SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 7
Baixar para ler offline
Fazendo Gênero 9
Diásporas, Diversidades, Deslocamentos
23 a 26 de agosto de 2010
1
O "OLHAR ESTRANGEIRO" SOBRE AS BRASILEIRAS
Cassiana Gabrielli 1
“Olhar Estrangeiro” é o sugestivo nome de um documentário lançado por Lúcia Murat em
novembro de 2008, que trata da representação do Brasil junto à indústria cinematográfica de países
que dominam esse mercado. Sabemos que trabalhar com a imagem do Brasil se trata de um leque de
possibilidades, pois cada uma das diretrizes imagéticas do país conduz a temas bastante
abrangentes, como mestiçagem, a relação com a natureza e o apelo tropical, exotismo, e - o que
aqui nos interessa de modo especial - a sexualidade nativa. Desse modo, nosso foco se atém em
discutir a colocação da mulher como parte fundamental da imagem nacional, trazendo como eixo
central a exposição prática dessa questão, através da análise dos filmes e comentários apresentados
por Lúcia Murat em sua obra.
Tendo em vista que após décadas de militância feminista, se tornou possível o acesso
feminino a diversos suportes culturais, antes restritos a parcela masculina da população, podemos
perceber uma crescente inserção das mulheres também na produção cinematográfica. Embora uma
maior participação feminina na realização de filmes não signifique diretamente um maior
engajamento com as causas feministas, notamos certa mudança no olhar sobre o feminino nas
produções contemporâneas. Entretanto, apesar de iniciativas como a de Lúcia Murat, que vem
justamente denunciar equívocos cometidos em filmes que trazem o Brasil como personagem e/ou
cenário, verificamos que as representações das brasileiras, que envolvem além de questões de
gênero, também de etnia, continuam sendo de mulheres objetificadas que seguem premissas
androcêntricas.
Infelizmente, esse tipo de representação não deixa de ilustrar o imaginário ainda em voga na
contemporaneidade, pois, como nos lembra Miriam Adelman,
examinar como as relações de gênero são representadas no cinema significa transitar entre a obra
cinematográfica e o mundo das relações sociais "fora do cinema"; é um ir e voltar, pois o cinema, como toda
produção cultural, reflete práticas e significados sociais ao mesmo tempo em que os constrói e, para usar o
termo corrente, os "re-significa"2
.
Nesse sentido, a diretora de "Olhar Estrangeiro" conta em uma entrevista, adicionada aos
extras constantes no dvd do filme, que a motivação para a realização desse documentário veio
justamente dos constantes reveses que vivencia no exterior quando declara sua nacionalidade.
1
Doutoranda do PPGNEIM/UFBA (cassiana.gabrielli@gmail.com).
2
ADELMAN, Miriam. Vozes, olhares e o gênero do cinema. In: FUNK, Susana; WIDHOLZER, Nara (orgs). Gênero
em discursos na mídia. Florianópolis: Ed. Mulheres e EDUNISC, 2005, p. 231.
Fazendo Gênero 9
Diásporas, Diversidades, Deslocamentos
23 a 26 de agosto de 2010
2
Presente em diversos festivais de cinema internacionais, Lúcia Murat revela que freqüentemente se
depara com perguntas como: "Como é que uma mulher consegue fazer um filme no Brasil?", e
explica que daí decorre a idéia inicial do projeto:
É... essa questão do machismo, a relação, quer dizer, da mulher brasileira principalmente, assim... sempre vista
mais ou menos como uma espécie de uma prostituta. Não somente como uma pessoa livre, mas que beira a
prostituição, e tal. Tudo isso em determinado momento me irritou e eu pensei em fazer um documentário sobre
isso.3
Certamente, Lúcia Murat não é a primeira, tampouco a única brasileira a se irritar com
insinuações acerca de uma possível conduta sexual relacionada a sua nacionalidade. O imaginário
que perpassa as práticas interculturais na atualidade, sobre determinada volúpia das nativas, , tem
sido forjado há séculos de colonização desse país, que é visto diversas vezes como um "paraíso
terreal", povoado por mulheres que se guiam exclusivamente pela libido. Evidentemente, esse
imaginário foi construído, e é respaldado, por uma cultura machista, que, além de questões de
gênero, envolve também categorias como raça e etnia, que permeiam as relações sociais
contemporâneas.
Ao trabalhar com o documentário aqui proposto, percebemos que, as intersecções dessas
categorias analíticas na formação da imagem do Brasil, são amplamente compartilhadas pelos
estrangeiros na identificação de uma imagem padrão do país. As representações, que aparecem nos
filmes analisados em "Olhar Estrangeiro", parecem ser apenas variações de uma mesma idéia, pois,
o Brasil é sempre um lugar de clima aprazível, com belas mulheres morenas, que aparecem
invariavelmente com trajes sensuais e corpos onde se destaca a região dos glúteos.
As cenas em que aparecem mulheres nas praias são recorrentes em grande parte dos filmes
estrangeiros rodados no Brasil. Em "Feitiço do Rio", ou ainda em "No Rio vale tudo", as praias
repletas de mulheres (poucos homens, exceto os personagens principais das tramas, costumam
aparecer em primeiro plano nessas seqüências rodadas na beira do mar), são realmente o mote
central dos filmes. Um dos roteiristas do primeiro filme se justifica: "Acho que os estúdios são os
maiores culpados porque são eles que acabam decidindo o que destacar. E quiseram destacar uma
sexualidade meio que renegada, a liberdade, a libertinagem"4
. Já Phillippe Clair, diretor do segundo
filme, afirma: "É verdade que sempre sonhei em ir ao Brasil, principalmente porque sempre ouvi
dizer que tinha as mulheres mais belas do mundo (...)".
3
Transcrição do depoimento da diretora do filme "Olhar Estrangeiro" em entrevista constante nos extras do dvd.
OLHAR ESTRANGEIRO. Produção de Luís Vidal e Paola Abou-Ajoude. Argumento e direção de Lúcia Murat. Rio de
Janeiro: Europa Filmes, 2008, (70min.). DVD, NTSC, color. Port. Legendado.
4
Todos os trechos de entrevistas citados nesse trabalho são transcrições das legendas contidas no dvd do documentário
"Olhar Estrangeiro" (id.)
Fazendo Gênero 9
Diásporas, Diversidades, Deslocamentos
23 a 26 de agosto de 2010
3
Em ambos casos, seja o que culpa o estúdio, seja o que assume um imaginário pré-
determinado sobre a mulher brasileira, percebemos que a falta comprometimento com
representações fidedignas, acaba contribuindo para a manutenção de clichês que, de certo modo,
maculam a imagem do Brasil e, principalmente, das brasileiras. Embora se tratem de obras de
ficção, sabemos que para o público, nem sempre fica clara a distinção entre o que é real, e o que é
criação dos diretores e roteiristas.
Tanto é assim, que em rápidas intervenções apresentadas no documentário, que foram
realizadas aleatoriamente com transeuntes norte-americanos e franceses, sobre o que pensam do
Brasil, vemos colocações como: "Muitas mulheres na praia usando biquíni e topless"; "Praias,
mulheres deitadas na praia e biquínis"; Ou ainda, a opinião de uma atriz que protagonizou um filme
que se passava no Brasil "É isso o que penso quando penso no Brasil: belas mulheres de topless nas
praias". É interessante perceber que nessas cenas em que as praias são o pano de fundo, muitas
vezes as nativas aparecem praticando topless, um costume comum em diversos países, mas que não
faz parte da cultura brasileira. Entretanto, ao atentarmos para os depoimentos acima, percebemos
que, certamente, essas imagens veiculadas em filmes, mesmo que de ficção, influenciam a
concepção dos receptores sobre o país e seu povo.
É a circularidade dos clichês. Como o diretor sueco Bo Jhonson assume, "todos esses filmes
não brasileiros tem uma visão pronta do Brasil. No roteiro usam clichês. Às vezes, acho que querem
o clichê" e continua em outro trecho, "é provável que tenhamos nos inspirado em outros [filmes].
Infelizmente, repetem o velho estilo colonialista. Não querem ir fundo na alma brasileira. Querem
permanecer na praia, por assim dizer". De certo modo, é o que também nos diz o diretor de
"Orquídea Selvagem", Zalman King: "E eu queria fazer um Rio imaginário, é verdade. O Rio
mostrou ser outra cidade, não a que estava na minha imaginação. Mas quando fui à Bahia vi
elementos que eu achava que deviam estar no Rio. O Rio da minha cabeça combinava essas duas
cidades (...) Quando tomei essa decisão poucas pessoas sabiam como era o Rio de verdade". Ao
afirmar que "poucas pessoas sabiam como era o Rio de verdade", ele se aproveita dessa condição
para incorporar todos os elementos que povoam seu imaginário, jogando-os como se se tratasse da
realidade. E assim o ciclo se mantém, os realizadores se baseiam em clichês, e o público os
identifica como elementos da realidade local.
É fácil perceber que a escolha do Brasil como cenário para filmes de ficção estrangeiros, se
deve, em grande parte, a imagem de exotismo atrelada ao país. A busca de um lugar que remeta a
certas idéias relacionadas a lazer, sensualidade, natureza, entre outras, acaba, muitas vezes, por
Fazendo Gênero 9
Diásporas, Diversidades, Deslocamentos
23 a 26 de agosto de 2010
4
colocar o nome do Brasil em evidência, já que essas são características correntemente associadas a
essa região. Por parte dos realizadores dos filmes entrevistados no documentário, não falta esse tipo
de referências, como, por exemplo, na fala de Larry Gelbart: "Quando as pessoas pensam num lugar
sensual, e já que a França estava descartada, pensamos no Brasil, no Rio". Ou de Phillippe Broca:
"Esse meu filme, mesmo na época não era uma imagem do Brasil. Era uma imagem imaginária de
um lugar cheio de exotismo". Ou ainda, como afirma Zalman King: "Quando fiz 'Orquídea
Selvagem' eu queria um lugar muito sensual, que as pessoas associassem a sensualidade e também
queria filmar o carnaval, na ocasião, o que foi fascinante. Então escolhi o Brasil".
Gerard Lauzier, diretor francês que morou no Brasil por cerca de dez anos, demonstra ter um
pouco mais de conhecimento sobre o país, e ilustra essa questão a partir de outro viés. "O Brasil
moderno, o Brasil industrial, o Brasil de São Paulo, o Brasil que trabalha, que cria, que cria riqueza,
esse Brasil não é muito exótico para o francês. E ao mesmo tempo é muito parecido com o mundo
inteiro e o que o francês vive. Então não tem o interesse do exotismo e ao mesmo tempo faltam
referências". Nesse depoimento fica claro que há certo interesse na manutenção dos clichês,
procurando mostrar o que quer ser visto, e também, que há um grande desconhecimento da cultura,
sendo que apenas os referenciais "exóticos" são reconhecidos ao Brasil. O que se confirma nas
intervenções realizadas com o público nas ruas: "É um país de sonhos". "Só temos imagens de sol,
de praia". "Para nós é uma viagem exótica".
Dessas referências "exóticas" alimenta-se o ideário sobre as brasileiras. Como já foi dito
anteriormente , são comuns representações que se atém quase que exclusivamente ao corpo e ao sex
apeal das nativas. No filme "Lambada, a dança proibida", por exemplo, a protagonista, que
interpreta uma princesa da Amazônia, tem como característica principal a sensualidade. Ela usa sua
sensualidade não apenas na dança, mas também para salvar seu povo, pois após viajar para os
Estados Unidos, ela se envolve com um rapaz norte-americano que a ajuda atingir seu objetivo. No
filme "O Campeão", há um diálogo entre pai e filho (de aproximadamente uns cinco anos) sobre o
que farão depois que o pai vencer o campeonato para o qual está se preparando. O homem pergunta
ao garoto para onde ele quer viajar, ao que esse responde prontamente: - "Brasil!" E então o pai
replica: - "E o que vamos ver no Brasil? Já sei, já sei, muitas mulheres dançando chachachá".
Um outro exemplo contundente é o filme "No Rio vale tudo", de Phillippe Clair, em que em
uma cena ambientada numa festa, um homem apóia o copo nas nádegas de uma mulher negra,
trajando um uniforme de garçonete estilizado, em que a parte de baixo era composta apenas de
calcinha e avental. É válido ressaltar que nessa seqüência a personagem feminina principal era a
Fazendo Gênero 9
Diásporas, Diversidades, Deslocamentos
23 a 26 de agosto de 2010
5
travesti brasileira Roberta Close, o que nos leva a pensar que, se a representante da mulher
brasileira não atendia exatamente as aspirações dos realizadores enquanto símbolo sexual, pois no
filme seu sexo biológico era revelado, procurou-se outras (e bastante evidentes) alternativas para
mostrar as brasileiras como objetos de desejo sexual.
Essas amostras nos remetem ao que Miriam Adelman elenca como um dos elementos
comuns ao cinema masculinista, o princípio que ela se refere como "a mulher objetificada", que a
autora descreve como aquela
que existe para o olhar e o "consumo masculino". A construção e disseminação de uma imagem de "mulher
sexualmente desejável", que, além de ser identificada como "aquilo que todos os homens devem aspirar e
possuir", pode ser incorporada pelas mulheres como aquilo que elas devem ser ou se tornar para obter alguma
valorização social.5
Embora em algumas produções apareçam discursos alternativos a esse, a "brasileira
objetificada" é sem dúvidas o elemento que mais se faz presente nas obras de ficção estrangeiras
rodadas no Brasil. E como bem salienta a autora, além de satisfazer o olhar e desejo dos homens,
acabam por influenciar outras mulheres a aspirarem corpos e comportamentos semelhantes àqueles
apresentados nos filmes, favorecendo a manutenção de assimetrias de gênero e raça/etnia.
O mesmo diretor que colocou uma mulher negra como "mesa" numa cena, em entrevista à
Lúcia Murat faz a seguinte constatação: "As mulheres fazem de tudo para mostrar que são belas,
adoram. O que mais me espantou foi ver que aprendem a rebolar desde criança. E Gabriel Albicoco
me explicou: "elas são obrigadas6
a andar rebolando. Fazem de tudo para ser bonitas."Acho isso
magnífíco!" Phillippe Clair parece sugerir que uma suposta sensualidade se trata de um traço
cultural aprendido pelas mulheres brasileiras desde a infância.
Ainda que por outras vias, Zalman King segue a mesma linha de raciocínio, "no filme, a
cultura leva os personagens, sobretudo a personagem feminina, a se relacionar com a sensualidade.
Usei a cultura nesse sentido. Acho que ninguém pode negar7
que o Brasil é um país muito sensual.
Você sente a cultura nativa, a cultura indígena. Muitos escravos foram levados, você sente a cultura
africana, e há o imaginário do cristianismo em cima de tudo isso... e tudo se mistura de uma
maneira bem diferente que acontece aqui". Nessa fala é evidenciada certa relação entre traços
étnicos raciais e sexualidade como componente da cultura brasileira, mas já se aproximando de
certo determinismo associado a propagada "mistura de raças" correntemente atrelada ao Brasil.
5
ADELMAN, Miriam. Vozes, olhares e o gênero do cinema. In: FUNK, Susana; WIDHOLZER, Nara (orgs). Gênero
em discursos na mídia. Florianópolis: Ed. Mulheres e EDUNISC, 2005, p. 229.
6
Grifo nosso.
7
Grifo nosso.
Fazendo Gênero 9
Diásporas, Diversidades, Deslocamentos
23 a 26 de agosto de 2010
6
Independente do motivo que origine essa suposta característica da mulher brasileira, essa
idéia parece bastante disseminada. Em entrevista com Gérard Lauzier, diretor francês, ele afirma,
"esse fenômeno de cair apaixonado pelo Brasil e com as mulheres brasileiras não é um clichê, é
uma verdade, eu sou a prova disso.(...) O andar das mulheres brasileiras é único. O que é que eu
posso dizer... quando se chega no Brasil, se vai a praia em Copacabana ou Salvador fica "babado"
não?". Já Larry Gelbart, roteirista norte-americano, ironiza, "o Brasil é um clichê por um ótimo
motivo, e vou lhe dizer qual: produz mais pessoas bonitas que qualquer outro país. São clichês e, se
vocês querem ser tratados mais seriamente, deviam dançar menos e ficar mais feios. Aí todo mundo
vai tratá-los mais seriamente. Afinal, não dançamos assim e somos muito feios no meu país, e todos
nos tratam muito seriamente".
Se os realizadores de filmes, sobre, ou no Brasil, pensam dessa forma, a repercussão junto
aos espectadores, só faz alimentar idéias estereotipadas sobre o país e sua gente. É o que podemos
verificar nas opiniões expressas pelo povo entrevistado nas ruas: "Sexo? Dançarinas brasileiras".
"Mulheres com bunda grande". "Todas as mulheres, lindas!" "O que dizem das brasileiras? Quero
muito acreditar". "Eles gostam muito de bunda". Essas considerações refletem que, talvez, quando o
ator Michael Caine afirma que "a maioria dos clichês é verdadeira, do contrário não seria clichê, são
coisas continuamente repetidas", parece ser compartilhada por muitas pessoas. Nesse sentido, fica
difícil discordar de Gérard Lauzier quando ele diz: "Não sou responsável por ter essa imagem do
Brasil, não sou culpado. Eu sou responsável mas não sou culpado (...)", afinal, "muito da nossa
educação, não procuramos, mas sim somos influenciados pelas mensagens cinemáticas dos países"
diz Larry Gelbart.
Ao analisar a presença de mulheres como personagens em filmes cinematográficos é
possível perceber que, de modo geral, suas aparições servem para validar códigos culturais
androcêntricos, sendo que, apenas na minoria das produções, elas são apresentadas com intuito de
subverter a ordem vigente, propondo novas perspectivas. Como Ann Kaplan pontua,
(...) o modo pelo qual a mulher é imaginada nos dramas convencionais de Hollywood emerge do inconsciente
patriarcal masculino. São medos e fantasias do homem sobre a mulher que achamos nos filmes, não
perspectivas e inquietações femininas. Argumento também como o melodrama hollywoodiano pode (veja meu
livro Motherhood and Representation - Maternidade e Representação, de 1992), em algumas de suas formas,
expressar os sofrimentos, conflitos e opressões femininas em função do patriarcalismo, mas que ainda em sua
grande maioria os gêneros de Hollywood ainda focalizam o que concerne aos homens, desejos e fantasias
masculinos.8
8
KAPLAN, Ann. A mulher no cinema segundo Ann Kaplan - entrevista a Denise Lopes. Revista Contracampo, vol
7, n. 0, Rio de Janeiro: UFF, 2002, p. 212.
Fazendo Gênero 9
Diásporas, Diversidades, Deslocamentos
23 a 26 de agosto de 2010
7
Assim, entendemos que somente através de uma crítica feminista articulada seja possível um
maior engajamento para mudanças na apresentação feminina no cinema. Embora tenhamos
consciência que as relações que permeiam tais construções são mais profundas que suas
representações, sabemos que a linguagem ocupa um locus privilegiado nas relações sociais
contemporâneas, podendo favorecer a manutenção de discursos hegemônicos, como esse que se
perpetua reificando as brasileiras.
No entanto, a inter-relação entre construções sociais de gênero e cinema parece ser uma via
de mão dupla, já que, no caso específico dos filmes de ficção comerciais aqui tratados, além das
questões de linguagem, que influenciam os receptores, há ainda os aspectos econômicos das
produções, que reproduzem os discursos dominantes. O interesse em mostrar apenas clichês é tão
claro, que Lúcia Murat traz exemplos de dois filmes que não foram lançados, e outro que foi
distribuído somente após uma contenda na justiça entre o diretor e os estúdios, justamente porque
procuravam mostrar outras facetas do país, que não essa que se utiliza quase que exclusivamente do
imaginário sobre as nativas.
Desse modo, além da crítica cinematográfica feminista, é importante, como pondera Lúcia
Murat, continuarmos nos inserindo no mercado internacional, a fim de mostrarmos nossa
identidade. Pois, mudanças nas práticas sociais podem, e devem, ter como um de seus alicerces as
produções culturais, já que essas têm grande inserção na sociedade contemporânea. Porém,
devemos ter consciência que as mudanças são extremamente lentas, visto que mesmo com as
facilidades tecnológicas atuais, que facilitam a circulação de informações, a imagem dominante
ainda é a do "Brasil paraíso".
Bibliografia
KAPLAN, Ann. A mulher no cinema segundo Ann Kaplan - entrevista a Denise Lopes. Revista
Contracampo, vol 7, n. 0, 2002, UFF.
ADELMAN, Miriam. Vozes, olhares e o gênero do cinema. In: FUNK, Susana; WIDHOLZER,
Nara (orgs). Gênero em discursos na mídia. Florianópolis: Ed. Mulheres e EDUNISC, 2005.
OLHAR ESTRANGEIRO. Produção de Luís Vidal e Paola Abou-Ajoude. Argumento e direção de
Lúcia Murat. Rio de Janeiro: Europa Filmes, 2008, (70min.). DVD, NTSC, color. Port. Legendado.

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Um olhar sobre as estrangeiras

A mulher negra no cinema
A mulher negra no cinemaA mulher negra no cinema
A mulher negra no cinemaAndréa Matias
 
A CONCEPÇÃO DE IDENTIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO NO FILME CARAMURU
A CONCEPÇÃO DE IDENTIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO NO FILME CARAMURUA CONCEPÇÃO DE IDENTIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO NO FILME CARAMURU
A CONCEPÇÃO DE IDENTIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO NO FILME CARAMURUPoliana Lopes
 
livro mulheres_autoria mulheres
livro mulheres_autoria mulhereslivro mulheres_autoria mulheres
livro mulheres_autoria mulheresFábio Uchôa
 
Nem toda-brasileira-c3a9-bunda-gc3aanero-e-brasilidade-no-cinema-nacional-pat...
Nem toda-brasileira-c3a9-bunda-gc3aanero-e-brasilidade-no-cinema-nacional-pat...Nem toda-brasileira-c3a9-bunda-gc3aanero-e-brasilidade-no-cinema-nacional-pat...
Nem toda-brasileira-c3a9-bunda-gc3aanero-e-brasilidade-no-cinema-nacional-pat...Nayara Souza
 
O cinema que denúncia - Nordeste
O cinema que denúncia - NordesteO cinema que denúncia - Nordeste
O cinema que denúncia - NordesteVictor Ygor
 
CINEMA A IMAGEM DE UM POVO
CINEMA A IMAGEM DE UM POVOCINEMA A IMAGEM DE UM POVO
CINEMA A IMAGEM DE UM POVOMarysa Santos
 
Indexação e resumo de filmes
Indexação e resumo de filmesIndexação e resumo de filmes
Indexação e resumo de filmesMarina Macambyra
 
Claquete alternativa final
Claquete alternativa finalClaquete alternativa final
Claquete alternativa finalFelipe Henrique
 
Mídia e identidade feminina mudanças na imagem da mulher no audiovisual bra...
Mídia e identidade feminina   mudanças na imagem da mulher no audiovisual bra...Mídia e identidade feminina   mudanças na imagem da mulher no audiovisual bra...
Mídia e identidade feminina mudanças na imagem da mulher no audiovisual bra...Civone Medeiros
 
Representação do negro na tv resumo das disciplinas - uol vestibular
Representação do negro na tv  resumo das disciplinas - uol vestibularRepresentação do negro na tv  resumo das disciplinas - uol vestibular
Representação do negro na tv resumo das disciplinas - uol vestibularelenir duarte dias
 
Catalogo cinema diretoras_negrasnocinemabrasileiro_rj
Catalogo cinema diretoras_negrasnocinemabrasileiro_rjCatalogo cinema diretoras_negrasnocinemabrasileiro_rj
Catalogo cinema diretoras_negrasnocinemabrasileiro_rjIara Viana
 
Da cor do preconceito, o negro na teledramaturgia brasileira
Da cor do preconceito, o negro na teledramaturgia brasileiraDa cor do preconceito, o negro na teledramaturgia brasileira
Da cor do preconceito, o negro na teledramaturgia brasileiraTupi Taba
 
Wole soyinka e o ciclo da existência
Wole soyinka e o ciclo da existênciaWole soyinka e o ciclo da existência
Wole soyinka e o ciclo da existênciatyromello
 
Cultura Negra no documentário _AmarElo _ É tudo Pra Ontem_.pptx
Cultura Negra no documentário _AmarElo _ É tudo Pra Ontem_.pptxCultura Negra no documentário _AmarElo _ É tudo Pra Ontem_.pptx
Cultura Negra no documentário _AmarElo _ É tudo Pra Ontem_.pptxEdileneJeronimo1
 
Gringos (2)
Gringos (2)Gringos (2)
Gringos (2)Ana Cris
 
Terra em transe (1967) análise do filme de de glauber rocha- lucas schuab...
Terra em transe  (1967)   análise do filme de de glauber rocha-  lucas schuab...Terra em transe  (1967)   análise do filme de de glauber rocha-  lucas schuab...
Terra em transe (1967) análise do filme de de glauber rocha- lucas schuab...Lucas Schuab Vieira
 

Semelhante a Um olhar sobre as estrangeiras (20)

A mulher negra no cinema
A mulher negra no cinemaA mulher negra no cinema
A mulher negra no cinema
 
A CONCEPÇÃO DE IDENTIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO NO FILME CARAMURU
A CONCEPÇÃO DE IDENTIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO NO FILME CARAMURUA CONCEPÇÃO DE IDENTIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO NO FILME CARAMURU
A CONCEPÇÃO DE IDENTIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO NO FILME CARAMURU
 
livro mulheres_autoria mulheres
livro mulheres_autoria mulhereslivro mulheres_autoria mulheres
livro mulheres_autoria mulheres
 
Nem toda-brasileira-c3a9-bunda-gc3aanero-e-brasilidade-no-cinema-nacional-pat...
Nem toda-brasileira-c3a9-bunda-gc3aanero-e-brasilidade-no-cinema-nacional-pat...Nem toda-brasileira-c3a9-bunda-gc3aanero-e-brasilidade-no-cinema-nacional-pat...
Nem toda-brasileira-c3a9-bunda-gc3aanero-e-brasilidade-no-cinema-nacional-pat...
 
O cinema que denúncia - Nordeste
O cinema que denúncia - NordesteO cinema que denúncia - Nordeste
O cinema que denúncia - Nordeste
 
Relatorio pt3 gary kildea
Relatorio pt3 gary kildea Relatorio pt3 gary kildea
Relatorio pt3 gary kildea
 
CINEMA A IMAGEM DE UM POVO
CINEMA A IMAGEM DE UM POVOCINEMA A IMAGEM DE UM POVO
CINEMA A IMAGEM DE UM POVO
 
Indexação e resumo de filmes
Indexação e resumo de filmesIndexação e resumo de filmes
Indexação e resumo de filmes
 
Estomago
EstomagoEstomago
Estomago
 
Filme nacional
Filme nacionalFilme nacional
Filme nacional
 
Claquete alternativa final
Claquete alternativa finalClaquete alternativa final
Claquete alternativa final
 
Mídia e identidade feminina mudanças na imagem da mulher no audiovisual bra...
Mídia e identidade feminina   mudanças na imagem da mulher no audiovisual bra...Mídia e identidade feminina   mudanças na imagem da mulher no audiovisual bra...
Mídia e identidade feminina mudanças na imagem da mulher no audiovisual bra...
 
Antropologia visual ii atualizado
Antropologia visual ii atualizadoAntropologia visual ii atualizado
Antropologia visual ii atualizado
 
Representação do negro na tv resumo das disciplinas - uol vestibular
Representação do negro na tv  resumo das disciplinas - uol vestibularRepresentação do negro na tv  resumo das disciplinas - uol vestibular
Representação do negro na tv resumo das disciplinas - uol vestibular
 
Catalogo cinema diretoras_negrasnocinemabrasileiro_rj
Catalogo cinema diretoras_negrasnocinemabrasileiro_rjCatalogo cinema diretoras_negrasnocinemabrasileiro_rj
Catalogo cinema diretoras_negrasnocinemabrasileiro_rj
 
Da cor do preconceito, o negro na teledramaturgia brasileira
Da cor do preconceito, o negro na teledramaturgia brasileiraDa cor do preconceito, o negro na teledramaturgia brasileira
Da cor do preconceito, o negro na teledramaturgia brasileira
 
Wole soyinka e o ciclo da existência
Wole soyinka e o ciclo da existênciaWole soyinka e o ciclo da existência
Wole soyinka e o ciclo da existência
 
Cultura Negra no documentário _AmarElo _ É tudo Pra Ontem_.pptx
Cultura Negra no documentário _AmarElo _ É tudo Pra Ontem_.pptxCultura Negra no documentário _AmarElo _ É tudo Pra Ontem_.pptx
Cultura Negra no documentário _AmarElo _ É tudo Pra Ontem_.pptx
 
Gringos (2)
Gringos (2)Gringos (2)
Gringos (2)
 
Terra em transe (1967) análise do filme de de glauber rocha- lucas schuab...
Terra em transe  (1967)   análise do filme de de glauber rocha-  lucas schuab...Terra em transe  (1967)   análise do filme de de glauber rocha-  lucas schuab...
Terra em transe (1967) análise do filme de de glauber rocha- lucas schuab...
 

Último

Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?AnabelaGuerreiro7
 
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdfPROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdfMarianaMoraesMathias
 
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdfAula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdfFernandaMota99
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteVanessaCavalcante37
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)ElliotFerreira
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdflucassilva721057
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos DescritoresATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos DescritoresAnaCarinaKucharski1
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Ilda Bicacro
 
Libras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
Libras Jogo da memória em LIBRAS MemoriaLibras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
Libras Jogo da memória em LIBRAS Memorialgrecchi
 
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfLeloIurk1
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...IsabelPereira2010
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números Mary Alvarenga
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
Atividade sobre os Pronomes Pessoais.pptx
Atividade sobre os Pronomes Pessoais.pptxAtividade sobre os Pronomes Pessoais.pptx
Atividade sobre os Pronomes Pessoais.pptxDianaSheila2
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelGilber Rubim Rangel
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavrasMary Alvarenga
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdfLeloIurk1
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...azulassessoria9
 
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdfGEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdfElianeElika
 

Último (20)

Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
 
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdfPROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
 
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdfAula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos DescritoresATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
 
Libras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
Libras Jogo da memória em LIBRAS MemoriaLibras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
Libras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
 
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
Atividade sobre os Pronomes Pessoais.pptx
Atividade sobre os Pronomes Pessoais.pptxAtividade sobre os Pronomes Pessoais.pptx
Atividade sobre os Pronomes Pessoais.pptx
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavras
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
 
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdfGEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
 

Um olhar sobre as estrangeiras

  • 1. Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010 1 O "OLHAR ESTRANGEIRO" SOBRE AS BRASILEIRAS Cassiana Gabrielli 1 “Olhar Estrangeiro” é o sugestivo nome de um documentário lançado por Lúcia Murat em novembro de 2008, que trata da representação do Brasil junto à indústria cinematográfica de países que dominam esse mercado. Sabemos que trabalhar com a imagem do Brasil se trata de um leque de possibilidades, pois cada uma das diretrizes imagéticas do país conduz a temas bastante abrangentes, como mestiçagem, a relação com a natureza e o apelo tropical, exotismo, e - o que aqui nos interessa de modo especial - a sexualidade nativa. Desse modo, nosso foco se atém em discutir a colocação da mulher como parte fundamental da imagem nacional, trazendo como eixo central a exposição prática dessa questão, através da análise dos filmes e comentários apresentados por Lúcia Murat em sua obra. Tendo em vista que após décadas de militância feminista, se tornou possível o acesso feminino a diversos suportes culturais, antes restritos a parcela masculina da população, podemos perceber uma crescente inserção das mulheres também na produção cinematográfica. Embora uma maior participação feminina na realização de filmes não signifique diretamente um maior engajamento com as causas feministas, notamos certa mudança no olhar sobre o feminino nas produções contemporâneas. Entretanto, apesar de iniciativas como a de Lúcia Murat, que vem justamente denunciar equívocos cometidos em filmes que trazem o Brasil como personagem e/ou cenário, verificamos que as representações das brasileiras, que envolvem além de questões de gênero, também de etnia, continuam sendo de mulheres objetificadas que seguem premissas androcêntricas. Infelizmente, esse tipo de representação não deixa de ilustrar o imaginário ainda em voga na contemporaneidade, pois, como nos lembra Miriam Adelman, examinar como as relações de gênero são representadas no cinema significa transitar entre a obra cinematográfica e o mundo das relações sociais "fora do cinema"; é um ir e voltar, pois o cinema, como toda produção cultural, reflete práticas e significados sociais ao mesmo tempo em que os constrói e, para usar o termo corrente, os "re-significa"2 . Nesse sentido, a diretora de "Olhar Estrangeiro" conta em uma entrevista, adicionada aos extras constantes no dvd do filme, que a motivação para a realização desse documentário veio justamente dos constantes reveses que vivencia no exterior quando declara sua nacionalidade. 1 Doutoranda do PPGNEIM/UFBA (cassiana.gabrielli@gmail.com). 2 ADELMAN, Miriam. Vozes, olhares e o gênero do cinema. In: FUNK, Susana; WIDHOLZER, Nara (orgs). Gênero em discursos na mídia. Florianópolis: Ed. Mulheres e EDUNISC, 2005, p. 231.
  • 2. Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010 2 Presente em diversos festivais de cinema internacionais, Lúcia Murat revela que freqüentemente se depara com perguntas como: "Como é que uma mulher consegue fazer um filme no Brasil?", e explica que daí decorre a idéia inicial do projeto: É... essa questão do machismo, a relação, quer dizer, da mulher brasileira principalmente, assim... sempre vista mais ou menos como uma espécie de uma prostituta. Não somente como uma pessoa livre, mas que beira a prostituição, e tal. Tudo isso em determinado momento me irritou e eu pensei em fazer um documentário sobre isso.3 Certamente, Lúcia Murat não é a primeira, tampouco a única brasileira a se irritar com insinuações acerca de uma possível conduta sexual relacionada a sua nacionalidade. O imaginário que perpassa as práticas interculturais na atualidade, sobre determinada volúpia das nativas, , tem sido forjado há séculos de colonização desse país, que é visto diversas vezes como um "paraíso terreal", povoado por mulheres que se guiam exclusivamente pela libido. Evidentemente, esse imaginário foi construído, e é respaldado, por uma cultura machista, que, além de questões de gênero, envolve também categorias como raça e etnia, que permeiam as relações sociais contemporâneas. Ao trabalhar com o documentário aqui proposto, percebemos que, as intersecções dessas categorias analíticas na formação da imagem do Brasil, são amplamente compartilhadas pelos estrangeiros na identificação de uma imagem padrão do país. As representações, que aparecem nos filmes analisados em "Olhar Estrangeiro", parecem ser apenas variações de uma mesma idéia, pois, o Brasil é sempre um lugar de clima aprazível, com belas mulheres morenas, que aparecem invariavelmente com trajes sensuais e corpos onde se destaca a região dos glúteos. As cenas em que aparecem mulheres nas praias são recorrentes em grande parte dos filmes estrangeiros rodados no Brasil. Em "Feitiço do Rio", ou ainda em "No Rio vale tudo", as praias repletas de mulheres (poucos homens, exceto os personagens principais das tramas, costumam aparecer em primeiro plano nessas seqüências rodadas na beira do mar), são realmente o mote central dos filmes. Um dos roteiristas do primeiro filme se justifica: "Acho que os estúdios são os maiores culpados porque são eles que acabam decidindo o que destacar. E quiseram destacar uma sexualidade meio que renegada, a liberdade, a libertinagem"4 . Já Phillippe Clair, diretor do segundo filme, afirma: "É verdade que sempre sonhei em ir ao Brasil, principalmente porque sempre ouvi dizer que tinha as mulheres mais belas do mundo (...)". 3 Transcrição do depoimento da diretora do filme "Olhar Estrangeiro" em entrevista constante nos extras do dvd. OLHAR ESTRANGEIRO. Produção de Luís Vidal e Paola Abou-Ajoude. Argumento e direção de Lúcia Murat. Rio de Janeiro: Europa Filmes, 2008, (70min.). DVD, NTSC, color. Port. Legendado. 4 Todos os trechos de entrevistas citados nesse trabalho são transcrições das legendas contidas no dvd do documentário "Olhar Estrangeiro" (id.)
  • 3. Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010 3 Em ambos casos, seja o que culpa o estúdio, seja o que assume um imaginário pré- determinado sobre a mulher brasileira, percebemos que a falta comprometimento com representações fidedignas, acaba contribuindo para a manutenção de clichês que, de certo modo, maculam a imagem do Brasil e, principalmente, das brasileiras. Embora se tratem de obras de ficção, sabemos que para o público, nem sempre fica clara a distinção entre o que é real, e o que é criação dos diretores e roteiristas. Tanto é assim, que em rápidas intervenções apresentadas no documentário, que foram realizadas aleatoriamente com transeuntes norte-americanos e franceses, sobre o que pensam do Brasil, vemos colocações como: "Muitas mulheres na praia usando biquíni e topless"; "Praias, mulheres deitadas na praia e biquínis"; Ou ainda, a opinião de uma atriz que protagonizou um filme que se passava no Brasil "É isso o que penso quando penso no Brasil: belas mulheres de topless nas praias". É interessante perceber que nessas cenas em que as praias são o pano de fundo, muitas vezes as nativas aparecem praticando topless, um costume comum em diversos países, mas que não faz parte da cultura brasileira. Entretanto, ao atentarmos para os depoimentos acima, percebemos que, certamente, essas imagens veiculadas em filmes, mesmo que de ficção, influenciam a concepção dos receptores sobre o país e seu povo. É a circularidade dos clichês. Como o diretor sueco Bo Jhonson assume, "todos esses filmes não brasileiros tem uma visão pronta do Brasil. No roteiro usam clichês. Às vezes, acho que querem o clichê" e continua em outro trecho, "é provável que tenhamos nos inspirado em outros [filmes]. Infelizmente, repetem o velho estilo colonialista. Não querem ir fundo na alma brasileira. Querem permanecer na praia, por assim dizer". De certo modo, é o que também nos diz o diretor de "Orquídea Selvagem", Zalman King: "E eu queria fazer um Rio imaginário, é verdade. O Rio mostrou ser outra cidade, não a que estava na minha imaginação. Mas quando fui à Bahia vi elementos que eu achava que deviam estar no Rio. O Rio da minha cabeça combinava essas duas cidades (...) Quando tomei essa decisão poucas pessoas sabiam como era o Rio de verdade". Ao afirmar que "poucas pessoas sabiam como era o Rio de verdade", ele se aproveita dessa condição para incorporar todos os elementos que povoam seu imaginário, jogando-os como se se tratasse da realidade. E assim o ciclo se mantém, os realizadores se baseiam em clichês, e o público os identifica como elementos da realidade local. É fácil perceber que a escolha do Brasil como cenário para filmes de ficção estrangeiros, se deve, em grande parte, a imagem de exotismo atrelada ao país. A busca de um lugar que remeta a certas idéias relacionadas a lazer, sensualidade, natureza, entre outras, acaba, muitas vezes, por
  • 4. Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010 4 colocar o nome do Brasil em evidência, já que essas são características correntemente associadas a essa região. Por parte dos realizadores dos filmes entrevistados no documentário, não falta esse tipo de referências, como, por exemplo, na fala de Larry Gelbart: "Quando as pessoas pensam num lugar sensual, e já que a França estava descartada, pensamos no Brasil, no Rio". Ou de Phillippe Broca: "Esse meu filme, mesmo na época não era uma imagem do Brasil. Era uma imagem imaginária de um lugar cheio de exotismo". Ou ainda, como afirma Zalman King: "Quando fiz 'Orquídea Selvagem' eu queria um lugar muito sensual, que as pessoas associassem a sensualidade e também queria filmar o carnaval, na ocasião, o que foi fascinante. Então escolhi o Brasil". Gerard Lauzier, diretor francês que morou no Brasil por cerca de dez anos, demonstra ter um pouco mais de conhecimento sobre o país, e ilustra essa questão a partir de outro viés. "O Brasil moderno, o Brasil industrial, o Brasil de São Paulo, o Brasil que trabalha, que cria, que cria riqueza, esse Brasil não é muito exótico para o francês. E ao mesmo tempo é muito parecido com o mundo inteiro e o que o francês vive. Então não tem o interesse do exotismo e ao mesmo tempo faltam referências". Nesse depoimento fica claro que há certo interesse na manutenção dos clichês, procurando mostrar o que quer ser visto, e também, que há um grande desconhecimento da cultura, sendo que apenas os referenciais "exóticos" são reconhecidos ao Brasil. O que se confirma nas intervenções realizadas com o público nas ruas: "É um país de sonhos". "Só temos imagens de sol, de praia". "Para nós é uma viagem exótica". Dessas referências "exóticas" alimenta-se o ideário sobre as brasileiras. Como já foi dito anteriormente , são comuns representações que se atém quase que exclusivamente ao corpo e ao sex apeal das nativas. No filme "Lambada, a dança proibida", por exemplo, a protagonista, que interpreta uma princesa da Amazônia, tem como característica principal a sensualidade. Ela usa sua sensualidade não apenas na dança, mas também para salvar seu povo, pois após viajar para os Estados Unidos, ela se envolve com um rapaz norte-americano que a ajuda atingir seu objetivo. No filme "O Campeão", há um diálogo entre pai e filho (de aproximadamente uns cinco anos) sobre o que farão depois que o pai vencer o campeonato para o qual está se preparando. O homem pergunta ao garoto para onde ele quer viajar, ao que esse responde prontamente: - "Brasil!" E então o pai replica: - "E o que vamos ver no Brasil? Já sei, já sei, muitas mulheres dançando chachachá". Um outro exemplo contundente é o filme "No Rio vale tudo", de Phillippe Clair, em que em uma cena ambientada numa festa, um homem apóia o copo nas nádegas de uma mulher negra, trajando um uniforme de garçonete estilizado, em que a parte de baixo era composta apenas de calcinha e avental. É válido ressaltar que nessa seqüência a personagem feminina principal era a
  • 5. Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010 5 travesti brasileira Roberta Close, o que nos leva a pensar que, se a representante da mulher brasileira não atendia exatamente as aspirações dos realizadores enquanto símbolo sexual, pois no filme seu sexo biológico era revelado, procurou-se outras (e bastante evidentes) alternativas para mostrar as brasileiras como objetos de desejo sexual. Essas amostras nos remetem ao que Miriam Adelman elenca como um dos elementos comuns ao cinema masculinista, o princípio que ela se refere como "a mulher objetificada", que a autora descreve como aquela que existe para o olhar e o "consumo masculino". A construção e disseminação de uma imagem de "mulher sexualmente desejável", que, além de ser identificada como "aquilo que todos os homens devem aspirar e possuir", pode ser incorporada pelas mulheres como aquilo que elas devem ser ou se tornar para obter alguma valorização social.5 Embora em algumas produções apareçam discursos alternativos a esse, a "brasileira objetificada" é sem dúvidas o elemento que mais se faz presente nas obras de ficção estrangeiras rodadas no Brasil. E como bem salienta a autora, além de satisfazer o olhar e desejo dos homens, acabam por influenciar outras mulheres a aspirarem corpos e comportamentos semelhantes àqueles apresentados nos filmes, favorecendo a manutenção de assimetrias de gênero e raça/etnia. O mesmo diretor que colocou uma mulher negra como "mesa" numa cena, em entrevista à Lúcia Murat faz a seguinte constatação: "As mulheres fazem de tudo para mostrar que são belas, adoram. O que mais me espantou foi ver que aprendem a rebolar desde criança. E Gabriel Albicoco me explicou: "elas são obrigadas6 a andar rebolando. Fazem de tudo para ser bonitas."Acho isso magnífíco!" Phillippe Clair parece sugerir que uma suposta sensualidade se trata de um traço cultural aprendido pelas mulheres brasileiras desde a infância. Ainda que por outras vias, Zalman King segue a mesma linha de raciocínio, "no filme, a cultura leva os personagens, sobretudo a personagem feminina, a se relacionar com a sensualidade. Usei a cultura nesse sentido. Acho que ninguém pode negar7 que o Brasil é um país muito sensual. Você sente a cultura nativa, a cultura indígena. Muitos escravos foram levados, você sente a cultura africana, e há o imaginário do cristianismo em cima de tudo isso... e tudo se mistura de uma maneira bem diferente que acontece aqui". Nessa fala é evidenciada certa relação entre traços étnicos raciais e sexualidade como componente da cultura brasileira, mas já se aproximando de certo determinismo associado a propagada "mistura de raças" correntemente atrelada ao Brasil. 5 ADELMAN, Miriam. Vozes, olhares e o gênero do cinema. In: FUNK, Susana; WIDHOLZER, Nara (orgs). Gênero em discursos na mídia. Florianópolis: Ed. Mulheres e EDUNISC, 2005, p. 229. 6 Grifo nosso. 7 Grifo nosso.
  • 6. Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010 6 Independente do motivo que origine essa suposta característica da mulher brasileira, essa idéia parece bastante disseminada. Em entrevista com Gérard Lauzier, diretor francês, ele afirma, "esse fenômeno de cair apaixonado pelo Brasil e com as mulheres brasileiras não é um clichê, é uma verdade, eu sou a prova disso.(...) O andar das mulheres brasileiras é único. O que é que eu posso dizer... quando se chega no Brasil, se vai a praia em Copacabana ou Salvador fica "babado" não?". Já Larry Gelbart, roteirista norte-americano, ironiza, "o Brasil é um clichê por um ótimo motivo, e vou lhe dizer qual: produz mais pessoas bonitas que qualquer outro país. São clichês e, se vocês querem ser tratados mais seriamente, deviam dançar menos e ficar mais feios. Aí todo mundo vai tratá-los mais seriamente. Afinal, não dançamos assim e somos muito feios no meu país, e todos nos tratam muito seriamente". Se os realizadores de filmes, sobre, ou no Brasil, pensam dessa forma, a repercussão junto aos espectadores, só faz alimentar idéias estereotipadas sobre o país e sua gente. É o que podemos verificar nas opiniões expressas pelo povo entrevistado nas ruas: "Sexo? Dançarinas brasileiras". "Mulheres com bunda grande". "Todas as mulheres, lindas!" "O que dizem das brasileiras? Quero muito acreditar". "Eles gostam muito de bunda". Essas considerações refletem que, talvez, quando o ator Michael Caine afirma que "a maioria dos clichês é verdadeira, do contrário não seria clichê, são coisas continuamente repetidas", parece ser compartilhada por muitas pessoas. Nesse sentido, fica difícil discordar de Gérard Lauzier quando ele diz: "Não sou responsável por ter essa imagem do Brasil, não sou culpado. Eu sou responsável mas não sou culpado (...)", afinal, "muito da nossa educação, não procuramos, mas sim somos influenciados pelas mensagens cinemáticas dos países" diz Larry Gelbart. Ao analisar a presença de mulheres como personagens em filmes cinematográficos é possível perceber que, de modo geral, suas aparições servem para validar códigos culturais androcêntricos, sendo que, apenas na minoria das produções, elas são apresentadas com intuito de subverter a ordem vigente, propondo novas perspectivas. Como Ann Kaplan pontua, (...) o modo pelo qual a mulher é imaginada nos dramas convencionais de Hollywood emerge do inconsciente patriarcal masculino. São medos e fantasias do homem sobre a mulher que achamos nos filmes, não perspectivas e inquietações femininas. Argumento também como o melodrama hollywoodiano pode (veja meu livro Motherhood and Representation - Maternidade e Representação, de 1992), em algumas de suas formas, expressar os sofrimentos, conflitos e opressões femininas em função do patriarcalismo, mas que ainda em sua grande maioria os gêneros de Hollywood ainda focalizam o que concerne aos homens, desejos e fantasias masculinos.8 8 KAPLAN, Ann. A mulher no cinema segundo Ann Kaplan - entrevista a Denise Lopes. Revista Contracampo, vol 7, n. 0, Rio de Janeiro: UFF, 2002, p. 212.
  • 7. Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010 7 Assim, entendemos que somente através de uma crítica feminista articulada seja possível um maior engajamento para mudanças na apresentação feminina no cinema. Embora tenhamos consciência que as relações que permeiam tais construções são mais profundas que suas representações, sabemos que a linguagem ocupa um locus privilegiado nas relações sociais contemporâneas, podendo favorecer a manutenção de discursos hegemônicos, como esse que se perpetua reificando as brasileiras. No entanto, a inter-relação entre construções sociais de gênero e cinema parece ser uma via de mão dupla, já que, no caso específico dos filmes de ficção comerciais aqui tratados, além das questões de linguagem, que influenciam os receptores, há ainda os aspectos econômicos das produções, que reproduzem os discursos dominantes. O interesse em mostrar apenas clichês é tão claro, que Lúcia Murat traz exemplos de dois filmes que não foram lançados, e outro que foi distribuído somente após uma contenda na justiça entre o diretor e os estúdios, justamente porque procuravam mostrar outras facetas do país, que não essa que se utiliza quase que exclusivamente do imaginário sobre as nativas. Desse modo, além da crítica cinematográfica feminista, é importante, como pondera Lúcia Murat, continuarmos nos inserindo no mercado internacional, a fim de mostrarmos nossa identidade. Pois, mudanças nas práticas sociais podem, e devem, ter como um de seus alicerces as produções culturais, já que essas têm grande inserção na sociedade contemporânea. Porém, devemos ter consciência que as mudanças são extremamente lentas, visto que mesmo com as facilidades tecnológicas atuais, que facilitam a circulação de informações, a imagem dominante ainda é a do "Brasil paraíso". Bibliografia KAPLAN, Ann. A mulher no cinema segundo Ann Kaplan - entrevista a Denise Lopes. Revista Contracampo, vol 7, n. 0, 2002, UFF. ADELMAN, Miriam. Vozes, olhares e o gênero do cinema. In: FUNK, Susana; WIDHOLZER, Nara (orgs). Gênero em discursos na mídia. Florianópolis: Ed. Mulheres e EDUNISC, 2005. OLHAR ESTRANGEIRO. Produção de Luís Vidal e Paola Abou-Ajoude. Argumento e direção de Lúcia Murat. Rio de Janeiro: Europa Filmes, 2008, (70min.). DVD, NTSC, color. Port. Legendado.