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CONCILIAÇÃO HUMANISTA: A TENTATIVA CONCILIATORIA ATRAVÉS DA
FACILITAÇÃO DO DIÁLOGO
Nayara Queiroz Mota de Sousa
Juíza do Trabalho Titular da Vara do Trabalho de
Catolé do Rocha/PB
Mestre em Direito
Especialista em Direito do Processual Civil
Especialista em Direito do Trabalho
RESUMO
O conflito se forma com a contraposição das vivências ou com as oposições das ideologias, sendo
inerente à condição dialógica da pessoa. Havendo a estagnação da interação e a prevalência da
individualização dos interesses, o conflito assume uma forma ôntica e aporética. Ocorre uma
ruptura da comunicação entre os litigantes, uma distorção da percepção dos fatos e uma rigidez
do “eu”, provocada pela falta de aceitação e de compreensão empática do outro, sendo
fundamental a intervenção de um facilitador para retomar a forma fenomenológica da desavença,
recobrando o diálogo e recriando as possibilidades de solução. O conflito quando se judicializa
se apresenta na sua forma coisificada, sendo imprescindível a atuação adequada do conciliador
para permear as aporias e apresentar possibilidades para a retomada do diálogo. Entretanto, os
sentimentos insatisfatórios advindos do conflito, aliados à ansiedade, a linguagem formal e
especializada, que dificultam a compreensão e a comunicação, à relação de poder e dominação e
ao ambiente hostil, oferecidos pelo Poder Judiciário, ampliam as aporias do conflito. A proposta
da conciliação humanista objetiva qualificar o magistrado-conciliador para atuar como facilitador
do diálogo. A adoção de atitudes facilitadoras de empatia, consideração positiva incondicional e
autenticidade possibilitam a instalação de um clima psicológico favorável ao consenso, na
medida em que amplia a visão dos fatos, auxilia os contendores no retorno ao modo existencial
dialógico de ser, retoma a forma fenomenológica da vivência conflituosa, auxilia na organização
da capacidade de pensar. A decisão pelos termos acordados será produto da vontade das partes
que conscientes, se tornaram mais responsáveis pelos ajustes. A solução dos conflitos judiciais
através da conciliação favorece a pacificação social desde que alcançada com a decisão obtida a
partir da autonomia da vontade dos conflitantes. O termo de acordo firmado por imposição do
magistrado ou por razões adversas à voluntariedade das partes aguça a animosidade e distancia o
Poder Judiciário da sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Conciliação- Abordagem Centrada na Pessoa- Relacionamento
interpessoal- Diálogo.
CONCILIAÇÃO HUMANISTA: A TENTATIVA CONCILIATORIA ATRAVÉS DA
FACILITAÇÃO DO DIÁLOGO
A proposta do presente artigo se harmoniza com o movimento atual do Poder
Judiciário, que privilegia a conciliação nos processos judiciais, e objetiva sugerir uma proposta de
qualificação do ato da tentativa conciliatória.
É importante esclarecer que o enfoque se direciona para a qualidade das
conciliações, a partir da adoção de medidas humanizadoras na atuação do magistrado que
pretenda se aperfeiçoar como conciliador.
O magistrado, embora lhe seja atribuída a função de pacificação dos conflitos
através da proposta de acordo, não é contemplado com os conhecimentos necessários para se
aprimorar nesta atividade.
A mediação, por outro lado, já se apropriou dos conhecimentos da Psicologia para
habilitar os profissionais que buscam atuar como mediadores em conflitos interpessoais, sendo,
pois, a presente proposta uma forma de avançar na atuação do Poder Judiciário e oferecer
subsídios para qualificar a conciliação.
É sabido que as partes que se apresentam diante do Poder Judiciário se encontram
envolvidas em um conflito e não necessariamente se mostram disponíveis para um acordo,
diferente do que acontece com aqueles que procuram um mediador para firmar uma avença de
consenso. Neste cenário mais se exige do magistrado para atuar na condição de pacificador da
contenda.
O conflito é estrutural dentro da sociedade e se constrói a partir das oposições
vivenciais ou dos embates ideológicos, comuns e presentes na própria convivência entre pessoas,
que são ontologicamente dialógicas. Entretanto, quando os conflitantes individualizam os seus
interesses e rompem com a comunicação ocorre a coisificação da vivência conflituosa e os
contendores não conseguem encontrar a resolução.
Com a estagnação do diálogo e a visão unilateral dos fatos pelos conflitantes,
ocorre uma distorção dos acontecimentos provocada pela rigidez das ideias, pela falta de
aceitação e da empatia entre as partes, sendo fundamental a participação de um terceiro
facilitador para retomar a fenomenologia do conflito e recobrar o diálogo, com apresentação de
novas possibilidades para a solução da desavença.
Diante do conflito as pessoas sozinhas não conseguem aclarar a visão turva e
se mantém com a capacidade de pensar desorganizada. As partes chegam ao Poder Judiciário, na
sua grande maioria, dominadas pela ansiedade, pelo medo e pelos sentimentos insatisfatórios
advindos da própria situação conflituosa, que são aguçados pelo ambiente nada cálido
proporcionado pela sala de audiência.
Assegura Andrade (1999) que o mundo externo hostil e as relações
interpessoais limitantes aprofundam o conflito. Deste modo é possível afirmar que o ambiente
proporcionado pelo Poder Judiciário, marcado pelas formalidades e pela linguagem requintada,
de pouco acesso ao cidadão comum, não colabora com a dissolução do conflito.
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A magistratura não foi contemplada com uma formação humanística para lidar
com os aspectos psicológicos encravados em uma situação conflituosa, tampouco possui
conhecimentos sobre posturas adequadas para destravar a fala e reconduzir os conflitantes à
retomada do diálogo.
As posturas distantes e impessoais de alguns magistrados, que dificultam o
fluir da fala, limitam a participação ativa dos conflitantes e inviabilizam a possibilidade de
abertura para novos pontos de vistas sobre o conflito, causam angústia e frustração e, muitas
vezes, geram a insatisfação com a atuação do Poder Judiciário.
Além do mais, as sessões de audiência são momentos frustrantes, em virtude
dos rituais formais que muito confundem os cidadãos desabituados com estas práticas. A
linguagem especializada, as regras coloquiais e a formalidade provocam constrangimento a todos
os envolvidos no processo judicial. O procedimento de investigação dos fatos realizado através
do processo, inevitavelmente, agrava o estado emocional dos conflitantes, pois provoca um
reviver dos fatos que ocasionaram o conflito. As (MACEDO JÚNIOR, 1999).
A função do conciliador se torna mais dificultosa, conforme prossegue o rito
processual, em virtude do prolongamento da situação estressante e ansiosa proveniente da
convivência conflituosa. É insofismável que a atuação do magistrado tem um papel
preponderante na aceitação ou rejeição da proposta de acordo, devendo, pois, o juiz participar de
forma ativa e interessada na busca pela solução amigável do litígio.
A burocratização da atividade jurisdicional atingiu a tentativa conciliatória
que não escapou da mecanização da realização dos atos processuais. Sendo muitas vezes
resumidas a uma simples pergunta do magistrado “se há possibilidade de acordo entre as
partes?”, quando se forma uma relação impessoal e distante sem a instalação de um diálogo.
Assim, se percebe a necessidade de um aperfeiçoamento da atividade
jurisdicional de tentativa conciliatória, para que se habilite o magistrado para proporcionar a
retomada da comunicação entre os conflitantes, com a instalação de um diálogo genuíno e a
apresentação de outras possibilidades de solução das contendas.
O diálogo, quando autêntico, melhora a confiança nas pessoas que passam a
acreditar na sua existência com relação ao outro, se tornam mais autônomas, fortalecidas e
seguras de si e, em cadeia, permitem a tomada de decisões mais coerentes com a vontade e com
mais responsabilidade, além de reforçar a significância do “estar-se-com-o-outro”, para a
implantação de um encontro significativo entre pessoas.
Percebe Buber (2009) que o homem atual guarda a noção de que “voltar-se-
para-o-outro”, em uma atitude de tornar o outro presente na sua existência, é simplesmente um
sentimentalismo ou é impraticável, e afirma o autor que esta assertiva não se harmoniza com as
necessidades da modernidade, mas somente revela uma inércia diante da vida. É simplesmente a
preferência por um “dobrar-se-em-si-mesmo”, retraindo-se para evitar a aceitação do outro em
sua essência e na sua singularidade.
A modernidade impõe a superficialidade dos contatos interpessoais através da
estrutura burocrática institucionalizada e impede o encontro face-a-face. Segue Buber (2009)
afirmando que a própria automação embora tenha proporcionado um contato de diversas pessoas
estranhas, em um diminuto espaço de tempo, afasta a possibilidade da vivência “com-o-outro”,
com mutualidade, difundindo a relação que debilita o espírito e gera contradições; que impede a
liberdade de “ser” e da atualização do ser para se integrar com a vivência e se tornar apto a tomar
decisões livres em direção do autêntico para si. Esta integração com a experiência vivida é
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proporcionada pelo inter-humano enriquecido no encontro, onde ocorre o diálogo, autêntico e
genuíno, pois neste se possibilita que cada participante veja e sinta a presença do outro, em uma
conexão que permite perceber a realidade que está ao seu alcance, tomar atitudes com
consciência e responsabilidade.
Esta conexão promovida pelo diálogo chamado de genuíno, afirma Freire
(1987), acontece quando a ação da fala e a reflexão pela escuta se solidarizam, sem dominação,
arrogância ou opressão de um sobre o parceiro, mas com humildade dos interlocutores que se
vêem na presença do outro; quando se pretende ser dialógico confiando na pessoa com quem se
relaciona, se aproximando e permitindo sua fala, transformando o mundo através da colaboração
e não se tem a pretensão de modificar o companheiro, dominado e conquistado. O parceiro
dialógico se mostra atento e verdadeiro no ato de escutar e se posiciona de forma igualitária na
relação, sem superioridade, de modo que o falar do outro não se confunde com um simples soltar
a voz através da fala, mas é significante por revelar o sentimento do falante.
A conciliação para atingir a sua função pacificadora precisa emergir da
vontade das partes e ser construída a partir da decisão consciente, que somente é atingida quando
a expressão da fala revelar o sentimento dos conflitantes. O magistrado que pretender atuar como
conciliador precisa estar cônscio da necessidade de instalação do autêntico diálogo na sessão de
audiência, em que se pretende um acordo judicial. Deve, pois, posicionar-se na relação de forma
equânime, sem opressão ou dominação, funcionando como um colaborador na tomada de decisão
das partes.
Contribui Amatuzzi (1989) ao defender que para se alcançar a vontade
daquele que fala preciso permitir o fluir da voz para que se diga tudo o que se pretende
comunicar através do que chama “fala autêntica”, única e imprevisível, onde o falante integra
totalmente a sua experiência com a comunicação e a consciência, passa a agir com
responsabilidade. Ao revés, na situação de dominação se diz o que se preparou para ser dito, a
fala secundária, e se apresenta como uma ficção do dominante que só existe para escutá-lo e ser
dominado, quando há um bloqueio por questões de segurança, afeto, ou consideração ao outro,
que ocupa posição antagônica na estratificação social e as decisões passam a ser tomadas no
plano secundário e sem consciência. Possibilitar que o outro seja ele próprio significa servir de
“auxiliar das forças de atualização” para permitir que o falante responda por si mesmo em suas
escolhas e decisões.
Assim, o ato judicial caracterizado pelo acordo entre as partes precisa fluir da
própria decisão volitiva dos conflitantes e não reproduzir a vontade do conciliador. O juiz que se
dispõe a escutar, permite o fluir da fala autêntica e recobra a comunicação, se posiciona na
condição deste “auxiliar das forças de atualização” acima mencionado, qualifica a relação,
removendo as convicções rígidas, permitindo que as partes vivenciem a experiência conflituosa
no momento do encontro e retomem a percepção dos fatos, passando a confiar mais em si e no
outro e façam escolhas conscientes e coerentes com a sua vontade.
Assegura Macedo Júnior (1999) que a atuação interessada do magistrado é
parte integrante da proposta global de humanitarismo. A figura do juiz é fundamental para
melhorar o relacionamento interpessoal entre os conflitantes, pois por se encontrar posicionado
fora da contenda poderá agir com maior serenidade; identificar o problema que se encontra por
traz do conflito e ajudar na implantação de um diálogo.
O ambiente, as posturas e o estado emocional do conciliador são fatores que
poderão facilitar o diálogo entre as partes. Dito de outro modo, a tentativa de acordo que se
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concretiza basicamente com a facilitação do diálogo entre os conflitantes, poderá ser aprimorada
na medida em que houver um ambiente propício e facilitadores habilitados.
Conforme divulga Macedo Júnior (1999) o ambiente onde se realizada a
proposta de acordo associada a atitudes facilitadoras poderão ter um papel significativo na busca
de solução de conflitos. As posturas verbais e não-verbais como o timbre da voz, o olhar e os
gestos, promovem o relaxamento ou a tensão das partes. Havendo posturas calmas e tranquilas na
sala de audiência, as partes tendem a se sintonizarem no mesmo estado mental e reduzir suas
ansiedades, o que facilitará o diálogo. O ambiente precisa ser calmo e respeitoso, para que haja a
liberdade de expressão de situações dolorosas ou vergonhosas, sem julgamentos ou agressões. O
magistrado, envolvendo-se na relação, precisa de autoconscientização para preparar o seu estado
mental e harmonizá-lo com o momento da conciliação.
Apropriando-se dos conhecimentos advindos da Psicologia humanista e
sistematizados por Carl Ranson Roger na Abordagem Centrada na Pessoa, se pode qualificar a
tentativa conciliatória, através da indicação de atitudes facilitadoras que permitem a implantação
de um ambiente favorável para o diálogo, habilitando o magistrado para atuar como facilitador ou
conciliador.
Os fundamentos desta abordagem encontram amparo nos conhecimentos
das ciências (biologia, química e física), tal como as descobertas do biólogo Albert Szet-
Gyoergyi que afirmou que todo organismo vivo procura a sua própria realização, de modo que
ele atua em direção a uma ordem crescente, unindo a complexidade inter-relacionada. No mesmo
sentido segue Ilya Prigogine com seus conceitos sobre sistemas dinâmicos na vida cotidiana.
Assim, se lança na modernidade a teoria de que o universo se modifica constantemente em um
processo de construção e reconstrução, criação e deterioração, para depois se recriar novamente
(HOLANDA, 1994).
Neste contexto científico, Carl Rogers identificou a existência de um potencial
interno na pessoa humana, que o impulsionava em direção ao seu crescimento pessoal e que o
conduzia para o funcionamento pleno, onde pensamento, sentimento e ação se tornavam
congruentes, a que chamou de tendência atualizante.
A essa tendência se pode definir como um processo que ocorre no organismo
humano, que se potencializa quando a pessoa vivencia concretamente sua experiência ou a
realidade tal como percebida por si. É uma capacidade inata de interação com o mundo e com os
outros, onde há um significado sentido e o comportamento responde a uma percepção consciente
dos fatos. Esta experiência organísmica precisa da aceitação, do carinho, e da empatia daquele
com quem se relaciona para ser preservada e desenvolvida (VANAERSCHOT, 2004). Desta
maneira, conforme seja o envolvimento nas relações interpessoais, essa tendência poderá ser
impulsionada para harmonizar a pessoa com a sua experiência e torná-la consciente de suas
atitudes e escolhas. Associada a tendência atualizante que harmoniza a pessoa consigo mesma,
cada atitude praticada na relação com os outros e com o ambiente em que se vive, reflete no
universo em virtude da “tendência formativa.
A tendência formativa se coaduna com as mais recentes descobertas
científicas explanadas pela física quântica, a cibernética, a biologia molecular, e se harmoniza
com a idéia de Fritjof Capra sobre “teia da vida”, que defende uma visão sistêmica dos processos
vitais e se fundamenta na concepção de que os sistemas vivos possuem um padrão em rede e uma
capacidade de auto-organização, realimentação e auto-regulamentação, de modo que um
organismo vivo sofre as influências do meio ambiente, alterando suas estruturas e seu
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comportamento para se adaptar, em uma aprendizagem e desenvolvimento contínuos, em uma
interdependência, onde o sucesso de um membro da comunidade depende da prosperidade de
cada um e da comunidade como um todo (CAPRA, 2010). Ainda explicando sobre o pensamento
sistêmico dos processos vitais afirma o autor: “Todos os membros de uma comunidade ecológica
estão interligados numa vasta e intricada rede de relações, a teia da vida (CAPRA, 2010,
Pg.231)”.
Interessante refletir sobre as tendências acima mencionadas para reavaliar
sobre a atividade jurisdicional, pois seguindo o raciocínio as atitudes praticadas pelo magistrado
na sua atuação produzirão reflexos em todo o entorno. A tentativa conciliatória promovida pela
facilitação do diálogo poderá contribuir para o reajustamento dos conflitantes dentro e fora da
relação processual, assim como trará benefícios para o próprio conciliador, enquanto pessoa, e
para o Poder Judiciário, que servirá de colaborador na promoção do ajustamento humano,
restaurando o relacionamento interpessoal entre os contendores e destes com a instituição.
As tendências de atualização e formativa são inerentes à condição
organísmica, então a mecanização da atuação jurisdicional atingirá não só os jurisdicionados em
conflito, como toda a cadeia envolvida no processo que busca a solução da avença. O magistrado
ao impedir o fluir da fala dos conflitantes, atuando de forma superficial, desvia a sua tendência
atualizante e não invoca o seu potencial de crescimento pessoal, tornando sua atuação
desmotivante e não criativa.
Na visão de Feitosa (2008) a tendência formativa está presente em todo
processo vivo; é a força da criação e o movimento vital, que conduz a manifestações e mudanças;
que impõe complexidade à vida e as suas maneiras de expressão, a que também se integra a
personalidade humana, enquanto que a tendência atualizante, por sua vez, conduz a realização e
ao crescimento pessoal, reduzindo o medo, a rigidez , dando maior abertura e criatividade por
proporcionar uma harmonia entre o “ser” e o seu fluxo experencial.
Comentando um pouco mais sobre as tendências apontadas por Carl Rogers,
se pode resumir que são tendências naturais presentes em qualquer organismo, que seguem em
busca de um grau maior de harmonização dinâmica consigo e com o mundo, movimentando as
potencialidades adaptativas e transformativas. Neste contexto, se pode afirmar que as ideias
propostas por Rogers estão inteiramente integradas com a visão sistêmica da modernidade de
cosmologia, ecologia e organísmica (BRANCO, 2008).
Interessante observar que este potencial humano mencionado por Rogers, que
traz harmonia para a própria pessoa poderá ser desviado por relacionamentos interpessoais
limitantes, onde predomine a opressão, a dominação ou mesmo o medo e a ansiedade, pois
muitas vezes os participantes procuram oferecer respostas que agradem ao outro, ou atendam a
uma determinação de um opressor, não fazendo escolhas compatíveis ao seu processo interno, de
modo que, em sucessão agem sem a consciência de seus atos com reflexo danoso para si,
provando angústias e sofrimentos, que muitas vezes serão traduzidos em agressões e violências.
Neste contexto, já se pode perceber a sintonia dos fundamentos da Abordagem
Centrada na Pessoa, que oferece a oportunidade de reajustamento pessoal, para aprimorar a
tentativa conciliatória, uma vez que a pessoa em conflito se encontra em desarmonia consigo e
com o outro, precisando readaptar-se para reintegrar-se à sociedade.
Nesta linha de raciocínio o magistrado poderá atuar como facilitador
apropriando-se dos conhecimentos da Abordagem Centrada na Pessoa desde que se despoje de
qualquer atitude de dominação ou opressão, bem como desmonte estas mesmas posturas dentro
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da relação interpartes, proporcionando o ambiente psicológico favorável ao desenvolvimento do
diálogo.
Sustenta Andrade (1999) que o conciliador precisa antes de tudo de
autoconcientização do seu estado emocional interno, para entrar em contato com a sua vivência e
perceber as suas emoções, processo a que chamou de inteligência emocional, afirma, ainda, o
autor, que as pessoas que se relacionam entram em sintonia com as mesmas emoções do
facilitador, podendo este permear um ambiente salutar, que acalme as emoções e abrande as
agressões, possibilitando um conviver mais harmonioso entre as partes.
Este processo tão conhecido na atualidade a que se chama de “inteligência
emocional” caracteriza a capacidade organísmica de aprender e se desenvolver para se adaptar ao
ambiente em que se vive. O ajustamento da pessoa, em que pensamento, ação e emoção se
encontram em harmonia, promove o vivenciar da experiência com presentificação e se identifica
com a inteligência orgânica para a preservação da saúde física e mental. É a tendência atualizante
induzindo o organismo em direção a sua congruência e crescimento pessoal.
Afirma Vanaerschot (2004) que a pessoa para manter saudável a sua
convivência consigo e com a comunidade, precisa de confirmação, validação e reconhecimento
do outro, essa necessidade pode entrar em conflito ou até mesmo substituir a tendência
atualizante e o processo de valorização organísmica.
Comenta Holanda (1994) que a Abordagem Centrada na Pessoa é um misto de
linha terapêutica, filosofia de relações humanas, um esboço metodológico de terapia e uma teoria
da personalidade, assim, se revela em uma filosofia de atitude ou de um agir e termina como uma
filosofia de vida e, mesmo assim, afirma o autor, que não consegue dar conta da importância
histórica e metodológica do pensamento de Rogers, que acreditava em um recurso direcional em
cada organismo vivo que segue a um fluxo ininterrupto e subjacente no sentido da realização de
suas próprias potencialidades, objetivando atingir a “excelência”, ou seja, o melhor de si coerente
com a vivência.
Conforme sustenta Wood (1983) a Abordagem Centrada na Pessoa
sistematizou que atitudes de empatia, autenticidade e consideração positiva incondicional
qualificam o relacionamento impulsionando as tendências organísmicas já citadas. Assim, afirma
Rogers (1983) que a presença destas atitudes implanta um clima psicológico favorável, que
permite o diálogo, auxiliando que as pessoas se reconheçam com toda sua completude,
independente de que sejam clientes, trabalhadores, estudantes ou qualquer outro papel social.
Estas atitudes foram denominadas de facilitadoras e se mostram essenciais na
prática da proposta de Carl Rogers de Abordagem Centrada na Pessoa, pois instalam o clima
psicológico favorável para possibilitar o diálogo, a vivência da experiência e o impulsionar do
potencial de crescimento humano, em que o praticante funciona como “auxiliar das forças de
atualização do outro” como citado por Amatuzzi (1989).
A habilidade nessas atitudes não envolve um conhecimento aprofundado
sobre a teoria, mas muito mais a prática constante no dia-a-dia do facilitador. Deste modo, é
perfeitamente aplicável pelos profissionais de vários domínios do saber, podendo ser adotado
com maestria pela atividade jurisdicional, que se desenvolve perante uma relação conflituosa,
onde o diálogo se mostra fundamental e essencial para a solução dos conflitos pela vontade dos
conflitantes.
O magistrado que pretende atuar na condição de facilitador deve agir para
permitir a fala autêntica das partes, pois como afirma Rogers (2009) assim acontece a expressão
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dos sentimentos e dos pensamentos experimentados no encontro, os participantes passam a se
sentirem mais seguros e minimizam suas defesas progressivamente, acontecendo um movimento
de feedback ou de mutualidade melhorando o relacionamento. O facilitador precisa escutar cada
pessoa que fala cuidadosa e sensivelmente para que o indivíduo seja compreendido e validado
como ser humano. Neste momento se diz o que se tem para dizer mesmo que seja pessoal, hostil
ou cínico, mas é revelado com autenticidade.
A primeira atitude denominada por Carl Rogers como consideração positiva
incondicional acontece quando a pessoa que se encontra congruente, respeita o outro na sua
condição de “ser”, como ele se percebe, sem julgamentos, opressão ou condições. Esta aceitação
permite que o outro expresse o sentimento que está sendo experimentado naquele momento,
mesmo que seja um ressentimento, raiva, amor ou medo, ou seja, será revelado o que de real
acontece naquele evento, em sintonia com a percepção de quem se expressa.
A consideração positiva incondicional se constitui em uma atitude de
receptividade do outro com todo o seu entorno, aceitando cada aspecto da experiência interna
dele como se fosse parte dele, permitindo a expressão de sentimentos negativos e positivos,
independente de sua consistência. A pessoa passa a ser ela mesma no momento da relação, não
precisando falar ou fazer nada que não seja coerente consigo, assim, é uma aceitação sem
condições impostas, não significando, entretanto, que o profissional concorde ou aprove com a
reação, apenas escute atentamente e acolha o sentimento como sendo possível de ser sentido
dentro da realidade construída pelo outro, sendo suficiente o silêncio respeitoso do facilitador
(PALMA, 2009).
Esta aceitação permite que o outro possa ser autêntico consigo mesmo e
expresse exatamente o que está sentindo naquele momento, possibilitando que ele vivencie a sua
experiência, tenha consciência de tudo que se passa no evento, podendo, inclusive, olhar para
dentro de si e se reconhecer como pessoa.
Assegura Andrade (1999) que o conciliador precisa criar um ambiente de
confiança mútua, para fazer surgir um movimento de cooperação e produtividade, que poderá ser
instalado a partir da veracidade das afirmações e/ou da conduta do outro, da demonstração da
compreensão com as preocupações externadas, mesmo que se discorde do teor, além da
manifestação genuína de disponibilidade para ajudar a solucionar os problemas.
Deste modo, se percebe que o magistrado na condição de conciliador precisa
agir com consideração positiva incondicional, tal como preconizado na Abordagem Centrada na
Pessoa, pois, só assim, compreenderá a fala expressada pelas partes, sem julgamentos ou
condenações, embora possa não concordar com a posição defendida pelo conflitante, e
possibilitará uma maior segurança para a parte informar os sentimentos verdadeiros com relação
ao conflito.
O magistrado no processo de facilitação precisa ser um catalizador das
emoções das partes, evitando que ajam agressões mútuas, atuando de forma firme, porém sem
arrogância e dominação. Oportunizar a fala a cada parte em momentos alternados, mas
oferecendo uma escuta ativa, onde cada falante se sinta acolhido, perceba que suas colocações
são importantes para o ouvinte e se sinta pessoa. O conciliador poderá, inclusive, reorganizar as
informações prestadas pelas partes, para torná-las menos parciais aos ouvidos do outro
conflitante.
A confiança na pessoa com quem se relaciona precisa ser comunicada ao
outro através da atitude genuína do facilitador e por meio de uma escuta sem julgamento ou
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interpretações. Essa transmissão é demonstrada pela aceitação incondicional da experiência
vivida no aqui-e-agora. Não se espera o que vai ser dito, pensado ou sentido, apenas se escuta e
se acolhe, sem condições impostas, para que se promova a segurança fundamental para o outro
“ser”, não podendo haver demonstração de poder ou de controle, assim, ocorrerá o fortalecimento
na consciência do poder pessoal e na autonomia da vontade (FREIRE, 2009).
É o respeito aos sentimentos dos conflitantes que precisa ser demonstrado
pelo magistrado-conciliador, sem repressão ou constrangimento. A parte precisa expor sua
percepção da vivência conflituosa. Na medida em que o contendor se sente aceito e respeitado
enquanto pessoa, podendo ser escutado e compreendido dentro do seu contexto vivencial e da sua
visão dos fatos, consegue verbalizar os seus sentimentos e se aliviar das tensões, permitindo,
assim, a fala do outro e do facilitador.
Desarmando-se e despojando-se de suas defesas, os conflitantes se permitem
ouvir diferentes pontos de vistas para o mesmo fato e passam a perceber novos caminhos para a
solução da contenda. Só o diálogo genuíno permite a redução das tensões, da ansiedade e dos
rancores advindos da situação conflituosa.
Como afirma Freire e Tambara (2007) diante da atitude de compreensão do
facilitador o outro se sente livre e se afasta das atitudes defensivas e, talvez pela primeira vez na
vida, consiga ser autenticamente ele próprio, sem o receio de ter que proteger os seus sentimentos
da censura e da avaliação dos outros, passando a aceitá-los como parte de si mesmo, tornando-se
capaz de enfrentá-los por seu próprio potencial interior.
Do mesmo modo, o conciliador precisa atuar para que cada parte possa
considerar o sentimento experimentado pelo outro como possível de ser sentido, informando ao
ouvinte aspectos que não ficaram devidamente claros na comunicação do falante, e enfatizando a
importância das sensações experimentadas, mesmo que não sejam coerentes com a realidade
percebida pelo ouvinte.
A pessoa que pretende atuar como facilitador, precisa, ainda, se colocar no
lugar do outro, tocando em seu sentimento, demonstrando que compreende o que possa estar
acontecendo no seu interior e se posicionando de forma cálida diante dos sentimentos liberados,
agindo com empatia.
Na atividade jurisdicional um ponto marcante que deve ser considerado para o
conciliador é a linguagem requintada utilizada dentro dos fóruns. A empatia depende de forma
significativa da compreensão do que está sendo dito. A pessoa precisa sentir-se localizada dentro
do ambiente onde se posiciona. É preciso recriar o encontro entre o magistrado e as partes, para
possibilitar o reestabelecimento da comunicação entre as partes.
Diante de um conflito, a ansiedade que domina as partes já impede, por si só,
a compreensão das falas, assim, o conciliador não poderá dificultar ainda mais o diálogo,
utilizando-se de uma linguagem estranha aos conflitantes e que gera mais desconforto e
hostilidade dentro do ambiente.
O magistrado deve preocupar-se com a linguagem expressa no momento da
tentativa conciliatória, pois como aduziu Andrade (1999) é preciso modificar a forma de falar
para se adequar ao referencial interno das partes, principalmente quando se tenta esclarecer
pontos que se apresentam como obscuros no conflito. É fundamental que as informações
prestadas pelo conciliador sejam ditas de forma objetiva, simples e claras para facilitar o diálogo
e alcançar a decisão das partes.
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Ressalte-se, pois, que a linguagem é importante para estabelecer a
compreensão empática tão defendida por Rogers (1983) que é capaz de captar os sentimentos e
significados que o outro está vivendo e compartilhar com ele. Esta atitude acontece quando se
disponibiliza uma escuta ativa e sensível para o parceiro e se faz compreender.
Afirmou Poland (2007) que empatia tem o significado de separação; a
compreensão de uma pessoa pela outra, ou seja, no encontro está presente esta atitude quando as
duas pessoas distintas são consideradas cada uma com seus próprios pontos de vistas.
A empatia somente pode ser válida quando fundamentada no respeito pela
alteridade do outro com toda a sua singularidade e particularidade. Na formação de suas ideias
Rogers destacou a importância do “ouvir” em um encontro, onde os interlocutores se colocam em
um face-a-face, para tentar alcançar o quanto possível a realidade vivida naquele momento.
Exemplificativamente, no instante em que o profissional consegue “intra-habitar” a pessoa, ele
sente e ver o mundo como se constitui para o outro em uma atitude empática (O’HARA, 1983).
A atitude de se disponibilizar para a escuta ativa incentiva o outro a falar. Na
conciliação judicial, muitas vezes, como sustenta Andrade (1999), as partes se encontram em
uma confusão interna que não conseguem compreender com clareza o que se passa e a fala revela
palavras sem sentido ou desconcatenadas. A atitude empática do magistrado permitirá o fluir da
fala desorganizada da parte que, aos poucos e com o auxílio do conciliador, irá reestabelecer a
sua capacidade cognitiva e se expressar de forma mais concisa. Assim, a própria parte entrará em
contato com o seus sentimentos, reconhecendo-o com mais clareza, o que permitirá pensá-los
com mais flexibilidade a ponto de refletir sobre a possibilidade de modificá-los para alcançar um
consenso.
É importante esclarecer que o conciliador também precisa auxiliar as partes a
serem empáticas umas com as outras, permeando uma situação em que cada um seja ouvido pelo
oponente. Ainda segue Andrade (1999), que o conciliador precisa expor a importância do ouvir
de forma atenta à fala do outro, evitando que o ouvinte se desligue para ocupar-se com os seus
próprios pensamentos, pois na medida em que a pessoa se sente ouvida e compreendida ocorre o
efeito trampolim, mais e mais se sente a vontade de esclarecer o que se está vivendo e sentindo,
aceitando-se melhor e reagindo de modo menos defensivo. Ademais, se o magistrado proporciona
um maior entendimento interpessoal, fazendo com que uma das partes se coloque no lugar da
outra, de modo empático, permite que se possa visualizar diferentes modos de ver o problema.
Muitas vezes a situação é vista somente pela perspectiva que se está acostumado a ver, mas se for
esclarecida sob outros pontos-de-vista, maiores serão as possibilidades de solução, pois se
romperão as barreiras internas que condicionam a ver a realidade sob um único enfoque.
É interessante ressaltar a visão de Halpern (2004) sobre a importância da
empatia na reconciliação entre as pessoas, sustenta o autor que a reconciliação não é apenas
intelectual, mas também um processo emocional. A educação para atitudes que costumavam ser
conhecidas pelo antiquado cultivo do termo “do coração” tem um papel fundamental na função
pacificadora, logo, a dimensão emocional de empatia, que permite que se vejam com seus
próprios olhos, as percepções de outras pessoas sobre as experiências vividas, desempenha um
importante papel nesta missão.
Muito bem esclarece a definição de empatia formulada por Petrillo (2009)
como um ato específico que pode dar conta da experiência de um estranho; é um tipo especial de
presentificação, quando um corpo físico estranho é apreendido como manifestação de um corpo
próprio.
10
Outra atitude que o facilitador que atua com a Abordagem Centrada na Pessoa
precisa apresentar é a demonstração com naturalidade de seus sentimentos suportados no evento.
Esta autenticidade o permite sentir, raiva, irritação, desconforto ou qualquer outro sentimento não
tão favorável diante do encontro, mas sendo genuíno será necessário ser experenciado, o que
fornecerá confiança naquele com quem se relaciona.
No artigo em que comenta sobre a importância da Psicologia Humanista Diaz-
Laplante (2007) declara ao comentar sobre o livro de Carl Roger “Tornar-se Pessoa” e ao analisar
depoimentos transcritos na referida obra, que a habilidade de ser verdadeiro em situações
desconfortáveis e a capacidade de ser honesto sobre os próprios medos e preocupações permitem
que os outros entendam que mesmo sendo de origem cultural e classe social diferentes, as
pessoas partilham os mesmos desafios da condição de humano.
O magistrado ao atuar como facilitador precisa ser autêntico com os seus
sentimentos, respeitados os limites da posição institucionalizada dentro da relação estabelecida
em audiência. É a condição humana do conciliador que deve ser demonstrada no encontro, para
permear a confiança necessária para o desabafar dos conflitantes. Essa autenticidade impede que
as atitudes do conciliador sejam técnicas ou superficiais, mas verdadeiras e demonstram o
interesse na solução do conflito.
Na tentativa conciliatória, então, o magistrado precisa demonstrar com
autenticidade os seus sentimentos experimentados no encontro, mesmo que seja raiva, irritação
ou impaciência, pois assim, as partes poderão vê-lo como ser humano e o seu interesse na busca
de uma solução satisfatória para as partes, se apresentará mais verdadeiro perante os litigantes,
que se sentirão mais confiantes e seguros para responder as intervenções formuladas sobre o
conflito.
As atitudes facilitadoras defendidas pela referida Abordagem são as molas
mestras para qualificar o relacionamento, pois além de possibilitar o diálogo, deixam evidente a
confiança do facilitador na capacidade das pessoas de solucionarem seus próprios problemas,
pois ao permitir que os conflitantes entrem em contato com a realidade tal como percebida por
eles, possibilita a tomada de decisão coerentes com a vontade e a assunção da responsabilidade
pelas escolhas e decisões.
Permitir que as partes se expressem de forma verdadeira, escutem-se umas as
outras, vivenciem cada uma o momento vivido, para que seus pensamentos sejam coerentes com
os seus sentimentos e gerem ações genuínas é a função do conciliador, pois, a solução encontrada
que seja congruente com as vontades das partes é mais consciente e possibilita que os conflitantes
se sintam mais responsáveis pelas decisões, sem transferir a responsabilidade pelas escolhas para
o Poder Judiciário, o que traz mais satisfação pessoal.
Dito de outro modo, a repressão dos sentimentos provocada pelas ameaças e
imposições do “eu” como acontece em relações de opressão e dominação, faz com que as pessoas
não sejam verdadeiras consigo mesmas, prejudicando a liberdade de “ser” quem verdadeiramente
se é; de sentir o que realmente se sente e de tomar decisões e fazer escolhas coerentes com o que
se acredita, ou seja, autênticas, porém ao se relacionar em um clima psicologicamente favorável,
a pessoa retoma a direção de sua plenitude, integrando raciocínio, afeto e corpo, e realiza
escolhas livres entre alternativas reais, eis que se encontra dominado pela sua força construtiva
inata. A Abordagem Centrada na Pessoa reconhece a existência de forças externas como os
deveres e as obrigações impostas pela cultura, que podem prejudicar ou mesmo fulminar as
tendências do crescimento humano, como opressão ou temor reverencial (ROSEMBERG, 2008).
11
Alerta Rosenberg (2008) que a proposta de Rogers não se resume a seguir um
roteiro com instruções técnicas para a implantação de um clima psicológico favorável, tampouco
afirma que o cumprimento fiel de forma mecanizada das orientações conduzirá ao crescimento do
outro.
O objetivo da Abordagem Centrada na Pessoa é auxiliar as pessoas a
crescerem para que possam enfrentar os seus problemas atuais e futuros de forma mais integradas
e mais responsáveis, de modo que a proposta desta Abordagem convida os indivíduos a aceitarem
o outro na sua integralidade, com toda a sua carga de valores e ideologia, seja no convívio da
vida pública ou privada. O facilitador aprende a lidar com as diferenças e a desenvolver uma
empatia incondicional com o outro, permitindo que ele seja quem verdadeiramente é, de modo
que todas as pessoas envolvidas no relacionamento são beneficiadas pela Abordagem Centrada
na Pessoa. É importante que o facilitador implante o clima psicológico favorável, confiando no
outro, o compreendendo e o aceitando com todas as fragilidades e conflitos, sempre procurando
se colocar no lugar dele, sendo, ainda, congruente e autêntico com a vivência, para que a pessoa,
com quem esteja em contato, sinta-se seguro e possa expressar os seus sentimentos sem o temor
de avaliação ou interpretação (ROSEMBERG, 2008).
As habilidades para um facilitador são apreendidas na própria maneira de ser
do indivíduo, que depois de assimiladas passará a adotar as atitudes em todo e qualquer
relacionamento, uma vez que há também o crescimento e a mudança naquele que atua como
mobilizador do outro. Independente da profissão ou da ocupação dentro da estratificação social
qualquer um poderá atuar como facilitador, não precisa de vocação ou conhecimento científico
aprofundado sobre o tema, bastando que se entregue ao encontro como pessoa.
Adotar as atitudes facilitadoras sugeridas pela Abordagem Centrada na Pessoa
implica na eleição voluntária de um jeito de ser, que indica uma escolha livre nas relações
pessoais e profissionais em que se envolve, optando por se atualizar e por contribuir no processo
de atualização do outro, independente do lugar ou com quem se esteja encontrando, é uma
proposta de vida. A pessoa se propõe a contribuir para a formação de relações dialógicas, onde
acontecem as escutas ativas para a compreensão da realidade do outro (BACELLAR, 2009). O
facilitador não precisa ser um perito em assuntos comportamentais, ou necessariamente um
psicólogo, precisa ser “humano” para poder interagir com os outros de forma verdadeira,
permitindo-se ser pessoa e possibilitando o outro, do mesmo modo, tornar-se pessoa.
Resume Palma (2009) que para o profissional trabalhar centrado na pessoa é
preciso se dedicar nas três dimensões da abordagem. A dimensão teórico-técnica que se constitui
no conhecimento das atitudes facilitadoras e dos seus efeitos benéficos; a segunda se refere ao
autoconhecimento: é preciso que o facilitador conheça a si mesmo, suas possibilidades e limites;
a importância dos outros em sua vida, reconhecendo as diferenças; confie em suas experiências e
em sua capacidade de autodeterminação; esteja disponível ao processo de mudança para
possibilitar um ampliar de horizontes, expansão de consciências; afaste-se do julgamento do
outro e da certeza de sua sapiência para determinar o que será melhor para o outro; distancie-se
da postura de dominação, abrindo mão do poder sobre o outro; seja autêntico consigo mesmo e
acolha o outro na sua integridade, aceitando-o com toda complexidade e dentro da própria
realidade sem intepretações, julgamentos ou retaliações. Por último, a dimensão relacional que
engloba a consideração positiva incondicional, na medida em que a pessoa deverá agir com
autenticidade e transparência incondicional, pois é na própria relação pessoal, no ato de se
encontrar, no mesmo tempo e espaço que acontece o clima psicológico favorável à mudança. Esta
12
última dimensão precisa ser percebida pelo cliente, de modo que o facilitador precisa se esforçar
para olhar o mundo fenomenal do outro, o mais próximo possível da visão dele.
O magistrado-facilitador, habilitado com os conhecimentos da Abordagem
Centrada na Pessoa, diante de pessoas conflituosas e no interesse de solucionar o conflito pela
vontade das partes, precisa estar implicado dentro da relação, sendo imparcial perante os
contendores, mas envolvido na missão de conciliador, atuando de forma ativa, com empatia,
respeito incondicional e autenticidade, para, assim, implantar um clima psicológico favorável ao
diálogo, recobrar a comunicação entre os conflitantes, ampliando a visão sobre os fatos e
apresentando novas possibilidades de resolução da contenda, para que o embate seja decidido por
ato volitivo das próprias partes, que mais conscientes se responsabilizarão pelo resultado do
acordo judicial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se afirmando que os efeitos positivos promovidos pela Abordagem
Centrada na Pessoa, diante das relações terapêuticas e educacionais, conforme demonstram os
estudos de Carl Rogers (1983, 1989, 2008), John Wood (1983), Raquel Rosemberg (2008), entre
outros, instigam a utilização da filosofia na atividade jurisdicional, principalmente quando se
pretende a solução dos conflitos de interesse.
O magistrado que pretenda atuar como conciliador ou facilitador na
implantação de um diálogo, precisa capacitar-se para estabelecer um ambiente psicológico
favorável ao diálogo, oportunizando a fala a cada participante, escutando ativamente e de forma
genuína cada um, repudiando julgamentos ou críticas às falas expressadas pelas partes, para
permear atitudes de cooperação e mutualidade e acreditando nas potencialidades de cada litigante
para solucionar a contenda, respeitando, por fim, cada um na sua totalidade.
Assim, se resume que as atitudes facilitadoras ou clima facilitador ao
crescimento, sistematizados por Carl Rogers, podem ser perfeitamente aplicados no
relacionamento entre magistrados e jurisdicionados, principalmente na tentativa conciliatória,
pois a Abordagem Centrada na Pessoa, além de implantar encontros significativos, possibilita o
aperfeiçoamento do relacionamento interpessoal, sendo suficiente se pautar na dinâmica dialógica
dos encontros.
Em remate, convida-se para um repensar sobre as posturas adotadas na
tentativa conciliatória e para uma reflexão sobre adoção de atitudes que permitem o fluir dos
processos vitais dos conflitantes e proporcionem escolhas mais conscientes e responsáveis, além
de promover um aperfeiçoamento nas relações humanas, com uma consequente humanização das
atividades jurisdicional e uma maior aproximação do Poder Judiciário com a sociedade.
13
REFERÊNCIAS
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São Paulo: Papirus Editora, 1989.
ANDRADE, A. M. R.; MACEDO JÚNIOR, F. L. Manual de Conciliação. Curitiba: Juruá
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In:CAVALCANTE JÚNIOR, F. S. FEITOSA, A .(Org.). Humanismo de Funcionamento Pleno:
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BACELLAR, Anita. Ludoterapia Centrada na Pessoa: a psicoterapia infantil proposta pela
Abordagem Centrada na Pessoa. In: BACELLAR, A .(Coord.). A Psicologia Humanista na
Prática: Reflexões sobre a Abordagem Centrada na Pessoa.. Palhoça/SC: UNISUR, 2009. P153-
171.
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DIAZ-LAPLANTE, J. Humanistic Psychology and Social Transformation: Building the Path
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14
FEITOSA, A. Auto-regulação, Tendência Atualizante e Tendência Formativa.
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15
POLAND, W. S. The Limits os Emphathy. Imago American, 64, 1, 2007, p. 87-93. Disponível
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ROGERS, C.R. Um Jeito de Ser. Tradução de Maria Cristina Machado Kupfer, Heloísa Lebrão,
Yone Souza Patto: revisão da tradução Maria Helena Souza Patto. São Paulo: Editora Pedagógica
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Martins Fontes, 2009.
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VANAERSCHOT, G. It Takes Two to Tango: On Empathy With Fragile Processes.
Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, 41(2), 2004, p. 112-124.
doi:10.1037/0033-3204.41.2.112. Disponível em: <http://link.periodicos.capes.gov.br>. Acesso
em 10 de agosto de 2010.
WOOD, J. K. Sombras da Entrega: Tendências na Percepçção Interior nas Abordagens Centradas
na Pessoa. In: Car Rogers...[et al.]. Tradução de Afonso Henrique L. da Fonseca. Em Busca de
Vida : Da Terapia Centrada no Cliente à Abordagem Centrada na Pessoa. São Paulo: Summus
Editorial, 1983. p.23-44.
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  • 1. CONCILIAÇÃO HUMANISTA: A TENTATIVA CONCILIATORIA ATRAVÉS DA FACILITAÇÃO DO DIÁLOGO Nayara Queiroz Mota de Sousa Juíza do Trabalho Titular da Vara do Trabalho de Catolé do Rocha/PB Mestre em Direito Especialista em Direito do Processual Civil Especialista em Direito do Trabalho RESUMO O conflito se forma com a contraposição das vivências ou com as oposições das ideologias, sendo inerente à condição dialógica da pessoa. Havendo a estagnação da interação e a prevalência da individualização dos interesses, o conflito assume uma forma ôntica e aporética. Ocorre uma ruptura da comunicação entre os litigantes, uma distorção da percepção dos fatos e uma rigidez do “eu”, provocada pela falta de aceitação e de compreensão empática do outro, sendo fundamental a intervenção de um facilitador para retomar a forma fenomenológica da desavença, recobrando o diálogo e recriando as possibilidades de solução. O conflito quando se judicializa se apresenta na sua forma coisificada, sendo imprescindível a atuação adequada do conciliador para permear as aporias e apresentar possibilidades para a retomada do diálogo. Entretanto, os sentimentos insatisfatórios advindos do conflito, aliados à ansiedade, a linguagem formal e especializada, que dificultam a compreensão e a comunicação, à relação de poder e dominação e ao ambiente hostil, oferecidos pelo Poder Judiciário, ampliam as aporias do conflito. A proposta da conciliação humanista objetiva qualificar o magistrado-conciliador para atuar como facilitador do diálogo. A adoção de atitudes facilitadoras de empatia, consideração positiva incondicional e autenticidade possibilitam a instalação de um clima psicológico favorável ao consenso, na medida em que amplia a visão dos fatos, auxilia os contendores no retorno ao modo existencial dialógico de ser, retoma a forma fenomenológica da vivência conflituosa, auxilia na organização da capacidade de pensar. A decisão pelos termos acordados será produto da vontade das partes que conscientes, se tornaram mais responsáveis pelos ajustes. A solução dos conflitos judiciais através da conciliação favorece a pacificação social desde que alcançada com a decisão obtida a partir da autonomia da vontade dos conflitantes. O termo de acordo firmado por imposição do magistrado ou por razões adversas à voluntariedade das partes aguça a animosidade e distancia o Poder Judiciário da sociedade.
  • 2. PALAVRAS-CHAVE: Conciliação- Abordagem Centrada na Pessoa- Relacionamento interpessoal- Diálogo. CONCILIAÇÃO HUMANISTA: A TENTATIVA CONCILIATORIA ATRAVÉS DA FACILITAÇÃO DO DIÁLOGO A proposta do presente artigo se harmoniza com o movimento atual do Poder Judiciário, que privilegia a conciliação nos processos judiciais, e objetiva sugerir uma proposta de qualificação do ato da tentativa conciliatória. É importante esclarecer que o enfoque se direciona para a qualidade das conciliações, a partir da adoção de medidas humanizadoras na atuação do magistrado que pretenda se aperfeiçoar como conciliador. O magistrado, embora lhe seja atribuída a função de pacificação dos conflitos através da proposta de acordo, não é contemplado com os conhecimentos necessários para se aprimorar nesta atividade. A mediação, por outro lado, já se apropriou dos conhecimentos da Psicologia para habilitar os profissionais que buscam atuar como mediadores em conflitos interpessoais, sendo, pois, a presente proposta uma forma de avançar na atuação do Poder Judiciário e oferecer subsídios para qualificar a conciliação. É sabido que as partes que se apresentam diante do Poder Judiciário se encontram envolvidas em um conflito e não necessariamente se mostram disponíveis para um acordo, diferente do que acontece com aqueles que procuram um mediador para firmar uma avença de consenso. Neste cenário mais se exige do magistrado para atuar na condição de pacificador da contenda. O conflito é estrutural dentro da sociedade e se constrói a partir das oposições vivenciais ou dos embates ideológicos, comuns e presentes na própria convivência entre pessoas, que são ontologicamente dialógicas. Entretanto, quando os conflitantes individualizam os seus interesses e rompem com a comunicação ocorre a coisificação da vivência conflituosa e os contendores não conseguem encontrar a resolução. Com a estagnação do diálogo e a visão unilateral dos fatos pelos conflitantes, ocorre uma distorção dos acontecimentos provocada pela rigidez das ideias, pela falta de aceitação e da empatia entre as partes, sendo fundamental a participação de um terceiro facilitador para retomar a fenomenologia do conflito e recobrar o diálogo, com apresentação de novas possibilidades para a solução da desavença. Diante do conflito as pessoas sozinhas não conseguem aclarar a visão turva e se mantém com a capacidade de pensar desorganizada. As partes chegam ao Poder Judiciário, na sua grande maioria, dominadas pela ansiedade, pelo medo e pelos sentimentos insatisfatórios advindos da própria situação conflituosa, que são aguçados pelo ambiente nada cálido proporcionado pela sala de audiência. Assegura Andrade (1999) que o mundo externo hostil e as relações interpessoais limitantes aprofundam o conflito. Deste modo é possível afirmar que o ambiente proporcionado pelo Poder Judiciário, marcado pelas formalidades e pela linguagem requintada, de pouco acesso ao cidadão comum, não colabora com a dissolução do conflito. 2
  • 3. A magistratura não foi contemplada com uma formação humanística para lidar com os aspectos psicológicos encravados em uma situação conflituosa, tampouco possui conhecimentos sobre posturas adequadas para destravar a fala e reconduzir os conflitantes à retomada do diálogo. As posturas distantes e impessoais de alguns magistrados, que dificultam o fluir da fala, limitam a participação ativa dos conflitantes e inviabilizam a possibilidade de abertura para novos pontos de vistas sobre o conflito, causam angústia e frustração e, muitas vezes, geram a insatisfação com a atuação do Poder Judiciário. Além do mais, as sessões de audiência são momentos frustrantes, em virtude dos rituais formais que muito confundem os cidadãos desabituados com estas práticas. A linguagem especializada, as regras coloquiais e a formalidade provocam constrangimento a todos os envolvidos no processo judicial. O procedimento de investigação dos fatos realizado através do processo, inevitavelmente, agrava o estado emocional dos conflitantes, pois provoca um reviver dos fatos que ocasionaram o conflito. As (MACEDO JÚNIOR, 1999). A função do conciliador se torna mais dificultosa, conforme prossegue o rito processual, em virtude do prolongamento da situação estressante e ansiosa proveniente da convivência conflituosa. É insofismável que a atuação do magistrado tem um papel preponderante na aceitação ou rejeição da proposta de acordo, devendo, pois, o juiz participar de forma ativa e interessada na busca pela solução amigável do litígio. A burocratização da atividade jurisdicional atingiu a tentativa conciliatória que não escapou da mecanização da realização dos atos processuais. Sendo muitas vezes resumidas a uma simples pergunta do magistrado “se há possibilidade de acordo entre as partes?”, quando se forma uma relação impessoal e distante sem a instalação de um diálogo. Assim, se percebe a necessidade de um aperfeiçoamento da atividade jurisdicional de tentativa conciliatória, para que se habilite o magistrado para proporcionar a retomada da comunicação entre os conflitantes, com a instalação de um diálogo genuíno e a apresentação de outras possibilidades de solução das contendas. O diálogo, quando autêntico, melhora a confiança nas pessoas que passam a acreditar na sua existência com relação ao outro, se tornam mais autônomas, fortalecidas e seguras de si e, em cadeia, permitem a tomada de decisões mais coerentes com a vontade e com mais responsabilidade, além de reforçar a significância do “estar-se-com-o-outro”, para a implantação de um encontro significativo entre pessoas. Percebe Buber (2009) que o homem atual guarda a noção de que “voltar-se- para-o-outro”, em uma atitude de tornar o outro presente na sua existência, é simplesmente um sentimentalismo ou é impraticável, e afirma o autor que esta assertiva não se harmoniza com as necessidades da modernidade, mas somente revela uma inércia diante da vida. É simplesmente a preferência por um “dobrar-se-em-si-mesmo”, retraindo-se para evitar a aceitação do outro em sua essência e na sua singularidade. A modernidade impõe a superficialidade dos contatos interpessoais através da estrutura burocrática institucionalizada e impede o encontro face-a-face. Segue Buber (2009) afirmando que a própria automação embora tenha proporcionado um contato de diversas pessoas estranhas, em um diminuto espaço de tempo, afasta a possibilidade da vivência “com-o-outro”, com mutualidade, difundindo a relação que debilita o espírito e gera contradições; que impede a liberdade de “ser” e da atualização do ser para se integrar com a vivência e se tornar apto a tomar decisões livres em direção do autêntico para si. Esta integração com a experiência vivida é 3
  • 4. proporcionada pelo inter-humano enriquecido no encontro, onde ocorre o diálogo, autêntico e genuíno, pois neste se possibilita que cada participante veja e sinta a presença do outro, em uma conexão que permite perceber a realidade que está ao seu alcance, tomar atitudes com consciência e responsabilidade. Esta conexão promovida pelo diálogo chamado de genuíno, afirma Freire (1987), acontece quando a ação da fala e a reflexão pela escuta se solidarizam, sem dominação, arrogância ou opressão de um sobre o parceiro, mas com humildade dos interlocutores que se vêem na presença do outro; quando se pretende ser dialógico confiando na pessoa com quem se relaciona, se aproximando e permitindo sua fala, transformando o mundo através da colaboração e não se tem a pretensão de modificar o companheiro, dominado e conquistado. O parceiro dialógico se mostra atento e verdadeiro no ato de escutar e se posiciona de forma igualitária na relação, sem superioridade, de modo que o falar do outro não se confunde com um simples soltar a voz através da fala, mas é significante por revelar o sentimento do falante. A conciliação para atingir a sua função pacificadora precisa emergir da vontade das partes e ser construída a partir da decisão consciente, que somente é atingida quando a expressão da fala revelar o sentimento dos conflitantes. O magistrado que pretender atuar como conciliador precisa estar cônscio da necessidade de instalação do autêntico diálogo na sessão de audiência, em que se pretende um acordo judicial. Deve, pois, posicionar-se na relação de forma equânime, sem opressão ou dominação, funcionando como um colaborador na tomada de decisão das partes. Contribui Amatuzzi (1989) ao defender que para se alcançar a vontade daquele que fala preciso permitir o fluir da voz para que se diga tudo o que se pretende comunicar através do que chama “fala autêntica”, única e imprevisível, onde o falante integra totalmente a sua experiência com a comunicação e a consciência, passa a agir com responsabilidade. Ao revés, na situação de dominação se diz o que se preparou para ser dito, a fala secundária, e se apresenta como uma ficção do dominante que só existe para escutá-lo e ser dominado, quando há um bloqueio por questões de segurança, afeto, ou consideração ao outro, que ocupa posição antagônica na estratificação social e as decisões passam a ser tomadas no plano secundário e sem consciência. Possibilitar que o outro seja ele próprio significa servir de “auxiliar das forças de atualização” para permitir que o falante responda por si mesmo em suas escolhas e decisões. Assim, o ato judicial caracterizado pelo acordo entre as partes precisa fluir da própria decisão volitiva dos conflitantes e não reproduzir a vontade do conciliador. O juiz que se dispõe a escutar, permite o fluir da fala autêntica e recobra a comunicação, se posiciona na condição deste “auxiliar das forças de atualização” acima mencionado, qualifica a relação, removendo as convicções rígidas, permitindo que as partes vivenciem a experiência conflituosa no momento do encontro e retomem a percepção dos fatos, passando a confiar mais em si e no outro e façam escolhas conscientes e coerentes com a sua vontade. Assegura Macedo Júnior (1999) que a atuação interessada do magistrado é parte integrante da proposta global de humanitarismo. A figura do juiz é fundamental para melhorar o relacionamento interpessoal entre os conflitantes, pois por se encontrar posicionado fora da contenda poderá agir com maior serenidade; identificar o problema que se encontra por traz do conflito e ajudar na implantação de um diálogo. O ambiente, as posturas e o estado emocional do conciliador são fatores que poderão facilitar o diálogo entre as partes. Dito de outro modo, a tentativa de acordo que se 4
  • 5. concretiza basicamente com a facilitação do diálogo entre os conflitantes, poderá ser aprimorada na medida em que houver um ambiente propício e facilitadores habilitados. Conforme divulga Macedo Júnior (1999) o ambiente onde se realizada a proposta de acordo associada a atitudes facilitadoras poderão ter um papel significativo na busca de solução de conflitos. As posturas verbais e não-verbais como o timbre da voz, o olhar e os gestos, promovem o relaxamento ou a tensão das partes. Havendo posturas calmas e tranquilas na sala de audiência, as partes tendem a se sintonizarem no mesmo estado mental e reduzir suas ansiedades, o que facilitará o diálogo. O ambiente precisa ser calmo e respeitoso, para que haja a liberdade de expressão de situações dolorosas ou vergonhosas, sem julgamentos ou agressões. O magistrado, envolvendo-se na relação, precisa de autoconscientização para preparar o seu estado mental e harmonizá-lo com o momento da conciliação. Apropriando-se dos conhecimentos advindos da Psicologia humanista e sistematizados por Carl Ranson Roger na Abordagem Centrada na Pessoa, se pode qualificar a tentativa conciliatória, através da indicação de atitudes facilitadoras que permitem a implantação de um ambiente favorável para o diálogo, habilitando o magistrado para atuar como facilitador ou conciliador. Os fundamentos desta abordagem encontram amparo nos conhecimentos das ciências (biologia, química e física), tal como as descobertas do biólogo Albert Szet- Gyoergyi que afirmou que todo organismo vivo procura a sua própria realização, de modo que ele atua em direção a uma ordem crescente, unindo a complexidade inter-relacionada. No mesmo sentido segue Ilya Prigogine com seus conceitos sobre sistemas dinâmicos na vida cotidiana. Assim, se lança na modernidade a teoria de que o universo se modifica constantemente em um processo de construção e reconstrução, criação e deterioração, para depois se recriar novamente (HOLANDA, 1994). Neste contexto científico, Carl Rogers identificou a existência de um potencial interno na pessoa humana, que o impulsionava em direção ao seu crescimento pessoal e que o conduzia para o funcionamento pleno, onde pensamento, sentimento e ação se tornavam congruentes, a que chamou de tendência atualizante. A essa tendência se pode definir como um processo que ocorre no organismo humano, que se potencializa quando a pessoa vivencia concretamente sua experiência ou a realidade tal como percebida por si. É uma capacidade inata de interação com o mundo e com os outros, onde há um significado sentido e o comportamento responde a uma percepção consciente dos fatos. Esta experiência organísmica precisa da aceitação, do carinho, e da empatia daquele com quem se relaciona para ser preservada e desenvolvida (VANAERSCHOT, 2004). Desta maneira, conforme seja o envolvimento nas relações interpessoais, essa tendência poderá ser impulsionada para harmonizar a pessoa com a sua experiência e torná-la consciente de suas atitudes e escolhas. Associada a tendência atualizante que harmoniza a pessoa consigo mesma, cada atitude praticada na relação com os outros e com o ambiente em que se vive, reflete no universo em virtude da “tendência formativa. A tendência formativa se coaduna com as mais recentes descobertas científicas explanadas pela física quântica, a cibernética, a biologia molecular, e se harmoniza com a idéia de Fritjof Capra sobre “teia da vida”, que defende uma visão sistêmica dos processos vitais e se fundamenta na concepção de que os sistemas vivos possuem um padrão em rede e uma capacidade de auto-organização, realimentação e auto-regulamentação, de modo que um organismo vivo sofre as influências do meio ambiente, alterando suas estruturas e seu 5
  • 6. comportamento para se adaptar, em uma aprendizagem e desenvolvimento contínuos, em uma interdependência, onde o sucesso de um membro da comunidade depende da prosperidade de cada um e da comunidade como um todo (CAPRA, 2010). Ainda explicando sobre o pensamento sistêmico dos processos vitais afirma o autor: “Todos os membros de uma comunidade ecológica estão interligados numa vasta e intricada rede de relações, a teia da vida (CAPRA, 2010, Pg.231)”. Interessante refletir sobre as tendências acima mencionadas para reavaliar sobre a atividade jurisdicional, pois seguindo o raciocínio as atitudes praticadas pelo magistrado na sua atuação produzirão reflexos em todo o entorno. A tentativa conciliatória promovida pela facilitação do diálogo poderá contribuir para o reajustamento dos conflitantes dentro e fora da relação processual, assim como trará benefícios para o próprio conciliador, enquanto pessoa, e para o Poder Judiciário, que servirá de colaborador na promoção do ajustamento humano, restaurando o relacionamento interpessoal entre os contendores e destes com a instituição. As tendências de atualização e formativa são inerentes à condição organísmica, então a mecanização da atuação jurisdicional atingirá não só os jurisdicionados em conflito, como toda a cadeia envolvida no processo que busca a solução da avença. O magistrado ao impedir o fluir da fala dos conflitantes, atuando de forma superficial, desvia a sua tendência atualizante e não invoca o seu potencial de crescimento pessoal, tornando sua atuação desmotivante e não criativa. Na visão de Feitosa (2008) a tendência formativa está presente em todo processo vivo; é a força da criação e o movimento vital, que conduz a manifestações e mudanças; que impõe complexidade à vida e as suas maneiras de expressão, a que também se integra a personalidade humana, enquanto que a tendência atualizante, por sua vez, conduz a realização e ao crescimento pessoal, reduzindo o medo, a rigidez , dando maior abertura e criatividade por proporcionar uma harmonia entre o “ser” e o seu fluxo experencial. Comentando um pouco mais sobre as tendências apontadas por Carl Rogers, se pode resumir que são tendências naturais presentes em qualquer organismo, que seguem em busca de um grau maior de harmonização dinâmica consigo e com o mundo, movimentando as potencialidades adaptativas e transformativas. Neste contexto, se pode afirmar que as ideias propostas por Rogers estão inteiramente integradas com a visão sistêmica da modernidade de cosmologia, ecologia e organísmica (BRANCO, 2008). Interessante observar que este potencial humano mencionado por Rogers, que traz harmonia para a própria pessoa poderá ser desviado por relacionamentos interpessoais limitantes, onde predomine a opressão, a dominação ou mesmo o medo e a ansiedade, pois muitas vezes os participantes procuram oferecer respostas que agradem ao outro, ou atendam a uma determinação de um opressor, não fazendo escolhas compatíveis ao seu processo interno, de modo que, em sucessão agem sem a consciência de seus atos com reflexo danoso para si, provando angústias e sofrimentos, que muitas vezes serão traduzidos em agressões e violências. Neste contexto, já se pode perceber a sintonia dos fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa, que oferece a oportunidade de reajustamento pessoal, para aprimorar a tentativa conciliatória, uma vez que a pessoa em conflito se encontra em desarmonia consigo e com o outro, precisando readaptar-se para reintegrar-se à sociedade. Nesta linha de raciocínio o magistrado poderá atuar como facilitador apropriando-se dos conhecimentos da Abordagem Centrada na Pessoa desde que se despoje de qualquer atitude de dominação ou opressão, bem como desmonte estas mesmas posturas dentro 6
  • 7. da relação interpartes, proporcionando o ambiente psicológico favorável ao desenvolvimento do diálogo. Sustenta Andrade (1999) que o conciliador precisa antes de tudo de autoconcientização do seu estado emocional interno, para entrar em contato com a sua vivência e perceber as suas emoções, processo a que chamou de inteligência emocional, afirma, ainda, o autor, que as pessoas que se relacionam entram em sintonia com as mesmas emoções do facilitador, podendo este permear um ambiente salutar, que acalme as emoções e abrande as agressões, possibilitando um conviver mais harmonioso entre as partes. Este processo tão conhecido na atualidade a que se chama de “inteligência emocional” caracteriza a capacidade organísmica de aprender e se desenvolver para se adaptar ao ambiente em que se vive. O ajustamento da pessoa, em que pensamento, ação e emoção se encontram em harmonia, promove o vivenciar da experiência com presentificação e se identifica com a inteligência orgânica para a preservação da saúde física e mental. É a tendência atualizante induzindo o organismo em direção a sua congruência e crescimento pessoal. Afirma Vanaerschot (2004) que a pessoa para manter saudável a sua convivência consigo e com a comunidade, precisa de confirmação, validação e reconhecimento do outro, essa necessidade pode entrar em conflito ou até mesmo substituir a tendência atualizante e o processo de valorização organísmica. Comenta Holanda (1994) que a Abordagem Centrada na Pessoa é um misto de linha terapêutica, filosofia de relações humanas, um esboço metodológico de terapia e uma teoria da personalidade, assim, se revela em uma filosofia de atitude ou de um agir e termina como uma filosofia de vida e, mesmo assim, afirma o autor, que não consegue dar conta da importância histórica e metodológica do pensamento de Rogers, que acreditava em um recurso direcional em cada organismo vivo que segue a um fluxo ininterrupto e subjacente no sentido da realização de suas próprias potencialidades, objetivando atingir a “excelência”, ou seja, o melhor de si coerente com a vivência. Conforme sustenta Wood (1983) a Abordagem Centrada na Pessoa sistematizou que atitudes de empatia, autenticidade e consideração positiva incondicional qualificam o relacionamento impulsionando as tendências organísmicas já citadas. Assim, afirma Rogers (1983) que a presença destas atitudes implanta um clima psicológico favorável, que permite o diálogo, auxiliando que as pessoas se reconheçam com toda sua completude, independente de que sejam clientes, trabalhadores, estudantes ou qualquer outro papel social. Estas atitudes foram denominadas de facilitadoras e se mostram essenciais na prática da proposta de Carl Rogers de Abordagem Centrada na Pessoa, pois instalam o clima psicológico favorável para possibilitar o diálogo, a vivência da experiência e o impulsionar do potencial de crescimento humano, em que o praticante funciona como “auxiliar das forças de atualização do outro” como citado por Amatuzzi (1989). A habilidade nessas atitudes não envolve um conhecimento aprofundado sobre a teoria, mas muito mais a prática constante no dia-a-dia do facilitador. Deste modo, é perfeitamente aplicável pelos profissionais de vários domínios do saber, podendo ser adotado com maestria pela atividade jurisdicional, que se desenvolve perante uma relação conflituosa, onde o diálogo se mostra fundamental e essencial para a solução dos conflitos pela vontade dos conflitantes. O magistrado que pretende atuar na condição de facilitador deve agir para permitir a fala autêntica das partes, pois como afirma Rogers (2009) assim acontece a expressão 7
  • 8. dos sentimentos e dos pensamentos experimentados no encontro, os participantes passam a se sentirem mais seguros e minimizam suas defesas progressivamente, acontecendo um movimento de feedback ou de mutualidade melhorando o relacionamento. O facilitador precisa escutar cada pessoa que fala cuidadosa e sensivelmente para que o indivíduo seja compreendido e validado como ser humano. Neste momento se diz o que se tem para dizer mesmo que seja pessoal, hostil ou cínico, mas é revelado com autenticidade. A primeira atitude denominada por Carl Rogers como consideração positiva incondicional acontece quando a pessoa que se encontra congruente, respeita o outro na sua condição de “ser”, como ele se percebe, sem julgamentos, opressão ou condições. Esta aceitação permite que o outro expresse o sentimento que está sendo experimentado naquele momento, mesmo que seja um ressentimento, raiva, amor ou medo, ou seja, será revelado o que de real acontece naquele evento, em sintonia com a percepção de quem se expressa. A consideração positiva incondicional se constitui em uma atitude de receptividade do outro com todo o seu entorno, aceitando cada aspecto da experiência interna dele como se fosse parte dele, permitindo a expressão de sentimentos negativos e positivos, independente de sua consistência. A pessoa passa a ser ela mesma no momento da relação, não precisando falar ou fazer nada que não seja coerente consigo, assim, é uma aceitação sem condições impostas, não significando, entretanto, que o profissional concorde ou aprove com a reação, apenas escute atentamente e acolha o sentimento como sendo possível de ser sentido dentro da realidade construída pelo outro, sendo suficiente o silêncio respeitoso do facilitador (PALMA, 2009). Esta aceitação permite que o outro possa ser autêntico consigo mesmo e expresse exatamente o que está sentindo naquele momento, possibilitando que ele vivencie a sua experiência, tenha consciência de tudo que se passa no evento, podendo, inclusive, olhar para dentro de si e se reconhecer como pessoa. Assegura Andrade (1999) que o conciliador precisa criar um ambiente de confiança mútua, para fazer surgir um movimento de cooperação e produtividade, que poderá ser instalado a partir da veracidade das afirmações e/ou da conduta do outro, da demonstração da compreensão com as preocupações externadas, mesmo que se discorde do teor, além da manifestação genuína de disponibilidade para ajudar a solucionar os problemas. Deste modo, se percebe que o magistrado na condição de conciliador precisa agir com consideração positiva incondicional, tal como preconizado na Abordagem Centrada na Pessoa, pois, só assim, compreenderá a fala expressada pelas partes, sem julgamentos ou condenações, embora possa não concordar com a posição defendida pelo conflitante, e possibilitará uma maior segurança para a parte informar os sentimentos verdadeiros com relação ao conflito. O magistrado no processo de facilitação precisa ser um catalizador das emoções das partes, evitando que ajam agressões mútuas, atuando de forma firme, porém sem arrogância e dominação. Oportunizar a fala a cada parte em momentos alternados, mas oferecendo uma escuta ativa, onde cada falante se sinta acolhido, perceba que suas colocações são importantes para o ouvinte e se sinta pessoa. O conciliador poderá, inclusive, reorganizar as informações prestadas pelas partes, para torná-las menos parciais aos ouvidos do outro conflitante. A confiança na pessoa com quem se relaciona precisa ser comunicada ao outro através da atitude genuína do facilitador e por meio de uma escuta sem julgamento ou 8
  • 9. interpretações. Essa transmissão é demonstrada pela aceitação incondicional da experiência vivida no aqui-e-agora. Não se espera o que vai ser dito, pensado ou sentido, apenas se escuta e se acolhe, sem condições impostas, para que se promova a segurança fundamental para o outro “ser”, não podendo haver demonstração de poder ou de controle, assim, ocorrerá o fortalecimento na consciência do poder pessoal e na autonomia da vontade (FREIRE, 2009). É o respeito aos sentimentos dos conflitantes que precisa ser demonstrado pelo magistrado-conciliador, sem repressão ou constrangimento. A parte precisa expor sua percepção da vivência conflituosa. Na medida em que o contendor se sente aceito e respeitado enquanto pessoa, podendo ser escutado e compreendido dentro do seu contexto vivencial e da sua visão dos fatos, consegue verbalizar os seus sentimentos e se aliviar das tensões, permitindo, assim, a fala do outro e do facilitador. Desarmando-se e despojando-se de suas defesas, os conflitantes se permitem ouvir diferentes pontos de vistas para o mesmo fato e passam a perceber novos caminhos para a solução da contenda. Só o diálogo genuíno permite a redução das tensões, da ansiedade e dos rancores advindos da situação conflituosa. Como afirma Freire e Tambara (2007) diante da atitude de compreensão do facilitador o outro se sente livre e se afasta das atitudes defensivas e, talvez pela primeira vez na vida, consiga ser autenticamente ele próprio, sem o receio de ter que proteger os seus sentimentos da censura e da avaliação dos outros, passando a aceitá-los como parte de si mesmo, tornando-se capaz de enfrentá-los por seu próprio potencial interior. Do mesmo modo, o conciliador precisa atuar para que cada parte possa considerar o sentimento experimentado pelo outro como possível de ser sentido, informando ao ouvinte aspectos que não ficaram devidamente claros na comunicação do falante, e enfatizando a importância das sensações experimentadas, mesmo que não sejam coerentes com a realidade percebida pelo ouvinte. A pessoa que pretende atuar como facilitador, precisa, ainda, se colocar no lugar do outro, tocando em seu sentimento, demonstrando que compreende o que possa estar acontecendo no seu interior e se posicionando de forma cálida diante dos sentimentos liberados, agindo com empatia. Na atividade jurisdicional um ponto marcante que deve ser considerado para o conciliador é a linguagem requintada utilizada dentro dos fóruns. A empatia depende de forma significativa da compreensão do que está sendo dito. A pessoa precisa sentir-se localizada dentro do ambiente onde se posiciona. É preciso recriar o encontro entre o magistrado e as partes, para possibilitar o reestabelecimento da comunicação entre as partes. Diante de um conflito, a ansiedade que domina as partes já impede, por si só, a compreensão das falas, assim, o conciliador não poderá dificultar ainda mais o diálogo, utilizando-se de uma linguagem estranha aos conflitantes e que gera mais desconforto e hostilidade dentro do ambiente. O magistrado deve preocupar-se com a linguagem expressa no momento da tentativa conciliatória, pois como aduziu Andrade (1999) é preciso modificar a forma de falar para se adequar ao referencial interno das partes, principalmente quando se tenta esclarecer pontos que se apresentam como obscuros no conflito. É fundamental que as informações prestadas pelo conciliador sejam ditas de forma objetiva, simples e claras para facilitar o diálogo e alcançar a decisão das partes. 9
  • 10. Ressalte-se, pois, que a linguagem é importante para estabelecer a compreensão empática tão defendida por Rogers (1983) que é capaz de captar os sentimentos e significados que o outro está vivendo e compartilhar com ele. Esta atitude acontece quando se disponibiliza uma escuta ativa e sensível para o parceiro e se faz compreender. Afirmou Poland (2007) que empatia tem o significado de separação; a compreensão de uma pessoa pela outra, ou seja, no encontro está presente esta atitude quando as duas pessoas distintas são consideradas cada uma com seus próprios pontos de vistas. A empatia somente pode ser válida quando fundamentada no respeito pela alteridade do outro com toda a sua singularidade e particularidade. Na formação de suas ideias Rogers destacou a importância do “ouvir” em um encontro, onde os interlocutores se colocam em um face-a-face, para tentar alcançar o quanto possível a realidade vivida naquele momento. Exemplificativamente, no instante em que o profissional consegue “intra-habitar” a pessoa, ele sente e ver o mundo como se constitui para o outro em uma atitude empática (O’HARA, 1983). A atitude de se disponibilizar para a escuta ativa incentiva o outro a falar. Na conciliação judicial, muitas vezes, como sustenta Andrade (1999), as partes se encontram em uma confusão interna que não conseguem compreender com clareza o que se passa e a fala revela palavras sem sentido ou desconcatenadas. A atitude empática do magistrado permitirá o fluir da fala desorganizada da parte que, aos poucos e com o auxílio do conciliador, irá reestabelecer a sua capacidade cognitiva e se expressar de forma mais concisa. Assim, a própria parte entrará em contato com o seus sentimentos, reconhecendo-o com mais clareza, o que permitirá pensá-los com mais flexibilidade a ponto de refletir sobre a possibilidade de modificá-los para alcançar um consenso. É importante esclarecer que o conciliador também precisa auxiliar as partes a serem empáticas umas com as outras, permeando uma situação em que cada um seja ouvido pelo oponente. Ainda segue Andrade (1999), que o conciliador precisa expor a importância do ouvir de forma atenta à fala do outro, evitando que o ouvinte se desligue para ocupar-se com os seus próprios pensamentos, pois na medida em que a pessoa se sente ouvida e compreendida ocorre o efeito trampolim, mais e mais se sente a vontade de esclarecer o que se está vivendo e sentindo, aceitando-se melhor e reagindo de modo menos defensivo. Ademais, se o magistrado proporciona um maior entendimento interpessoal, fazendo com que uma das partes se coloque no lugar da outra, de modo empático, permite que se possa visualizar diferentes modos de ver o problema. Muitas vezes a situação é vista somente pela perspectiva que se está acostumado a ver, mas se for esclarecida sob outros pontos-de-vista, maiores serão as possibilidades de solução, pois se romperão as barreiras internas que condicionam a ver a realidade sob um único enfoque. É interessante ressaltar a visão de Halpern (2004) sobre a importância da empatia na reconciliação entre as pessoas, sustenta o autor que a reconciliação não é apenas intelectual, mas também um processo emocional. A educação para atitudes que costumavam ser conhecidas pelo antiquado cultivo do termo “do coração” tem um papel fundamental na função pacificadora, logo, a dimensão emocional de empatia, que permite que se vejam com seus próprios olhos, as percepções de outras pessoas sobre as experiências vividas, desempenha um importante papel nesta missão. Muito bem esclarece a definição de empatia formulada por Petrillo (2009) como um ato específico que pode dar conta da experiência de um estranho; é um tipo especial de presentificação, quando um corpo físico estranho é apreendido como manifestação de um corpo próprio. 10
  • 11. Outra atitude que o facilitador que atua com a Abordagem Centrada na Pessoa precisa apresentar é a demonstração com naturalidade de seus sentimentos suportados no evento. Esta autenticidade o permite sentir, raiva, irritação, desconforto ou qualquer outro sentimento não tão favorável diante do encontro, mas sendo genuíno será necessário ser experenciado, o que fornecerá confiança naquele com quem se relaciona. No artigo em que comenta sobre a importância da Psicologia Humanista Diaz- Laplante (2007) declara ao comentar sobre o livro de Carl Roger “Tornar-se Pessoa” e ao analisar depoimentos transcritos na referida obra, que a habilidade de ser verdadeiro em situações desconfortáveis e a capacidade de ser honesto sobre os próprios medos e preocupações permitem que os outros entendam que mesmo sendo de origem cultural e classe social diferentes, as pessoas partilham os mesmos desafios da condição de humano. O magistrado ao atuar como facilitador precisa ser autêntico com os seus sentimentos, respeitados os limites da posição institucionalizada dentro da relação estabelecida em audiência. É a condição humana do conciliador que deve ser demonstrada no encontro, para permear a confiança necessária para o desabafar dos conflitantes. Essa autenticidade impede que as atitudes do conciliador sejam técnicas ou superficiais, mas verdadeiras e demonstram o interesse na solução do conflito. Na tentativa conciliatória, então, o magistrado precisa demonstrar com autenticidade os seus sentimentos experimentados no encontro, mesmo que seja raiva, irritação ou impaciência, pois assim, as partes poderão vê-lo como ser humano e o seu interesse na busca de uma solução satisfatória para as partes, se apresentará mais verdadeiro perante os litigantes, que se sentirão mais confiantes e seguros para responder as intervenções formuladas sobre o conflito. As atitudes facilitadoras defendidas pela referida Abordagem são as molas mestras para qualificar o relacionamento, pois além de possibilitar o diálogo, deixam evidente a confiança do facilitador na capacidade das pessoas de solucionarem seus próprios problemas, pois ao permitir que os conflitantes entrem em contato com a realidade tal como percebida por eles, possibilita a tomada de decisão coerentes com a vontade e a assunção da responsabilidade pelas escolhas e decisões. Permitir que as partes se expressem de forma verdadeira, escutem-se umas as outras, vivenciem cada uma o momento vivido, para que seus pensamentos sejam coerentes com os seus sentimentos e gerem ações genuínas é a função do conciliador, pois, a solução encontrada que seja congruente com as vontades das partes é mais consciente e possibilita que os conflitantes se sintam mais responsáveis pelas decisões, sem transferir a responsabilidade pelas escolhas para o Poder Judiciário, o que traz mais satisfação pessoal. Dito de outro modo, a repressão dos sentimentos provocada pelas ameaças e imposições do “eu” como acontece em relações de opressão e dominação, faz com que as pessoas não sejam verdadeiras consigo mesmas, prejudicando a liberdade de “ser” quem verdadeiramente se é; de sentir o que realmente se sente e de tomar decisões e fazer escolhas coerentes com o que se acredita, ou seja, autênticas, porém ao se relacionar em um clima psicologicamente favorável, a pessoa retoma a direção de sua plenitude, integrando raciocínio, afeto e corpo, e realiza escolhas livres entre alternativas reais, eis que se encontra dominado pela sua força construtiva inata. A Abordagem Centrada na Pessoa reconhece a existência de forças externas como os deveres e as obrigações impostas pela cultura, que podem prejudicar ou mesmo fulminar as tendências do crescimento humano, como opressão ou temor reverencial (ROSEMBERG, 2008). 11
  • 12. Alerta Rosenberg (2008) que a proposta de Rogers não se resume a seguir um roteiro com instruções técnicas para a implantação de um clima psicológico favorável, tampouco afirma que o cumprimento fiel de forma mecanizada das orientações conduzirá ao crescimento do outro. O objetivo da Abordagem Centrada na Pessoa é auxiliar as pessoas a crescerem para que possam enfrentar os seus problemas atuais e futuros de forma mais integradas e mais responsáveis, de modo que a proposta desta Abordagem convida os indivíduos a aceitarem o outro na sua integralidade, com toda a sua carga de valores e ideologia, seja no convívio da vida pública ou privada. O facilitador aprende a lidar com as diferenças e a desenvolver uma empatia incondicional com o outro, permitindo que ele seja quem verdadeiramente é, de modo que todas as pessoas envolvidas no relacionamento são beneficiadas pela Abordagem Centrada na Pessoa. É importante que o facilitador implante o clima psicológico favorável, confiando no outro, o compreendendo e o aceitando com todas as fragilidades e conflitos, sempre procurando se colocar no lugar dele, sendo, ainda, congruente e autêntico com a vivência, para que a pessoa, com quem esteja em contato, sinta-se seguro e possa expressar os seus sentimentos sem o temor de avaliação ou interpretação (ROSEMBERG, 2008). As habilidades para um facilitador são apreendidas na própria maneira de ser do indivíduo, que depois de assimiladas passará a adotar as atitudes em todo e qualquer relacionamento, uma vez que há também o crescimento e a mudança naquele que atua como mobilizador do outro. Independente da profissão ou da ocupação dentro da estratificação social qualquer um poderá atuar como facilitador, não precisa de vocação ou conhecimento científico aprofundado sobre o tema, bastando que se entregue ao encontro como pessoa. Adotar as atitudes facilitadoras sugeridas pela Abordagem Centrada na Pessoa implica na eleição voluntária de um jeito de ser, que indica uma escolha livre nas relações pessoais e profissionais em que se envolve, optando por se atualizar e por contribuir no processo de atualização do outro, independente do lugar ou com quem se esteja encontrando, é uma proposta de vida. A pessoa se propõe a contribuir para a formação de relações dialógicas, onde acontecem as escutas ativas para a compreensão da realidade do outro (BACELLAR, 2009). O facilitador não precisa ser um perito em assuntos comportamentais, ou necessariamente um psicólogo, precisa ser “humano” para poder interagir com os outros de forma verdadeira, permitindo-se ser pessoa e possibilitando o outro, do mesmo modo, tornar-se pessoa. Resume Palma (2009) que para o profissional trabalhar centrado na pessoa é preciso se dedicar nas três dimensões da abordagem. A dimensão teórico-técnica que se constitui no conhecimento das atitudes facilitadoras e dos seus efeitos benéficos; a segunda se refere ao autoconhecimento: é preciso que o facilitador conheça a si mesmo, suas possibilidades e limites; a importância dos outros em sua vida, reconhecendo as diferenças; confie em suas experiências e em sua capacidade de autodeterminação; esteja disponível ao processo de mudança para possibilitar um ampliar de horizontes, expansão de consciências; afaste-se do julgamento do outro e da certeza de sua sapiência para determinar o que será melhor para o outro; distancie-se da postura de dominação, abrindo mão do poder sobre o outro; seja autêntico consigo mesmo e acolha o outro na sua integridade, aceitando-o com toda complexidade e dentro da própria realidade sem intepretações, julgamentos ou retaliações. Por último, a dimensão relacional que engloba a consideração positiva incondicional, na medida em que a pessoa deverá agir com autenticidade e transparência incondicional, pois é na própria relação pessoal, no ato de se encontrar, no mesmo tempo e espaço que acontece o clima psicológico favorável à mudança. Esta 12
  • 13. última dimensão precisa ser percebida pelo cliente, de modo que o facilitador precisa se esforçar para olhar o mundo fenomenal do outro, o mais próximo possível da visão dele. O magistrado-facilitador, habilitado com os conhecimentos da Abordagem Centrada na Pessoa, diante de pessoas conflituosas e no interesse de solucionar o conflito pela vontade das partes, precisa estar implicado dentro da relação, sendo imparcial perante os contendores, mas envolvido na missão de conciliador, atuando de forma ativa, com empatia, respeito incondicional e autenticidade, para, assim, implantar um clima psicológico favorável ao diálogo, recobrar a comunicação entre os conflitantes, ampliando a visão sobre os fatos e apresentando novas possibilidades de resolução da contenda, para que o embate seja decidido por ato volitivo das próprias partes, que mais conscientes se responsabilizarão pelo resultado do acordo judicial. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se afirmando que os efeitos positivos promovidos pela Abordagem Centrada na Pessoa, diante das relações terapêuticas e educacionais, conforme demonstram os estudos de Carl Rogers (1983, 1989, 2008), John Wood (1983), Raquel Rosemberg (2008), entre outros, instigam a utilização da filosofia na atividade jurisdicional, principalmente quando se pretende a solução dos conflitos de interesse. O magistrado que pretenda atuar como conciliador ou facilitador na implantação de um diálogo, precisa capacitar-se para estabelecer um ambiente psicológico favorável ao diálogo, oportunizando a fala a cada participante, escutando ativamente e de forma genuína cada um, repudiando julgamentos ou críticas às falas expressadas pelas partes, para permear atitudes de cooperação e mutualidade e acreditando nas potencialidades de cada litigante para solucionar a contenda, respeitando, por fim, cada um na sua totalidade. Assim, se resume que as atitudes facilitadoras ou clima facilitador ao crescimento, sistematizados por Carl Rogers, podem ser perfeitamente aplicados no relacionamento entre magistrados e jurisdicionados, principalmente na tentativa conciliatória, pois a Abordagem Centrada na Pessoa, além de implantar encontros significativos, possibilita o aperfeiçoamento do relacionamento interpessoal, sendo suficiente se pautar na dinâmica dialógica dos encontros. Em remate, convida-se para um repensar sobre as posturas adotadas na tentativa conciliatória e para uma reflexão sobre adoção de atitudes que permitem o fluir dos processos vitais dos conflitantes e proporcionem escolhas mais conscientes e responsáveis, além de promover um aperfeiçoamento nas relações humanas, com uma consequente humanização das atividades jurisdicional e uma maior aproximação do Poder Judiciário com a sociedade. 13
  • 14. REFERÊNCIAS AMATUZZI, M. M . O Resgate da Fala Autêntica: Filosofia da Psicoterapia e da Educação. São Paulo: Papirus Editora, 1989. ANDRADE, A. M. R.; MACEDO JÚNIOR, F. L. Manual de Conciliação. Curitiba: Juruá Editora, 1999. BRANCO, P. C. C. Organismo: Tendência Atualizante e Tendência Formativa no Fluxo da Vida. In:CAVALCANTE JÚNIOR, F. S. FEITOSA, A .(Org.). Humanismo de Funcionamento Pleno: Tendência Formativa na Abordagem Centrada na Pessoa. Campinas/SP:Editora Alínea, 2008. BACELLAR, Anita. Ludoterapia Centrada na Pessoa: a psicoterapia infantil proposta pela Abordagem Centrada na Pessoa. In: BACELLAR, A .(Coord.). A Psicologia Humanista na Prática: Reflexões sobre a Abordagem Centrada na Pessoa.. Palhoça/SC: UNISUR, 2009. P153- 171. BUBER, M. Eu e Tu. Introdução e Tradução: Newton Aquiles Von Zuben. 10. ed. São Paulo: Centauro Editora, 2009. _____________. Do Diálogo e do Dialógico. Tradução: Marta Ekstein de Souza Queiroz e Regina Weinberg. São Paulo: Editora Pespectiva. Debates, 2009. CAPRA. F. A Teia da Vida. Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos. Tradução: Newton Roberval Eichemberg.12. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2010. DIAZ-LAPLANTE, J. Humanistic Psychology and Social Transformation: Building the Path Toward a Livable Today and a Just Tomorrow. Revista de Psicologia Humanista, Vol. 47 nº 1, Jan, 2007, p. 54-72 DOI: 10.1177/0022167806293002. Disponível em: <http://link.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em 17 de agosto de 2010. 14
  • 15. FEITOSA, A. Auto-regulação, Tendência Atualizante e Tendência Formativa. In:CAVALCANTE JÚNIOR, F. S. FEITOSA, A .(Org.). Humanismo de Funcionamento Pleno: Tendência Formativa na Abordagem Centrada na Pessoa. Campinas/SP:Editora Alínea, 2008. FREIRE, E. Psicoterapia Centrada na Pessoa: Uma Jornada em Busca de Auto-Realização e Plenitude. In: KLÖCKNER, F. C. S.(Org.). Abordagem Centrada na Pessoa: A Psicologia Humanista em Diferentes Contextos. Londrina: Editora Unifil, 2009. p.225-233. FREIRE, E.; TAMBARA, N. Terapia Centrada no Cliente: Teoria e Prática. Um caminho sem volta... Porto Alegre: Editora Delphos, 2007. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 28. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. HALPERN, J. Rehumaninzing The Other: Empathy and Reconciliation. Human Rights Quarterly, 26.3, 2004, p. 561-583. Disponível em: <http://link.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em 17 de agosto de 2010. HOLANDA, A. Repensando as Fases do Pensamento de Rogers. In: VII Encontro Latino- Americano da Abordagem Centrada, 1994, Maragogi-Al. Trabalho. MACEDO JÚNIOR, F. L. In: ANDRADE, A. M. R.. Manual de Conciliação. Curitiba: Juruá Editora, 1999. O’HARA, M. M. Psicoterapia Centrada na Pessoa: Tecnologia da Mudança ou Busca de Conhecimento. In: Car Rogers...[et al.]. Tradução de Afonso Henrique L. da Fonseca. Em Busca de Vida : Da Terapia Centrada no Cliente à Abordagem Centrada na Pessoa.. São Paulo: Summus Editorial, 1983. p.103-120. PALMA, A. L. S. C. Um Jeito de Ser Centrado na Pessoa: uma visão pessoal sobre a formação de psicoterapeutas em Abordagem Centrada na Pessoa. In: BACELLAR, A .(Coord.). . A Psicologia Humanista na Prática. Reflexões sobre a Abordagem Centrada na Pessoa. Palhoça/SC: UNISUR, 2009. P.137-152. PETRILLO, N. Estructura de la empatia: autoextrañamiento e intencionalidad instintiva. Arbor[0210-1963], 2009, vol. CLXXXV, n.736. Disponível em: <http://link.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em: 10 de agosto de 2010. 15
  • 16. POLAND, W. S. The Limits os Emphathy. Imago American, 64, 1, 2007, p. 87-93. Disponível em: <http://link.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em: 18 de agosto de 2010. ROGERS, C.R. Um Jeito de Ser. Tradução de Maria Cristina Machado Kupfer, Heloísa Lebrão, Yone Souza Patto: revisão da tradução Maria Helena Souza Patto. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1983. _____________. Grupo de Encontro. Tradução de Joaquim L. Proença. 9.ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009. ROSENBERG, Raquel; ROGERS, Carl. A Pessoa Como Centro. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 2008. VANAERSCHOT, G. It Takes Two to Tango: On Empathy With Fragile Processes. Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, 41(2), 2004, p. 112-124. doi:10.1037/0033-3204.41.2.112. Disponível em: <http://link.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em 10 de agosto de 2010. WOOD, J. K. Sombras da Entrega: Tendências na Percepçção Interior nas Abordagens Centradas na Pessoa. In: Car Rogers...[et al.]. Tradução de Afonso Henrique L. da Fonseca. Em Busca de Vida : Da Terapia Centrada no Cliente à Abordagem Centrada na Pessoa. São Paulo: Summus Editorial, 1983. p.23-44. 16