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EPIDEMIOLOGIA
CONCEITOS
BASES HISTÓRICAS
Epidemiologia
Constitui-se atualmente na principal ciência da informação em saúde, base da
medicina, da saúde coletiva e das outras formações profissionais em saúde.
Pode-se defini-la como a abordagem dos fenômenos da saúde-doença-cuidado
por meio da quantificação, usando cálculos matemáticos e as técnicas
estatísticas de amostragem e de análise.
Epidemiologia
É uma verdadeira aventura do espirito humano, uma busca de resposta para
questões transcendentes sobre a vida, a saúde, o sofrimento e a morte.
E, como toda aventura de seres humanos criativos e conscientes no campo do
conhecimento e das práticas sociais, muda sem cessar.
Tais mudanças conformam uma fascinante história, com eventos e personagens que
estudaremos e nos farão aprender muito!
Epidemiologia – contradição: individual X coletivo
medicina curativa X medicina preventiva
Registros: primórdios do pensamento ocidental na Grécia antiga.
Mitologia grega - antagonismo ancestral na figura das filhas de
Asclépios - Deus da Saúde.
Panaceia - “padroeira” da medicina individual curativa, prática terapêutica baseada em
intervenções sobre indivíduos doentes, através de manobras físicas, encantamentos, preces
e uso de fármacos. Ainda hoje se fala em “panaceia universal” para designar algum
medicamento ou procedimento de poder curativo excepcional (e, obviamente, com certa ironia,
duvidoso).
Higeia - venerada por aqueles que consideravam a saúde como resultante da harmonia entre
o ser humano e o ambiente. Promoção da saúde por meio de ações que, mantendo o equilíbrio
entre os elementos fundamentais, terra, fogo, ar, água, evitassem doenças.
Da sobrevivência dessas crenças e práticas, através dos tempos, deriva o conceito de higiene
→ promoção da saúde, principalmente no âmbito coletivo.
Pensamento – antecipa raciocínio epidemiológico.
Hipócrates de Cós (460 a 377 a.C.) - criador do “termo epidemia”; devido ao
conteúdo da obra a ele atribuída, considerado precursor da Epidemiologia.
Há referências à sua obra, em textos de Platão e Aristóteles.
Os vários escritos que lhe são atribuídos, e que formam o Corpus Hippocraticus,
provavelmente foram o trabalho de várias pessoas, talvez em um longo período de
tempo.
Importância - escritos traduzem uma visão racional da medicina, bem diferente da
concepção mágico-religiosa predominante na Antiguidade.
Hipócrates postulou a existência de quatro fluidos (humores) no corpo humano: bile
amarela, bile negra, fleugma (linfa) e sangue - correspondentes aos elementos
fundamentais: terra, ar, água e fogo.
Ser humano - entidade organizada pelo equilíbrio;
Saúde dependeria da harmonia entre os humores e do balanceamento destes
com os elementos naturais.
Obra hipocrática - valorização da observação empírica, como o demonstram os
casos clínicos nela registrados, reveladores de uma visão original do problema de
saúde- enfermidade.
Observações hipocráticas não se limitavam ao paciente em si
No texto “Ares, águas, lugares” – discussão dos fatores ambientais ligados à doença,
defendendo um conceito ecológico de saúde-enfermidade.
Daí emergirá a ideia do miasma: emanações de regiões insalubres - capazes de
causar doenças como a malária, muito comum no sul da Europa e uma das causas
da derrocada do Império Romano.
Termo latino, que significa “maus ares”.
Para muitos autores, Galeno teria título de pai da medicina
Em matéria de terapêutica, Galeno não diferia muito de seus contemporâneos,
inclusive no que se refere ao uso de produtos vegetais, que fazia importar de
diferentes lugares do mundo. Algumas destas substâncias, como o ópio, chegaram
ao nosso tempo.
Além da medicina galênica, o império romano tinha também uma infraestrutura
sanitária - aquedutos para trazer água de melhor qualidade a Roma, e esgotos – a
Cloaca Maxima, famosa, até hoje preservada.
Interesse para o estudo das origens da Epidemiologia: o governo romano realizava
censos periódicos (um deles levou o carpinteiro José e sua esposa Maria, a
Belém, com as consequências que todos conhecemos) e o Imperador Marco
Aurélio introduziu um registro compulsório de nascimentos e óbitos.
Início Idade Média: retorno a práticas de saúde de caráter mágico-religioso -
amuletos, orações e o culto a santos protetores da saúde.
Importante era a salvação da alma, para a qual o corpo era um simples e
desprezível invólucro.
Prática médica para os pobres era exercida principalmente por religiosos, como
caridade, ou por leigos, barbeiros, boticários e cirurgiões, como profissão.
Para cada família da aristocracia havia seu médico privado que, em muitos casos,
era um cortesão especialista também na arte de matar por envenenamento.
Aç̧ões coletivas no campo da saúde- só em situações de pragas e epidemias.
Renascimento
Movimento de resgate dos elementos filosóficos, estéticos e ideológicos mais
avançados da cultura greco-latina;
Manifesto em numerosas e profundas transformações, em todos os campos da vida
social, propiciou as bases para uma compreensão racional da realidade → resultou
na constituição das ciências modernas;
Renascimento → desenvolvimento de:
→ métodos e técnicas para produção de conhecimento sistematizado;
→ tecnologias e práticas de intervenção, visando a ampliar a capacidade humana
de transformar o mundo;
→ impacto na formação das raízes históricas da Epidemiologia;
→ Principais Eixos de constituição da ciência epidemiológica:
Clínica - saberes sobre saúde-doença;
Estatística - diretrizes metodológicas quantitativas;
Medicina Social - práticas de transformação da sociedade.
Na constituição do saber clínico racionalista, moderno – podemos distinguir três
etapas.
• Na primeira etapa, leigos e religiosos envolvidos no processo saúde-doença
buscavam a legitimação científica de uma prática clínica adequada à nova
racionalidade que então surgia; não havia ainda uma distinção clara entre as
dimensões individual e coletiva da saúde.
• Na segunda etapa, a medicina já se consolidava como corporação, com um saber
técnico próprio e uma rede de instituições de prática profissional. Nessa fase, houve
reforço do estudo do caso, a partir da investigação sistemática dos enfermos nos
hospitais.
• A terceira etapa vincula-se à emergência da medicina científica quando, em
meados do século XIX, a Revolução Industrial propiciou espaço e poder para a
ascensão do saber científico e tecnológico como ideologia dominante nos países
ocidentais.
Hospital nem sempre foi um lugar de cura para os enfermos.
Termo “hospital” (de onde vem “hospitalidade”) etimologicamente denota simplesmente um local para
abrigo ou acolhimento, como os hotéis, hospedarias ou albergues.
O processo de medicalização do hospital não ocorreu da mesma maneira em todos os tipos de
instituição;
Manicômios, até meados do século XX, destinavam-se fundamentalmente a isolar os doentes
mentais, foram, uma criação da modernidade, substituindo os leprosários que na Idade Média eram
muito comuns.
Isto porque a hanseníase (notando-se que neste diagnóstico poderiam estar incluídos muitos
problemas de pele) era considerada, tanto pelo judaísmo como pelo cristianismo, como sinal de
impureza, de conduta pecaminosa, e fazia com que a pessoa fosse isolada.
Em alguns regimes econômicos, o doente mental, que não trabalhava, que vagava pelas ruas, era
um mau exemplo e tinha de ser isolado da sociedade.
1os passos para uma medicina dos tempos modernos conectaram-se a uma questão
veterinária → Sociedade de Medicina de Paris, organizou-se a partir da Ordem Real
para que os médicos investigassem uma epizootia que periodicamente dizimava o
rebanho ovino → graves perdas para a nascente indústria têxtil francesa.
A investigação incluía, o que era novidade, a contagem de casos, o que representou
uma importante contribuição para a introdução da metodologia epidemiológica, ainda
que não em humanos.
Papel fundamental do Estado moderno no controle das epidemias
A terceira etapa de constituição da medicina como prática científica ocorreu em
paralelo (e às vezes em antagonismo) aos primeiros movimentos de constituição
da Epidemiologia;
Com a teoria microbiana e a fisiopatologia, a chamada medicina científica viria a
desempenhar importante papel na institucionalização das práticas médicas
contemporâneas;
Popularização do Microscópio;
Aperfeiçoamentos técnicos e vidraria → confecção de instrumentos ópticos de
potência razoável;
Identificação dos microrganismos → reconhecimento do seu papel como agente
etiológico de enfermidades.
Uma história, entre muitas que podemos contar nas aulas de Epidemiologia
– para aprendermos com ela
Investigação científica sobre doenças e suas causas, gerou situações dramáticas,
vividas por personagens dignos de textos ficcionais - caso de Ignaz Semmelweis
(1818-1865);
Uma doença dizimava as parturientes na sua época (e ainda faz vítimas, mas muito
raramente) - a febre puerperal - infecção de origem, à época, desconhecida; hoje
sabemos que é causada por uma bactéria, o Streptococcus;
Ele concluiu que a doença das parturientes e aquela que matara Kolletschka (seu
mestre) eram a mesma, e que o médico a tinha contraído através da “inoculação de
partículas cadavéricas” (palavras do próprio Semmelweis).
Estas eram as partículas que infectavam as parturientes. Como? A distribuição da
doença nos dois setores dava a resposta: através dos médicos que, todos os dias de
manhã, procediam às necropsias nas pacientes falecidas, depois esses médicos
faziam partos, sem usar luvas e sem lavar as mãos!
Semmelweis determinou que antes dos partos os profissionais lavassem as
mãos com uma solução de cloro.
Mortalidade diminuiu. Pode-se pensar que isto significou um triunfo para
Semmelweis. De maneira alguma.
Escreveu um complexo e obscuro livro sobre a febre puerperal. Começou a mostrar
sinais de perturbação mental e foi internado em um hospício onde veio a morrer de
uma infecção – provavelmente agravada pelos espancamentos, habituais nos
manicômios psiquiátricos.
Medicina clínica renovava-se com a emergência da fisiologia moderna e da
microbiologia;
Com contribuições de Claude Bernard (1813-1878) e de Louis Pasteur (1828-
1895).
Louis Pasteur
Microbiologia – desenvolveu-se quando Pasteur estudou (em 1863, a pedido da
indústria do vinho) o processo de fermentação alcoólica, evidenciando a presença
das leveduras que o causam.
Demonstrou também, que o vinho fica azedo pela ação de um microrganismo que
pode ser destruído pelo aquecimento, método que depois seria conhecido como
pasteurização.
No ano seguinte, a pedido do Ministério da Agricultura, isolou os germes
causadores da doença em bichos-da-seda; estudou, depois, o carbúnculo
(Bacillus anthracis) do gado e a cólera aviária.
1880, Pasteur investigou doenças que afetavam os seres humanos.
Prestígio científico consolidado → influenciava numerosos pesquisadores.
Os trabalhos de Pasteur sobre putrefação e fermentação sugeriram a Lister que a
infecção operatória podia ser causada por microrganismos.
Passou-se a usar fenol como antisséptico e se conseguiu reduzir de modo
significativo os óbitos pós-operatórios, que ocorriam, então, em número bastante
elevado.
A trajetória de Pasteur é um exemplo clássico de como o desenvolvimento científico
depende da demanda das forças econômicas e de como contribuições à medicina e à
saúde pública podem ser feitas por alguém que não é originariamente da área.
Instituto Pasteur tornou-se um modelo que viria a ser reproduzido em muitos
países, inclusive o Brasil, graças a Oswaldo Cruz, que em sua viagem a Paris
estagiou brevemente no Instituto.
Em 1882, Robert Koch (1843-1910) descobriu o agente causador da tuberculose e
estabeleceu os postulados da teoria microbiana da doença em relação a esse
agente:
- ele teria de ser demonstrado em cada caso da doença por isolamento em
cultura pura;
- não poderia ser encontrado em nenhuma outra doença;
- uma vez isolado, deveria ser capaz de reproduzir a doença em animais de
experimentação;
- deveria ser recuperado dos animais nos quais a doença fosse produzida;
Entre 1880 e 1898, aplicando-se os métodos de Koch, foram descobertos os
microrganismos causadores da febre tifoide, da hanseníase, da malária, da
tuberculose, do mormo, da cólera, da erisipela (o estreptococo, responsável
também por outras infecções), da difteria, da febre de Malta, do cancro mole, da
pneumonia pneumocócica, das infecções estafilocócicas, do tétano, da peste, do
botulismo, da disenteria (Shigella).
Segundo eixo de constituição histórica da Epidemiologia: a metodologia estatística
Para muitos autores, o projeto de quantificação das enfermidades representa um
elemento metodológico distintivo da nova ciência da saúde.
No pilar da ciência epidemiológica, a estatística, a raiz política claramente se
evidencia – conexão entre pilar estatística e medicina social.
No fim da Idade Média , há o surgimento do Estado moderno, com afirmação dos
conceitos de governo, nação e povo.
O Estado moderno precisava contar, avaliar numericamente a população e o
exército;
a população porque é fonte de riqueza, o exército porque é fonte de poder.
Para que o povo funcionasse como elemento produtivo, e o exército como elemento
beligerante, necessitava-se não apenas de disciplina, como também de saúde.
E para avaliar a situação de saúde, de novo, números eram necessários.
Métodos numéricos valorizados novamente.
Conceitos e pesquisas de William Petty (1623-1697) e os registros
populacionais de John Graunt (1620-1674) são frequentemente mencionados
como precursores da demografia, da estatística e da epidemiologia;
Graunt (1620-1674), comerciante de profissão, mas membro da Royal Society,
havia conduzido, com base nos dados de obituário, os primeiros estudos analíticos
de estatística vital, identificando diferenças na mortalidade de diferentes grupos
populacionais e correlacionando sexo e lugar de residência.
Pierre-Charles Alexandre Louis (1787- 1872) - médico e matemático, é considerado
um dos fundadores da Epidemiologia
Louis também foi o precursor da avaliação da eficácia dos tratamentos clínicos,
utilizando os métodos da estatística;
Louis foi inicialmente desprezado – e depois fortemente agredido – por ter
demonstrado o caráter nocivo de tratamentos muito usados à época; comprovou,
por exemplo, que a sangria (praticada desde os tempos hipocráticos para reduzir a
febre, supostamente causada pelo excesso do elemento fogo no sangue) não tinha
efeitos terapêuticos e, pior, resultava em aumento da mortalidade por febre
tifoide.
Criou uma escola médica em sua própria casa, atraindo mais alunos estrangeiros
(clandestinos, na opinião dos docentes da Faculdade de Medicina) do que
compatriotas;
Pesquisa da origem das doenças com auxílio da matemática → desenvolvimento
dos primeiros estudos de morbidade na Inglaterra, através de três discípulos de
Louis: William Farr, William Budd e William Guy, e nos EUA, com Lemuel
Shattuck;
Caráter pioneiro nas estatísticas de saúde → William Farr (1807-1883).
Médico, Farr tornou-se em 1839 diretor-geral do recém-estabelecido General
Register Office da Inglaterra, e aí permaneceu por mais de 40 anos.
Seus Annual Reports, nos quais os números de mortalidade se combinavam com
vívidos relatos, chamaram a atenç̧ão para as desigualdades entre distritos
“sadios” e “não sadios” do país;
Com o “método numérico” de Louis e a estatística médica de Farr, alcançava-se
uma razoável integração entre a clínica e a estatística.
Contudo, para que dessa combinação resultasse uma nova ciência da saúde, de
caráter essencialmente coletivo, era necessário partir do princípio, de que a saúde
é uma questão social e política, e esse princípio devia estar aliado a uma
preocupação, e a um compromisso, com os processos de transformação da
situação de saúde na sociedade.
Medicina Social
As bases dos discursos políticos sobre a saúde emergiram do final de século XVIII,
na Europa Ocidental.
Por um lado, a Higiene, enquanto conjunto de normatizações e preceitos a serem
seguidos e aplicados em âmbito individual, produziu um discurso sobre a boa saúde
ligado à esfera moral.
Por outro lado, as propostas de uma Política (ou Polícia) Médica estabeleceram a
responsabilidade do Estado como definidor de políticas, leis e regulamentos
referentes à saúde no coletivo e como agente fiscalizador da sua aplicação social.
Nessa fase, sucedem-se diferentes tipos de intervenção estatal sobre a questão da
saúde das populações;
Na França, com a Revolução de 1789, implanta-se uma medicina urbana, com a
finalidade de sanear os espaços das cidades, isolando áreas consideradas
miasmáticas;
Na Alemanha, em 1779, emergem propostas de uma política médica baseada em
medidas compulsórias de controle e vigilância das enfermidades, sob a
responsabilidade do Estado, juntamente com a imposição de regras de higiene
individual para o povo.
Obra de Johann Peter Frank (1745-1821) lançou conceito paternalista e autoritário,
de polícia médica ou sanitária;
No século seguinte, registrou-se nos países europeus um processo macrossocial de
grande importância histórica: a Revolução Industrial, que produziu um grande
impacto sobre as condições de vida e de saúde das suas populações.
Com a organização das classes trabalhadoras e o aumento da sua participação
política, principalmente nos países que atingiram um maior desenvolvimento das
relações produtivas, como Inglaterra, França e Alemanha, rapidamente incorporam-
se temas relativos à saúde na pauta das reivindicações dos movimentos sociais
do período.
Surgiram, nesses países, propostas de compreensão da crise sanitária como um
processo fundamentalmente político que, em seu conjunto, recebeu a denominação
de Medicina Social.
Villermé, na França e Edwin Chadwick, na Inglaterra (discípulos de Louis) –
fizeram relatórios das duras condições de vida da classe trabalhadora que resultavam
na deterioração de seus níveis de saúde.
Em 1826, Louis René Villermé (1782-1863), médico, publicou um relatório
analisando a mortalidade nos diferentes bairros de Paris - concluiu que era
condicionada sobretudo pela renda.
Na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, também surgiram estudos sobre a
saúde, a urbanização, proletarização e miséria.
O século XIX foi uma época de sangrentas revoluções como as rebeliões urbanas
de 1848 e a Comuna de Paris em 1871.
Louis René Villermé
Entre 1830 e 1850, uma dessas correntes defendeu o conceito da política como
medicina da sociedade e, reciprocamente, da medicina como prática política.
Inicia-se então um movimento organizado para a politização da medicina na França
e na Alemanha.
As adesões a esse movimento e às práticas dele decorrentes resultaram naquilo que
veio a ser conhecido como Medicina Social - expressão proposta em 1838 por
Jules Guérin, médico e jornalista francês.
Medicina → instrumento de transformação social - aplicação da medicina no
âmbito social, curando-se os males da sociedade;
Revoluções populares deveria resultar democracia, justiça e igualdade,
principais determinantes da saúde social.
Lendário personagem da Medicina Social é Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-
1902), médico, patologista, antropólogo, ativista da saúde pública e político;
Virchow desenvolveu intensa e criativa atividade em várias áreas →na medicina, o
seu trabalho desbravou caminhos, aos 26 anos formulou um conceito revolucionário:
a doença seria não um fenômeno estranho ao corpo, mas “a vida em condições
alteradas”.
Foi o primeiro a reconhecer a leucemia como entidade mórbida.
Também estudou o fenômeno da trombose e a formação de êmbolos
(termo por ele criado) que depois obstruirão os vasos, por exemplo no
pulmão e no cérebro.
Fundador da patologia celular.
Virchow errou - opôs-se às ideias de Semmelweis sobre a transmissão da febre
puerperal - para ele, a contaminação do canal genital seria apenas um dos fatores
causadores da doença, junto com condições atmosféricas, distúrbios nervosos,
doenças infecciosas concomitantes, problemas na lactação.
Baseado nisto opôs-se também à recomendação de Semmelweis quanto à lavagem
das mãos como forma de prevenção da febre puerperal.
Seu posicionamento era uma repercussão da polêmica epidemiológica durante o
século XIX: miasma versus contágio.
Essa controvérsia não compreendia apenas um problema científico, teórico; era
um problema social e político, de caráter prático.
Contágio implicava quarentena, limitação de liberdade individual e de comércio
A classe burguesa em ascensão e os liberais eram “anti- contagionistas”
Os “contagionistas” eram em geral membros da oficialidade do Exército e da Marinha.
A teoria infecciosa - reforçou ideias contagionistas, mas foi recebida com
ceticismo.
Pasteur foi ridicularizado pelo famoso químico alemão Justus von Liebig.
Contudo, os êxitos de Pasteur e de seus seguidores (entre eles Oswaldo Cruz)
aparentemente não deixavam dúvidas sobre o acerto de suas teorias.
Medicina social germânica: escola de patologia geográfica e histórica, liderada por
August Hirsch (1817-1894).
Fundador da geografia médica, Hirsch → precursor da epidemiologia ecológica,
antecipando as análises de tempo-lugar que atualmente reemergem no campo
epidemiológico.
Pela primeira vez na história da medicina identificava-se, com elevado grau de
certeza, a causa de doenças.
E, era possível produzir agentes imunizantes capazes de evitá-las.
A polêmica parecia superada - a enfermidade, mesmo infecciosa, resulta da
conjunção de vários fatores: o agente (bactéria, vírus), o meio ambiente, a
pessoa que contrai a doença.
Parecia decretado o fim da Medicina Social, mas, isso não ocorreu.
De fato, o formidável avanço da fisiologia, da patologia e da bacteriologia no século
XIX, devido principalmente a Bernard, Virchow e Pasteur, representou um inegável
fortalecimento da medicina científica, inclusive e principalmente a medicina de
caráter individual, curativo, superando o enfoque coletivo, higienista, na abordagem
da questão da saúde e seus determinantes.
Entretanto, nem a bem-sucedida aceitação dos movimentos médico-sociais da
Inglaterra e da França pelo Estado burguês impediu a difusão do conjunto clínica
científica-método numérico-visão sanitária, nem a hegemonia da chamada
medicina científica representou obstáculo para o projeto científico da Epidemiologia.
Assim, nos EUA, vários ex-alunos de Pierre Louis alcançaram posições políticas e
acadêmicas importantes e continuaram engajados no ensino da estatística
médica como fomentadora de uma potencial reforma sanitária, o que resultou
na organização do National Public Health Service.
Sanitaristas britânicos buscaram como saída a integração de preocupações
filantrópicas e sociais com o conhecimento científico e tecnológico, propondo
transformações políticas pela via legislativa– síntese da clínica médica, da
estatística e da medicina social – que viria a se tornar a Epidemiologia.
1850, sob a presidência de Lord Ashley-Cooper e tendo Chadwick como vice-
presidente, - London Epidemiological Society, fundada por jovens simpatizantes
das ideias médico-sociais, juntamente com profissionais de saúde pública e membros
da Real Sociedade Médica ;
Entre os membros daquela sociedade científica pioneira: Florence Nightingale (1820-1910) -
fundadora da moderna enfermagem. Seus estudos pioneiros sobre a mortalidade por infecção pós-
cirúrgica, nos hospitais militares na Guerra da Crimeia confirmaram em escala maior, os estudos
clínicos de Semelweiss. A ela atribui-se a introdução do gráfico setorial e o aperfeiçoamento dos
estudos comparativos controlados, originalmente concebidos por Louis.
Membro da London Epidemiological Society: John Snow (1813-1858) - fundador da
Epidemiologia, vida curta, intensa, marcada pelo pioneirismo.
De origem humilde, tornou-se, aos 14 anos, aprendiz de William Hardcastle, um
cirurgião de Newcastle (a cirurgia não era então considerada exatamente medicina).
Depois estudou medicina em Londres. Teve interesse pela anestesiologia e foi
pioneiro no uso de éter e clorofórmio.
Ocorreu na Inglaterra (1831-1832) uma violenta epidemia de cólera - doença que
era muito comum e que se manifesta por vômitos e diarreia profusa e capaz de levar
à morte por desidratação.
A bactéria causadora, o vibrião colérico (Vibrio cholerae), ainda não tinha sido
identificada; a enfermidade era, como outras, atribuída a miasmas.
O jovem Snow fez o atendimento de muitos dos casos.
Em 1848, ocorreu novo surto de cólera, desta vez em Londres, já então uma
megalópole de 2,5 milhões de habitantes - precaríssima do ponto de vista de
higiene e saneamento.
Dejetos se acumulavam por toda parte e eram jogados no Tâmisa, cuja água era
utilizada no abastecimento. Completava-se assim o ciclo oral-fecal, responsável pela
transmissão da doença.
Para enfrentar este desafio - medicina vitoriana completamente
desamparada e em grande parte dominada pela charlatanice.
Snow quis saber - o que causava aquela e outras doenças?
O miasma foi a resposta habitual
Mas havia outras ideias, algumas datando da antiguidade:
Tucídides atribuía a epidemia de Atenas em 430 a.C. ao envenenamento dos
reservatórios pelos inimigos da cidade.
No século I a.C., Marcus Terentius Varro, falava em invisíveis animalículos que
entram no corpo pelo nariz e pela boca, causando enfermidade; mas essa não era
uma ideia disseminada.
Nova teoria surgiu quando, no século XVI a lista das doenças que atemorizavam a
Europa sofreu um importante acréscimo: sífilis.
O nome vem do poema publicado em 1530 pelo médico Girolamo Fracastoro (1478-
1553) Syphilus sive Morbus Gallicus (Sífilis ou a Doença Francesa).
No poema, Fracastoro atribui a disseminação da sífilis às seminaria contagium
(“sementes do contágio”) - pequenas entidades que passavam de uma pessoa a
outra pelo contato direto, ou por meio das roupas, ou pelo ar – uma ideia
formulada 130 anos antes que van Leeuwenhoek visse ao microscópio as “pequenas
criaturas” que tanto o maravilharam.
Para Snow, a teoria do miasma não podia explicar a epidemia de cólera.
No surto de 1831, registrou-se que mineiros trabalhando no interior da terra, portanto
longe de regiões pantanosas, “miasmáticas”, haviam adoecido.
Em agosto de 1849, durante o segundo ano da epidemia, publicou On the Mode of
Communication of Cholera – defendendo a ideia de que a doença era transmitida
pela água.
E citava o exemplo de duas fileiras de casas vizinhas, em uma das quais os casos de
cólera eram mais frequentes.
Por quê?
Porque os moradores destas casas despejavam
águas servidas em um valo que contaminava o
poço do qual as mesmas pessoas obtinham a
água para beber.
O texto de Snow teve escassa repercussão - faltava ainda comprovar a teoria com
dados numéricos.
Em 1854, a cólera chegou onde Snow trabalhava. A distribuição da doença era
desigual, ocorrendo mais em certos lugares.
Os casos eram mais frequentes entre pessoas que, diante da inexistência de rede
pública de abastecimento, usavam a água fornecida pela empresa Southwark and
Vauxhall Water Company, colhida em um poço de Broad Street.
Duas mulheres que tinham tomado água desse poço estavam entre as primeiras
vítimas da doença; mas os operários de uma cervejaria dos arredores, que dispunha
de abastecimento próprio de água, não adoeceram.
Em uma instituição das redondezas, e que tinha seu próprio poço, só 5 dos 535
internos tinham morrido, mesmo com a situação de que todos os 535 eram
desnutridos, e viviam em más condições de higiene .
Snow visitou lugares, nos quais pessoas usaram a água do poço de Broad Street, e
registrou que todas haviam morrido.
Snow colheu uma amostra da água do poço e levou-a ao microscopista Dr. Arthur
Hill Hassall, que reportou um excesso de matéria orgânica na água, acrescentando
que tal não era inusitado.
Snow decidiu reunir evidências estatísticas sobre a doença.
Preparou um mapa mostrando onde as vítimas viviam e de quem recebiam a
água.
Constatou que na região abastecida pela Southwark and Vauxhall, o número de casos
era cerca de 14 vezes maior do que em uma região abastecida por outra
companhia.
Propôs ao conselho administrativo da região, remover o braço da bomba do poço de
Broad Street, o que foi feito – e os casos de cólera começaram a diminuir.
Snow publicou a 2ª edição de On the Mode of Communication of Cholera,
acrescentando suas observações sobre os casos ligados ao uso da água de Broad
Street.
Morreu em 1858 sem ver sua teoria reconhecida; o miasma ainda era considerado a
causa da cólera.
Ironicamente, e sem que Snow disso tivesse tomado conhecimento, o germe
causador da cólera tinha sido identificado (em 1854) pelo anatomista italiano Fillipo
Pacini ao examinar o intestino de pacientes falecidos da doença, um achado que não
teve repercussão.
Finalmente, em 1884, Robert Koch redescobriu, isolou e cultivou o Vibrio cholerae
Consolidação da Epidemiologia como Ciência
Apesar do insuspeitado desenvolvimento paralelo da Medicina Social, a sua rival
“medicina científica” consolidava, no final do século passado, uma duradoura
hegemonia como substrato conceitual da saúde.
Relatório Medical Education in the United States and Canada, coordenado por
Abraham Flexner (1866-1959) e publicado em 1910.
Inicialmente apontado coomo reducionista
Recentemente, o caráter inovador de Flexner e da reforma da educação superior por
ele promovida foi reconhecido;
Inspirada nos princípios do relatório Flexner, uma escola de saúde pública pioneira
foi inaugurada em 1918 na Universidade Johns Hopkins (em Baltimore, EUA) -
Wade Hampton Frost (1880- 1938), sanitarista do National Public Health Service
especializado em doenças respiratórias, assumiu a nova cátedra de Epidemiologia,
tornando-se o primeiro professor desta disciplina em todo o mundo;
Como investigador, seus trabalhos utilizavam novas técnicas estatísticas para o
estudo das variações na incidência e prevalência de enfermidades transmissíveis,
como a tuberculose pulmonar, com a intenção de avaliar seus determinantes
genéticos e sociais.
O modelo “escola de saúde pública” foi então difundido por todo o mundo,
com apoio integral da recém-nascida Fundação Rockefeller;
Avanço tecnológico e a tendência à especialização do cuidado em saúde produziam
elevação de custos e eletização da prática médica, provocando uma redução de seu
alcance social.
Logo após, redescobriu-se o caráter social e cultural das doenças e da medicina,
assim como suas articulações com a estrutura da sociedade.
O retorno do social se fez pelo recurso à Epidemiologia.
As investigações de Joseph Goldberger (1874-1929) sobre a pelagra, desde 1915 -
estabeleceu a natureza carencial dessa doença.
Encarregado pelo governo americano de estudar esta doença endêmica
do sul dos EUA, Goldberger mostrou que não se tratava de uma infecção,
como se pensava.
(pelagra = desenvolve-se na deficiência de niacina (Vitamina B3) e de triptofano.
Continuando a história da Epidemiologia
Anos 1960
Movimento da Medicina Comunitária, baseado na implantação de centros
comunitários de saúde- administrados por organizações sociais, subsidiados pelos
governos, destinados a efetuar ações preventivas e prestar cuidados básicos de
saúde à população geograficamente limitada;
Recupera parte importante do discurso da Medicina Preventiva, com ênfase na
Epidemiologia e nas então denominadas ciências da conduta - sociologia,
antropologia e psicologia, aplicadas a problemas de saúde.
Conhecimento de dados epidemiológicos e processos socioculturais e psicossociais
destinava-se a possibilitar a integração das equipes de saúde em comunidades
“problemáticas”, por meio da identificação e cooptação (agregação) dos agentes e
forças sociais locais para os programas de educação em saúde.
Década 70
- Epidemiologia vista como “segmento de uma ciência mais geral” sem maiores
demandas teóricas - resultou na crença de que a epidemiologia não seria uma
ciência.
Sem compreendia do aperfeiçoamento de tecnologia para tratamento e análise de
dados.
Movimento de sistematização do conhecimento epidemiológico produzido,
exemplificado pela obra de John Cassel (1915-1978), líder da escola de
epidemiologia social de Chapel Hill.
A contribuição conceitual casseliana foi construída no sentido da integração dos
modelos biológicos (neuroendócrinos) e socioantropológicos em uma teoria
compreensiva da doença - unificada pelo toque da epidemiologia.
Década de 1980 - duas tendências.
1º
Epidemiologia clínica como projeto de uso pragmático da metodologia
epidemiológica, fora dos contextos coletivos mais ampliados.
Ênfase nos procedimentos de identitificação de caso e na avaliação da eficácia
terapêutica, conformando o que recentemente se tem chamado de medicina
baseada em evidências;
2º
Historicidade dos processos saúde-enfermidade-atenção e a raiz econômica
e política de seus determinantes;
Novos desafios se colocavam, sob a forma de doenças antigas que ressurgiam e
de novas patologias que ganharam o nome de doenças emergentes.
Há que considerar, nessa época, principalmente o efeito devastador e ao mesmo
tempo redentor da pandemia de síndrome de imunodeficiência adquirida, SIDA ou
AIDS.
Admite-se que a doença foi primeiro relatada em 1981, resultante da ocorrência
inusitada de casos de pneumonia e do raro sarcoma de Kaposi.
O vírus causador foi identificado em 1983. A doença hoje é uma pandemia,
atingindo mais de 30 milhões de pessoas, principalmente na África Subsaariana. É
uma doença grave e estigmatizante, mas, exatamente por isso, obrigou pessoas e
organizações a reexaminarem suas atitudes não raro preconceituosas.
Como muitas vezes aconteceu na história da humanidade, disso resultou um
processo de amadurecimento pessoal e coletivo.
Décadas de 80, 90 e Anos 2000
A tendência à matematização da Epidemiologia recebeu um considerável reforço
A matemática passou de funç̧ão estruturante para função validante, com a
investigação científica dos riscos, seus fatores e seus efeitos.
Confrontação com a experiência clínica e demonstração experimental.
Revolução recente na Epidemiologia - computação eletrônica - profunda
transformação → resultado uma forte matematização da área.
A ampliação real dos bancos de dados fomentou um grau de eficiência,
precisão e especificidade técnicas analíticas, inimaginável na era da análise
mecânica de dados.
Análises multivariadas
Tendências atuais
Modelos de determinação multinível, críticas a padrões metodológicos rígidos como o
delineamento experimental;
Maior intercâmbio com campos da biologia e ciências sociais;
Propostas de modelos teóricos ecossistêmicos → conexões mais estreitas com
políticas de saúde que defendem mais responsabilidade social.
Evolução de agendas de pesquisa demonstraram com clareza que a Epidemiologia
continua vinculada a modelos de doença.
O que é Epidemiologia?
Lillienfeld enumera 23 definições para epidemiologia, apresentadas por vários autores em diferentes
anos, variando de 1927 a 2000. Alguns exemplos:
• Frost, 1927: é o estudo da história natural das doenças;
• Gordon, 1963: é o estudo da doença como fenômeno coletivo ou de massa;
• MacMahon, 1970: é o estudo da distribuição da doença e dos determinantes de sua prevalência no
homem;
• Sartwell, 1973: é o uso de todos os métodos pertinentes que estão disponíveis para estudar a
distribuição e dinâmica das doenças nas populações humanas;
• Armijo, 1974: é uma ciência, fundamentalmente um método de raciocínio indutivo utilizado na
investigação e solução de qualquer problema de saúde concernente à comunidade;
• Sinnecker, 1976: é a disciplina voltada para o estudo da disseminação em massa das doenças;
• Pereira, 2000: é entendida no sentido amplo como o estudo do comportamento coletivo da saúde e
da doença
Outros conceitos existem, girando em torno da mesma ideia.
Trabalharemos Epidemiologia - conjunto de conceitos, teorias e métodos que
permitam estudar, conhecer e transformar o processo saúde-doença na
dimensão coletiva.
Possibilidades sempre de transformações biológicas, antropológicas ou sociais.
Transformações poderão ser necessárias na infraestrutura ou na supraestrutura da
sociedade.
Em geral, os conceitos apresentam como denominador comum a definição em
torno de doença na população, estudando sua distribuição e/ou seus agentes
determinantes;

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  • 2. Epidemiologia Constitui-se atualmente na principal ciência da informação em saúde, base da medicina, da saúde coletiva e das outras formações profissionais em saúde. Pode-se defini-la como a abordagem dos fenômenos da saúde-doença-cuidado por meio da quantificação, usando cálculos matemáticos e as técnicas estatísticas de amostragem e de análise.
  • 3. Epidemiologia É uma verdadeira aventura do espirito humano, uma busca de resposta para questões transcendentes sobre a vida, a saúde, o sofrimento e a morte. E, como toda aventura de seres humanos criativos e conscientes no campo do conhecimento e das práticas sociais, muda sem cessar. Tais mudanças conformam uma fascinante história, com eventos e personagens que estudaremos e nos farão aprender muito!
  • 4. Epidemiologia – contradição: individual X coletivo medicina curativa X medicina preventiva Registros: primórdios do pensamento ocidental na Grécia antiga. Mitologia grega - antagonismo ancestral na figura das filhas de Asclépios - Deus da Saúde. Panaceia - “padroeira” da medicina individual curativa, prática terapêutica baseada em intervenções sobre indivíduos doentes, através de manobras físicas, encantamentos, preces e uso de fármacos. Ainda hoje se fala em “panaceia universal” para designar algum medicamento ou procedimento de poder curativo excepcional (e, obviamente, com certa ironia, duvidoso). Higeia - venerada por aqueles que consideravam a saúde como resultante da harmonia entre o ser humano e o ambiente. Promoção da saúde por meio de ações que, mantendo o equilíbrio entre os elementos fundamentais, terra, fogo, ar, água, evitassem doenças. Da sobrevivência dessas crenças e práticas, através dos tempos, deriva o conceito de higiene → promoção da saúde, principalmente no âmbito coletivo. Pensamento – antecipa raciocínio epidemiológico.
  • 5. Hipócrates de Cós (460 a 377 a.C.) - criador do “termo epidemia”; devido ao conteúdo da obra a ele atribuída, considerado precursor da Epidemiologia. Há referências à sua obra, em textos de Platão e Aristóteles. Os vários escritos que lhe são atribuídos, e que formam o Corpus Hippocraticus, provavelmente foram o trabalho de várias pessoas, talvez em um longo período de tempo. Importância - escritos traduzem uma visão racional da medicina, bem diferente da concepção mágico-religiosa predominante na Antiguidade.
  • 6. Hipócrates postulou a existência de quatro fluidos (humores) no corpo humano: bile amarela, bile negra, fleugma (linfa) e sangue - correspondentes aos elementos fundamentais: terra, ar, água e fogo. Ser humano - entidade organizada pelo equilíbrio; Saúde dependeria da harmonia entre os humores e do balanceamento destes com os elementos naturais.
  • 7. Obra hipocrática - valorização da observação empírica, como o demonstram os casos clínicos nela registrados, reveladores de uma visão original do problema de saúde- enfermidade. Observações hipocráticas não se limitavam ao paciente em si No texto “Ares, águas, lugares” – discussão dos fatores ambientais ligados à doença, defendendo um conceito ecológico de saúde-enfermidade. Daí emergirá a ideia do miasma: emanações de regiões insalubres - capazes de causar doenças como a malária, muito comum no sul da Europa e uma das causas da derrocada do Império Romano. Termo latino, que significa “maus ares”.
  • 8. Para muitos autores, Galeno teria título de pai da medicina Em matéria de terapêutica, Galeno não diferia muito de seus contemporâneos, inclusive no que se refere ao uso de produtos vegetais, que fazia importar de diferentes lugares do mundo. Algumas destas substâncias, como o ópio, chegaram ao nosso tempo. Além da medicina galênica, o império romano tinha também uma infraestrutura sanitária - aquedutos para trazer água de melhor qualidade a Roma, e esgotos – a Cloaca Maxima, famosa, até hoje preservada. Interesse para o estudo das origens da Epidemiologia: o governo romano realizava censos periódicos (um deles levou o carpinteiro José e sua esposa Maria, a Belém, com as consequências que todos conhecemos) e o Imperador Marco Aurélio introduziu um registro compulsório de nascimentos e óbitos.
  • 9. Início Idade Média: retorno a práticas de saúde de caráter mágico-religioso - amuletos, orações e o culto a santos protetores da saúde. Importante era a salvação da alma, para a qual o corpo era um simples e desprezível invólucro. Prática médica para os pobres era exercida principalmente por religiosos, como caridade, ou por leigos, barbeiros, boticários e cirurgiões, como profissão. Para cada família da aristocracia havia seu médico privado que, em muitos casos, era um cortesão especialista também na arte de matar por envenenamento. Aç̧ões coletivas no campo da saúde- só em situações de pragas e epidemias.
  • 10. Renascimento Movimento de resgate dos elementos filosóficos, estéticos e ideológicos mais avançados da cultura greco-latina; Manifesto em numerosas e profundas transformações, em todos os campos da vida social, propiciou as bases para uma compreensão racional da realidade → resultou na constituição das ciências modernas;
  • 11. Renascimento → desenvolvimento de: → métodos e técnicas para produção de conhecimento sistematizado; → tecnologias e práticas de intervenção, visando a ampliar a capacidade humana de transformar o mundo; → impacto na formação das raízes históricas da Epidemiologia; → Principais Eixos de constituição da ciência epidemiológica: Clínica - saberes sobre saúde-doença; Estatística - diretrizes metodológicas quantitativas; Medicina Social - práticas de transformação da sociedade.
  • 12. Na constituição do saber clínico racionalista, moderno – podemos distinguir três etapas. • Na primeira etapa, leigos e religiosos envolvidos no processo saúde-doença buscavam a legitimação científica de uma prática clínica adequada à nova racionalidade que então surgia; não havia ainda uma distinção clara entre as dimensões individual e coletiva da saúde. • Na segunda etapa, a medicina já se consolidava como corporação, com um saber técnico próprio e uma rede de instituições de prática profissional. Nessa fase, houve reforço do estudo do caso, a partir da investigação sistemática dos enfermos nos hospitais. • A terceira etapa vincula-se à emergência da medicina científica quando, em meados do século XIX, a Revolução Industrial propiciou espaço e poder para a ascensão do saber científico e tecnológico como ideologia dominante nos países ocidentais.
  • 13. Hospital nem sempre foi um lugar de cura para os enfermos. Termo “hospital” (de onde vem “hospitalidade”) etimologicamente denota simplesmente um local para abrigo ou acolhimento, como os hotéis, hospedarias ou albergues. O processo de medicalização do hospital não ocorreu da mesma maneira em todos os tipos de instituição; Manicômios, até meados do século XX, destinavam-se fundamentalmente a isolar os doentes mentais, foram, uma criação da modernidade, substituindo os leprosários que na Idade Média eram muito comuns. Isto porque a hanseníase (notando-se que neste diagnóstico poderiam estar incluídos muitos problemas de pele) era considerada, tanto pelo judaísmo como pelo cristianismo, como sinal de impureza, de conduta pecaminosa, e fazia com que a pessoa fosse isolada. Em alguns regimes econômicos, o doente mental, que não trabalhava, que vagava pelas ruas, era um mau exemplo e tinha de ser isolado da sociedade.
  • 14. 1os passos para uma medicina dos tempos modernos conectaram-se a uma questão veterinária → Sociedade de Medicina de Paris, organizou-se a partir da Ordem Real para que os médicos investigassem uma epizootia que periodicamente dizimava o rebanho ovino → graves perdas para a nascente indústria têxtil francesa. A investigação incluía, o que era novidade, a contagem de casos, o que representou uma importante contribuição para a introdução da metodologia epidemiológica, ainda que não em humanos. Papel fundamental do Estado moderno no controle das epidemias
  • 15. A terceira etapa de constituição da medicina como prática científica ocorreu em paralelo (e às vezes em antagonismo) aos primeiros movimentos de constituição da Epidemiologia; Com a teoria microbiana e a fisiopatologia, a chamada medicina científica viria a desempenhar importante papel na institucionalização das práticas médicas contemporâneas; Popularização do Microscópio; Aperfeiçoamentos técnicos e vidraria → confecção de instrumentos ópticos de potência razoável; Identificação dos microrganismos → reconhecimento do seu papel como agente etiológico de enfermidades.
  • 16. Uma história, entre muitas que podemos contar nas aulas de Epidemiologia – para aprendermos com ela Investigação científica sobre doenças e suas causas, gerou situações dramáticas, vividas por personagens dignos de textos ficcionais - caso de Ignaz Semmelweis (1818-1865); Uma doença dizimava as parturientes na sua época (e ainda faz vítimas, mas muito raramente) - a febre puerperal - infecção de origem, à época, desconhecida; hoje sabemos que é causada por uma bactéria, o Streptococcus; Ele concluiu que a doença das parturientes e aquela que matara Kolletschka (seu mestre) eram a mesma, e que o médico a tinha contraído através da “inoculação de partículas cadavéricas” (palavras do próprio Semmelweis).
  • 17. Estas eram as partículas que infectavam as parturientes. Como? A distribuição da doença nos dois setores dava a resposta: através dos médicos que, todos os dias de manhã, procediam às necropsias nas pacientes falecidas, depois esses médicos faziam partos, sem usar luvas e sem lavar as mãos! Semmelweis determinou que antes dos partos os profissionais lavassem as mãos com uma solução de cloro. Mortalidade diminuiu. Pode-se pensar que isto significou um triunfo para Semmelweis. De maneira alguma. Escreveu um complexo e obscuro livro sobre a febre puerperal. Começou a mostrar sinais de perturbação mental e foi internado em um hospício onde veio a morrer de uma infecção – provavelmente agravada pelos espancamentos, habituais nos manicômios psiquiátricos.
  • 18. Medicina clínica renovava-se com a emergência da fisiologia moderna e da microbiologia; Com contribuições de Claude Bernard (1813-1878) e de Louis Pasteur (1828- 1895). Louis Pasteur
  • 19. Microbiologia – desenvolveu-se quando Pasteur estudou (em 1863, a pedido da indústria do vinho) o processo de fermentação alcoólica, evidenciando a presença das leveduras que o causam. Demonstrou também, que o vinho fica azedo pela ação de um microrganismo que pode ser destruído pelo aquecimento, método que depois seria conhecido como pasteurização. No ano seguinte, a pedido do Ministério da Agricultura, isolou os germes causadores da doença em bichos-da-seda; estudou, depois, o carbúnculo (Bacillus anthracis) do gado e a cólera aviária.
  • 20. 1880, Pasteur investigou doenças que afetavam os seres humanos. Prestígio científico consolidado → influenciava numerosos pesquisadores. Os trabalhos de Pasteur sobre putrefação e fermentação sugeriram a Lister que a infecção operatória podia ser causada por microrganismos. Passou-se a usar fenol como antisséptico e se conseguiu reduzir de modo significativo os óbitos pós-operatórios, que ocorriam, então, em número bastante elevado. A trajetória de Pasteur é um exemplo clássico de como o desenvolvimento científico depende da demanda das forças econômicas e de como contribuições à medicina e à saúde pública podem ser feitas por alguém que não é originariamente da área.
  • 21. Instituto Pasteur tornou-se um modelo que viria a ser reproduzido em muitos países, inclusive o Brasil, graças a Oswaldo Cruz, que em sua viagem a Paris estagiou brevemente no Instituto.
  • 22. Em 1882, Robert Koch (1843-1910) descobriu o agente causador da tuberculose e estabeleceu os postulados da teoria microbiana da doença em relação a esse agente: - ele teria de ser demonstrado em cada caso da doença por isolamento em cultura pura; - não poderia ser encontrado em nenhuma outra doença; - uma vez isolado, deveria ser capaz de reproduzir a doença em animais de experimentação; - deveria ser recuperado dos animais nos quais a doença fosse produzida; Entre 1880 e 1898, aplicando-se os métodos de Koch, foram descobertos os microrganismos causadores da febre tifoide, da hanseníase, da malária, da tuberculose, do mormo, da cólera, da erisipela (o estreptococo, responsável também por outras infecções), da difteria, da febre de Malta, do cancro mole, da pneumonia pneumocócica, das infecções estafilocócicas, do tétano, da peste, do botulismo, da disenteria (Shigella).
  • 23. Segundo eixo de constituição histórica da Epidemiologia: a metodologia estatística Para muitos autores, o projeto de quantificação das enfermidades representa um elemento metodológico distintivo da nova ciência da saúde. No pilar da ciência epidemiológica, a estatística, a raiz política claramente se evidencia – conexão entre pilar estatística e medicina social.
  • 24. No fim da Idade Média , há o surgimento do Estado moderno, com afirmação dos conceitos de governo, nação e povo. O Estado moderno precisava contar, avaliar numericamente a população e o exército; a população porque é fonte de riqueza, o exército porque é fonte de poder. Para que o povo funcionasse como elemento produtivo, e o exército como elemento beligerante, necessitava-se não apenas de disciplina, como também de saúde. E para avaliar a situação de saúde, de novo, números eram necessários. Métodos numéricos valorizados novamente.
  • 25. Conceitos e pesquisas de William Petty (1623-1697) e os registros populacionais de John Graunt (1620-1674) são frequentemente mencionados como precursores da demografia, da estatística e da epidemiologia; Graunt (1620-1674), comerciante de profissão, mas membro da Royal Society, havia conduzido, com base nos dados de obituário, os primeiros estudos analíticos de estatística vital, identificando diferenças na mortalidade de diferentes grupos populacionais e correlacionando sexo e lugar de residência.
  • 26. Pierre-Charles Alexandre Louis (1787- 1872) - médico e matemático, é considerado um dos fundadores da Epidemiologia Louis também foi o precursor da avaliação da eficácia dos tratamentos clínicos, utilizando os métodos da estatística; Louis foi inicialmente desprezado – e depois fortemente agredido – por ter demonstrado o caráter nocivo de tratamentos muito usados à época; comprovou, por exemplo, que a sangria (praticada desde os tempos hipocráticos para reduzir a febre, supostamente causada pelo excesso do elemento fogo no sangue) não tinha efeitos terapêuticos e, pior, resultava em aumento da mortalidade por febre tifoide. Criou uma escola médica em sua própria casa, atraindo mais alunos estrangeiros (clandestinos, na opinião dos docentes da Faculdade de Medicina) do que compatriotas;
  • 27.
  • 28. Pesquisa da origem das doenças com auxílio da matemática → desenvolvimento dos primeiros estudos de morbidade na Inglaterra, através de três discípulos de Louis: William Farr, William Budd e William Guy, e nos EUA, com Lemuel Shattuck; Caráter pioneiro nas estatísticas de saúde → William Farr (1807-1883). Médico, Farr tornou-se em 1839 diretor-geral do recém-estabelecido General Register Office da Inglaterra, e aí permaneceu por mais de 40 anos. Seus Annual Reports, nos quais os números de mortalidade se combinavam com vívidos relatos, chamaram a atenç̧ão para as desigualdades entre distritos “sadios” e “não sadios” do país;
  • 29. Com o “método numérico” de Louis e a estatística médica de Farr, alcançava-se uma razoável integração entre a clínica e a estatística. Contudo, para que dessa combinação resultasse uma nova ciência da saúde, de caráter essencialmente coletivo, era necessário partir do princípio, de que a saúde é uma questão social e política, e esse princípio devia estar aliado a uma preocupação, e a um compromisso, com os processos de transformação da situação de saúde na sociedade.
  • 30. Medicina Social As bases dos discursos políticos sobre a saúde emergiram do final de século XVIII, na Europa Ocidental. Por um lado, a Higiene, enquanto conjunto de normatizações e preceitos a serem seguidos e aplicados em âmbito individual, produziu um discurso sobre a boa saúde ligado à esfera moral. Por outro lado, as propostas de uma Política (ou Polícia) Médica estabeleceram a responsabilidade do Estado como definidor de políticas, leis e regulamentos referentes à saúde no coletivo e como agente fiscalizador da sua aplicação social.
  • 31. Nessa fase, sucedem-se diferentes tipos de intervenção estatal sobre a questão da saúde das populações; Na França, com a Revolução de 1789, implanta-se uma medicina urbana, com a finalidade de sanear os espaços das cidades, isolando áreas consideradas miasmáticas; Na Alemanha, em 1779, emergem propostas de uma política médica baseada em medidas compulsórias de controle e vigilância das enfermidades, sob a responsabilidade do Estado, juntamente com a imposição de regras de higiene individual para o povo. Obra de Johann Peter Frank (1745-1821) lançou conceito paternalista e autoritário, de polícia médica ou sanitária;
  • 32. No século seguinte, registrou-se nos países europeus um processo macrossocial de grande importância histórica: a Revolução Industrial, que produziu um grande impacto sobre as condições de vida e de saúde das suas populações. Com a organização das classes trabalhadoras e o aumento da sua participação política, principalmente nos países que atingiram um maior desenvolvimento das relações produtivas, como Inglaterra, França e Alemanha, rapidamente incorporam- se temas relativos à saúde na pauta das reivindicações dos movimentos sociais do período. Surgiram, nesses países, propostas de compreensão da crise sanitária como um processo fundamentalmente político que, em seu conjunto, recebeu a denominação de Medicina Social.
  • 33. Villermé, na França e Edwin Chadwick, na Inglaterra (discípulos de Louis) – fizeram relatórios das duras condições de vida da classe trabalhadora que resultavam na deterioração de seus níveis de saúde. Em 1826, Louis René Villermé (1782-1863), médico, publicou um relatório analisando a mortalidade nos diferentes bairros de Paris - concluiu que era condicionada sobretudo pela renda. Na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, também surgiram estudos sobre a saúde, a urbanização, proletarização e miséria.
  • 34. O século XIX foi uma época de sangrentas revoluções como as rebeliões urbanas de 1848 e a Comuna de Paris em 1871. Louis René Villermé
  • 35. Entre 1830 e 1850, uma dessas correntes defendeu o conceito da política como medicina da sociedade e, reciprocamente, da medicina como prática política. Inicia-se então um movimento organizado para a politização da medicina na França e na Alemanha. As adesões a esse movimento e às práticas dele decorrentes resultaram naquilo que veio a ser conhecido como Medicina Social - expressão proposta em 1838 por Jules Guérin, médico e jornalista francês. Medicina → instrumento de transformação social - aplicação da medicina no âmbito social, curando-se os males da sociedade; Revoluções populares deveria resultar democracia, justiça e igualdade, principais determinantes da saúde social.
  • 36. Lendário personagem da Medicina Social é Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821- 1902), médico, patologista, antropólogo, ativista da saúde pública e político; Virchow desenvolveu intensa e criativa atividade em várias áreas →na medicina, o seu trabalho desbravou caminhos, aos 26 anos formulou um conceito revolucionário: a doença seria não um fenômeno estranho ao corpo, mas “a vida em condições alteradas”. Foi o primeiro a reconhecer a leucemia como entidade mórbida. Também estudou o fenômeno da trombose e a formação de êmbolos (termo por ele criado) que depois obstruirão os vasos, por exemplo no pulmão e no cérebro. Fundador da patologia celular.
  • 37. Virchow errou - opôs-se às ideias de Semmelweis sobre a transmissão da febre puerperal - para ele, a contaminação do canal genital seria apenas um dos fatores causadores da doença, junto com condições atmosféricas, distúrbios nervosos, doenças infecciosas concomitantes, problemas na lactação. Baseado nisto opôs-se também à recomendação de Semmelweis quanto à lavagem das mãos como forma de prevenção da febre puerperal. Seu posicionamento era uma repercussão da polêmica epidemiológica durante o século XIX: miasma versus contágio. Essa controvérsia não compreendia apenas um problema científico, teórico; era um problema social e político, de caráter prático.
  • 38. Contágio implicava quarentena, limitação de liberdade individual e de comércio A classe burguesa em ascensão e os liberais eram “anti- contagionistas” Os “contagionistas” eram em geral membros da oficialidade do Exército e da Marinha. A teoria infecciosa - reforçou ideias contagionistas, mas foi recebida com ceticismo. Pasteur foi ridicularizado pelo famoso químico alemão Justus von Liebig. Contudo, os êxitos de Pasteur e de seus seguidores (entre eles Oswaldo Cruz) aparentemente não deixavam dúvidas sobre o acerto de suas teorias.
  • 39. Medicina social germânica: escola de patologia geográfica e histórica, liderada por August Hirsch (1817-1894). Fundador da geografia médica, Hirsch → precursor da epidemiologia ecológica, antecipando as análises de tempo-lugar que atualmente reemergem no campo epidemiológico.
  • 40. Pela primeira vez na história da medicina identificava-se, com elevado grau de certeza, a causa de doenças. E, era possível produzir agentes imunizantes capazes de evitá-las. A polêmica parecia superada - a enfermidade, mesmo infecciosa, resulta da conjunção de vários fatores: o agente (bactéria, vírus), o meio ambiente, a pessoa que contrai a doença. Parecia decretado o fim da Medicina Social, mas, isso não ocorreu.
  • 41. De fato, o formidável avanço da fisiologia, da patologia e da bacteriologia no século XIX, devido principalmente a Bernard, Virchow e Pasteur, representou um inegável fortalecimento da medicina científica, inclusive e principalmente a medicina de caráter individual, curativo, superando o enfoque coletivo, higienista, na abordagem da questão da saúde e seus determinantes. Entretanto, nem a bem-sucedida aceitação dos movimentos médico-sociais da Inglaterra e da França pelo Estado burguês impediu a difusão do conjunto clínica científica-método numérico-visão sanitária, nem a hegemonia da chamada medicina científica representou obstáculo para o projeto científico da Epidemiologia. Assim, nos EUA, vários ex-alunos de Pierre Louis alcançaram posições políticas e acadêmicas importantes e continuaram engajados no ensino da estatística médica como fomentadora de uma potencial reforma sanitária, o que resultou na organização do National Public Health Service.
  • 42. Sanitaristas britânicos buscaram como saída a integração de preocupações filantrópicas e sociais com o conhecimento científico e tecnológico, propondo transformações políticas pela via legislativa– síntese da clínica médica, da estatística e da medicina social – que viria a se tornar a Epidemiologia. 1850, sob a presidência de Lord Ashley-Cooper e tendo Chadwick como vice- presidente, - London Epidemiological Society, fundada por jovens simpatizantes das ideias médico-sociais, juntamente com profissionais de saúde pública e membros da Real Sociedade Médica ; Entre os membros daquela sociedade científica pioneira: Florence Nightingale (1820-1910) - fundadora da moderna enfermagem. Seus estudos pioneiros sobre a mortalidade por infecção pós- cirúrgica, nos hospitais militares na Guerra da Crimeia confirmaram em escala maior, os estudos clínicos de Semelweiss. A ela atribui-se a introdução do gráfico setorial e o aperfeiçoamento dos estudos comparativos controlados, originalmente concebidos por Louis.
  • 43. Membro da London Epidemiological Society: John Snow (1813-1858) - fundador da Epidemiologia, vida curta, intensa, marcada pelo pioneirismo. De origem humilde, tornou-se, aos 14 anos, aprendiz de William Hardcastle, um cirurgião de Newcastle (a cirurgia não era então considerada exatamente medicina). Depois estudou medicina em Londres. Teve interesse pela anestesiologia e foi pioneiro no uso de éter e clorofórmio. Ocorreu na Inglaterra (1831-1832) uma violenta epidemia de cólera - doença que era muito comum e que se manifesta por vômitos e diarreia profusa e capaz de levar à morte por desidratação. A bactéria causadora, o vibrião colérico (Vibrio cholerae), ainda não tinha sido identificada; a enfermidade era, como outras, atribuída a miasmas. O jovem Snow fez o atendimento de muitos dos casos.
  • 44. Em 1848, ocorreu novo surto de cólera, desta vez em Londres, já então uma megalópole de 2,5 milhões de habitantes - precaríssima do ponto de vista de higiene e saneamento. Dejetos se acumulavam por toda parte e eram jogados no Tâmisa, cuja água era utilizada no abastecimento. Completava-se assim o ciclo oral-fecal, responsável pela transmissão da doença. Para enfrentar este desafio - medicina vitoriana completamente desamparada e em grande parte dominada pela charlatanice.
  • 45. Snow quis saber - o que causava aquela e outras doenças? O miasma foi a resposta habitual Mas havia outras ideias, algumas datando da antiguidade: Tucídides atribuía a epidemia de Atenas em 430 a.C. ao envenenamento dos reservatórios pelos inimigos da cidade. No século I a.C., Marcus Terentius Varro, falava em invisíveis animalículos que entram no corpo pelo nariz e pela boca, causando enfermidade; mas essa não era uma ideia disseminada.
  • 46. Nova teoria surgiu quando, no século XVI a lista das doenças que atemorizavam a Europa sofreu um importante acréscimo: sífilis. O nome vem do poema publicado em 1530 pelo médico Girolamo Fracastoro (1478- 1553) Syphilus sive Morbus Gallicus (Sífilis ou a Doença Francesa). No poema, Fracastoro atribui a disseminação da sífilis às seminaria contagium (“sementes do contágio”) - pequenas entidades que passavam de uma pessoa a outra pelo contato direto, ou por meio das roupas, ou pelo ar – uma ideia formulada 130 anos antes que van Leeuwenhoek visse ao microscópio as “pequenas criaturas” que tanto o maravilharam. Para Snow, a teoria do miasma não podia explicar a epidemia de cólera. No surto de 1831, registrou-se que mineiros trabalhando no interior da terra, portanto longe de regiões pantanosas, “miasmáticas”, haviam adoecido.
  • 47. Em agosto de 1849, durante o segundo ano da epidemia, publicou On the Mode of Communication of Cholera – defendendo a ideia de que a doença era transmitida pela água. E citava o exemplo de duas fileiras de casas vizinhas, em uma das quais os casos de cólera eram mais frequentes. Por quê? Porque os moradores destas casas despejavam águas servidas em um valo que contaminava o poço do qual as mesmas pessoas obtinham a água para beber.
  • 48. O texto de Snow teve escassa repercussão - faltava ainda comprovar a teoria com dados numéricos. Em 1854, a cólera chegou onde Snow trabalhava. A distribuição da doença era desigual, ocorrendo mais em certos lugares. Os casos eram mais frequentes entre pessoas que, diante da inexistência de rede pública de abastecimento, usavam a água fornecida pela empresa Southwark and Vauxhall Water Company, colhida em um poço de Broad Street. Duas mulheres que tinham tomado água desse poço estavam entre as primeiras vítimas da doença; mas os operários de uma cervejaria dos arredores, que dispunha de abastecimento próprio de água, não adoeceram. Em uma instituição das redondezas, e que tinha seu próprio poço, só 5 dos 535 internos tinham morrido, mesmo com a situação de que todos os 535 eram desnutridos, e viviam em más condições de higiene .
  • 49. Snow visitou lugares, nos quais pessoas usaram a água do poço de Broad Street, e registrou que todas haviam morrido. Snow colheu uma amostra da água do poço e levou-a ao microscopista Dr. Arthur Hill Hassall, que reportou um excesso de matéria orgânica na água, acrescentando que tal não era inusitado.
  • 50. Snow decidiu reunir evidências estatísticas sobre a doença. Preparou um mapa mostrando onde as vítimas viviam e de quem recebiam a água. Constatou que na região abastecida pela Southwark and Vauxhall, o número de casos era cerca de 14 vezes maior do que em uma região abastecida por outra companhia. Propôs ao conselho administrativo da região, remover o braço da bomba do poço de Broad Street, o que foi feito – e os casos de cólera começaram a diminuir. Snow publicou a 2ª edição de On the Mode of Communication of Cholera, acrescentando suas observações sobre os casos ligados ao uso da água de Broad Street.
  • 51. Morreu em 1858 sem ver sua teoria reconhecida; o miasma ainda era considerado a causa da cólera. Ironicamente, e sem que Snow disso tivesse tomado conhecimento, o germe causador da cólera tinha sido identificado (em 1854) pelo anatomista italiano Fillipo Pacini ao examinar o intestino de pacientes falecidos da doença, um achado que não teve repercussão. Finalmente, em 1884, Robert Koch redescobriu, isolou e cultivou o Vibrio cholerae
  • 52. Consolidação da Epidemiologia como Ciência Apesar do insuspeitado desenvolvimento paralelo da Medicina Social, a sua rival “medicina científica” consolidava, no final do século passado, uma duradoura hegemonia como substrato conceitual da saúde.
  • 53. Relatório Medical Education in the United States and Canada, coordenado por Abraham Flexner (1866-1959) e publicado em 1910. Inicialmente apontado coomo reducionista Recentemente, o caráter inovador de Flexner e da reforma da educação superior por ele promovida foi reconhecido;
  • 54. Inspirada nos princípios do relatório Flexner, uma escola de saúde pública pioneira foi inaugurada em 1918 na Universidade Johns Hopkins (em Baltimore, EUA) - Wade Hampton Frost (1880- 1938), sanitarista do National Public Health Service especializado em doenças respiratórias, assumiu a nova cátedra de Epidemiologia, tornando-se o primeiro professor desta disciplina em todo o mundo; Como investigador, seus trabalhos utilizavam novas técnicas estatísticas para o estudo das variações na incidência e prevalência de enfermidades transmissíveis, como a tuberculose pulmonar, com a intenção de avaliar seus determinantes genéticos e sociais. O modelo “escola de saúde pública” foi então difundido por todo o mundo, com apoio integral da recém-nascida Fundação Rockefeller;
  • 55. Avanço tecnológico e a tendência à especialização do cuidado em saúde produziam elevação de custos e eletização da prática médica, provocando uma redução de seu alcance social. Logo após, redescobriu-se o caráter social e cultural das doenças e da medicina, assim como suas articulações com a estrutura da sociedade. O retorno do social se fez pelo recurso à Epidemiologia. As investigações de Joseph Goldberger (1874-1929) sobre a pelagra, desde 1915 - estabeleceu a natureza carencial dessa doença. Encarregado pelo governo americano de estudar esta doença endêmica do sul dos EUA, Goldberger mostrou que não se tratava de uma infecção, como se pensava. (pelagra = desenvolve-se na deficiência de niacina (Vitamina B3) e de triptofano.
  • 56. Continuando a história da Epidemiologia Anos 1960 Movimento da Medicina Comunitária, baseado na implantação de centros comunitários de saúde- administrados por organizações sociais, subsidiados pelos governos, destinados a efetuar ações preventivas e prestar cuidados básicos de saúde à população geograficamente limitada; Recupera parte importante do discurso da Medicina Preventiva, com ênfase na Epidemiologia e nas então denominadas ciências da conduta - sociologia, antropologia e psicologia, aplicadas a problemas de saúde. Conhecimento de dados epidemiológicos e processos socioculturais e psicossociais destinava-se a possibilitar a integração das equipes de saúde em comunidades “problemáticas”, por meio da identificação e cooptação (agregação) dos agentes e forças sociais locais para os programas de educação em saúde.
  • 57. Década 70 - Epidemiologia vista como “segmento de uma ciência mais geral” sem maiores demandas teóricas - resultou na crença de que a epidemiologia não seria uma ciência. Sem compreendia do aperfeiçoamento de tecnologia para tratamento e análise de dados. Movimento de sistematização do conhecimento epidemiológico produzido, exemplificado pela obra de John Cassel (1915-1978), líder da escola de epidemiologia social de Chapel Hill. A contribuição conceitual casseliana foi construída no sentido da integração dos modelos biológicos (neuroendócrinos) e socioantropológicos em uma teoria compreensiva da doença - unificada pelo toque da epidemiologia.
  • 58. Década de 1980 - duas tendências. 1º Epidemiologia clínica como projeto de uso pragmático da metodologia epidemiológica, fora dos contextos coletivos mais ampliados. Ênfase nos procedimentos de identitificação de caso e na avaliação da eficácia terapêutica, conformando o que recentemente se tem chamado de medicina baseada em evidências; 2º Historicidade dos processos saúde-enfermidade-atenção e a raiz econômica e política de seus determinantes; Novos desafios se colocavam, sob a forma de doenças antigas que ressurgiam e de novas patologias que ganharam o nome de doenças emergentes.
  • 59. Há que considerar, nessa época, principalmente o efeito devastador e ao mesmo tempo redentor da pandemia de síndrome de imunodeficiência adquirida, SIDA ou AIDS. Admite-se que a doença foi primeiro relatada em 1981, resultante da ocorrência inusitada de casos de pneumonia e do raro sarcoma de Kaposi. O vírus causador foi identificado em 1983. A doença hoje é uma pandemia, atingindo mais de 30 milhões de pessoas, principalmente na África Subsaariana. É uma doença grave e estigmatizante, mas, exatamente por isso, obrigou pessoas e organizações a reexaminarem suas atitudes não raro preconceituosas. Como muitas vezes aconteceu na história da humanidade, disso resultou um processo de amadurecimento pessoal e coletivo.
  • 60. Décadas de 80, 90 e Anos 2000 A tendência à matematização da Epidemiologia recebeu um considerável reforço A matemática passou de funç̧ão estruturante para função validante, com a investigação científica dos riscos, seus fatores e seus efeitos. Confrontação com a experiência clínica e demonstração experimental.
  • 61. Revolução recente na Epidemiologia - computação eletrônica - profunda transformação → resultado uma forte matematização da área. A ampliação real dos bancos de dados fomentou um grau de eficiência, precisão e especificidade técnicas analíticas, inimaginável na era da análise mecânica de dados. Análises multivariadas
  • 62. Tendências atuais Modelos de determinação multinível, críticas a padrões metodológicos rígidos como o delineamento experimental; Maior intercâmbio com campos da biologia e ciências sociais; Propostas de modelos teóricos ecossistêmicos → conexões mais estreitas com políticas de saúde que defendem mais responsabilidade social. Evolução de agendas de pesquisa demonstraram com clareza que a Epidemiologia continua vinculada a modelos de doença.
  • 63. O que é Epidemiologia? Lillienfeld enumera 23 definições para epidemiologia, apresentadas por vários autores em diferentes anos, variando de 1927 a 2000. Alguns exemplos: • Frost, 1927: é o estudo da história natural das doenças; • Gordon, 1963: é o estudo da doença como fenômeno coletivo ou de massa; • MacMahon, 1970: é o estudo da distribuição da doença e dos determinantes de sua prevalência no homem; • Sartwell, 1973: é o uso de todos os métodos pertinentes que estão disponíveis para estudar a distribuição e dinâmica das doenças nas populações humanas; • Armijo, 1974: é uma ciência, fundamentalmente um método de raciocínio indutivo utilizado na investigação e solução de qualquer problema de saúde concernente à comunidade; • Sinnecker, 1976: é a disciplina voltada para o estudo da disseminação em massa das doenças; • Pereira, 2000: é entendida no sentido amplo como o estudo do comportamento coletivo da saúde e da doença
  • 64. Outros conceitos existem, girando em torno da mesma ideia. Trabalharemos Epidemiologia - conjunto de conceitos, teorias e métodos que permitam estudar, conhecer e transformar o processo saúde-doença na dimensão coletiva. Possibilidades sempre de transformações biológicas, antropológicas ou sociais. Transformações poderão ser necessárias na infraestrutura ou na supraestrutura da sociedade. Em geral, os conceitos apresentam como denominador comum a definição em torno de doença na população, estudando sua distribuição e/ou seus agentes determinantes;