoras de riqueza na empresa? O movimento pela qualidade nos dá uma analogia útil. Muitas empresas precisaram de uma ou mais décadas para absorver e internalizar a qualidade como capacidade. Agora, o desafio não é mais a qualidade. É construir a capacidade de inovar profundamente o conceito empresarial criando condições para produzir conceitos empresariais inteiramente novos e reinterpretar de forma radical os antigos. Como os primeiros líderes do movimento pela qualidade, precisaremos inventar novas práticas. A Era da Revolução não pede soldados diligentes que se lançam em massa contra o inimigo, mas sim guerrilheiros altamente motivados e dotados de grande autonomia. A Era da Revolução exige revolucionários. Quem agir como tutelado da organização jamais deixará de ser pupilo, para seu prejuízo e o da organização. Portanto, se você ainda age como cortesão ou consorte, fazendo mesuras aos preconceitos dos altos dirigentes, inflando seus já imensos egos, preocupando-se com o que eles querem ouvir, criando calos nos joelhos, pare! Vai privar você e a empresa de um futuro que vale a pena. Sem desculpas. Sem medo. A batalha final Na Era da Revolução, a concorrência se dará não apenas entre modelos empresariais, mas também entre regimes de inovação. Grande ciência, gênios em laboratórios, problemas aparentemente insolúveis, anos de desenvolvimento concentrado: esse era o regime de inovação da Era Industrial. Seus passos eram comedidos e lentos: preparar, preparar, preparar, preparar, apontar, apontar, apontar, fogo. Esse regime produziu inovações como o CD, medicamentos de combate ao colesterol, o Jumbo 747, a fibra óptica e muito mais. Criou uma enorme riqueza para empresas suficientemente corajosas e ricas, dispostas a arriscar tudo nas extravagâncias da descoberta científica. HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
  • 8. artigo Gary Hamel Havia também outro regime de inovação, que primeiro criou e depois alimentou a sociedade de consumo. Seus heróis foram a Coca-Cola, a Procter & Gamble, a Unilever, a Nestlé e a Kellogg. Embora essas empresas e seus muitos concorrentes investissem em pesquisa e desenvolvimento, seu negócio era mais a criação de necessidades do que de inovações científicas revolucionárias. Em um mundo não mais sujeito às restrições de capacidade, o desafio consistia em induzir os consumidores a comprar uma marca específica de sabão em pó, de manteiga ou de refrigerante. Nesse mundo, os profissionais de marketing e não os cientistas eram os inovadores. A nova ordem industrial é o produto de um tipo muito diferente de inovação, uma inovação que não mais se baseia na lenta sedimentação do conhecimento científico ou na exaltação publicitária da marca, mas nos saltos da imaginação humana. Agora, os recursos iniciais são quase irrelevantes –os inovadores quase sempre começam de bolsos vazios. As escalas dos prazos de desenvolvimento se medem em semanas, não em anos. Os clientes são co-criadores, dão feedback em tempo real por meio de um ciclo infindável de experimentação, adaptação, experimentação, adaptação. Fogo, fogo, fogo, fogo, apontar mais uma vez, fogo, fogo, fogo –não há mais tempo para a etapa “preparar”. A meta não é o registro da patente ou a nova campanha publicitária, mas o modelo empresarial radicalmente novo. Essa nova realidade está mais para Vale do Silício do que para laboratório corporativo ou pesquisa qualitativa com clientes. No Vale do Silício não há presidentes de empresa destinando recursos a projetos concorrentes. Em vez disso, pululam milhares de idéias para negócios que concorrem no espaço que despontou como um mercado aberto para a inovação do conceito empresarial. As que têm mérito atraem pessoas talentosas e capital, exatamente como as flores atraem as abelhas. Embora as atividades de pesquisa e desenvolvimento e marketing de consumo permaneçam como trajetórias para a criação de riqueza, já não são as únicas nem as mais lucrativas. Para florescer na Era da Revolução, toda empresa precisará aprender a cultivar em suas fronteiras a alquimia singular do Vale do Silício. HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001
  • 9. artigo Gary Hamel Saiba mais sobre Gary Hamel Gary Hamel é considerado um dos maiores especialistas da atualidade em estratégia, ao lado de C.K. Prahalad – com quem escreveu o best seller Competindo pelo Futuro (ed. Campus)– e Michael Porter. Pesquisador da Harvard Business School e professor de estratégia e administração internacional da London Business School, preside a Strategos, importante firma de consultoria sediada na Califórnia. Autor também de Strategic Flexibility (ed. John Wiley), lançou recentemente o livro Leading the Revolution, publicado no Brasil pela editora Campus com o título Liderando a Revolução. Hamel já teve artigos e entrevistas publicados em várias edições de HSM Management, como na edição número 2 (página 140), número 6 (página 114), número 15 (página 66) e número 20 (página 130). Entre suas especialidades estão a dinâmica do mercado globalizado e as estratégias indicadas para o ambiente volátil, que não aceita mais o progresso paulatino e pede revoluções. HSM Management 24 / ano 4 / janeiro - fevereiro 2001