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A conjuntura das escolhas públicas 
Coordenação: Jorge Vianna Monteiro* 
“Um comentário estabelecido a partir do modelo analítico da ‘public 
choice’ — uma vertente da moderna economia política que considera 
as políticas públicas resultado da interação social, sob instituições de 
governo representativo.“ 
Quão suprema é a revisão judicial no jogo de políticas 
públicas? 
Jorge Vianna Monteiro 
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Transgressões às regras do jogo; 3. Um dilema contra-majoritário; 
4. Um problema de superagência; 5. Conclusão. 
1. Introdução 
Desde meados de 2005 ocorrem seguidos 
episódios em que se contrapõem as preferên-cias 
dos legisladores e de alguma instância 
do Judiciário (STF, STJ e TSE)1 — o que 
traz implicações tanto para o sistema de sep-aração 
de poderes, quanto para a estabil-idade 
das regras constitucionais. 
É paradoxal que, não obstante a Constitu-ição 
já ter sido alvo de tantas e extensas emen-das, 
2 até aqui não se tenha definido um padrão 
de alterações que se possa tomar como linha de 
orientação da arquitetura da nova Constitu-ição. 
Prossegue-se promovendo alterações lo-calizadas, 
ainda que, no longo prazo, elas rev-elem 
sérios danos à separação de poderes 
(Monteiro, 2000, 2004). 
* Professor de políticas públicas da Ebape/FGV e profes-sor 
associado do Departamento de Economia da PUC-Rio. 
Endereço: PUC-Rio — Departamento de Economia 
— Rua Marquês de São Vicente, 225 — Gávea — CEP 
22453-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: jvin-mont@ 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 
econ.puc-rio.br. 
1 As ocorrências cobrem um vasto espaço em que se 
desenrolam as escolhas públicas: acolhimento pelo STF 
de pleitos que limitam a capacidade investigativa de 
comissões legislativas em operação no Congresso Nacio-nal, 
desde meados de 2005; divergências do STE e STF 
com virtualmente toda a classe política, relativamente a 
mudanças de regras que possam ter validade, já nas 
eleições de outubro próximo (a questão da verticalização 
do regime de alianças partidárias, por exemplo) e com-petição 
por liminares do STJ na regulação da agenda 
partidária (realização de indicações prévias de candidatos 
presidenciais pelo PMDB, em março de 2006). 
2 Para referências a um proposto período de revisão con-stitucional 
iniciando em 2007, ver adiante.
316 Jorge Vianna Monteiro 
Próximo ao final do primeiro 
quadrimestre de 2006, a conjuntura apenas 
reforça esse ponto de vista. 
2. Transgressões às regras do jogo 
Transcorrem no Congresso Nacional investi-gações 
rumorosas sobre potenciais delitos 
morais e eleitorais cometidos por uma var-iedade 
de políticos e partidos políticos; ao 
mesmo tempo, o notório pronunciamento 
feito em 16 de janeiro de 2006, pelo presi-dente 
da República, precipitou a campanha 
pela reeleição.3 Em ambos os casos, têm 
sido freqüentes as argüições de transgressão 
à Constituição. 
Essas ocorrências servem para ilustrar a 
conjectura de que o uso do processo eleitoral 
possa substituir a revisão judicial, na solução 
de problemas constitucionais quando, por al-gum 
motivo, o Judiciário se eximir de tomar 
uma decisão a esse respeito. Argumenta-se que 
a sociedade poderá usar o teste eleitoral para 
fazer valer restrições constitucionais que condi-cionam 
o processo político. Desse modo, os 
políticos associados às práticas transgressoras 
seriam então punidos pelo voto. 
Tal perspectiva contrapõe o processo 
político ao recurso judicial, quando o Ju-diciário 
acolhe demandas quanto à impro-priedade 
desses comportamentos delituosos, 
ou, visto por um outro ângulo, em que medida 
o processo eleitoral seria estritamente substi-tuto 
de remédios judiciais, especialmente na 
solução de querelas constitucionais? (Siegel, 
2005; Barkow, 2002). 
Transferir a solução dessa classe de prob-lemas 
para o plano político-eleitoral é, no en-tanto, 
uma sugestão impraticável.4 
Digamos que seja apresentada ao Supre-mo 
Tribunal Federal a argüição de inconstitu-cionalidade 
quanto a um dado comportamen-to 
do presidente da República ou de um parti-do 
político, e que o STF, de algum modo, de-cline 
de apreciar a questão. Restaria, então, 
recorrer ao processo político, isto é, punir ele-itoralmente 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 
o presidente ou os legisladores 
que patrocinem tais práticas (corrupção, uso 
da máquina governamental em campanha, 
por exemplo). Terá esse tema suficiente 
relevância na percepção do eleitor, a ponto de 
levar a que um número substancial de ele-itores 
coordene uma estratégia de voto puni-tiva 
a esses políticos? 
Provavelmente, não. Atos presumida-mente 
inconstitucionais (mesmo aqueles que 
envolvam temas relevantes) poderão ter pou-ca 
— se de todo tiverem alguma — ressonân-cia 
na campanha eleitoral. 
O enquadramento analítico dessas 
questões pode ser feito a partir da consider-ação 
de que o processo político opera com 
características distintas do mecanismo judi-cial. 
Além do fato de que a estratégia punitiva 
por via eleitoral envolve dispêndio de es-forço, 
tempo e recursos, significativamente 
superior ao que se incorreria no litígio judi-cial, 
essa diferenciação apresenta-se em vári-os 
atributos (Siegel, 2005). 
t A via judicial é focalizada, isto é, a 
questão argüida junto ao STF é uma de-manda 
específica por direitos, tanto quan-to 
o processo judicial manifesta-se igual-mente 
em torno dessa especificidade. 
3 Sobre incumbência, medidas provisórias e um dilema. 
Estratégia Macroeconômica, v. 14, n. 335, 30 jan. 2006. 4 Esta questão é retomada adiante.
A Conjuntura das Escolhas Públicas 317 
Como contraponto, decisões de governo 
representativo são processadas e finalizadas 
em diferentes misturas de temas de políticas 
públicas. É inviável singularizar um tema ou 
uma posição na agenda legislativa, especial-mente 
porque a solução política é construída 
em torno da vontade da maioria que se obtém 
ao fim de intensa troca de votos. Um partido 
ou candidato em uma eleição não está relacio-nado 
a um tema singular, mas a todo um blo-co 
de temas de política, especialmente em 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 
eleições na jurisdição nacional.5 
t Diferentemente da revisão judicial, a de-cisão 
obtida no processo político (por de-liberação 
dos legisladores ou diretamente 
do eleitorado) não vem acompanhada por 
um arrazoado de seus motivos. 
Ou, dito de outro modo, o processo de de-cisão 
judicial deixa rastros bem claros, ao 
passo que o recurso ao processo político para 
resolver embates constitucionais é envolto 
em um emaranhado de fatores causais, com-plexo 
o suficiente para impedir que se de-componha 
essa causação em uma ordem de 
prioridades. 
t O processo político não se sustenta na to-mada 
de decisões segundo precedentes, 
como é habitual no Judiciário. 
A cada votação no Congresso, as prior-idades 
são peculiares e os termos em que 
ocorrem as trocas de votos são reconfigura-dos, 
mesmo porque a interpretação das vo-tações 
pregressas — como argüido acima — 
não é única. No caso da manifestação do ele-itorado, 
a questão do precedente perde igual-mente 
o sentido pelo fato de que os resultados 
eleitorais federais ocorrem em intervalos 
muito longos, de quatro anos. Qualquer 
argüição de precedente nesse horizonte de 
tempo perde credibilidade, pela intervenção 
de novos fatores causais que distorcem a 
memória dos antigos eleitores e têm impactos 
diferenciados nos novos eleitores. 
No Judiciário, o número fixo de partici-pantes 
e a longa duração de seus mandatos 
são ingredientes que contornam esse tipo de 
dificuldade para estabelecer decisões, viabili-zando 
a tomada de decisões por um sistema 
de precedentes. 
t A escolha política é essencialmente uma es-colha 
majoritária e, em decorrência disso, 
abre-se uma via de mão dupla: por um lado, 
a vontade da maioria dos eleitores pode san-cionar 
a transgressão constitucional; por 
outro, a antecipação dessa preferência ma-joritária 
dos eleitores leva a que o político-candidato 
ajuste sua estratégia de campan-ha 
em sintonia com essa percepção. 
5 Mesmo que a questão proposta seja única e apresentada 
diretamente ao eleitorado (plebiscito, referendo) — 
como visto recentemente no referendo de 23 out. 2005 
—, o sentido da consulta popular pode ser percebido 
pelos eleitores de um modo bastante opaco (Monteiro, 
2006, seção 3). Ainda que a coordenação da estratégia 
punitiva pelos eleitores chegasse a bom termo, “a 
natureza [dispersa] das eleições aponta para um outro 
problema que deve contaminar mesmo os esforços bem-sucedidos 
de acertar violações constitucionais através 
das urnas: o processo eleitoral é inescrutável” (Siegel, 
2002:24), isto é, mesmo que a punição eleitoral venha a 
ocorrer e o político não se reeleja, a razão dessa derrota 
não é passível de ser relacionada a essa estratégia puni-tiva! 
Outra vez, não há como singularizar causas no 
resultado final observado do teste eleitoral — o que não 
invalida que a oposição e a mídia possam retirar do 
episódio a versão que mais lhes convenha.
318 Jorge Vianna Monteiro 
Paradoxalmente, em meio à popularidade 
do candidato-incumbente, em razão de uma 
variedade de resultados de políticas públicas, 
a transgressão constitucional pode acabar re-cebendo 
baixa prioridade na formação dessa 
maioria de eleitores. Ou, em uma outra inter-pretação, 
a transgressão constitucional 
poderá vir a ser amplamente aceita pelo ele-itorado! 
3. Um dilema contramajoritário 
A tabela que ilustra este artigo é um formato 
simples de mapear a estabilidade do conjunto 
mais essencial das regras nas escolhas públi-cas 
na economia brasileira. 
Qualificando a incidência numérica des-sas 
alterações (coluna A), a tabela apresenta 
na coluna B um indicador simples da ampli-tude 
com que essas alterações diretamente 
produzidas por emendas repercutem sobre 
todo o conjunto da Constituição.6 Assim, es-tabeleceu- 
se que uma emenda de grande ex-tensão 
é a que alcança, por acréscimo ou su-pressão, 
pelo menos três artigos do texto con-stitucional; 
nos demais casos, a emenda é 
classificada como de pequena extensão. Por-tanto, 
o índice exibido na coluna B representa 
a proporção de emendas de grande extensão 
no total das emendas promulgadas pelo Con-gresso, 
a cada período: por essa estimativa, o 
percentual total de grandes alterações ultra-passa 
1/3.7 
Estabilidade das regras 
constitucionais — 1988-2006* 
Período 
Número de emendas 
constitucionais 
Vale ainda notar que, não obstante a Con-stituição 
já ter sido alvo de tantas e extensas 
emendas, no espaço de pouco menos de 20 
anos, ainda não se definiu um padrão de alter-ações 
que se possa tomar como linha de ori- 
6 Duas outras vertentes de alteração constitucional não 
estão aí incluídas: a interpretação judicial das regras con-stitucionais 
e sua operacionalização no âmbito das políti-cas 
públicas formuladas pelos burocratas do Executivo. A 
respeito das várias vertentes em que se pode processar 
uma alteração constitucional, ver Monteiro (2004:95-99). 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 
(A) 
Amplitude das 
emendas 
(B) 
1992 2 0 
1993 2 0,5 
1994** 6 0,16 
1995 5 0,2 
1996 6 0,16 
1997 2 0,5 
1998 3 1 
1999 4 0,75 
2000 7 0,28 
2001 4 0,5 
2002 4 0,25 
2003 3 1 
2004 3 0,33 
2005 3 0,33 
2006*** 4 0 
Total*** 58 0,36 
Nota: Os dados aqui mostrados atualizam e dão um novo 
formato ao levantamento quantitativo que aparece em: 
Regras do jogo instáveis e dilema contramajoritário. Estraté-gia 
Macroeconômica, v. 14, n. 338, 13 mar. 2006. 
* Em 1988-91 não houve emendas. 
** Emendas de revisão. 
*** Janeiro a abril. 
7 Esse indicador de amplitude da alteração de regras con-stitucionais 
reflete, em boa margem, o sentido mais intu-itivo 
que comumente se atribuiria a uma emenda de 
grande amplitude: ela se traduz por um longo texto e, 
portanto, redefine numerosas regras, por adição ou 
supressão.
A Conjuntura das Escolhas Públicas 319 
entação de uma nova arquitetura constitucio-nal. 
Alterações ad hoc continuam sendo pro-movidas, 
ainda que, no longo prazo, elas rev-elem 
sérios danos ao sistema da separação de 
poderes (Monteiro, 2000, 2004). Evidências 
associadas às recorrentes tentativas de regu-lar 
a emissão de medidas provisórias (em 
2001 e 2006,8 por exemplo) bem como ao 
cabo-de-guerra9 ocorrido entre Legislativo e 
Judiciário exemplificam esse ponto de vista. 
As lideranças políticas parecem não se 
dar conta da extrema relevância de se estabi-lizar 
as regras constitucionais, fazendo-as 
convergir para um equilíbrio (Ordeshook, 
1992; Monteiro, 2004). 
Uma explicação para isso parece ser o 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 
oportunismo eleitoral. 
t Ainda que prevista no próprio texto con-stitucional 
de 1988, o esforço revisional 
de outubro de 1993-abril de 1994 frus-trou- 
se, com a motivação do ano eleitoral 
de 1994 misturando-se a essa tarefa. 
t Em 1997 deu-se uma alteração ad hoc 
do poder do Executivo: foi promulgada 
a EC no 16 (4 de junho de 1997) atri-buindo 
ao então presidente da República 
a possibilidade de obter mais um manda-to 
eletivo sucessivo de quatro anos.10 
t Em fevereiro de 2006, o Congresso Na-cional 
aprovou regra eleitoral que elimina 
a “verticalização” (TSE, 26 de fevereiro 
de 2002), ou seja, não são obrigatórias 
nos estados as coligações firmadas para a 
eleição presidencial, já com validade na 
eleição de outubro próximo. 
Todavia, em 3 de março de 2006, o mes-mo 
Tribunal Superior Eleitoral invalidou 
essa decisão dos legisladores.11 Tal ocorrên-cia 
ilustra um dilema contramajoritário 
(Monteiro, 2004:40-41, quadro 2): tendo dep-utados 
e senadores aprovado a extinção da re-gra 
de verticalização, um foro de membros 
que não detêm mandato eletivo (STE) decide 
contrariamente, sobrepondo-se à mani-festação 
do processo político majoritário.12 
t Mais recentemente (25 de fevereiro de 
2006), foi criada na Câmara dos Deputa-dos 
uma comissão especial para examinar 
a PEC no 157/03, que propõe uma Assem-bléia 
de Revisão Constitucional, a ser in-stalada 
em 1o de fevereiro de 2007, com a 
participação da nova composição do 
Congresso Nacional que resultar das 
eleições de outubro de 2006. 
Tal proposta não apenas viabiliza alterar 
o texto constitucional por maioria de metade 
mais um obtida em dois turnos de votação no 
8 A propósito da PEC no 72/05, ver Monteiro (2006). 
9 Ver seção 2. 
10 E mais ainda: nas trocas legislativas necessárias a essa 
aprovação estendeu-se ao arranjo federativo o mesmo 
tratamento preferencial (Monteiro, 2000, cap. 2). 
11 Eleições 2006: samba do crioulo doido nas alianças, O 
Globo, 4 mar. 2006, O País, p. 3 e 4. Não obstante, a 
decisão do TSE, o presidente do Congresso ameaça pro-mulgar, 
enfim, a decisão já tomada pelo Congresso 
(Supremo deverá manter restrições para alianças, Folha 
de S. Paulo, 7 mar. 2006, Brasil, p. A6). De fato essa 
promulgação acabou por ocorrer em 8 de março de 2006. 
Ver adiante. 
12 O líder do PFL no Senado Federal argumenta: “por 
que o TSE vai contrariar a vontade do povo expressa por 
três quintos dos votos da Câmara?” Ver PFL ameaça 
contestar no STF decisão favorável do TSE à verticaliza-ção, 
Folha Online, 3 mar. 2006, 12h54.
320 Jorge Vianna Monteiro 
Congresso (art. 2o da PEC no 157/03), assim 
como regula que o período revisional possa 
se estender por até 12 meses (art. 3o ). Além 
disso, o substitutivo aprovado na Comissão 
de Constituição e Justiça e de Cidadania da 
Câmara dos Deputados estabelece um ciclo 
decenal de revisões constitucionais (art. 4o 
do parecer do relator da CCJ). 
4. Um problema de superagência 
A análise que toma a política econômica como 
resultante de um jogo (Monteiro, 2004, cap. 1) 
é muito adequada para um melhor entendi-mento 
do significado dos episódios acima 
mencionados. Tome-se, por exemplo, a de-cisão 
(22 de março de 2006) do STF quanto à 
inconstitucionalidade da EC no 52 (8 de 
março de 2006). A EC no 52 com validade 
imediata para a verticalização, ou a subse-qüente 
declaração de sua inconstitucional-idade 
para aplicação já em outubro de 2006, 
reconfigura o processo político, assim como 
recondiciona o eventual resultado das eleições 
legislativas e presidencial; por conseqüência, 
também recondiciona o futuro fluxo de políti-cas 
públicas. 
Cabe notar que essa discordância entre 
Congresso e Judiciário (STE e STF) tem o 
significado de: 
t independentemente da variedade de con-frontos, 
tal tipo de ocorrência reflete uma 
questão central no governo representati-vo: 
a quem compete suprir o conteúdo 
substantivo das regras constitucionais? 
(Friedman, 2005; Barkow, 2002; Ortiz, 
1999). 
Implícito nessa questão está o pressuposto 
de que os departamentos políticos, muito espe-cialmente 
o Congresso, têm características in-stitucionais 
que os tornam superiores ao Ju-diciário, 
na solução de certos problemas con-stitucionais 
(Barkow, 2002:240). Em verdade, 
a relação entre Executivo, Legislativo e Ju-diciário 
distribui-se entre os extremos da pura 
hierarquia e o arranjo coordenado. No 
primeiro caso, o topo da hierarquia é ocupado 
pelo STF: o STF tem o monopólio da interpre-tação 
constitucional. No arranjo coordenado, 
não obstante caber ao STF estabelecer os lim-ites 
de sua própria jurisdição, o seu papel con-stitucional 
quanto a temas substantivos é 
transferido, na medida em que o tema seja 
identificado como uma questão política 
(Barkow, 2002:241-242). 
t Em outra frente analítica, está em causa a 
própria representação política. 
A figura chama a atenção para a precar-iedade 
de se pensar a arquitetura de governo 
representativo simplesmente em termos da 
relação direta entre eleitores e seus represen-tantes 
na legislatura. Essa é uma relação em 
que os primeiros (patrocinadores) delegam, 
por via constitucional-eleitoral, poderes, 
funções e recursos aos políticos (agentes). 
Contudo, será suficiente pensar na intermedi-ação 
política apenas nesses termos? Por certo 
que não. Complementarmente, há nessa in-termediação 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 
o envolvimento de partidos 
políticos, empresas e grupos de interesses, 
entre outros. 
A figura ilustra tal possibilidade, bem 
como uma decorrência surpreendente a que 
se pode chegar, com a intermediação de out-ros 
agentes se sobrepondo à delegação origi-nal 
entre eleitor e político. Daí o termo super-
A Conjuntura das Escolhas Públicas 321 
agente atribuído a essas instâncias decisórias 
adicionais (Ortiz e Issacharoff, 1999). O ac-esso 
pelo voto (7) do patrocinador ao agente é 
complementado pela relação desse mesmo 
patrocinador com dois tipos de superagentes: 
uma empresa e um grupo de interesses. 
Relativamente à empresa, o patrocinador 
(A) desempenha o papel de acionista (1); já 
por meio do superagente (D), esse mesmo 
consumidor-eleitor provê recursos (2) que vi-abilizem 
atividade de monitoramento e con-trole 
[(6) (9)] de externalidades negativas 
que possam estar associadas ao desempenho 
(8) dessa empresa. Por seu turno, a empresa 
(B) empreende lobbying e doa recursos (3) 
aos políticos (C), na expectativa de operar 
sob regulação econômica (5) menos restriti-va, 
enquanto (D) recorre ao uso da mídia (4) 
para fazer chegar os seus pleitos ambientalis-tas 
aos políticos. 
Nesse cenário institucional das escolhas 
públicas ocorre o seguinte paradoxo (Ortiz e 
Issacharoff, 1999): 
t embora (1) e (2) possam trazer resultados 
(8) e (9) que atendam às preferências do 
eleitor individual (A), (5) e (6) podem ser 
adversos a essas preferências; 
t os custos de superagência estão direta-mente 
associados a que as demandas (3) e 
(4) possam se descolar daquelas encamin-hadas 
por via eleitoral (7), não obstante as 
estratégias dos superagentes, (A) e (B), 
serem mais efetivas no condicionamento 
das escolhas dos políticos, comparativa-mente 
a que é processada pelo voto (7). 
Em resumo, a intermediação política, 
como mostrada na figura, pode deprimir a le-gitimidade 
das escolhas de governo represen-tativo. 
5. Conclusão 
A trajetória da economia brasileira desde 
meados dos anos 1990 mostra substancial 
deterioração da separação de poderes (Mon-teiro, 
2000, 2004). Fatores determinantes 
dessa disfunção são a permissividade ele-itoral 
trazida pela regra da reeleição presi-dencial 
(EC no 16, de 4 de junho de 1997) e 
a igualmente permissiva capacidade de leg-islar 
atribuída ao Executivo (art. 62), sobre-tudo 
no regime que vigorou até a EC no 32 
(11 de setembro de 2001). Ambos esses fa-tores 
têm sido tratados por emendas ad hoc, 
isto é, fora de seu contexto mais amplo que é 
o comprometimento que trazem à distri-buição 
dos poderes constitucionais. Mesmo 
agora, por meio de outra PEC em curso na 
Câmara (PEC no 511, de 9 de fevereiro de 
2006),13 volta-se à regulação do poder de 
legislar do Executivo, nesses termos local-izados. 
A análise aqui desenvolvida enquadra 
essa classe de problemas em uma dimensão 
do sistema constitucional da separação de po-deres: 
em que bases a solução política equi-para- 
se à solução judicial. 
Por outro lado, perceba o leitor a in-genuidade 
implícita no raciocínio apresenta-do 
no parecer da CCJ quanto à PEC da re-visão 
constitucional em 2007,14 no que diz 
respeito à adoção de um ciclo decenal de re-visões 
das regras constitucionais: “O enges- 
13 Esse é texto da já mencionada PEC no 72/05, como 
aprovado no Senado. 
14 Referido ao final da seção 3. 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006
322 Jorge Vianna Monteiro 
O paradoxo da superdelegação política 
samento rigoroso da Lei Magna pode levar a 
indesejáveis rupturas constitucionais. E a re-visão, 
a cada 10 anos, garantirá a sua ma-nutenção” 
(§24 do parecer). Todavia, 
qualquer agente de decisão sofisticado incor-porará 
em seu cálculo de estratégias no jogo 
de política econômica esse ciclo decenal, pas-sando 
a lidar, portanto, com o valor presente 
da ocorrência do ciclo; com tal comporta-mento, 
a mencionada manutenção das regras 
do jogo será uma quimera. 
Uma interpretação para a retomada dessa 
PEC (originalmente datada de 2003), justo em 
uma época eleitoral, é que define uma estraté-gia 
de seguro, ou seja, a oposição busca precav-er- 
se quanto a um segundo mandato do governo 
Lula, condicionando-lhe, por antecipação, a 
margem de manobra que esse governo poderia 
ter, a partir de 2007; ao mesmo tempo, tal es-tratégia 
abre campo para empreender políticas 
constitucionais em sintonia com as preferências 
da oposição, no caso de uma vitória eleitoral do 
PSDB-PFL. Marginalmente, essa estratégia 
também passa a condicionar os termos das tro-cas 
legislativas que ocorrem no ano eleitoral de 
2006. 
Em qualquer das circunstâncias aqui abor-dadas, 
o fato de a mudança constitucional tornar-se 
moeda de troca nas negociações políticas 
encerra uma perversão quanto à durabilidade 
que se almeja para as regras do jogo, tanto quan-to 
ao atendimento do interesse geral, que deve 
presidir revisões do texto constitucional. Sendo 
a política econômica o resultado final do jogo 
do qual participam políticos, burocratas, grupos 
de interesses privados, juízes e cidadãos-ele-itores 
(Monteiro, 2004, cap. 1), a questão trata-da 
nesta análise se retransmite ao grau de esta-bilidade 
da própria política econômica. Sem re- 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006
A Conjuntura das Escolhas Públicas 323 
gras estáveis não se terá estratégias subsidiárias 
estáveis; e como as avaliações de ações em-preendidas 
no jogo são contingentes a esses re-sultados 
finais, a política econômica deixa de 
evidenciar um grau mínimo de previsibil-idade 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 
(Ordeshook, 1992:151).15 
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FRIEDMAN, B. The politics of judicial review. 
Texas Law Review, v. 84, n. 2, p. 257-337, Dec. 
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MONTEIRO, J. V. As regras do jogo: o Plano 
Real, 1997-2000. Rio de Janeiro: FGV, 2000. 
———. Lições de economia constitucional 
brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004. 
———. Estratégias institucionais em ano ele-itoral. 
Revista de Administração Pública, Rio de 
Janeiro, v. 40, n. 1, jan./fev. 2006. 
ORDESHOOK, P. Constitutional stability. Consti-tutional 
Political Economy, v. 3, n. 2, p. 137-175, 
1992. 
ORTIZ, D. Pursuing a perfect politics: the allure and 
failure of process theory. Virginia Law Review, n. 
77, p. 721-745, May 1999. 
———; ISSACHAROFF, S. Governing through 
intermediaries. University of Virginia School of Law 
Legal Studies Working Paper Series, June 1999. 
(Working Paper n. 99-6). 
SIEGEL, J. Political questions and political reme-dies. 
Public Law Research, George Washington 
University Law School, July, 22, 2005. (Paper n. 
92). 
15 Incidentalmente, chamo a atenção do leitor para um 
importante sinal do descaso com que as regras constitu-cionais 
podem ser tratadas no Brasil. Na pressa de evi-tar 
maiores delongas na discussão do texto da EC no 
52, parcialmente aprovado há quatro anos, e fazer apro-var 
o novo regime de alianças partidárias com efeitos já 
para as eleições de outubro próximo, deixou-se ficar na 
EC no 52 a redação original do art. 2o: “Esta emenda 
constitucional entra em vigor na data de sua publi-cação, 
aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 
2002”. 
Por certo não se trata de um erro de revisão do docu-mento, 
mas de uma estratégia que abreviaria a entrada 
em vigor da nova regra constitucional que, não obstante, 
esbarrava, como notado pelo STF, no art. 16 da Constitu-ição: 
“A lei que alterar o processo eleitoral entrará em 
vigor na data de sua publicação, não se aplicando à 
eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigên-cia”. 
O descaso é, portanto, duplo, pois apressa o que 
deveria ser decidido com serenidade e conflita com as 
regras constitucionais em vigor.
324 Jorge Vianna Monteiro 
RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006

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A conjuntura das escolhas públicas

  • 1. A conjuntura das escolhas públicas Coordenação: Jorge Vianna Monteiro* “Um comentário estabelecido a partir do modelo analítico da ‘public choice’ — uma vertente da moderna economia política que considera as políticas públicas resultado da interação social, sob instituições de governo representativo.“ Quão suprema é a revisão judicial no jogo de políticas públicas? Jorge Vianna Monteiro SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Transgressões às regras do jogo; 3. Um dilema contra-majoritário; 4. Um problema de superagência; 5. Conclusão. 1. Introdução Desde meados de 2005 ocorrem seguidos episódios em que se contrapõem as preferên-cias dos legisladores e de alguma instância do Judiciário (STF, STJ e TSE)1 — o que traz implicações tanto para o sistema de sep-aração de poderes, quanto para a estabil-idade das regras constitucionais. É paradoxal que, não obstante a Constitu-ição já ter sido alvo de tantas e extensas emen-das, 2 até aqui não se tenha definido um padrão de alterações que se possa tomar como linha de orientação da arquitetura da nova Constitu-ição. Prossegue-se promovendo alterações lo-calizadas, ainda que, no longo prazo, elas rev-elem sérios danos à separação de poderes (Monteiro, 2000, 2004). * Professor de políticas públicas da Ebape/FGV e profes-sor associado do Departamento de Economia da PUC-Rio. Endereço: PUC-Rio — Departamento de Economia — Rua Marquês de São Vicente, 225 — Gávea — CEP 22453-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: jvin-mont@ RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 econ.puc-rio.br. 1 As ocorrências cobrem um vasto espaço em que se desenrolam as escolhas públicas: acolhimento pelo STF de pleitos que limitam a capacidade investigativa de comissões legislativas em operação no Congresso Nacio-nal, desde meados de 2005; divergências do STE e STF com virtualmente toda a classe política, relativamente a mudanças de regras que possam ter validade, já nas eleições de outubro próximo (a questão da verticalização do regime de alianças partidárias, por exemplo) e com-petição por liminares do STJ na regulação da agenda partidária (realização de indicações prévias de candidatos presidenciais pelo PMDB, em março de 2006). 2 Para referências a um proposto período de revisão con-stitucional iniciando em 2007, ver adiante.
  • 2. 316 Jorge Vianna Monteiro Próximo ao final do primeiro quadrimestre de 2006, a conjuntura apenas reforça esse ponto de vista. 2. Transgressões às regras do jogo Transcorrem no Congresso Nacional investi-gações rumorosas sobre potenciais delitos morais e eleitorais cometidos por uma var-iedade de políticos e partidos políticos; ao mesmo tempo, o notório pronunciamento feito em 16 de janeiro de 2006, pelo presi-dente da República, precipitou a campanha pela reeleição.3 Em ambos os casos, têm sido freqüentes as argüições de transgressão à Constituição. Essas ocorrências servem para ilustrar a conjectura de que o uso do processo eleitoral possa substituir a revisão judicial, na solução de problemas constitucionais quando, por al-gum motivo, o Judiciário se eximir de tomar uma decisão a esse respeito. Argumenta-se que a sociedade poderá usar o teste eleitoral para fazer valer restrições constitucionais que condi-cionam o processo político. Desse modo, os políticos associados às práticas transgressoras seriam então punidos pelo voto. Tal perspectiva contrapõe o processo político ao recurso judicial, quando o Ju-diciário acolhe demandas quanto à impro-priedade desses comportamentos delituosos, ou, visto por um outro ângulo, em que medida o processo eleitoral seria estritamente substi-tuto de remédios judiciais, especialmente na solução de querelas constitucionais? (Siegel, 2005; Barkow, 2002). Transferir a solução dessa classe de prob-lemas para o plano político-eleitoral é, no en-tanto, uma sugestão impraticável.4 Digamos que seja apresentada ao Supre-mo Tribunal Federal a argüição de inconstitu-cionalidade quanto a um dado comportamen-to do presidente da República ou de um parti-do político, e que o STF, de algum modo, de-cline de apreciar a questão. Restaria, então, recorrer ao processo político, isto é, punir ele-itoralmente RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 o presidente ou os legisladores que patrocinem tais práticas (corrupção, uso da máquina governamental em campanha, por exemplo). Terá esse tema suficiente relevância na percepção do eleitor, a ponto de levar a que um número substancial de ele-itores coordene uma estratégia de voto puni-tiva a esses políticos? Provavelmente, não. Atos presumida-mente inconstitucionais (mesmo aqueles que envolvam temas relevantes) poderão ter pou-ca — se de todo tiverem alguma — ressonân-cia na campanha eleitoral. O enquadramento analítico dessas questões pode ser feito a partir da consider-ação de que o processo político opera com características distintas do mecanismo judi-cial. Além do fato de que a estratégia punitiva por via eleitoral envolve dispêndio de es-forço, tempo e recursos, significativamente superior ao que se incorreria no litígio judi-cial, essa diferenciação apresenta-se em vári-os atributos (Siegel, 2005). t A via judicial é focalizada, isto é, a questão argüida junto ao STF é uma de-manda específica por direitos, tanto quan-to o processo judicial manifesta-se igual-mente em torno dessa especificidade. 3 Sobre incumbência, medidas provisórias e um dilema. Estratégia Macroeconômica, v. 14, n. 335, 30 jan. 2006. 4 Esta questão é retomada adiante.
  • 3. A Conjuntura das Escolhas Públicas 317 Como contraponto, decisões de governo representativo são processadas e finalizadas em diferentes misturas de temas de políticas públicas. É inviável singularizar um tema ou uma posição na agenda legislativa, especial-mente porque a solução política é construída em torno da vontade da maioria que se obtém ao fim de intensa troca de votos. Um partido ou candidato em uma eleição não está relacio-nado a um tema singular, mas a todo um blo-co de temas de política, especialmente em RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 eleições na jurisdição nacional.5 t Diferentemente da revisão judicial, a de-cisão obtida no processo político (por de-liberação dos legisladores ou diretamente do eleitorado) não vem acompanhada por um arrazoado de seus motivos. Ou, dito de outro modo, o processo de de-cisão judicial deixa rastros bem claros, ao passo que o recurso ao processo político para resolver embates constitucionais é envolto em um emaranhado de fatores causais, com-plexo o suficiente para impedir que se de-componha essa causação em uma ordem de prioridades. t O processo político não se sustenta na to-mada de decisões segundo precedentes, como é habitual no Judiciário. A cada votação no Congresso, as prior-idades são peculiares e os termos em que ocorrem as trocas de votos são reconfigura-dos, mesmo porque a interpretação das vo-tações pregressas — como argüido acima — não é única. No caso da manifestação do ele-itorado, a questão do precedente perde igual-mente o sentido pelo fato de que os resultados eleitorais federais ocorrem em intervalos muito longos, de quatro anos. Qualquer argüição de precedente nesse horizonte de tempo perde credibilidade, pela intervenção de novos fatores causais que distorcem a memória dos antigos eleitores e têm impactos diferenciados nos novos eleitores. No Judiciário, o número fixo de partici-pantes e a longa duração de seus mandatos são ingredientes que contornam esse tipo de dificuldade para estabelecer decisões, viabili-zando a tomada de decisões por um sistema de precedentes. t A escolha política é essencialmente uma es-colha majoritária e, em decorrência disso, abre-se uma via de mão dupla: por um lado, a vontade da maioria dos eleitores pode san-cionar a transgressão constitucional; por outro, a antecipação dessa preferência ma-joritária dos eleitores leva a que o político-candidato ajuste sua estratégia de campan-ha em sintonia com essa percepção. 5 Mesmo que a questão proposta seja única e apresentada diretamente ao eleitorado (plebiscito, referendo) — como visto recentemente no referendo de 23 out. 2005 —, o sentido da consulta popular pode ser percebido pelos eleitores de um modo bastante opaco (Monteiro, 2006, seção 3). Ainda que a coordenação da estratégia punitiva pelos eleitores chegasse a bom termo, “a natureza [dispersa] das eleições aponta para um outro problema que deve contaminar mesmo os esforços bem-sucedidos de acertar violações constitucionais através das urnas: o processo eleitoral é inescrutável” (Siegel, 2002:24), isto é, mesmo que a punição eleitoral venha a ocorrer e o político não se reeleja, a razão dessa derrota não é passível de ser relacionada a essa estratégia puni-tiva! Outra vez, não há como singularizar causas no resultado final observado do teste eleitoral — o que não invalida que a oposição e a mídia possam retirar do episódio a versão que mais lhes convenha.
  • 4. 318 Jorge Vianna Monteiro Paradoxalmente, em meio à popularidade do candidato-incumbente, em razão de uma variedade de resultados de políticas públicas, a transgressão constitucional pode acabar re-cebendo baixa prioridade na formação dessa maioria de eleitores. Ou, em uma outra inter-pretação, a transgressão constitucional poderá vir a ser amplamente aceita pelo ele-itorado! 3. Um dilema contramajoritário A tabela que ilustra este artigo é um formato simples de mapear a estabilidade do conjunto mais essencial das regras nas escolhas públi-cas na economia brasileira. Qualificando a incidência numérica des-sas alterações (coluna A), a tabela apresenta na coluna B um indicador simples da ampli-tude com que essas alterações diretamente produzidas por emendas repercutem sobre todo o conjunto da Constituição.6 Assim, es-tabeleceu- se que uma emenda de grande ex-tensão é a que alcança, por acréscimo ou su-pressão, pelo menos três artigos do texto con-stitucional; nos demais casos, a emenda é classificada como de pequena extensão. Por-tanto, o índice exibido na coluna B representa a proporção de emendas de grande extensão no total das emendas promulgadas pelo Con-gresso, a cada período: por essa estimativa, o percentual total de grandes alterações ultra-passa 1/3.7 Estabilidade das regras constitucionais — 1988-2006* Período Número de emendas constitucionais Vale ainda notar que, não obstante a Con-stituição já ter sido alvo de tantas e extensas emendas, no espaço de pouco menos de 20 anos, ainda não se definiu um padrão de alter-ações que se possa tomar como linha de ori- 6 Duas outras vertentes de alteração constitucional não estão aí incluídas: a interpretação judicial das regras con-stitucionais e sua operacionalização no âmbito das políti-cas públicas formuladas pelos burocratas do Executivo. A respeito das várias vertentes em que se pode processar uma alteração constitucional, ver Monteiro (2004:95-99). RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 (A) Amplitude das emendas (B) 1992 2 0 1993 2 0,5 1994** 6 0,16 1995 5 0,2 1996 6 0,16 1997 2 0,5 1998 3 1 1999 4 0,75 2000 7 0,28 2001 4 0,5 2002 4 0,25 2003 3 1 2004 3 0,33 2005 3 0,33 2006*** 4 0 Total*** 58 0,36 Nota: Os dados aqui mostrados atualizam e dão um novo formato ao levantamento quantitativo que aparece em: Regras do jogo instáveis e dilema contramajoritário. Estraté-gia Macroeconômica, v. 14, n. 338, 13 mar. 2006. * Em 1988-91 não houve emendas. ** Emendas de revisão. *** Janeiro a abril. 7 Esse indicador de amplitude da alteração de regras con-stitucionais reflete, em boa margem, o sentido mais intu-itivo que comumente se atribuiria a uma emenda de grande amplitude: ela se traduz por um longo texto e, portanto, redefine numerosas regras, por adição ou supressão.
  • 5. A Conjuntura das Escolhas Públicas 319 entação de uma nova arquitetura constitucio-nal. Alterações ad hoc continuam sendo pro-movidas, ainda que, no longo prazo, elas rev-elem sérios danos ao sistema da separação de poderes (Monteiro, 2000, 2004). Evidências associadas às recorrentes tentativas de regu-lar a emissão de medidas provisórias (em 2001 e 2006,8 por exemplo) bem como ao cabo-de-guerra9 ocorrido entre Legislativo e Judiciário exemplificam esse ponto de vista. As lideranças políticas parecem não se dar conta da extrema relevância de se estabi-lizar as regras constitucionais, fazendo-as convergir para um equilíbrio (Ordeshook, 1992; Monteiro, 2004). Uma explicação para isso parece ser o RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 oportunismo eleitoral. t Ainda que prevista no próprio texto con-stitucional de 1988, o esforço revisional de outubro de 1993-abril de 1994 frus-trou- se, com a motivação do ano eleitoral de 1994 misturando-se a essa tarefa. t Em 1997 deu-se uma alteração ad hoc do poder do Executivo: foi promulgada a EC no 16 (4 de junho de 1997) atri-buindo ao então presidente da República a possibilidade de obter mais um manda-to eletivo sucessivo de quatro anos.10 t Em fevereiro de 2006, o Congresso Na-cional aprovou regra eleitoral que elimina a “verticalização” (TSE, 26 de fevereiro de 2002), ou seja, não são obrigatórias nos estados as coligações firmadas para a eleição presidencial, já com validade na eleição de outubro próximo. Todavia, em 3 de março de 2006, o mes-mo Tribunal Superior Eleitoral invalidou essa decisão dos legisladores.11 Tal ocorrên-cia ilustra um dilema contramajoritário (Monteiro, 2004:40-41, quadro 2): tendo dep-utados e senadores aprovado a extinção da re-gra de verticalização, um foro de membros que não detêm mandato eletivo (STE) decide contrariamente, sobrepondo-se à mani-festação do processo político majoritário.12 t Mais recentemente (25 de fevereiro de 2006), foi criada na Câmara dos Deputa-dos uma comissão especial para examinar a PEC no 157/03, que propõe uma Assem-bléia de Revisão Constitucional, a ser in-stalada em 1o de fevereiro de 2007, com a participação da nova composição do Congresso Nacional que resultar das eleições de outubro de 2006. Tal proposta não apenas viabiliza alterar o texto constitucional por maioria de metade mais um obtida em dois turnos de votação no 8 A propósito da PEC no 72/05, ver Monteiro (2006). 9 Ver seção 2. 10 E mais ainda: nas trocas legislativas necessárias a essa aprovação estendeu-se ao arranjo federativo o mesmo tratamento preferencial (Monteiro, 2000, cap. 2). 11 Eleições 2006: samba do crioulo doido nas alianças, O Globo, 4 mar. 2006, O País, p. 3 e 4. Não obstante, a decisão do TSE, o presidente do Congresso ameaça pro-mulgar, enfim, a decisão já tomada pelo Congresso (Supremo deverá manter restrições para alianças, Folha de S. Paulo, 7 mar. 2006, Brasil, p. A6). De fato essa promulgação acabou por ocorrer em 8 de março de 2006. Ver adiante. 12 O líder do PFL no Senado Federal argumenta: “por que o TSE vai contrariar a vontade do povo expressa por três quintos dos votos da Câmara?” Ver PFL ameaça contestar no STF decisão favorável do TSE à verticaliza-ção, Folha Online, 3 mar. 2006, 12h54.
  • 6. 320 Jorge Vianna Monteiro Congresso (art. 2o da PEC no 157/03), assim como regula que o período revisional possa se estender por até 12 meses (art. 3o ). Além disso, o substitutivo aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados estabelece um ciclo decenal de revisões constitucionais (art. 4o do parecer do relator da CCJ). 4. Um problema de superagência A análise que toma a política econômica como resultante de um jogo (Monteiro, 2004, cap. 1) é muito adequada para um melhor entendi-mento do significado dos episódios acima mencionados. Tome-se, por exemplo, a de-cisão (22 de março de 2006) do STF quanto à inconstitucionalidade da EC no 52 (8 de março de 2006). A EC no 52 com validade imediata para a verticalização, ou a subse-qüente declaração de sua inconstitucional-idade para aplicação já em outubro de 2006, reconfigura o processo político, assim como recondiciona o eventual resultado das eleições legislativas e presidencial; por conseqüência, também recondiciona o futuro fluxo de políti-cas públicas. Cabe notar que essa discordância entre Congresso e Judiciário (STE e STF) tem o significado de: t independentemente da variedade de con-frontos, tal tipo de ocorrência reflete uma questão central no governo representati-vo: a quem compete suprir o conteúdo substantivo das regras constitucionais? (Friedman, 2005; Barkow, 2002; Ortiz, 1999). Implícito nessa questão está o pressuposto de que os departamentos políticos, muito espe-cialmente o Congresso, têm características in-stitucionais que os tornam superiores ao Ju-diciário, na solução de certos problemas con-stitucionais (Barkow, 2002:240). Em verdade, a relação entre Executivo, Legislativo e Ju-diciário distribui-se entre os extremos da pura hierarquia e o arranjo coordenado. No primeiro caso, o topo da hierarquia é ocupado pelo STF: o STF tem o monopólio da interpre-tação constitucional. No arranjo coordenado, não obstante caber ao STF estabelecer os lim-ites de sua própria jurisdição, o seu papel con-stitucional quanto a temas substantivos é transferido, na medida em que o tema seja identificado como uma questão política (Barkow, 2002:241-242). t Em outra frente analítica, está em causa a própria representação política. A figura chama a atenção para a precar-iedade de se pensar a arquitetura de governo representativo simplesmente em termos da relação direta entre eleitores e seus represen-tantes na legislatura. Essa é uma relação em que os primeiros (patrocinadores) delegam, por via constitucional-eleitoral, poderes, funções e recursos aos políticos (agentes). Contudo, será suficiente pensar na intermedi-ação política apenas nesses termos? Por certo que não. Complementarmente, há nessa in-termediação RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 o envolvimento de partidos políticos, empresas e grupos de interesses, entre outros. A figura ilustra tal possibilidade, bem como uma decorrência surpreendente a que se pode chegar, com a intermediação de out-ros agentes se sobrepondo à delegação origi-nal entre eleitor e político. Daí o termo super-
  • 7. A Conjuntura das Escolhas Públicas 321 agente atribuído a essas instâncias decisórias adicionais (Ortiz e Issacharoff, 1999). O ac-esso pelo voto (7) do patrocinador ao agente é complementado pela relação desse mesmo patrocinador com dois tipos de superagentes: uma empresa e um grupo de interesses. Relativamente à empresa, o patrocinador (A) desempenha o papel de acionista (1); já por meio do superagente (D), esse mesmo consumidor-eleitor provê recursos (2) que vi-abilizem atividade de monitoramento e con-trole [(6) (9)] de externalidades negativas que possam estar associadas ao desempenho (8) dessa empresa. Por seu turno, a empresa (B) empreende lobbying e doa recursos (3) aos políticos (C), na expectativa de operar sob regulação econômica (5) menos restriti-va, enquanto (D) recorre ao uso da mídia (4) para fazer chegar os seus pleitos ambientalis-tas aos políticos. Nesse cenário institucional das escolhas públicas ocorre o seguinte paradoxo (Ortiz e Issacharoff, 1999): t embora (1) e (2) possam trazer resultados (8) e (9) que atendam às preferências do eleitor individual (A), (5) e (6) podem ser adversos a essas preferências; t os custos de superagência estão direta-mente associados a que as demandas (3) e (4) possam se descolar daquelas encamin-hadas por via eleitoral (7), não obstante as estratégias dos superagentes, (A) e (B), serem mais efetivas no condicionamento das escolhas dos políticos, comparativa-mente a que é processada pelo voto (7). Em resumo, a intermediação política, como mostrada na figura, pode deprimir a le-gitimidade das escolhas de governo represen-tativo. 5. Conclusão A trajetória da economia brasileira desde meados dos anos 1990 mostra substancial deterioração da separação de poderes (Mon-teiro, 2000, 2004). Fatores determinantes dessa disfunção são a permissividade ele-itoral trazida pela regra da reeleição presi-dencial (EC no 16, de 4 de junho de 1997) e a igualmente permissiva capacidade de leg-islar atribuída ao Executivo (art. 62), sobre-tudo no regime que vigorou até a EC no 32 (11 de setembro de 2001). Ambos esses fa-tores têm sido tratados por emendas ad hoc, isto é, fora de seu contexto mais amplo que é o comprometimento que trazem à distri-buição dos poderes constitucionais. Mesmo agora, por meio de outra PEC em curso na Câmara (PEC no 511, de 9 de fevereiro de 2006),13 volta-se à regulação do poder de legislar do Executivo, nesses termos local-izados. A análise aqui desenvolvida enquadra essa classe de problemas em uma dimensão do sistema constitucional da separação de po-deres: em que bases a solução política equi-para- se à solução judicial. Por outro lado, perceba o leitor a in-genuidade implícita no raciocínio apresenta-do no parecer da CCJ quanto à PEC da re-visão constitucional em 2007,14 no que diz respeito à adoção de um ciclo decenal de re-visões das regras constitucionais: “O enges- 13 Esse é texto da já mencionada PEC no 72/05, como aprovado no Senado. 14 Referido ao final da seção 3. RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006
  • 8. 322 Jorge Vianna Monteiro O paradoxo da superdelegação política samento rigoroso da Lei Magna pode levar a indesejáveis rupturas constitucionais. E a re-visão, a cada 10 anos, garantirá a sua ma-nutenção” (§24 do parecer). Todavia, qualquer agente de decisão sofisticado incor-porará em seu cálculo de estratégias no jogo de política econômica esse ciclo decenal, pas-sando a lidar, portanto, com o valor presente da ocorrência do ciclo; com tal comporta-mento, a mencionada manutenção das regras do jogo será uma quimera. Uma interpretação para a retomada dessa PEC (originalmente datada de 2003), justo em uma época eleitoral, é que define uma estraté-gia de seguro, ou seja, a oposição busca precav-er- se quanto a um segundo mandato do governo Lula, condicionando-lhe, por antecipação, a margem de manobra que esse governo poderia ter, a partir de 2007; ao mesmo tempo, tal es-tratégia abre campo para empreender políticas constitucionais em sintonia com as preferências da oposição, no caso de uma vitória eleitoral do PSDB-PFL. Marginalmente, essa estratégia também passa a condicionar os termos das tro-cas legislativas que ocorrem no ano eleitoral de 2006. Em qualquer das circunstâncias aqui abor-dadas, o fato de a mudança constitucional tornar-se moeda de troca nas negociações políticas encerra uma perversão quanto à durabilidade que se almeja para as regras do jogo, tanto quan-to ao atendimento do interesse geral, que deve presidir revisões do texto constitucional. Sendo a política econômica o resultado final do jogo do qual participam políticos, burocratas, grupos de interesses privados, juízes e cidadãos-ele-itores (Monteiro, 2004, cap. 1), a questão trata-da nesta análise se retransmite ao grau de esta-bilidade da própria política econômica. Sem re- RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006
  • 9. A Conjuntura das Escolhas Públicas 323 gras estáveis não se terá estratégias subsidiárias estáveis; e como as avaliações de ações em-preendidas no jogo são contingentes a esses re-sultados finais, a política econômica deixa de evidenciar um grau mínimo de previsibil-idade RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006 (Ordeshook, 1992:151).15 Referências bibliográficas BARKOW, R. More supreme than court? The fall of the political question doctrine and the rise of judicial supremacy. Columbia Law Review, v. 102, n. 2, p. 237-336, Mar. 2002. FRIEDMAN, B. The politics of judicial review. Texas Law Review, v. 84, n. 2, p. 257-337, Dec. 2005. MONTEIRO, J. V. As regras do jogo: o Plano Real, 1997-2000. Rio de Janeiro: FGV, 2000. ———. Lições de economia constitucional brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004. ———. Estratégias institucionais em ano ele-itoral. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 1, jan./fev. 2006. ORDESHOOK, P. Constitutional stability. Consti-tutional Political Economy, v. 3, n. 2, p. 137-175, 1992. ORTIZ, D. Pursuing a perfect politics: the allure and failure of process theory. Virginia Law Review, n. 77, p. 721-745, May 1999. ———; ISSACHAROFF, S. Governing through intermediaries. University of Virginia School of Law Legal Studies Working Paper Series, June 1999. (Working Paper n. 99-6). SIEGEL, J. Political questions and political reme-dies. Public Law Research, George Washington University Law School, July, 22, 2005. (Paper n. 92). 15 Incidentalmente, chamo a atenção do leitor para um importante sinal do descaso com que as regras constitu-cionais podem ser tratadas no Brasil. Na pressa de evi-tar maiores delongas na discussão do texto da EC no 52, parcialmente aprovado há quatro anos, e fazer apro-var o novo regime de alianças partidárias com efeitos já para as eleições de outubro próximo, deixou-se ficar na EC no 52 a redação original do art. 2o: “Esta emenda constitucional entra em vigor na data de sua publi-cação, aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002”. Por certo não se trata de um erro de revisão do docu-mento, mas de uma estratégia que abreviaria a entrada em vigor da nova regra constitucional que, não obstante, esbarrava, como notado pelo STF, no art. 16 da Constitu-ição: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigên-cia”. O descaso é, portanto, duplo, pois apressa o que deveria ser decidido com serenidade e conflita com as regras constitucionais em vigor.
  • 10. 324 Jorge Vianna Monteiro RAP Rio de Janeiro 40(2):315-24, Mar./Abr. 2006