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Nadja do Couto Vale
Reflexões à Luz do Espiritismo
2a Edição, revista
2010
ICEB Edições
Todos os direitos de reprodução, cópia, comunicação ao público e exploração
econômica desta obra estão reservados única e exclusivamente para o Instituto de
Cultura
Espírita do Brasil - ICEB. Proibida a reprodução parcial ou total da mesma,
através de qualquer forma, meio ou processo eletrônico, digital, fotocópia,
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internet, cd -rom, sem a prévia e expressa autorização da Editora, nos termos da
lei 9610/98 que regulamenta os direitos de autor e conexos.
A todos os Amigos que, ao longo dos anos, em ambos os planos da vida, me
ajudaram, me ajudam e ainda me ajudarão a chegar ao Grande Destino de
Luz,
A meu pai, Nildston do Couto Valle, in memoriam,
A minha mãe, Nadir Guimarães Valle,
meus amantíssimos Educadores, pela inestimável bênção de ser filha,
A Fabiola e Isabella do Valle Zonno, modelos de amigas e sobrinhas,
A Fabiola do Valle Zonno, pelo projeto da capa, que inclui pintura de sua
autoria,
Ao Instituto de Cultura Espírita do Brasil, Casa de Deolindo Amorim,
pela oportunidade do convívio fecundo nessa Atenas do Conhecimento à Luz
do Espiritismo,
A César Reis, Mana Amélia Serrano e Ronaldo Serrano, que conduzem no
plano material o nosso ICEB,
A Fátima Moura, pelo carinho e companheirismo na digitalização das alterações
para esta edição,
Por tudo, e sempre, minha gratidão profunda.
Sumário
Prefácio. .09
Introdução 11
Capítulo 1 - Um Olhar sobre Kardec 13
Capítulo 2 - O Espírito como Realidade: do Mítico ao Científico .21
Capítulo 3 - Entendei-vos quanto às Palavras 59
Capítulo 4 - Liberdade e (In)Tolerância Religiosa 77
Capítulo 5-Perdidos no Tempo e no Espaço? 91
Capítulo 6 - Mediunidade e a Ética do Dar 103
Capítulo 7 - Da Satisfação das Necessidades à Felicidade. .111
Capítulo 8 - Religião, Multiculturalismo e Simbiosofia 123
Capítulo 9-Do Homem Velho ao Homem Novo 151
Capítulo 10 - Sinais dos Tempos e o Novo Religare 167
PREFÁCIO
Nós, espíritas, somos econômicos em elogios. No entanto, é difícil conter o
entusiasmo ao ler este livro. Ele é, ao mesmo tempo, preciso e instigante, denso
e
leve, claro e sutil, esperançoso e crítico, profundo e simples. É um livro que
desconstrói e constrói, acenae orienta, ancora e é leme, com realismo e
otimismo.
Que nos perdoe nossa querida amiga e irmã Nadja, em sua modéstia e humildade,
mas o ICEB saúda o Reflexões à Luz do Espiritismo como uma fusão de bons
momentos dignos
de Herculano Pires, Hermínio Miranda, Jorge Andréa e Carlos Pastorino. Quando
terminamos a leitura, fica óbvio que o Espiritismo é uma ciência que é uma
filosofia
é uma religião.
A Casa de Deolindo Amorim está feliz com este lançamento de sua expositora que
fala como pensa e escreve tão bem quanto fala, e reafirma o encontro de sua
mente
poderosa com o seu coração magnânimo. Este livro é uma celebração. Refletir com
ele é um privilégio.
Nosso respeito e nossa gratidão a Nadja do Couto Valle.
César Soares dos Reis
Diretor Presidente do ICEB - Instituto de Cultura Espiritado Brasil
INTRODUÇÃO
Esta pequena coletânea de textos espelha alguns recortes da realidade que o
mundo atual enfrenta, quando são chegados os tempos, tal como anunciou Jesus.
A perplexidade humana é imensa, perante os cataclismos físicos, sociais e morais
com que se defronta a Humanidade e diante das incessantes inovações com que a
tecnologia
avança, prenunciando um mundo que se renova praticamente a cada ano.
À luz do Espiritismo, todas as situações e manifestações do homem na Terra
encontram a explicação justa e clara no pano de fundo das claridades espirituais
da Doutrina
codificada pelo iluminado Allan Kardec Como estudante do Espiritismo, buscamos
modestamente trazer essa luz por sobre alguns dos temas da atualidade, e
partilhar
essas reflexões singelas com nossos companheiros de ideal espírita, com os
simpatizantes da Doutrina Espírita, bem como com todos que se interessam pelo
descortino
de explicações para os movimentos da vida em suas várias instâncias.
Três dos artigos que aqui reunimos foram publicados em Reformador', Órgão da
Federação Espírita Brasileira, com a
11
única alteração de separação por tópicos apenas para manter uma certa
uniformização na apresentação formal dos textos. Outros resultam de participação
em Congressos
nacionais e internacionais, e outros ainda atendem à solicitação do ICEB de
registrarmos algumas idéias que desenvolvemos em palestras na Casa de Deolindo
Amorim.
Sobre o conteúdo deste pequeno volume não repousa qualquer mérito senão o de
buscar divulgar, ainda que palidamente, a riqueza da contribuição do Espiritismo
para
a análise dos quadros da vida e das conquistas do pensamento, gerando esperanças
e estímulos para esforços mais avançados.
Reconhecendo que nos faltam os valores espirituais e culturais necessários à
tarefa em sua expressão mais alta, rogamos aos companheiros que nos honrarem com
a leitura
destas páginas, que as aceitem como preito de fraternidade e de alegria na
comunhão em torno dos valores eternos do Espírito, pelo que nosso pequenino
coração agradece
e roga a Deus e a Jesus as bênçãos abundantes da Paz, do Amor e da Luz por sobre
todos.
Assim seja.
12
Capítulo 1
UM OLHAR SOBRE KARDEC
I. Todo mês e todo dia celebramos Kardec quando estudamos a Doutrina Espírita,
quando alargamos o descortino das compreensões mais dilatadas sobre os "comos" e
os
"porquês", os motivos e consequências da vida e da morte, suas leis e fatos,
forças e fenômenos, bem como os da natureza e dos sentimentos humanos; sobre o
reconhecimento
da Paternidade Divina e da comunhão universal de todos os seres; sobre a
mediunidade. E quando praticamos a mediunidade - celebramos Kardec!
E o fazemos do modo como certamente mais agrada ao mestre de Lyon, sem alardes
nem fanfarras, com disciplina e rigor metodológico, sinceridade de propósitos e
desejo
de servir e progredir, boa vontade e o cuidado de preservar a impessoalidade e a
pureza doutrinária do Espiritismo.
II. A Tarefa
No entanto, devido ao zelo na busca dessa preservação, frequentemente Kardec é
referido como sendo "apenas" o Codificador, "só" o Codificador. Mas um breve
momento
de reflexão nos informa que codificar é colocar sob um código, dispor, arrumar,
grupar ideias afins; formatar, disciplinar ideias e procedimentos visando
constituir
um corpus teórico com a necessária garantia de coerência interna e externa. Isto
será pouco?
13
A extensão e a natureza do material a ser codificado podem apresentar desafios
adicionais à tarefa. No caso de Kardec, o material chegou-lhe de várias
localidades
do planeta, em muitos cadernos com apontamentos mediúnicos. Diante desse
desafio, sua habilidade no trato de seis sistemas linguísticos, e também a sua
capacidade
de organização lógica do pensamento e de identificar a essência de cada
comunicação e de cada assunto, certamente muito o ajudaram a grupar aqueles
apontamentos
em grandes blocos de ideias e princípios.
Valeram-lhe também, por certo, sua formação erudita e vasta cultura geral, seu
bem desenvolvido raciocínio filosófico (que é diferente de conhecer informações
sobre
história da filosofia) e a capacidade inegável, encontrada em sua mais alta
expressão entre os grandes professores como ele: a de perguntar. Mas de
perguntar? Sim,
a de perguntar. Muitas vezes, em Ciência e principalmente em Filosofia, isto é
particularmente verdadeiro: mais vale uma boa pergunta do que uma boa resposta.
Ê
por isto que podemos ter a segurança inabalável de poder dizer que todas as
nossas perguntas estão respondidas pelo Espiritismo. Porque Kardec foi capaz de
fazer
as perguntas certas, que esgotam todos os assuntos, que antecipam todas as
conquistas nos vários campos do conhecimento e atuação do homem, que atendem à
saudável
curiosidade daquele que, em qualquer idade cronológica ou espiritual, quer
aprender, esgotando os assuntos em suas nuanças e emprestando ao cotidiano
humano na Terra
a importância da grandeza das Leis Divinas, alçando-o, portanto, ao nível das
importâncias transcendentais.
E, além disso, Kardec aliou a esse tipo superior de pergunta, que
necessariamente não tem que vir sob forma
14
interrogativa, a precisão da organização lógico-dedutiva, sequência e dosagem no
trato do conteúdo que tinha em mãos. Isto tudo sem violentar o próprio universo
de cada área do conhecimento humano e preservando a clareza didática
imprescindível a qualquer educador ou obra que pretenda ensinar.
Tudo isto certamente não é pouco e já o torna o grande Codificador.
III. O Método
Mas há ainda uma outra característica extraordinária do grande Mestre de Lyon: o
Método. Buscando analisá-lo, precisamos considerar o clima da segunda metade do
século XIX, em que se respiravam grandes inovações nos vários campos do
conhecimento humano: Biologia, Física, com destaque para a área da energia,
Química, Astronomia,
Matemática, Estatística, etc.
IV. Angulações na Abordagem ao Conhecimento
Por falar em conhecimento, há que se lembrar a discussão, pela Filosofia, sobre
a origem, a natureza e a extensão do conhecimento ou das possibilidades de
conhecimento.
4.1A origem do conhecimento está nos sentidos, na experiência, segundo o
Empirismo, ou na razão, para o Racionalismo, enquanto que o Criticismo de Kant,
para o qual
convergem as duas vertentes anteriores, assume uma posição relativista quanto ao
conhecimento: aceita o valor e a infalibilidade do conhecimento humano dentro
dos
limites da experiência, mas considera-o inadequado para transcender esses
limites, que são o domínio da razão prática, com os imperativos categóricos a
fundamentar
esse campo que é o da moral.
15
4.2 A natureza do conhecimento é definida pelo tipo de relação que se pode
estabelecer com o que se quer conhecer, como exemplificam as chamadas ciências
humanas
e ciências físicas.
4.3 Aextensão do conhecimento diz respeito à possibilidade de podermos atingir o
absoluto e a natureza íntima das coisas, inclusive Deus e a alma, como estatui o
chamado dogmatismo de Platão e Hegel; ou se nosso conhecimento nos limita ao
mundo dos fenômenos, como postulam o agnosticismo e o positivismo de Kant e
Comte, não
nos autorizando, portanto, a nos pronunciarmos sobre os problemas fundamentais
da natureza da matéria, da essência e da imortalidade da alma humana, e da
existência
de Deus.
Mas, na esteira do tempo, desgastaram-se a vertente do Empirismo de John Locke,
datado do século XVII, que postula que todo conhecimento provém dos sentidos, na
linha aristotélica, e que possibilitou o Positivismo de Comte, e a vertente do
Racionalismo, com destaque para Descartes, que postula que todo conhecimento
provém
da razão. Esgotadas as possibilidades investigatórias das duas correntes, de uma
certa forma estavam paralisadas a Filosofia e a Ciência na Terra, até que o
pensamento
de Kant veio resolver a questão, conciliando criativamente esses dois caminhos.
Quanto à natureza do conhecimento, importa considerar uma espécie de
"personalidade" de cada área de investigação, mas, no caso do século XIX, as
chamadas ciências
humanas foram desenvolvidas, de um modo geral, sob a ótica da psicologia social
de Auguste Comte, que propunha o desenvolvimento delas regido pelo vezo ou
angulação
das ciências físicas, aplicando as leis destas àquelas, observados os
experimentos de laboratório e de mensuração precisa.
16
Quanto à extensão do conhecimento, no universo intelectual dominado pelo
Empirismo e pelo Positivismo, o limite era o da constatação no laboratório,
ficando, portanto,
fora de suas cogitações o que não pudesse ser susceptível de análise pelos
equipamentos e procedimentos laboratoriais. Nesse âmbito do incognoscível
estariam a existência
e a natureza de Deus, a natureza e a imortalidade da alma e a natureza da
matéria. Não é a esfera do ateísmo, que nega Deus, mas a do agnosticismo, que
admite sua
impossibilidade de penetrar o conhecimento de tais coisas, cuja natureza é
diversa da de seus objetos de conhecimento do mundo físico. Contrapõe-se ao
dogmatismo,
com destaque para Platão, que postula que é possível conhecer a essência das
coisas, inclusive Deus e a alma.
Todo o ambiente no qual Kardec estava mergulhado era de cunho, influência e
domínio positivista, tendo sido ele próprio formado nesse ambiente que lhe
forjara o
rigor científico; mas este, na intimidade do Prof. Rivail, foi conciliado com as
inspirações humanas do universo educacional de Pestalozzi.
V. O Desafio e a Solução
Kardec está diante de um grande dilema. Os fenômenos de mediunidade ostensiva,
como os raps, mesas girantes e cestas falantes, do ponto de vista de sua origem,
inscrevemse
no universo de investigação do Empirismo e do Positivismo. Mas sua natureza e
extensão inscrevem-nos nas ciências do campo humano, do ponto de vista dos
médiuns
e, simultaneamente, na esfera do incognoscível - o campo do Espírito, portanto,
transcendental.
O Prof. Rivail resolveu competente e consistentemente a questão, para cuja
solução foram indispensáveis a inquestionável
17
ousadia intelectual, a coragem da abordagem dialética, o inquebrantável caráter
conciliador, a inabalável confiança na proposta de trabalho e no poder da razão
-
inaugurando o - apenas aparente - paradoxo da metodologia do que poderíamos
chamar de "positivismo transcendental" ou "positivismo metafísico", de que é
exemplo
máximo O Livro dos Médiuns.
Com isto, o Prof. Rivail resolveu também as questões historicamente exclusivas
da esfera da fé, integrantes de correntes teológicas desgastadas e que não mais
se
sustentavam - e assim estatuiu intelectualmente a fé raciocinada. Ou seja,
codificou na linguagem intelectual da filosofia e da ciência o recado espiritual
de conciliação,
de que tudo está em tudo. Pôs o constructo teórico do Empirismo e do Positivismo
a serviço da metafísica, conciliando o que era tido como inconciliável. Uma
tarefa
de gigante.
Por isso não é de se estranhar que a formatação, a estrutura e o arcabouço
formal da Codificação da Doutrina Espírita sejam positivistas com sua sequência
lógico-objetiva,
perguntas encadeadas, esquemas, classificações, hierarquizações, exemplificação
e correlação com a chamada realidade objetiva - enquanto que seu conteúdo é
predominantemente
de natureza transcendental, metafísica, como a existência de Deus e do Espírito,
a imortalidade da alma, e a comunicabilidade entre os planos da vida.
Mas a coragem intelectual do Prof. Rivail/Kardec não para aí. Ele mobilizou os
vastos recursos que como Espírito armazenou ao longo de encarnações, que ele
certamente
aproveitou como verdadeiras jóias, para ser também uma espécie de profeta,
codificando as antecipações veladas ou
18
não que os Orientadores Espirituais da Humanidade nos traziam. Em suas Notas
preciosas, que ele acrescentou valorosamente às instruções desses Benfeitores
Espirituais,
Kardec sustentou, com linhas argumentativas de natureza filosófica e científica,
todas as predições que o Espiritismo oferecia aos homens e que a ciência nada
mais
tem feito senão corroborar, confirmar.
Deste ponto de vista, o Prof. RivailKardec torna-se o profeta ou co-profeta na
antecipação das conquistas que hoje se vão estruturando, corporificando diante
de
nós, nos vários campos de atuação da humanidade.
Outros aspectos grandiosos da marca inconfundível do processo de Codificação da
Doutrina Espírita podem também, e ainda, ser levantados e alinhados. Mas o que
aqui
dissemos não basta para que ele se erga como O Codificador, esteio encarnado
para a consubstanciação da promessa de Jesus à Humanidade?
19
Capítulo 2
O ESPÍRITO COMO REALIDADE: DO MÍTICO AO CIENTÍFICO
I. Desde tempos recuados, registros indiciam a crença em um retorno, e revelam
uma intuição da realidade metafísica como uma espécie de nostalgia do infinito,
tornada
manifesta na cosmovisão dos povos primitivos, de índios em toda parte, egípcios,
hindus, gregos, essênios, dentre outros.
Tais registros dão conta do Espírito como algo que transcende a chamada
realidade objetiva, vale dizer, o corpo físico, a morte. Assim o conceito de
imortalidade
faz-se presente na cosmovisão de todos os povos, revelando uma coisa em comum,
uma essência, um quid, ou essa realidade suprafísica e independente que
transcende
a personalidade no mundo material.
II. A intuição da imortalidade
Os homens da época pré-histórica, chamada megalítica, sepultavam os mortos
colocando-lhes nos túmulos armas e adornos, o que induz à conclusão de que tais
populações
primitivas tinham a intuição de uma existência segunda, sucessiva à terrena,
patenteando, portanto, a intuição da imortalidade, ou da realidade espiritual,
ou seja,
a de que o
21
homem não morre de todo. Em toda parte, inclusive nas Américas, e
particularmente no Brasil, os índios enterram seus mortos observando certas
condições que levam
à mesma conclusão.
Ao longo dos tempos, e mesmo nos dias atuais, as tribos mais selvagens crêem em
uma certa imortalidade do ser pensante, como é o caso de comunidades mencionadas
no século XIX por Ferdinando Denis, em seu Universo pitoresco, como as tribos da
Oceania, da América e da África, e ainda outras tantas citadas por Taplin, em
seu
Folklore manners ofAustralian aborígenes. Narrativas de viajantes através dos
tempos têm atestado a sobrevivência da alma como crença de tribos primitivas.
III. A consciência mítica
Que faz com que todas as criaturas, em todas as latitudes e em todos os tempos,
tenham revelado essa intuição de algo sobrevivente após a morte? Se a
consciência
filosófica tiver humildade para reconhecer a possibilidade de se estabelecer uma
leitura, em continuidade, do progresso do pensamento humano, reconhecerá a
existência
de uma consciência mítica, e mais do que isso, reconhecerá que dela nasceu, e
dela se separou lentamente. Tal consciência não é desvalorizada de inteligência,
atestando,
antes, uma posição permanente do pensamento humano em geral. Essa consciência
arcaica primitiva corresponde, na verdade, a um primeiro estabelecimento do
homem na
Terra.
Essa proposta, de Georges Gusdorf, em Mito e metafísica, em nada faz eco à de
Auguste Comte sobre a lei dos três estados, segundo a qual a humanidade
evoluiria de
22
maneira contínua da idade teológica - em que recorreria a seres transcendentes e
divinos para explicar os fenômenos da experiência - à idade metafísica, em que
recorre
a entidades racionais, abstratas, até alçar-se à idade positiva, caracterizada
pela subordinação da imaginação e da argumentação à observação, na qual se
pretende
entender os fatos unicamente em sua realidade empírica, e em suas relações
científicas.
Na verdade, nem Comte pode negar, e não chegou a negar mesmo, os registros de
tribos primitivas, indicativos da intuição da sobrevivência do Espírito ao corpo
físico,
que dizem respeito ao tempo dos mitos, pré-história da filosofia, em que reinam
absolutos, sem concorrência com o chamado pensamento racional.
O primitivo tem uma leitura única, indissociada, das imagens do mundo: ele lê a
imagem "real", "objetiva", junto com a "mítica". Assim, o mito é a estrutura do
conhecimento
que o homem adquire de si mesmo e de seu entorno: na verdade o seu primeiro
conhecimento. Desse modo, conclui Gusdorf, a consciência humana afirma-se, desde
sua
origem, como estrutura do universo.
IV. O mito
De Rousseau e Diderot a D. H. Lawrence e Melville, o "bom selvagem" sonha com
uma espécie de retorno ao seio maternal do universo, numa espécie de nostalgia
de uma
integridade perdida, guardada pelo mito, e que traz em seu bojo o que Gusdorf
chama de "intenção restitutiva". O mito tem então a função de retorno à ordem,
de (re)integração,
23
Religião, o que está presente no mito pode ser expressão do sentido e vivido em
condição pré-natal, como postulam Sócrates e Platão e, portanto, essa
inteligibilidade
e formulação podem muito bem emergir na vida material como narrativa pós-natal,
para dar roupagem à nostalgia de infinito e à integridade perdida, entrevistas
nas
estruturas míticas, que têm validez permanente, não histórica, mas ontológica.
A ontologia primitiva apresenta, pois, uma estrutura platônica, pois o mito é um
fato que se deve repetir, segundo a observação de Van der Leeuw, que está em
consonância
com o princípio da metafísica primitiva, tal como formulado por Mircea Eliade,
no sentido de que um objeto ou um ato tornase real na medida em que ele imita ou
repete
um arquétipo. A idéia de repetição, enunciada por Eliade como "eterno retorno",
não implica, como a expressão e o conceito gregos evocam, a ideia de tempo,
porque
o pensamento primitivo não tem consciência do tempo. O mito não perde sua
modalidade existencial justamente porque se passa fora do tempo, ou seja, em um
tempo transtemporal,
ou na extensão total do tempo.
Na última fase do pensamento de Schelling, caracterizada pela integração do
problema do pensamento religioso em sua filosofia, a mitologia é considerada um
sistema
simbólico de ideias, com sua própria estrutura apriorística, que, desvendada,
revelaria como os mitos constituem formas de expressão da volta ao absoluto
divino.
Para Schelling, a mitologia precede a revelação de um Deus único, o que pode
reforçar a ideia de que o homem primitivo efetivamente intuía, ou "conhecia" a
realidade
26
da instância espiritual que lhe constituía o ser, pois Schelling é crítico
decisivo da tese alegorista dos mitos, por esta não levar em conta a
anterioridade do
elemento
divino da mitologia, que não é alegórica, mas tautegórica. Para ela, os deuses
são seres que existem realmente, que não são nem significam uma outra coisa, mas
significam
somente aquilo que eles são. Para o filósofo, o essencial do mito é o seu
sentido direto, pois as representações mitológicas não foram nem inventadas, nem
livremente
aceitas, e, como produtos de um processo independente do pensamento e da
vontade, elas eram, para a consciência que lhes fazia o registro, de uma
realidade incontestável
e irrefutável. E no que diz respeito à realidade imortal do Espírito, a ideia
encontra-se no seio de todos os povos.
V. Ritos e crença no Espírito imortal
Mesmo em civilizações consideradas adiantadas em tempos mais recuados, como as
do Egito, China e índia, ou principalmente nessas, encontram-se registros e
ritos
indicativos da crença na realidade do Espírito imortal. Mas a despeito de
avançadas, a rigor, tecnicamente, não tinham entrado na história. Como observa
Gusdorf,
a história, dimensão antropológica, corresponde a uma nova tomada de consciência
da experiência da qual a escrita, assim como a cronologia, não são um sinal
suficiente.
Segundo ele, até quase nossos dias, a China e a índia, que há tanto tempo
conheciam a escrita, não haviam entrado na história no sentido antropológico do
termo.
É necessário mais do que a invenção de uma ou outra técnica particular, a
escrita ou a cronologia, para passar de uma consciência ontológica para uma
consciência
de estrutura histórica: e esta tem-se revelado, em essência, a
27
dificuldade de se afirmar a crença no Espírito imortal.
Talvez em nenhum povo o sentimento da sobrevivência tenha sido tão vivo quanto
entre os chineses, em cujo seio pulsa o culto aos Espíritos desde a mais remota
antiguidade.
Prestavam honras e cultos aos Espíritos e às almas dos antepassados, crenças
respeitadas por Confúcio, que certo dia admirou máximas escritas um e meio
milênio antes,
sobre uma estátua de ouro, no Templo da Luz, sendo uma delas a seguinte, citada
por Gabriel Delanne: "Falando ou agindo, não penses, embora te aches só, que não
és visto, nem ouvido: os Espíritos são testemunhas de tudo."3 No Celeste Império
dos chineses antigos, os céus são povoados, como a Terra, não somente pelos
gênios,
mas também pelas almas dos homens que viveram no mundo material.
Na vetusta índia, os textos mais antigos de que se dispõe, os hinos do Rigveda,
atestam, três e meio milênios atrás, que os homens que viviam no Sapta Sindhu,
ou
país dos sete rios, tinham intuições claras sobre o além da morte. E depois de
muitos séculos, os sacerdotes, com base provavelmente em visões em sonho, e em
aparições
naturais, codificaram a vida futura, sendo o céu védico a morada definitiva dos
deuses imortais, a sede da luz eterna, a mansão de constante alegria, a origem e
base de tudo o que é, morada divina habitável pelo ser humano.
Na antiga Pérsia, atual Irã, a doutrina do grande legislador Zoroastro concebe
emanações abaixo do Ser Incriado, gênios celestes, e também uma série de
Espíritos,
de "gênios",
28
de ferúers, pelos quais o homem pode crer que tem em si algo de divino, cuja
função seria insuflar o pensamento do bem no cérebro do homem e vigiar, guardar
essa
criatura amada do deus. Assim, a Zoroastro pode ser atribuída a paternidade da
concepção do que hoje se chama o "eu" superior, a consciência subliminal, e da
teoria
dos anjos guardiães.
Já no Egito, nada conseguiu destruir ou abalar a fé em uma segunda vida do
homem, ideia que atravessou, intacta e imutável, os tempos e as civilizações
egípcias,
sendo que a mais antiga crença data de cinco milênios a.C, e considera a morte
como uma simples suspensão da vida física. Por isso a presença de tantos ritos
pela
ocasião da morte.
É sabido de há muito que o mito se distingue do simples relato ou da lenda pelo
fato de estar ligado a uma ação religiosa, a um rito, que fundamentalmente é o
mito
em curso. Gestos, palavras, comportamentos rituais não são, portanto, meros
automatismos da fé, mas enquanto instrumentos do rito visam, em si mesmos,
suscitar o
mito.
A própria ação ritual realiza, pois, no imediato, uma transcendência vivida,
facultando ao indivíduo, em seu cotidiano dessacralizado, o acesso a uma
sobrerrealidade
que transfigura tanto a ele mesmo quanto ao quadro de sua vida. Assim, o rito
passa a ter o sentido de uma ação essencial e primordial, pela referência que
institui
do profano ao sagrado.
VI. O sentido do sagrado
No entanto, diante desse desmembramento, ou ruptura, a consciência mítica
realiza incessantemente a unidade.
29
Desse modo, como observa Gusdorf, o sagrado seria uma reserva de significação,
em vez de ser um conteúdo puro ou uma forma pura, e desse ponto de vista é a
matriz de possíveis sentidos do universo. Ele assinala ainda que o sentido do
sagrado aparece, assim, na origem mesma da metafísica.
Os egípcios, ritualizando a transcendência da morte, ao promoverem, para seus
mortos, a travessia do rio com todos os pertences e elementos que lhes atendiam
as
necessidades durante a vida material, evidenciam que o sentido do sagrado acaba
perpetuando, em sua afirmação religiosa ou parareligiosa, o anseio de satisfação
plena de todos os valores humanos. E revelam ainda o sentido de unidade que a
consciência mítica realiza incessantemente, tendo instituído o rio, como
linguagem,
na função de hífen entre os dois mundos, material e espiritual, ou entre os dois
planos da vida.
As cerimônias fúnebres realçam o fato de que o mundo mítico é imortal, o que
justifica os objetos guardados, ou remetidos, junto com os mortos. A arte entra
então,
ainda que na condição de elemento de ordem material, como instrumento
ilustrativo da imortalidade, atendendo à urgência de formas imperecíveis. Assim,
a arte, bem
como certos rituais de enviar tudo com o cadáver, evidenciam enfrentamento da
experiência da morte, assegurando o triunfo do princípio ontológico da
conservação
ou da imortalidade.
As cerimônias fúnebres informam ainda que, por trás das barreiras do sagrado,
abriga-se o mundo dos mitos, dos espíritos, dos poderes e das onipotências
metafísicas,
30
e objetos de crença. É igualmente no sagrado, para os fins do rito, que se
inscrevem o tempo sagrado e o espaço sagrado.
O mito, em sendo, ou exatamente por ser, objeto de fé, move-se em um tempo
original, simultaneamente eterno e atual, ou seja, assume a feição temporal-
transtemporal.
O simbolismo do mito faz o homem triunfar da morte.
Já o espaço mítico opõe-se ao espaço vazio e formal dentro do qual se situam
nosso pensamento e nossa atividade, no qual colocamos coisas, objetos, pessoas.
O espaço
do primitivo não é apenas um continente de coisas, mas um lugar absoluto, não
exclusivamente racional, funcional. É também o espaço dos espíritos na vida
futura,
de certa forma antecipando, guardadas as proporções, a Platão.
Em sua La mentalité primitive, Lévy-Brühl, citado por Gusdorf4, assinala que "as
regiões do espaço não são concebidas, nem propriamente representadas, mas antes
sentidas em conjuntos complexos, onde cada uma delas é inseparável daquilo que
ocupa. A participação entre o grupo social e a região, que é a sua, não se
estende
somente ao solo e à caça que nele vive: todos os poderes místicos, espíritos,
forças mais ou menos claramente imaginadas que nela se situam, têm a mesma
relação
íntima com o grupo."
VII. O Espírito como realidade
Os egípcios acreditavam que, depois da imobilidade cadavérica, o corpo retomava
o "sopro" e ia habitar muito longe, a oeste deste mundo. Mas antes mesmo das
primeiras
31
dinastias, passou a vigorar a ideia de que apenas uma parte do homem ia viver
uma segunda vida, em um corpo diferente, ainda que proveniente do primeiro,
porém mais
leve, menos material, que eles chamavam de ka, o duplo, ao qual se prestava o
culto dos mortos entre 5004 e 3064 a.C Ao longo do tempo, a imortalidade do
corpo foi
substituída pela imortalidade do Espírito, com a noção de que o corpo e seu
duplo permaneciam para sempre no túmulo, enquanto que a almainteligência,
servindo de
"corpo" ou invólucro à essência luminosa (ba ou baí) - que compunha a pessoa
humana, junto com o corpo físico, com o ka, e com a substância inteligente ou
khou -
ia viver com os deuses a segunda vida.
Essa idéia do ka é encontrada também no pensamento hindu, segundo o qual, depois
da morte, a alma é revestida de um novo corpo, luminosa névoa resplandecente, de
forma brilhante, que é transportada à morada divina. Delanne lembra a citação
que G Pauthier faz de Confúcio, a esse propósito: "Como são vastas e profundas
as faculdades
dos KoüciChin (Espíritos diversos)! A gente procura percebê-los e não os vê;
procura ouvi-los e não os ouve. Identificados com a substância dos seres, não
podem
ser dela separados. Estão por toda parte, acima de nós, à nossa esquerda, à
nossa direita; cercam-nos de todos os lados. Entretanto, por mais sutis e
imperceptíveis
que sejam, eles se manifestam pelas formas corpóreas dos seres; sendo real,
verdadeira, a essência deles não pode deixar de manifestar-se sob uma forma
qualquer."5
O corpo fluídico do Princípio pensante, Nephesh para
32
os cabalistas, ou intérpretes do esoterismo judeu, só foi incorporado ao
pensamento dos hebreus, na Judeia, ao tempo de Moisés, ao contato daquele povo
com o cativeiro
de Babilônia, que então assimilou, de seus vencedores, a ideia da imortalidade e
a da verdadeira composição do homem.
Não é de se estranhar que em Homero seja frequente os moribundos profetizarem, e
a alma de Pátroclo visitar Aquiles em sua tenda, porque também os gregos, desde
a mais alta antiguidade, estiveram de posse da verdade sobre o mundo espiritual.
Para eles, a generalidade dos humanos era guiada por Espíritos comuns, e os
doutos
por Espíritos superiores. Thales ensinava, seis e meio séculos antes de nossa
era, que o Universo era povoado de demônios e de gênios, testemunhas secretas de
nossas
ações, mesmo dos nossos pensamentos, sendo também nossos guias espirituais.
Ideia circulante também na China. Epimênides, contemporâneo de Sólon, declarava-
se guiado
por Espíritos e frequentemente recebia inspirações divinas.
Sócrates, e principalmente Platão, povoaram de Espíritos a distância entre Deus
e o homem, considerando-os gênios tutelares dos povos e dos indivíduos, ao mesmo
tempo em que eram também inspiradores dos oráculos. Cada homem tem por guia um
demônio particular, ou Espírito familiar, e o próprio Sócrates tinha o seu
daimon
- palavra com que os gregos designavam os Espíritos - que constantemente lhe
falava e o guiava em todas as circunstâncias.
Para os gregos da época clássica, a alma preexiste ao corpo e chega ao mundo
dotada do conhecimento das ideias eternas, mas, quando da união com o corpo,
esse conhecimento
33
fica obnubilado e vai-se desvelando com o tempo, o trabalho, o uso da razão e
dos sentidos. Assim, aprender é recordar, e morrer é voltar ao ponto de partida
e tornar
ao estado primitivo: de felicidade para os bons, e de sofrimento para os maus.
Tal como os egípcios, também os gregos, para explicar a união do Espírito ao
corpo físico, conceberam a existência de uma substância mista, que chamaram de
ochema,
que lhe servia de envoltório, e que os oráculos, por sua vez, designavam por
veículo leve, corpo luminoso, carro sutil, e Hipócrates por enormon, ou corpo
fluídico.
Já Allan Kardec, no século XIX, cunhou a palavra perispírito para designá-lo,
usada pela primeira vez em O Livro dos Espíritos, em 1857. Quase toda a
antiguidade
mais ou menos admitiu essa doutrina, embora fossem vagos e incompletos os
conhecimentos de então sobre o corpo etéreo. À medida que a meditação em torno
do tema
prosseguiu, aumentando automaticamente a distância conceitual entre a alma e o
corpo, foram surgindo várias teorias que explicitavam a diferenciação entre as
duas
substâncias.
Assim surgiram as "almas mortais" de Platão, as "almas animais e vegetativas" de
Aristóteles, o ochema e o eidolon dos gregos, o nephesh dos hebreus, o baí dos
egípcios,
o "corpo espiritual" de São Paulo, os "espíritos animais" de Descartes, o
"mediador plástico" de Cudworth, o "organismo sutil" de Leibniz, ou a sua
"harmonia pré-estabelecida",
o "arqueu" de Van Helmont, o "corpo aromai" de Fourier, as "ideias-força" de
Fouillé, e muitas outras, permanecendo todas como constructos da razão, a que a
Doutrina
Espírita veio dar, no século XIX,
34
a demonstração pela via da ciência ou seja, da observação e da experiência.
VIII. Cosmovisão
A consciência mítica trabalha com a unidade e, no sentido da unidade, é
essencialmente consciência de unidade e, como tal, pode-se dizer que abrange os
dois planos
da vida, ou seja, a Vida é unidade. Tal postura torna-se manifesta inclusive na
constatação dos especialistas de que o primitivo não tem nenhuma representação
particular
da ideia de alma, enquanto distinta do corpo e da matéria em geral, ou seja, é-
lhe completamente estranha a dicotomia encontrada junto aos gregos, egípcios e
outros
povos que, ao conceberem essa distinção, revelam-se já em outro estágio.
Na verdade, a estrutura mental do primitivo não lhe permite beneficiar-se dessa
"ubiquidade", no sentido de transitar pelo tempo e pelo espaço através da
memória,
como meio de se "multiplicar" no mundo: ele não consegue estar presente
fisicamente em um lugar e transportar-se como Espírito, mentalmente apenas, para
um outro
lugar que requeira sua presença total.
Como bem observa Gusdorf: "O universo do moderno estende-se segundo as
indicações mais ou menos contraditórias de uma consciência que sabe pelo menos
alguns rudimentos
de história, de geografia, de astronomia, de biologia, de física. Já a
consciência mítica, de modo muito mais simples e sem nenhuma segunda intenção, é
consciência
do universo, clave humana
35
do real em sua integralidade. O mundo no seu conjunto a ela se entrega como o
Grande Espaço ontológico no qual confluem todos os lugares particulares,
justificação
e autorização de todos os espaços - o Grande Espaço do Mito, princípio de
orientação no ser, porque ele se afirma na medida exata da consciência em
expansão de sentido
e de valor." E ainda:
"Estar no mundo é estar no tempo. O tempo se nos dá como a procissão dos "agora"
entre os horizontes do passado e do futuro. A consciência temporal liga-se,
assim,
ao desenvolvimento da aventura humana cujo sentido, progressos ou fracassos,
pretende decifrar. (...) A reação bergsoniana contra o tempo espacializado pela
contaminação
do espírito científico, fator de homogeneidade e de inteligibilidade discursiva,
como também a paciente empresa da fenomenologia, oferecem-se a nós como um
retorno
"às próprias coisas", à experiência mais ingênua deformada pela influência de
maus hábitos seculares."6
Do tempo mítico, que é por natureza qualitativo, talvez se possa audaciosamente
dizer que é uma espécie de "rascunho" da durée de Bergson, afinizando-se com o
"sentimento"
de eternidade, o que inclui a imortalidade do Espírito. Para o poeta e filósofo
Novalis, a mitologia contém a história do mundo dos arquétipos e encerra o
passado,
o presente e o futuro.
Do ponto de vista da fenomenologia da percepção, o indivíduo atravessa
basicamente três estágios no mecanismo de captação da chamada realidade
objetiva. No primeiro
36
deles, há a apreensão gestáltica, ou de conjunto, em que o indivíduo percebe o
todo, o conjunto, sem lhe discernir os elementos constitutivos. Isto começa a
acontecer
no segundo estágio, em que se percebem grandes blocos desses elementos, sem
ainda identificar cada um deles. Este processo só vai completar-se no terceiro
estágio,
quando então o indivíduo é capaz de perceber, de per si, os elementos que
constituem o todo percebido.
Se tomarmos por base o raciocínio ou princípio de que a ontogênese repete a
filogênese, podemos dizer que a consciência mítica representa o primeiro
estágio, o que
não significa renúncia à razão, pois ela pode até encerrar um sentido de
alargamento e enriquecimento da razão, por poder ser entendida como o locus de
todas as
afirmações de transcendência, a expressão do homem integral, em sua constituição
físico-mento-espiritual. No fundo, só a permanência da consciência mítica
permite
reduzir à unidade as diversas formas de transcendência: teologia, ontologia,
doutrinas sociais - outras tantas formulações da exigência mítica.
Em sua condição de homem da plenitude, e da unidade, o homem mítico ou primitivo
não se percebe como parte integrante do conjunto, ele se percebe como conjunto.
Essa primeira consciência pessoal está presa na massa comunitária e nela
submergida e, embora dependente e relativa, ainda assim não é uma ausência de
consciência:
é uma consciência em situação, extrínseca. Como diz Gusdorf7,"pode-se dizer que
a personalidade não existe
37
entre os primitivos." No fundo, é como se o primitivo fosse constituído e
instituído na Grande Pessoa que seria o seu grupo.
IX. Da consciência mítica à consciência intelectual
Mas no curso incessante do desenvolvimento humano, ele passa então ao segundo
estágio, que requer a percepção de sua figura existencial descolada do todo que
percebia
assim: gestalticamente. É o momento de disjunção: a revolução socrática traz o
advento e a afirmação do "eu" para o pensamento primitivo e, com isso, a
legitimação
do espiritual. Ou a consciência intrínseca. A reflexão consagra o fim da
inocência mítica e a perda do lugar ontológico, garantido pelo mito.
O homem passa então da consciência mítica para a consciência intelectual, depois
de ter expelido os demônios, os espíritos e os deuses que povoaram o universo
mítico,
particularmente se for considerada como a idade do mito a da pré-história, que
escapa aos historiadores e que é trabalhada pelos métodos de exterioridade, como
os
da geologia, antropologia e paleontologia. Há simultaneamente dois
acontecimentos: o da universalidade e o da personalidade. Este último aparece no
momento decisivo
para a tradição filosófica do ocidente assinalada pela revolução socrática.
Em seus estudos sobre o universo mental primitivo, Lévy-Brühl indica que o
progresso deve realizar-se do coletivo para o conceitual. Atesta isso a
constatação de
que quanto mais se determinam os conceitos sobre os seres e objetos, e quanto
mais eles se fixam e ordenam em classes, tanto mais apresentam-se contraditórias
e
até absurdas certas pré-ligações
38
místicas. Por isso o pesquisador demonstra preocupação em opor a mentalidade
pré-lógica ao pensamento positivo. Isto equivale também a dizer que essa idade
nova consagra a passagem da comunidade à objetividade.
É sem dúvida com Sócrates que se extingue o reino das representações coletivas,
que se dão o encerramento da mentalidade primitiva e a ascensão do homem de
retorno
a si mesmo, ou antes, do partir de si mesmo. Mas a posição do filósofo não é
diretamente a de ser adversário das representações coletivas, mas acaba sendo-o,
por
ser o fundador da razão.
Inaugura-se então uma nova idade mental da humanidade, centrada na Razão
soberana, na qual a determinação dos conceitos, mediante a maiêutica, ou a
técnica dos diálogos
socráticos, faz o homem mergulhar na profundidade de si mesmo, instância de
determinação sobre o verdadeiro ou falso, o que implica em a dialética ser
interior ao
pensamento. O "conhece-te a ti mesmo" fundamenta o cogito como origem de uma
necessidade humana. Em Fédon, 67a, está dito por Platão que "somente por nós
mesmos
é que conheceremos a autenticidade de cada coisa".
Por isso Gusdorf assinala que, a partir de então, o homem torna-se o "artesão da
verdade", quando "a reflexão consagra o fim da inocência mítica."8 Daí em diante
a razão vai dar sentido às coisas e acontecimentos, constituindo-se esse olhar
racional uma nova chave de transcendência, que vai fazer eco até o século XIX,
no
qual podemos dizer que
39
conviveram vários espiritualismos, decorrentes de várias tradições, inclusive na
linhagem socrática, como Léon Brunschvicg, que citamos, dentre muitos outros, em
nosso "Materialismo e espiritualismo na filosofia: culminâncias e sínteses",
segundo o qual "o homem pode chegar à consciência intelectual, negando o egoísmo
e o
apego ao "eu" psicológico, para atingir a Deus, que não sendo realidade
transcendente, constitui-se realidade interior ao próprio homem."9
O homem primitivo, que era dado a si mesmo pelo lado de fora, pois a consciência
mítica vive da percepção socializada e dogmática, tem agora acesso ao sentido de
pessoa, com o advento do eu e, a partir de então, tem acesso à emancipação,
mediante a consciência refletida, ou consciência reflexiva, que desponta como
uma segunda
ontologia, afirmada como reclamação individual.
Esse eu que se apresenta como cogito socrático, depois como cartesiano, que
impõe o primado do eu reflexivo, conhecido antes de Deus e do mundo, passa
igualmente
pela crítica kantiana, que põe em destaque a estrutura do eu transcendental que
marcará o conjunto do conhecimento humano.
Em sua Philosophie der Symbolischen Formen, Cassirer, citado por Gusdorf10,
observa que "o eu, essência própria do homem, não se descobre senão pela via do
eu divino".
40
A consciência de si afirma-se como descoberta do corpo, como localização
territorial da autonomia pessoal, e o eu psicológico, antes visto como errante
ou difuso
por todas as partes longe do corpo, enfim vai fixar-se na percepção da posse do
corpo. Mas como o corpo é evidentemente individualizado, há, portanto uma
contrapartida
na personalização do pensamento e da vida, como promoção espiritual do eu. A
este novo cunho da ontologia corresponde uma noção de alma, como dimensão nova
da vida,
elaborada, no pensamento grego, em Platão, Aristóteles e nos estóicos,
reconhecendo assim, em cada indivíduo, um destino separado que se realiza
isoladamente.
A dualidade da natureza humana explicita-se com toda nitidez em Descartes e em
Kant, que têm a preocupação em reduzir as paixões e neutralizar o elemento menos
saudável,
instituído no pensamento humano pela existência do corpo. Pode-se dizer que o
progresso realiza-se com rigor crescente, como atesta a trajetória do pensamento
moderno,
de Descartes a Spinoza, Malebranche e Leibniz, e de Kant a Fichte e Hegel.
A inteligência secularizada suscita, pois, o conhecimento objetivo, abrindo
assim caminho para a construção progressiva das ciências, eis que o homem
moderno, tendo
perdido seu posto ontológico, e procurando-o sem cessar, vai inventar a
religião, a filosofia, a política, visando recuperar a segurança perdida.
Com Descartes, o racionalismo assumiu "seus traços característicos - o valor do
conhecimento, a racionalidade, a importância do método, o subjetivismo e a
preocupação
central no problema gnosiológico: é o primado da razão,
41
depois do primado da fé, no período medieval, que faz a investigação filosófica
voltar-se de Deus para o homem, do céu para a terra."11
Portanto, depois do período em que a consciência mítica cultuava espíritos sem
qualquer balizamento lógico - embora hoje se lhe reconheça uma lógica própria; e
depois
do advento da razão com a revolução socrática, da qual defluíram tanto sistemas
filosóficos e morais, como científicos, com relevo para a especulação de
natureza
filosófico-religiosa, com a patrística e o tomismo, em que filosofia e teologia
eram um amálgama só - o pensamento moderno, com o primado da razão, inobstante,
contempla
a existência do espírito.
N. Malebranche, o mais célebre defensor de Descartes, que aceita as teses
cartesianas fundamentais, fala dessa relação, embora só admita o inatismo
ontológico: "vemos
as ideias de todas as coisas no próprio intelecto de Deus, isto é, nós temos a
intuição da mente divina, o verdadeiro lugar das ideias ou o lugar dos
espíritos,
[...] o que o leva a sistematizar o ocasionalismo, segundo o qual devemos
entender tudo como "ocasião" ou instrumento da vontade divina, ou seja, toda
energia produtora
de ser e de atividade pertence propriamente a Deus."12
X. A realidade do Espírito: a culminância da discussão
A consciência intelectual, já na sua origem socrática, não exclui a realidade do
Espírito, antes, afirma-a, desdobrando-se
42
a partir de então, uma série de sistemas que a confirmam. Esse estágio do
desenvolvimento do homem na Terra voltou-se, no entanto, também para a sua
negação,
ensejando o pensamento materialista.
Em verdade, antes do Cristo, Tales, em Mileto, já interrogava sobre o Espírito e
a Matéria, preocupado com a constituição da vida, inaugurando-se, nessa época, o
pensamento metafísico que se iria desdobrar, logo depois, nas escolas idealista
e atomista, que tentaram assim balizar os planos da Criação.
O materialismo é um fenômeno recorrente na história do pensamento, remontando ao
atomismo e epicurismo gregos, ao averroísmo medieval e ao mecanicismo moderno,
mas
atinge uma culminância no século XIX como movimento filosófico, e passa, no
século XX, a movimento cultural de amplas proporções. A experiência sensitiva e
o método
científico, alçados à categoria de critério de verdade, fundamentaram uma
interpretação materialista do real.
No século XIX, o positivismo imperou quase que dogmaticamente no panorama do
pensamento, mas errou ao restringir ao campo das ciências experimentais toda a
possibilidade
de conhecimento, descartando campos de natureza diferente, como a metafísica, a
arte, a moral e a religião. Isto acabou por gerar uma crise interior da ciência
mecanicista,
idolatrada, idealizada pelo positivismo.
A essa fase seguiu-se uma outra, de reconstrução filosófica, em nome da razão,
que admite as exigências metafísicas ou espiritualistas, e que vai estimular
correntes
antipositivistas, espiritualistas, ainda no século XIX, e vai constituir a
filosofia do século XX.
43
Como assinalamos em nosso "Materialismo e espiritualismo na filosofia:
culminâncias e sínteses", "três foram as razões principais que motivaram esse
movimento generalizado
de reação ao positivismo: o aprofundamento das pesquisas científicas, que levou
a ciência a reconhecer seus próprios limites; o reconhecimento de que persistiam
as questões éticas e metafísicas, a despeito de o positivismo ter tentado abafá-
las como estágios pré-científicos, ou manifestações da imaturidade do homem; e a
convicção de que somente uma visão espiritualista pode resolver adequadamente
esse espectro de questões. O quadro vincula-se à atitude crítica de Kant, que
não só
identificou as pretensões de uma "razão metafísica", como também aplicou-se à
"razão científica", cujo método não lhe permite apreender plenamente certas
dimensões
não imediatamente redutíveis à matéria, tais como a vida, a ação, o
conhecimento, os valores, a vontade, dentre outras. "13
Na verdade, o desenvolvimento da razão não afastou o homem da preocupação com
sua instância espiritual, mas veio mesmo contribuir para que ele firmasse essa
especulação,
inclusive com os recursos da ciência.
O Espírito, inicialmente considerado como princípio vital, sopro de vida, como
lembra a autora espiritual Joanna de Ângelis, foi-se deslocando entre os gregos
para
uma diferenciação da alma, que seria a expressão das manifestações inferiores,
enquanto ele passava à representação das afeições superiores, princípio mais
elevado
44
do que o indivíduo. Com a doutrina aristotélica essa conceituação apresenta-se
mais ou menos definida, dando origem à formação ideológica entre o caráter
metafísico
e o psicológico do Espírito.
A mesma autora espiritual lembra ainda que "com Hegel, o Espírito foi colocado
filosoficamente em termos compatíveis, porquanto foram excluídas todas as
teorias
que o tornavam "fixo e imutável", apresentando a hipótese da sua evolução,
transformações e interrelacionamentos de todos os fatos que o influenciam."14
Maine de Biran, o mais vigoroso pensador francês da primeira metade do século
XIX, admite que acima da vida humana há a vida do Espírito, mediante a qual o
homem,
no fundo de sua interioridade, entra em contato com Deus, em uma espécie de
estado místico no qual encontra a certeza máxima.
Além dele, também na França, a realidade do Espírito é reafirmada por Royer-
Collard e Victor Cousin, Sécrétan, Ravaisson e Lachelier, Hamelin e Brunschvicg,
Lequier,
Renouvier e Boutroux, Blondel e Bergson, com destaque para o seu intuicionismo.
Além da reação católica às filosofias sensistas e materialistas, que tomou o
nome
de tradicionalismo, em meados do século XIX surgiu, ainda, uma filosofia
espiritualista, autodenominada Espiritismo, original na concepção, porque
procede de Espíritos
Orientadores da Humanidade, mediante a via mediúnica; no posicionamento
histórico-filosófico, porque faz a síntese, tão inesperada quanto desafiadora,
das linhas
45
argumentativas da ciência e da religião, da razão e da fé; na formatação, porque
é um homem quem lhe dá a sistematização da forma, o intelectual, cientista,
poliglota,
escritor, educador, professor Hippolite-Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo
de AUan Kardec Também chamada neoespiritualismo, associa razão e sentimento,
ciência
e fé: é doutrina filosófica, com fundamento científico - incorporando ambos os
métodos e por isso, também, o que tiver sido por eles avalizado - e que tem
consequências
religiosas.15
XI. A realidade do Espírito sob o crivo da ciência
No final do século XIX, a revolução tecnológica reduziu a matéria à condição de
"energia condensada" e, portanto, os laboratórios de pesquisa material passaram
a
investigar a mente, o Espírito, que, a partir de então, se destacam como objeto
de pesquisa. É assim que pouco a pouco o Espírito vem-se apresentando ao
investigador
consciente como realidade além da estrutura somática - ou corpo físico, a esta
precedente e a ela sobrevivente.
O saber vê-se, pois, na contingência de reavaliar-se cada vez que a visão da
ciência se transforma, transformando, por isso mesmo, a imagem do mundo assim
como a
do homem. A ciência, como uma das linguagens do pensamento, não poderia
indefinidamente prescindir de uma metafísica, ou seja, da intervenção de uma
visão prévia
do humano para unificar a imagem plural do mundo científico.
46
Desde o século XIX, particularmente, o homem convive com descobertas do micro e
do macrocosmo, com a idéia de espaços infinitos, e tudo isto abre perspectivas
para
a meditação e reflexão sobre novos caminhos para o saber na Terra.
A histórica separação entre ciência e religião criou obstáculos ao
desenvolvimento dos campos do saber na Terra, cuja marcha pode ser atrasada, mas
não impedida.
Foi o que aconteceu, e tem acontecido. Assim, alguns postulados da religião têm
caído, superados por conquistas da ciência, perante Galileu e Darwin, por
exemplo,
o mesmo tendo sucedido com posicionamentos extremados de Estados, como a
excomunhão da relatividade de Einstein pelo Estado nazista. Esse ridículo, no
entanto, não
é privativo da instância de Estados, mas ocorre também na do indivíduo e na de
sistemas de pensamento, como quando a ciência permanece inadaptada à realidade
humana.
A rigor, a ciência permite definir três níveis, ou três ordens de realidade: o
mundo apresenta características distintas na escala microscópica da teoria
atômica,
na escala molar da física clássica, assim como na escala cósmica da
relatividade. Gusdorf exemplifica com a linha, que vemos como reta, mas que é
indefinidamente
quebrada na perspectiva atômica e curva no espaço da relatividade. E a ciência
não tem como escolher, porque tem que seguir seu curso, não havendo, portanto,
nenhuma
razão científica para ela escolher apenas o mundo em que estamos, ou a instância
de mundo em que estamos.
47
O mesmo dá-se com o Espírito. Hoje, expõe-se ao ridículo aquele que lhe negar
realidade. O Espírito é, hoje, tema científico e também de filmes, de novelas na
televisão,
de romances e de conversa entre amigos, em qualquer lugar.
A ciência atual abre novas perspectivas em todos os campos. Particularmente a
nova física tem uma visão nova do mundo, do universo, quanto às escalas e aos
componentes
minúsculos da matéria, concebendo o universo como um todo, em movimento e
transformação. Com isso ela auxilia a compreensão das questões que
tradicionalmente se
inscrevem no campo das religiões, posicionando-se como mãe das ciências no plano
material e agora também no espiritual, pois investiga o mundo nas instâncias
física,
parafísica e espiritual.
O ser humano é hoje visto como um complexo mentofísico-perispirítico. Tomamos
este último termo da palavra perispírito, cunhada por Allan Kardec, em O Livro
dos
Espíritos (1857), para definir o corpo intermediário, semimaterial e
semifluídico, que os orientais e esoteristas desdobram em vários corpos, e que
já era conhecido
dos antigos, como já mencionamos anteriormente, sob as designações de ochema, ka
e outras.
O corpo humano, constituído de bilhões de células, funciona como uma usina viva,
sob o impulso de oscilações eletromagnéticas, de 0.002 mm de comprimento de
onda,
da mente espiritual, que comanda a vida fisiopsicossomática16. E quanto
48
mais evoluído, sábio, moralizado o Espírito, mais poderosa e complexa a sua
estrutura orgânica perispiritual, capaz de viver em domínios cada vez mais
amplos de
tempo e espaço.
A mente espiritual alimenta-se de energias cósmicas de natureza eminentemente
divina, das quais haure recursos para autossustentação, e transforma esses
recursos
em energia dinâmica, eletromagnética. Essa energia espiritual mantém a mente
espiritual em contato com o citoplasma, impressionando, pois, a intimidade das
células
com os reflexos da mente17. Por isso Jesus, em várias oportunidades, disse aos
que O procuraram: "Tua fé te curou", porque quem de fato cresce, definha, adoece
e
se cura é o Espírito. As conclusões de várias pesquisas, no recentemente
instituído campo da psiconeuroendocrinoimunologia, atestam essa verdade milenar,
que só
agora a ciência agenda como objeto de investigação.
O pensamento é uma radiação da mente espiritual, dotada de ponderabilidade e de
propriedades quimioeletro-magnéticas, que se difunde por todo o cosmo orgânico,
atinge
todas as células do organismo e projeta-se no exterior18. E é pelo fluido
mentomagnético que a mente age diretamente sobre o citoplasma e exerce o poder
de cura,
ou autocura, como atestam várias pesquisas sobre o poder da oração, do otimismo,
do riso, e as demais conquistas na área da psicologia transpessoal.
As células corporais, materiais, respondem automaticamente
49
às induções espontâneas, poder-se-ia dizer "hipnóticas", que lhes são enviadas
pela mente, revigorando-se com elas ou sofrendo-lhes a agressão. Se é imposta
distonia às células, elas adoecem, pois tal processo provoca a eclosão de males
que podem ir desde a toxiquemia até o câncer.
Como se vê, desde a ciência materialista positivista do século XIX, que via as
coisas como "independentes e separadas", a noção do que seja a complexidade da
estrutura
do homem foi sendo modificada em virtude das descobertas dos próprios cientistas
em direção à totalidade, ao místico e ao cósmico.
O conceito moderno que invadiu o pensamento da física atual é o da unidade de
todas as manifestações da nossa realidade cósmica. A física moderna e o
Espiritismo
encaram o universo como um todo único, praticamente um produto do Pensamento do
Criador, e os físicos de hoje fazem alusão a um oceano de pura consciência, de
que
também falou, décadas antes, o autor espiritual André Luiz, em sua obra
Mecanismos da medhmidade, psicografada pelos médiuns Francisco Cândido Xavier e
Waldo Vieira.
Em verdade, "nos fundamentos da Criação vibra o pensamento imensurável do
Criador, e sobre esse plasma divino vibra o pensamento mensurável da criatura, a
constituirse
no vasto oceano de forças mentais em que os poderes do Espírito se
manifestam."19
O pesquisador em física teórica das altas energias, Fritjof
50
Capra, assinalou que além das mudanças dessa nova física, começa a emergir uma
visão estreitamente relacionada às concepções sustentadas pelo misticismo
oriental, porque, segundo ele, há impressionantes paralelos entre os conceitos
da física moderna e as ideias expressas nas filosofias religiosas do hinduísmo,
budismo
e
taoísmo.
Modernamente denomina-se geometrodinâmica do espaço ao conjunto de conhecimentos
acerca da gravitação, desenvolvida nos moldes da teoria de Einstein. E partindo
das avançadas concepções da geometrodinâmica quântica, os físicos estão
procurando introduzir a consciência na visão cósmica proporcionada pelo modelo
que criaram,
e há uma tendência de cotejarem os ensinamentos do pensamento antigo com as
conclusões finais às quais chegaram pelas mais arrojadas teorias de sua área.
A nova física está delineando uma espantosa conclusão: a de que há evidências de
que nossa mente, em certas circunstâncias, consegue desprender-se das amarras do
corpo físico e sair por aí em um corpo não físico, mas tão real quanto ele. E
nesse novo estado, a consciência individual poderia fundir-se com a consciência
cósmica
e apreender diretamente certas verdades, certos conhecimentos que podem também
ser adquiridos normalmente, mas apenas depois daqueles laboriosos processos
experimentais
e racionais usados pela ciência. Enfim, a ciência está começando a provar a
intuição e a mediunidade, desenvolvendo premissas já constantes do corpus
teórico da
Doutrina Espírita, lançada em 1857, com Allan Kardec, e do pensamento grego
clássico bem como das filosofias orientais.
51
Assim, a religião vê-se trazida do céu para a terra, uma vez que, como afirma
Léon Brunschvicg, em sua La raison et la religion "À razão verdadeira, tal como
se
revela pelo progresso do conhecimento científico, compete chegar até a religião
verdadeira, tal como esta se apresenta à reflexão do filósofo, isto é, como uma
função
do espírito que se desenvolve segundo as normas capazes de garantir a unidade e
a integridade da consciência."20
Esta é a postura do Espiritismo, contemporâneo de Brunschvicg, com o postulado
da fé raciocinada, defluente do tríplice aspecto dessa doutrina: filosofia,
ciência
e religião. Entre seus maiores propagadores estão o filósofo Léon Denis e os
cientistas Camille Flammarion, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, Gustave Geley,
A. Aksakof,
dentre outros. Brilhantes inteligências deram testemunhos insuspeitos e
respeitáveis sobre a realidade do Espírito imortal, tais como: o juiz Edmonds,
Presidente
do Senado e da Suprema Corte dos Estados Unidos; A. de Morgan, presidente da
Sociedade Matemática de Londres; o sábio William Crookes; o astrônomo alemão
Zollner;
os professores Ulrici, Weber e Seckner, da Universidade de Leipzig; o filósofo
Cari du Prel; o criminalista italiano Lombroso; o astrônomo Schiaparelli,
diretor
do Observatório de Milão; o físico Gerosa; o fisiologista deAmicis os
professores Boutlerow e Ostrogradsky, da Universidade de São Petersburgo, Sir
Arthur Conan
Doyle, Victor Hugo e muitos outros, de todos os campos do saber.
52
Com sua estrutura, o Espiritismo esclareceu sobre a origem e a natureza, a forma
e ubiquidade dos Espíritos; sobre os diferentes graus ou a taxionomia dos
Espíritos,
segundo seu nível de adiantamento em moralidade; sobre o processo da encarnação
e da desencarnação; sobre a pluralidade das existências; sobre aspectos da vida
espírita
e as percepções, sensações, alegrias e sofrimentos dos Espíritos; sobre os
vários níveis de emancipação da alma, desde o sono até o êxtase; sobre a
intervenção dos
Espíritos no mundo corporal, comprovando a comunicabilidade entre os dois planos
de existência; sobre o conceito de espaço vibratório e o de duração, na acepção
de Bergson, como a sucessão de mudanças qualitativas dos estados de consciência,
reformando assim os conceitos teológicos de felicidade e graça, e de sofrimento
e inferno, ampliando o escopo dessas vivências de estados de consciência para
ambos os planos de existência.21
Com isto a Doutrina Espírita antecipou muitas das descobertas da ciência atual,
no que diz respeito à realidade do Espírito, como a chamada EQM, ou experiência
de
quase morte; as conclusões do pesquisador Ian Stevenson sobre casos sugestivos
de reencarnação, os trabalhos da Dra. Elizabeth Kübler-Ross, a recente pesquisa
sobre
a vida após a morte, desenvolvida, em Tucson, Arizona, com o médium Lorry
Campbell, pelo Prof. Gary Schwartz, que concluiu que os dados atualmente
disponíveis sugerem
fortemente que há vida depois da morte. E antecipou também, como já foi dito, as
descobertas da nova física, algumas delas já citadas, dentre muitos outros
estudos
e pesquisas.
53
Uma outra antecipação, dentre muitíssimas, que está em vias de ser corroborada
pela ciência, diz respeito à individualidade consciente - o espírito
propriamente
dito, cuja natureza desconhecemos - que se acha revestida de um envoltório
semimaterial, o perispírito, que lhe permite atuar sobre o próprio corpo,
enquanto encarnado,
e depois da morte - quando normalmente guarda a aparência de sua última
encarnação e pode também atuar sobre um médium que lhe transmite as ideias.
Respondendo à pergunta 135a, de Kardec, em O Livro dos Espíritos, os Espíritos
Orientadores da Humanidade responderam que "o laço que liga a alma ao corpo" é
"semimaterial,
isto é, de natureza intermédia entre o Espírito e o corpo. É preciso que seja
assim para que os dois se possam comunicar um com o outro. Por meio desse laço é
que
o Espírito atua sobre a matéria e reciprocamente." Interessante observar que o
conceito expresso pela palavra "semimaterial" foi antecipado quando ainda não se
conheciam
a estrutura corpuscular da matéria e sua constituição à base de energia. O
próprio Kardec usou a palavra, ao formular a pergunta n° 94, em O Livro dos
Espíritos.
Os Espíritos Superiores atestam, assim, que já conheciam perfeitamente a
existência de diferentes graus de condensação da matéria, cujos níveis mais
sutis escapam
à nossa percepção, mesmo com os recursos da sensível e sofisticada aparelhagem
de que dispomos hoje.
Embora a ciência oficial ainda não tenha avançado o suficiente nessa direção, os
Espíritos Superiores também anteciparam, nessa resposta, e em vários outros
momentos
das obras da Codificação de Allan Kardec, que o pensamento atua sobre as
instâncias energéticas do ser, infundindo-lhes movimento e certas
54
propriedades. Apesar desse descompasso ainda existente, há relatos de
experiências sobre telepatia e telecinesia, dentre as quais citam-se as
realizadas pelo Dr.
Joseph Banks Rhine e sua equipe na Universidade de Duke (EUA), nas décadas de
1930 e 1940. Como já mencionado anteriormente, o Espírito Áureo ensina ue o
pensamento é uma radiação mental da mente espiritual, que atinge todas as
células do
organismo e projeta-se no exterior graças a suas propriedades
quimioeletromagnéticas, dentre outras.
Com o passar do tempo, cada vez mais facilmente constata-se hoje, pela via da
ciência, o que o homem deixou, desde os mais recuados tempos, nos papiros,
livros,
pedras è paredes das cavernas, nos ritos e cerimônias de cunho religioso,
revelando uma intuição do ser espiritual imortal que é.
Sem desdizer, em essência, o produto da consciência mítica a esse respeito, ao
longo do tempo, a ratio formulou a imortalidade do Espírito, através de
filósofos,
teólogos e, hoje, de cientistas, que cada vez mais fazem cair por terra a
disjunção e as barreiras que tradicionalmente ergueram-se entre Espírito e
matéria, entre
Razão e Fé, posto que a religião foi considerada campo exclusivo da especulação
sobre o Espírito até cerca de um século e meio atrás, quando, em
1857, a Doutrina Espírita veio estabelecer a aliança entre a ciência e a
religião, a razão e a fé.
A realidade do Espírito deixou de ser uma questão para os míticos e para os
místicos, inscrevendo-se atualmente como um dos mais fascinantes campos de
pesquisa para
a ciência, que já tangencia essa realidade, estando fadada a afirmá-la, em seus
próprios limites. Tal
55
desmitização e desmisticização pela ciência não impli cam em um rebaixamento da
espiritualidade, mas antes reforçam a grandeza de Deus, que infundiu a
consciência23
e razão ao homem, permitindo-lhe desvendar, pelo esforço nobre de suas
faculdades, a Sua presença em Suas leis, objeto primário da ciência que antes
desenhava seus
limites no alcance da matéria, mas que hoje expande-os para alcançar o homem, em
sua instância como Espírito imortal, que passou a inscrever-se agora como campo
de investigação, privilegiado e inescapável, no espectro da Criação.
56
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conjunto do positivismo;Catecismo positivista. Tradução José Arthur Giannotti e
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Mecanismos da mediunidade. Pelo Espírito André Luiz.9.ed. Rio de Janeiro: FEB,
1986.
Capítulo 3
ENTENDEI-VOS QUANTO ÀS PALAVRAS
I. "Deveis entendervos quanto às palavras", dizemnos os Espíritos Orientadores
da Humanidade, em vários momentos através da Codificação de Kardec, pois o
fundamental
é a ideia, ou seja, a essência, que se contrapõe à aparência. No caso, a
aparência pode variar segundo a língua usada, o falante, a cultura que a língua
expressa,
o ambiente particular do usuário, tanto cultural, quanto mental e emocional.
II. A codificação da mensagem
Cada sistema linguístico espelha e traduz a visão de mundo de um povo e a
percepção que tem da realidade. As estruturas frasais de uma língua revelam
esses mecanismos
perceptuais e filosófico-antropológicos, como acontece, por exemplo, com as
formas verbais das línguas portuguesa e inglesa, no que diz respeito a uma ação
realizada
no passado: a inglesa tem mais tempos verbais para designá-la, porque para os
povos que a falam é importante a categoria aspectual da ação, ou seja, se a ação
já
terminou no passado ou se ainda está em curso no momento presente, se o falante
sabe disso ou não, ou mesmo
59
se deseja que o interlocutor disponha dessa informação, e assim por diante.
Um ato comunicativo em linguagem verbal implica em raciocínio, ideia e palavra.
Nos atos de comunicação do Evangelho, o raciocínio é impecável da parte de
Jesus,
e o que se encontra nos demais elementos que integram o Novo Testamento foi
supervisionado por Espíritos Superiores, como, aliás, ocorreu também com a
Codificação
da Doutrina Espírita.
2.1 O raciocínio lógico e a lógica do Evangelho
Desde Aristóteles, principalmente, passando pela especulação lógica de Descartes
e de alguns outros, que se fala em raciocínio lógico, pois há necessidade de se
observarem certas regras estabelecidas nesse campo da Filosofia, e que são ainda
hoje a base da ciência e de correntes filosóficas para construir seu
posicionamento.
Nossa civilização ergueu-se com essa lógica, mas o raciocínio do Evangelho, que
desvela uma lógica diferente da lógica humana, cartesiana, permanece ainda hoje
como
um grande desafio para a compreensão das verdades eternas de que Jesus se fez
emissário e portador. Afinal, como entenderse a orientação de dar a outra face
ao ofensor,
dar a túnica a quem roubou o manto, andar mais uma légua com quem pediu que se
caminhe uma? Eis a lógica desconcertante, instigante e desafiadora do Evangelho.
2.2 A ideia
Pois é dos raciocínios lógicos que surgem as ideias, novas ou não. Em
Linguística, elas se chamam significado, instância mental que não se traduz por
palavras, letras,
60
fonemas, mas por conceitos, imagens. Isso fica particularmente claro no
aprendizado de línguas estrangeiras, pois a tradução para a língua materna é
interferência
grave no processo mental do aprendiz e compromete a qualidade e o próprio uso
corrente daquela língua. Ideia é a noção que o espírito forma de alguma coisa,
tem
caráter intelectual, que a distingue do sentimento, e tem que ser "clara e
distinta": segundo Descartes, ela pode provar-se, explicar-se.
2.3 A palavra
A palavra é o significante, o que "veste" a ideia com os elementos linguísticos.
Cada falante faz um uso do sistema linguístico e em função do conjunto de
experiências
que tenha tido em todos os níveis da existência, constitui um repertório maior
ou menor de significantes, de palavras, para expressar-se e compreender o que
outros
expressam. Se estas questões, que são as básicas, já apresentam sutilezas e
dificuldades para a análise de um ato de comunicação entre homens, é
inimaginável o tamanho
do desafio, quando se trata de "vestir", expressar linguisticamente as ideias do
Cristo, ou seja, de codificá-las, na linguagem dos homens. Deve haver certamente
uma série de outras razões pelas quais Jesus e Sócrates não escreveram nada, mas
esta, sem dúvida, deve estar entre elas, além de algumas outras, que passamos a
comentar em seguida.
Um sistema linguístico, ou de representação linguística, é um organismo vivo,
não existe parado no tempo - a não ser que seja uma língua não mais falada, como
o
latim - e suas características e possibilidades estão a serviço da comunicação e
do entendimento entre os homens na Terra. Um desses mecanismos é o cunhar
palavras.
Mas só se criam palavras
61
para representar o que já está na faixa de experiência da comunidade
linguística, ou seja, a palavra vem depois da ideia: não se cria nenhuma palavra
sem que ela
tenha a função de designar alguma coisaideia. Portanto, para a Linguística, o
sistema só cunha uma palavra a posteriori, vale dizer, depois que o objeto ou
coisa,
situação, ideia, teoria já existe como realidade mental, ou ideia, dos homens.
Isto fica bastante claro quando nos deparamos frequentemente, nos livros da
Codificação e nas obras espíritas de um modo geral, com expressões que nos
aconselham
e até advertem para nos entendermos quanto às palavras, ou seja, que devemos
decidir que significantes - ou palavras - vamos usar para designar algumas
ideias que
os Espíritos Superiores nos oferecem.
A importância da questão é evidente. Com ela Kardec abre a Codificação na parte
I da Introdução a O Livro dos Espíritos: "Para se designarem coisas novas são
precisos
termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confusão
inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras." Logo em seguida,
iniciando a parte
II, da mesma Introdução: "Há outra palavra [alma] acerca da qual importa
igualmente que todos se entendam, por (...) ser objeto de muitas controvérsias,
à míngua
de uma acepção bem determinada... A divergência de opiniões... provém da
aplicação particular que cada um dá a esse termo. Uma língua perfeita, em que
cada ideia
fosse expressa por um termo próprio, evitaria muitas discussões." E mais à
frente, ainda discutindo o uso da palavra alma, que carreia três ideias
distintas: "...
considerando apenas o lado linguístico da questão... O mal está em a língua
dispor somente de uma palavra para exprimir três ideias... o que se faz mister é
o entendimento
entre todos,...".
62
E um pouco mais à frente ainda: "Assim, aquela palavra não representa uma
opinião: é um Proteu, que cada um ajeita a seu bel-prazer."
2.4 O depoimento dos Espíritos sobre a dificuldade
À parte de outros exemplos em O Livro dos Espíritos, lembramos a passagem de
Paulo e Estêvão, em que Paulo, ao transpor os umbrais da eternidade, é
surpreendido
por cariciosa melodia cuja beleza é, segundo o autor espiritual Emmanuel, pela
psicografia de Francisco Cândido Xavier, "intraduzível na linguagem humana."1
Em O céu e o inferno, Kardec transcreve a resposta que deu o Espírito Sr. Cardon
à solicitação de descrever minuciosamente o que vira no intervalo entre suas
duas
mortes, ou seja entre uma EQM, ou experiência de quase morte, e a desencarnação:
"O que vi... E poderíeis compreendê-lo? Não sei, visto como não encontraria
expressões
apropriadas à compreensão do que pude ver durante os instantes em que me foi
possível deixar o envoltório mortal." Em seguida, o Espírito Eric Stanislas
pergunta:
"De que expressões nos servirmos, que traduzam a felicidade dos irmãos,
desencarnados, ao perscrutarem o amor que une a todos?"2
Em Devassando o invisível, Yvonne A. Pereira informanos que "desde o
aparecimento da Codificação, queixam-se
63
as entidades espirituais elevadas da deficiência do vocabulário humano para
expressar a vertiginosidade da palavra dos Espíritos, das dificuldades, das
barreiras
contra que lutam nossos Guias para escreverem as grandezas do mundo invisível."
E mais à frente, relatando a própria experiência como médium: "Não encontramos
vocábulos
apropriados para poder bem descrever o que então [pela visão mediúnica] se
passa."3
E já que o sistema de representação linguística só cunha um significante para
designar uma realidade obviamente já existente, conclui-se que não há, a rigor,
linguisticamente
falando, sinonímia, eis que cada palavra carreia um sentido específico, e
eventualmente também uma carga emocional ou sutileza própria, o que fica claro
quando se
estuda qualquer texto, e principalmente o Evangelho. Assim, o sistema
linguístico é um sistema de equilíbrios: não há duas palavras para ocupar um só
espaço de significado(s).
2.5 O desafio da tradução
Sobressai então a questão da tradução, que implica em conhecer excelentemente os
dois sistemas linguísticos, o que inclui conhecer as nuanças da visão de mundo
da
comunidade falante daquele sistema, bem como a carga emocional e as sutilezas
carreadas por cada significante ou palavra.
Nesse campo cumpre ainda considerar a realização do sistema: a) no momento em
que é usado - ou sincronia, sem a preocupação de como o sistema ou estrutura
linguística
evoluiu no tempo; e b) em sua evolução ao
64
longo do tempo - ou diacronia. A verdade sincrônica e a verdade diacrônica
confluem na síntese ampla da linguística pancrônica: "Todo fato linguístico deve
ser considerado
no sistema de que é parte, e na sua história, que é a história do próprio
sistema."4
No caso do Evangelho, cumpre-nos considerar o uso da língua à época do Cristo e
sua realização ao longo do tempo, incluindo-se aí os textos produzidos pouco
depois
d'Ele. Sem se apreciar o quadro sincrônico e o diacrónico, apresentamse
dificuldades. Um exemplo está no fato de algumas palavras caírem em desuso, em
função de
a língua ser um organismo vivo, portanto, mutável.
Assim, quando uma ideia não mais vigora no universo de um grupo ou povo, aquela
comunidade linguística "esquece" o significante, ou palavra, correspondente: ela
pode continuar nos arquivos, livros, bibliotecas, na memória de alguns, mas cai
em desuso. Pode também acontecer que a palavra assuma uma conotação rejeitada
pela
cultura, ou a coisa que ela designa tenha-se alterado cultural ou
sociologicamente falando: assim, algumas palavras "envelhecem", como, por
exemplo, no caso da língua
portuguesa hoje no Brasil, o uso quase exclusivo das palavras "alpargata",
"alparcata", com variação "alpercata", e "merenda" por pessoas idosas, ou ainda,
o caso
da palavra "corpinho", anterior ao sutiã.
3. A codificação da mensagem de Jesus e Sócrates
Essas brevíssimas anotações começam a delinear algu-
65
mas possíveis razões pelas quais Jesus e Sócrates não escreveram nada de próprio
punho, deixando a tarefa do registro linguístico, importantíssimo, aliás, para
Platão
e para os evangelistas, que "vestiram" as ideias com as possibilidades da língua
de que se serviam. É que cada falante ou usuário faz seu uso, pessoal, do
sistema
linguístico.
Portanto, para as grandes mensagens foram escolhidos usuários dotados de
capacidade linguística e/ou de sensibilidade para a captação de nuanças das
ideias que lhes
eram apresentadas. Na verdade, sistema linguístico algum teria instrumental para
expressar as Ideias que Jesus trouxe à Sua época, e mesmo em nossos dias.
Portanto,
era necessário que homens escrevessem segundo sua própria percepção, ainda que
com assessoramento especial de Espíritos Superiores.
Jesus e Sócrates traziam verdades, ou expressões da Verdade, que não poderiam
ser traduzidas por qualquer sistema linguístico, ou porque a ideia era
inteiramente
nova, ou porque as nuanças novas que traziam não encontravam possibilidades nas
estruturas frasais da língua que usavam. No caso do Evangelho, foram necessários
quatro evangelistas, cada um para dar conta de uma angulação das questões e
lições que o Cristo trazia, eis que um homem apenas não daria conta de todas as
angulações,
sutilezas, nuanças e conotações necessárias à percepção dos homens ao longo dos
tempos, como por exemplo, Mateus, cujo Evangelho fala predominantemente à
individualidade
enquanto que o de Lucas fala especialmente à personalidade.
66
Os Espíritos Superiores afirmam, através do trabalho de Roustaing, que a
narrativa de qualquer dos Evangelhos não deve ser separada da dos demais
evangelistas, porque
"elas se explicam e completam mutuamente, quanto às particularidades. O fundo,
com relação aos fatos é, em todas, o mesmo. Cada narrador, como sabeis, escreveu
dentro
do quadro que lhe fora traçado pela inspiração mediúnica, mas conservando a
independência própria da natureza que lhe era peculiar."5
Para enunciarem as verdades que traziam, Jesus e Sócrates valeram-se muito de
recursos que hoje se inscrevem no campo que conhecemos como inteligência
emocional,
em parte porque o estágio intelecto-moral de seus interlocutores não lhes
permitiria alcançar a profundidade das Ideias de que eram portadores. Por isso
recorreram
ao caminho, ou porta, da emoção, ainda que por intermédio da razão, como no caso
da maiêutica socrática, que mobiliza o íntimo do interlocutor em seus valores e
percepções, auto- e heteropercepções. Jesus valeu-se de metáforas, como nos
ensinos parabólicos, a exemplo do que acontece também com todas as simbologias
das cenas
do Apocalipse de João.
Mas como, então, foi possível a eles transmitir as ideias que traziam? Ideia,
relembramos aqui, é noção que o espírito forma, e que é distinta, por seu
caráter intelectual,
do simples sentir. A natureza da ideia tem povoado as discussões filosóficas ao
longo dos tempos. Descartes considerou-a como simples representação, à maneira
de
um "quadro", mas na
67
verdade uma ideia não se representa, é compreendida; e isso ocorre mediante uma
"relação intelectual", ou seja, a ideia coincide com um movimento do espírito,
definindo-se
assim, com Leibniz, como "tendência".
Já quanto à origem, as ideias podem resultar da experiência, chamadas por
Descartes de "adventícias", e são "gerais", no sentido em que resultam da
repetição de
um certo número de fatos em uma ordem imutável. Classifica-se como idéia geral,
por exemplo, o frio vir com o inverno e o calor com o verão. Ao longo das
encarnações,
o Espírito, ainda que refratário às considerações de ordem ético-moral, acabará
compreendendo, pelas experiências reencarnatórias, a relação entre escolha-ação,
e consequência-reação.
Há também as ideias que têm origem no espírito humano: são as ideias inatas, ou
conceitos a priori, como a ideia do dever moral, de justiça e tantas outras,
inscritas
no espírito antes de qualquer experiência, como formulou Kant. Essas ideias não
são gerais, são universais. Temos exemplos disso em Diálogos de Platão, que
reproduz
as conversas de Sócrates sobre o que são a justiça, a coragem e assim por
diante.
O fundamento doutrinário está em O Livro dos Espíritos, questão 621: "Onde está
escrita a lei de Deus?" "Na consciência." E por que Jesus, Sócrates e outros
missionários
precisaram comparecer ao cenário terrestre para revelá-la ao homem? Respondem os
Espíritos Superiores a Kardec na questão 621a: "Ele a esquecera e desprezara.
Quis
então Deus lhe fosse lembrada." Para tal fez-se necessário codificá-la, até onde
isso é possível, na língua dos
68
homens. Porque para cada tipo de pensamento há um tipo de linguagem adequado.
Para o pensamento abstrato e conceituai, que se afasta do sensível (relativo aos
sentidos),
do individual, a língua se apresenta como condição necessária, por ser um
sistema de signos simbólicos que nos permite transcender o dado vivido e
construir um mundo
de ideias.
4. Alguns recursos didático-pedagógico-linguísticos de Jesus
Para trazer à luz do entendimento racional a Lei que está inscrita na
consciência, Jesus usou figuras ligadas è experiência direta, sensível, da vida
cotidiana como
o campo, colheita, moedas, redes, animais e assim subsequentemente. Incluem-se
nessa esfera imagética, dentre muitos outros elementos, espada, inimigos,
divisão,
cujos significados, no que diz respeito ao entendimento e à codificação
linguística próprios dos homens, estão em contradição com o conjunto filosófico,
ético-moral
da Mensagem do Cristo. E que o universo linguístico humano não tem
possibilidades para expressar, nem mesmo hoje, as Ideias de Jesus, porque a
visão de mundo dos
homens não abrange a grandeza da Vida e da beleza espiritual.
Em que se baseia então essa estratégia didático-pedagógica de Jesus? Estamos
diante de basicamente duas questões: uma de natureza filosófica e outra de
natureza
linguística.
Do ponto de vista filosófico, e também didático, podemos dizer que essa
estratégia consiste em recorrer à imagem para chegar ao conceito. Em Lógica, nos
casos citados,
a imagem é uma representação mental - porque, se fecharmos os olhos, temos a
imagem da moeda, da rede e assim por diante - mas é, ao
69
mesmo tempo, de natureza sensível, ou seja, que vem dos sentidos, e, por isso,
de certa forma, concreta e particular. Já o conceito ou ideia é a representação
intelectual
de um objeto, e, portanto, imaterial, abstrata e geral, caso em que não
interessa se a rede é grande ou pequena, clara ou escura: importa que tenha as
características
essenciais que tornem o objeto uma rede.
No âmbito da Linguística, a questão pode ser ilustrada se lembrarmos as línguas
dos povos para expressar, por exemplo, a ideia "neve". Como cada sistema
linguístico
revela a percepção ou visão de mundo de um povo, realça então o fato de que a
linguagem elege determinadas partes da realidade para nomear, e nesse sentido
ela "recorta"
a realidade. Exemplo clássico é o da língua esquimó, que tem seis significantes,
ou palavras, para designar os estados da neve, enquanto que em português temos
apenas
uma palavra, não havendo, no repertório de nossa língua, outras opções
previstas. Nesse quadro, o essencial é identificar, no número maior de palavras,
a percepção
da realidade desse povo, porque para ele, até pelo seu habitat e forma de vida,
é importante descrever os vários estados da neve, enquanto que, para nós, basta
perceber
se há neve ou não.
5. A dificuldade de decodificar passagens do Evangelho
Aí residem muitas das dificuldades que temos para interpretar várias passagens
do Evangelho, como por exemplo, o uso da palavra "irmãos", quando Mateus (XII,
vv.
46 a
50) e Marcos (III, vv. 20,21 e 31 a 35) relatam que Sua mãe e Seus irmãos
mandaram chamá-Lo, e reproduzem, com as mesmas palavras, o que o povo diz a
Jesus, provando
que as palavras eram do uso comum daquela comunidade linguística. Os
evangelistas registram também a resposta de Jesus,
indagando quem eram Sua mãe e Seus irmãos, e definindo que esses são aqueles que
fazem a vontade de Deus. Aí está explicitado o diferente "recorte" da realidade,
espelhando
a percepção e visão de mundo dos homens da época de Jesus, considerando a
consanguinidade abrangendo primos e co-irmãos como irmãos, e as dos homens de
hoje, que
as consideram de modo mais restrito, reservando, portanto, a palavra "irmãos"
apenas para designar filhos do mesmo pai e da mesma mãe. A essa percepção
contrapõe-se
a de Jesus, Cujo descortino abrange não a família consanguínea unicamente, mas a
família universal. Apesar de ser mecanismo próprio dos sistemas linguísticos, o
uso da mesma palavra para designar percepções diferentes da realidade tem-nos
trazido dificuldade para a compreensão dos textos evangélicos.
Situação análoga é a de outras passagens, nas quais encontram-se, por exemplo,
as palavras "inimigos" e "divisão", que, no entendimento que nos fica da
mensagem
do Cristo, são-lhe contrárias, na verdade, contraditórias. No contexto do
Evangelho, isto mais ainda assim se configura, se a elas associar-se a palavra
amar, como
no "Amai os vossos inimigos".
Mas que língua humana poderá, mesmo hoje, designar a visão que nos trouxe o
Cristo? É certo que as línguas, sendo organismos vivos, podem alterar-se, e já
poderiam
até ler-se alterado em seu repertório, ter feito cair em desuso a palavra
inimigo, e ter criado outra(s) palavra(s) para designar adversários temporários,
considerado
o continuum do tempo de várias encarnações. Mas, para isso, seria necessário
71
que o homem já tivesse avançado moralmente a ponto de perceber a realidade da
condição de efemeridade das aversões, entendendo-as como passageiras, ainda que
essa condição se consubstancie ao longo de várias experiências encarnatórias. O
mesmo se aplica à passagem de Lucas (XIV, vv. 25 a 27 e 33) na qual Jesus
dirige-se
à massa do povo: "Se alguém vem a mim e não odeia a seu pai e a sua mãe, a sua
mulher e a seus filhos, a seus irmãos e irmãs, mesmo a sua própria vida, não
pode
ser meu discípulo."
E ainda, também por Lucas (XII, vv. 49 a 53), quando Ele diz que veio trazer a
divisão entre as pessoas em uma casa, pois "estarão elas divididas umas contra
as
outras", reciprocamente pai e filho, mãe e filha, sogra e nora.s
A tendência humana à belicosidade, no presente estágio evolutivo, imediatamente
traz à mente a ideia de inimigo, guerra, animosidade. Tanto isso é possível
acontecer,
que tem acontecido, quando indivíduos, grupos e mesmo Estados discordam entre si
no plano das ideias, o que logo se projeta para o plano da ação guerreira, em
sentido
explícito, ou metafórico, material, psicológico, social, moral, espiritual. Esse
é o recorte da percepção dos homens, mas certamente nunca foi o de Jesus, como
consta
das anotações de Mateus (XII, 25): "Jesus, conhecendo-lhes os pensamentos,
disse: Todo reino que se dividir contra si mesmo será destruído e toda cidade ou
casa
que se dividir contra si mesma não subsistirá."
72
Do ponto de vista da separação a que se refere Jesus, ocorre que, ao acatar-lhe
a palavra, o Espírito muda a sua percepção do mundo e da vida; há, portanto, um
alteamento
do padrão vibratório. Foi o que aconteceu com Lívia e Publius Lentulus, na obra
Há dois mil anos, pelo Espírito Emmanuel, pela psicografia de Francisco Cândido
Xavier:
continuaram a amar-se, embora vibratoriamente tenha acontecido essa separação,
ou, nos termos que encontramos no Evangelho, essa divisão.
6. Essência e aparência na decodificação da moral do Evangelho
Kardec discute a Estranha Moral do Evangelho abordando a contradição, que
sabemos aparente apenas, dos ensinos sobre a paz e a espada, a separação da
família, o
fogo lançado à Terra para que ela logo se acenda, concluindo que não há
contradição nem blasfêmia, e que apenas a forma, "um pouco equívoca", "não lhe
exprime com
exatidão o pensamento, o que deu lugar a que se enganassem relativamente ao
verdadeiro sentido delas."
Kardec observa que "Jesus não podia desmentir-se" e ao usar a palavra
"equívoca", o Codificador optou por esclarecer o significado que correntemente a
palavra carreia,
por isso conclui que "a forma não lhe exprime com exatidão o pensamento". Tal
explicação, na verdade, aplica-se a toda e qualquer palavra escolhida e usada
pelos
evangelistas quando Lhe codificaram os ensinos, pelos motivos que já expusemos.
73
A palavra, em sentido corrente, significa "engano", e mesmo "erro", e também
"ambíguo". Mas, se tomarmos o texto do próprio Kardec sob a ótica da Filosofia,
mais
especificamente no campo da lógica, verificamos que o termo "equívoco" significa
"o que tem vários sentidos ou interpretações", mas não na acepção de
ambiguidade.
Esta, no campo da Filosofia, implica em astúcia, em função de ser ato
voluntário, enquanto que o equívoco frequentemente implica em uma ideia de
inadequação, o que
pode ser inevitável como ato involuntário. Assim, uma ambiguidade "denuncia-se",
enquanto que um equívoco dissipa-se. Como o quadro inscreve-se na esfera do
humano,
ou seja, dos evangelistas, mesmo com a supervisão dos Espíritos Superiores, é o
que nos cumpre fazer: dissipar o sentido "equívoco" nos ensinos evangélicos.
Ao texto do Evangelho, tanto mais se aplica tal distinção conceitual, quanto
mais se realça a situação de que Jesus, de Si mesmo, nada escreveu, ou seja, não
usou
a linguagem verbal escrita por Si mesmo, pois, por mais que recorresse aos
mecanismos das línguas na Terra, ainda assim não conseguiria expressar
convenientemente
as ideias de que era portador, à míngua de recursos linguísticos nos sistemas no
planeta.
Por isso, ainda hoje os Espíritos Superiores nos aconselham e advertem: "Deveis
entender-vos quanto às palavras" , respondendo a pergunta n2 28 em O Livro dos
Espíritos:
As palavras pouco nos importam. Compete-vos a vós formular a vossa linguagem de
maneira a vos entenderdes. As vossas controvérsias provêm, quase sempre, de não
vos
entenderdes acerca dos termos que empregais, por ser incompleta a vossa
linguagem para exprimir o que não vos fere os sentidos.
74
BIBLIOGRAFIA
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução Guillon Ribeiro.71. ed. Rio de
Janeiro: FEB, 1991.
KARDEC, Allan. O Céu e o inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo.
Tradução Guillon Ribeiro. 34.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução Guillon Ribeiro. 102.
ed. Rio de Janeiro: FEB, 1990.
MATTOSO CÂMARA Jr, J. Princípios de linguística geral. 4.ed. revista e
aumentada. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1964.
PEREIRA, Yvonne A. Devassando o invisível. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003.
ROUSTAING, J.-B. Os quatro Evangelhos: a revelação da revelação. Tradução
Guillon Ribeiro. 6. ed. Vol.4. Rio de Janeiro: FEB, 1985.
XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 21.ed. Rio
de Janeiro: FEB, 1984.
Há dois mil anos. Pelo Espírito Emmanuel. 20.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1984.
75
Capítulo 4
LIBERDADE E (IN)TOLERÂNCIA RELIGIOSA
I. A mitologia grega espelha, na figura de ícaro, o sonho humano de liberdade,
anseio realizado antecipadamente por Deus, que o homem geralmente desconsidera,
por
despreparo espiritual.
Enquanto ícaro permanece na instância do sonho, Sócrates encarna a vivência da
liberdade real. "Não estou preso", disse ele aos discípulos que lhe prepararam a
fuga.
A cena é emblemática. Uma das maiores vítimas da intolerância nos registros da
História, Sócrates, fisicamente enclausurado, declara-se livre, consubstanciando
nesse
gesto a essência da liberdade - a de pensar, que nos remete à liberdade de
consciência. No pensamento, o homem tem liberdade ilimitada, e é capaz de
escapar a todo
constrangimento.
II. A questão da consciência
É que atingidos certos níveis de consciência, não é mais possível ao homem agir
diferentemente, ainda que com o preço da própria vida física. Acaso ocorre a
alguém
imaginar Jesus, Sócrates, Gandhi - para citarmos apenas alguns reconsiderando,
desdizendo a mensagem de que são portadores, a verdade na qual crêem e que
encarnam?
77
Tais atos capitulariam como profanação no templo da consciência.
III. A questão da liberdade
Os filósofos já aprofundaram a discussão a respeito do escopo da liberdade, e a
conclusão lógico-filosófica é a de que ninguém goza de liberdade absoluta: na
inevitável
interdependência dos seres, um constitui-se limite para o outro, mas não
necessariamente cerceamento. Mesmo o eremita no deserto tem, na Natureza, essa
presença
do outro a convidá-lo a conhecer limites.
No pensamento, o homem tem liberdade, mas tem igualmente responsabilidade, em
sua própria e humana esfera tanto quanto perante Deus, pois a ninguém mais é
possível
conhecer a criatura.
IV. A relação do homem com a liberdade
A História e o cotidiano mostram que o homem, no entanto, frequentemente não
vive sua liberdade, porque, usando-a, pode tornar-se escravo de si mesmo ou do
outro.
Exerce o autocerceamento em decorrência das monoideias, ideias fixas em coisas
materiais ou ao mundo material relacionadas, vive os mitos do poder, do prazer e
da
permanência, todos sabidamente efêmeros no plano filosófico, racional, mas não
necessariamente no plano psicológico, emocional.
Torna-se escravo de postulados que lhe proíbem a expansão da alma, do psiquismo,
pela ideia, pela razão: no sectarismo, o homem encarcera a liberdade de
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Um método revolucionário

  • 1. Nadja do Couto Vale Reflexões à Luz do Espiritismo 2a Edição, revista 2010 ICEB Edições Todos os direitos de reprodução, cópia, comunicação ao público e exploração econômica desta obra estão reservados única e exclusivamente para o Instituto de Cultura Espírita do Brasil - ICEB. Proibida a reprodução parcial ou total da mesma, através de qualquer forma, meio ou processo eletrônico, digital, fotocópia, microfilme, internet, cd -rom, sem a prévia e expressa autorização da Editora, nos termos da lei 9610/98 que regulamenta os direitos de autor e conexos. A todos os Amigos que, ao longo dos anos, em ambos os planos da vida, me ajudaram, me ajudam e ainda me ajudarão a chegar ao Grande Destino de Luz, A meu pai, Nildston do Couto Valle, in memoriam, A minha mãe, Nadir Guimarães Valle, meus amantíssimos Educadores, pela inestimável bênção de ser filha, A Fabiola e Isabella do Valle Zonno, modelos de amigas e sobrinhas, A Fabiola do Valle Zonno, pelo projeto da capa, que inclui pintura de sua autoria, Ao Instituto de Cultura Espírita do Brasil, Casa de Deolindo Amorim, pela oportunidade do convívio fecundo nessa Atenas do Conhecimento à Luz do Espiritismo, A César Reis, Mana Amélia Serrano e Ronaldo Serrano, que conduzem no plano material o nosso ICEB, A Fátima Moura, pelo carinho e companheirismo na digitalização das alterações para esta edição, Por tudo, e sempre, minha gratidão profunda. Sumário Prefácio. .09 Introdução 11 Capítulo 1 - Um Olhar sobre Kardec 13 Capítulo 2 - O Espírito como Realidade: do Mítico ao Científico .21 Capítulo 3 - Entendei-vos quanto às Palavras 59 Capítulo 4 - Liberdade e (In)Tolerância Religiosa 77 Capítulo 5-Perdidos no Tempo e no Espaço? 91 Capítulo 6 - Mediunidade e a Ética do Dar 103 Capítulo 7 - Da Satisfação das Necessidades à Felicidade. .111 Capítulo 8 - Religião, Multiculturalismo e Simbiosofia 123 Capítulo 9-Do Homem Velho ao Homem Novo 151 Capítulo 10 - Sinais dos Tempos e o Novo Religare 167 PREFÁCIO Nós, espíritas, somos econômicos em elogios. No entanto, é difícil conter o entusiasmo ao ler este livro. Ele é, ao mesmo tempo, preciso e instigante, denso e leve, claro e sutil, esperançoso e crítico, profundo e simples. É um livro que
  • 2. desconstrói e constrói, acenae orienta, ancora e é leme, com realismo e otimismo. Que nos perdoe nossa querida amiga e irmã Nadja, em sua modéstia e humildade, mas o ICEB saúda o Reflexões à Luz do Espiritismo como uma fusão de bons momentos dignos de Herculano Pires, Hermínio Miranda, Jorge Andréa e Carlos Pastorino. Quando terminamos a leitura, fica óbvio que o Espiritismo é uma ciência que é uma filosofia é uma religião. A Casa de Deolindo Amorim está feliz com este lançamento de sua expositora que fala como pensa e escreve tão bem quanto fala, e reafirma o encontro de sua mente poderosa com o seu coração magnânimo. Este livro é uma celebração. Refletir com ele é um privilégio. Nosso respeito e nossa gratidão a Nadja do Couto Valle. César Soares dos Reis Diretor Presidente do ICEB - Instituto de Cultura Espiritado Brasil INTRODUÇÃO Esta pequena coletânea de textos espelha alguns recortes da realidade que o mundo atual enfrenta, quando são chegados os tempos, tal como anunciou Jesus. A perplexidade humana é imensa, perante os cataclismos físicos, sociais e morais com que se defronta a Humanidade e diante das incessantes inovações com que a tecnologia avança, prenunciando um mundo que se renova praticamente a cada ano. À luz do Espiritismo, todas as situações e manifestações do homem na Terra encontram a explicação justa e clara no pano de fundo das claridades espirituais da Doutrina codificada pelo iluminado Allan Kardec Como estudante do Espiritismo, buscamos modestamente trazer essa luz por sobre alguns dos temas da atualidade, e partilhar essas reflexões singelas com nossos companheiros de ideal espírita, com os simpatizantes da Doutrina Espírita, bem como com todos que se interessam pelo descortino de explicações para os movimentos da vida em suas várias instâncias. Três dos artigos que aqui reunimos foram publicados em Reformador', Órgão da Federação Espírita Brasileira, com a 11 única alteração de separação por tópicos apenas para manter uma certa uniformização na apresentação formal dos textos. Outros resultam de participação em Congressos nacionais e internacionais, e outros ainda atendem à solicitação do ICEB de registrarmos algumas idéias que desenvolvemos em palestras na Casa de Deolindo Amorim. Sobre o conteúdo deste pequeno volume não repousa qualquer mérito senão o de buscar divulgar, ainda que palidamente, a riqueza da contribuição do Espiritismo para a análise dos quadros da vida e das conquistas do pensamento, gerando esperanças e estímulos para esforços mais avançados. Reconhecendo que nos faltam os valores espirituais e culturais necessários à tarefa em sua expressão mais alta, rogamos aos companheiros que nos honrarem com a leitura destas páginas, que as aceitem como preito de fraternidade e de alegria na comunhão em torno dos valores eternos do Espírito, pelo que nosso pequenino coração agradece
  • 3. e roga a Deus e a Jesus as bênçãos abundantes da Paz, do Amor e da Luz por sobre todos. Assim seja. 12 Capítulo 1 UM OLHAR SOBRE KARDEC I. Todo mês e todo dia celebramos Kardec quando estudamos a Doutrina Espírita, quando alargamos o descortino das compreensões mais dilatadas sobre os "comos" e os "porquês", os motivos e consequências da vida e da morte, suas leis e fatos, forças e fenômenos, bem como os da natureza e dos sentimentos humanos; sobre o reconhecimento da Paternidade Divina e da comunhão universal de todos os seres; sobre a mediunidade. E quando praticamos a mediunidade - celebramos Kardec! E o fazemos do modo como certamente mais agrada ao mestre de Lyon, sem alardes nem fanfarras, com disciplina e rigor metodológico, sinceridade de propósitos e desejo de servir e progredir, boa vontade e o cuidado de preservar a impessoalidade e a pureza doutrinária do Espiritismo. II. A Tarefa No entanto, devido ao zelo na busca dessa preservação, frequentemente Kardec é referido como sendo "apenas" o Codificador, "só" o Codificador. Mas um breve momento de reflexão nos informa que codificar é colocar sob um código, dispor, arrumar, grupar ideias afins; formatar, disciplinar ideias e procedimentos visando constituir um corpus teórico com a necessária garantia de coerência interna e externa. Isto será pouco? 13 A extensão e a natureza do material a ser codificado podem apresentar desafios adicionais à tarefa. No caso de Kardec, o material chegou-lhe de várias localidades do planeta, em muitos cadernos com apontamentos mediúnicos. Diante desse desafio, sua habilidade no trato de seis sistemas linguísticos, e também a sua capacidade de organização lógica do pensamento e de identificar a essência de cada comunicação e de cada assunto, certamente muito o ajudaram a grupar aqueles apontamentos em grandes blocos de ideias e princípios. Valeram-lhe também, por certo, sua formação erudita e vasta cultura geral, seu bem desenvolvido raciocínio filosófico (que é diferente de conhecer informações sobre história da filosofia) e a capacidade inegável, encontrada em sua mais alta expressão entre os grandes professores como ele: a de perguntar. Mas de perguntar? Sim, a de perguntar. Muitas vezes, em Ciência e principalmente em Filosofia, isto é particularmente verdadeiro: mais vale uma boa pergunta do que uma boa resposta. Ê por isto que podemos ter a segurança inabalável de poder dizer que todas as nossas perguntas estão respondidas pelo Espiritismo. Porque Kardec foi capaz de fazer as perguntas certas, que esgotam todos os assuntos, que antecipam todas as conquistas nos vários campos do conhecimento e atuação do homem, que atendem à saudável curiosidade daquele que, em qualquer idade cronológica ou espiritual, quer aprender, esgotando os assuntos em suas nuanças e emprestando ao cotidiano
  • 4. humano na Terra a importância da grandeza das Leis Divinas, alçando-o, portanto, ao nível das importâncias transcendentais. E, além disso, Kardec aliou a esse tipo superior de pergunta, que necessariamente não tem que vir sob forma 14 interrogativa, a precisão da organização lógico-dedutiva, sequência e dosagem no trato do conteúdo que tinha em mãos. Isto tudo sem violentar o próprio universo de cada área do conhecimento humano e preservando a clareza didática imprescindível a qualquer educador ou obra que pretenda ensinar. Tudo isto certamente não é pouco e já o torna o grande Codificador. III. O Método Mas há ainda uma outra característica extraordinária do grande Mestre de Lyon: o Método. Buscando analisá-lo, precisamos considerar o clima da segunda metade do século XIX, em que se respiravam grandes inovações nos vários campos do conhecimento humano: Biologia, Física, com destaque para a área da energia, Química, Astronomia, Matemática, Estatística, etc. IV. Angulações na Abordagem ao Conhecimento Por falar em conhecimento, há que se lembrar a discussão, pela Filosofia, sobre a origem, a natureza e a extensão do conhecimento ou das possibilidades de conhecimento. 4.1A origem do conhecimento está nos sentidos, na experiência, segundo o Empirismo, ou na razão, para o Racionalismo, enquanto que o Criticismo de Kant, para o qual convergem as duas vertentes anteriores, assume uma posição relativista quanto ao conhecimento: aceita o valor e a infalibilidade do conhecimento humano dentro dos limites da experiência, mas considera-o inadequado para transcender esses limites, que são o domínio da razão prática, com os imperativos categóricos a fundamentar esse campo que é o da moral. 15 4.2 A natureza do conhecimento é definida pelo tipo de relação que se pode estabelecer com o que se quer conhecer, como exemplificam as chamadas ciências humanas e ciências físicas. 4.3 Aextensão do conhecimento diz respeito à possibilidade de podermos atingir o absoluto e a natureza íntima das coisas, inclusive Deus e a alma, como estatui o chamado dogmatismo de Platão e Hegel; ou se nosso conhecimento nos limita ao mundo dos fenômenos, como postulam o agnosticismo e o positivismo de Kant e Comte, não nos autorizando, portanto, a nos pronunciarmos sobre os problemas fundamentais da natureza da matéria, da essência e da imortalidade da alma humana, e da existência de Deus. Mas, na esteira do tempo, desgastaram-se a vertente do Empirismo de John Locke, datado do século XVII, que postula que todo conhecimento provém dos sentidos, na linha aristotélica, e que possibilitou o Positivismo de Comte, e a vertente do Racionalismo, com destaque para Descartes, que postula que todo conhecimento provém da razão. Esgotadas as possibilidades investigatórias das duas correntes, de uma certa forma estavam paralisadas a Filosofia e a Ciência na Terra, até que o pensamento de Kant veio resolver a questão, conciliando criativamente esses dois caminhos.
  • 5. Quanto à natureza do conhecimento, importa considerar uma espécie de "personalidade" de cada área de investigação, mas, no caso do século XIX, as chamadas ciências humanas foram desenvolvidas, de um modo geral, sob a ótica da psicologia social de Auguste Comte, que propunha o desenvolvimento delas regido pelo vezo ou angulação das ciências físicas, aplicando as leis destas àquelas, observados os experimentos de laboratório e de mensuração precisa. 16 Quanto à extensão do conhecimento, no universo intelectual dominado pelo Empirismo e pelo Positivismo, o limite era o da constatação no laboratório, ficando, portanto, fora de suas cogitações o que não pudesse ser susceptível de análise pelos equipamentos e procedimentos laboratoriais. Nesse âmbito do incognoscível estariam a existência e a natureza de Deus, a natureza e a imortalidade da alma e a natureza da matéria. Não é a esfera do ateísmo, que nega Deus, mas a do agnosticismo, que admite sua impossibilidade de penetrar o conhecimento de tais coisas, cuja natureza é diversa da de seus objetos de conhecimento do mundo físico. Contrapõe-se ao dogmatismo, com destaque para Platão, que postula que é possível conhecer a essência das coisas, inclusive Deus e a alma. Todo o ambiente no qual Kardec estava mergulhado era de cunho, influência e domínio positivista, tendo sido ele próprio formado nesse ambiente que lhe forjara o rigor científico; mas este, na intimidade do Prof. Rivail, foi conciliado com as inspirações humanas do universo educacional de Pestalozzi. V. O Desafio e a Solução Kardec está diante de um grande dilema. Os fenômenos de mediunidade ostensiva, como os raps, mesas girantes e cestas falantes, do ponto de vista de sua origem, inscrevemse no universo de investigação do Empirismo e do Positivismo. Mas sua natureza e extensão inscrevem-nos nas ciências do campo humano, do ponto de vista dos médiuns e, simultaneamente, na esfera do incognoscível - o campo do Espírito, portanto, transcendental. O Prof. Rivail resolveu competente e consistentemente a questão, para cuja solução foram indispensáveis a inquestionável 17 ousadia intelectual, a coragem da abordagem dialética, o inquebrantável caráter conciliador, a inabalável confiança na proposta de trabalho e no poder da razão - inaugurando o - apenas aparente - paradoxo da metodologia do que poderíamos chamar de "positivismo transcendental" ou "positivismo metafísico", de que é exemplo máximo O Livro dos Médiuns. Com isto, o Prof. Rivail resolveu também as questões historicamente exclusivas da esfera da fé, integrantes de correntes teológicas desgastadas e que não mais se sustentavam - e assim estatuiu intelectualmente a fé raciocinada. Ou seja, codificou na linguagem intelectual da filosofia e da ciência o recado espiritual de conciliação, de que tudo está em tudo. Pôs o constructo teórico do Empirismo e do Positivismo a serviço da metafísica, conciliando o que era tido como inconciliável. Uma tarefa de gigante.
  • 6. Por isso não é de se estranhar que a formatação, a estrutura e o arcabouço formal da Codificação da Doutrina Espírita sejam positivistas com sua sequência lógico-objetiva, perguntas encadeadas, esquemas, classificações, hierarquizações, exemplificação e correlação com a chamada realidade objetiva - enquanto que seu conteúdo é predominantemente de natureza transcendental, metafísica, como a existência de Deus e do Espírito, a imortalidade da alma, e a comunicabilidade entre os planos da vida. Mas a coragem intelectual do Prof. Rivail/Kardec não para aí. Ele mobilizou os vastos recursos que como Espírito armazenou ao longo de encarnações, que ele certamente aproveitou como verdadeiras jóias, para ser também uma espécie de profeta, codificando as antecipações veladas ou 18 não que os Orientadores Espirituais da Humanidade nos traziam. Em suas Notas preciosas, que ele acrescentou valorosamente às instruções desses Benfeitores Espirituais, Kardec sustentou, com linhas argumentativas de natureza filosófica e científica, todas as predições que o Espiritismo oferecia aos homens e que a ciência nada mais tem feito senão corroborar, confirmar. Deste ponto de vista, o Prof. RivailKardec torna-se o profeta ou co-profeta na antecipação das conquistas que hoje se vão estruturando, corporificando diante de nós, nos vários campos de atuação da humanidade. Outros aspectos grandiosos da marca inconfundível do processo de Codificação da Doutrina Espírita podem também, e ainda, ser levantados e alinhados. Mas o que aqui dissemos não basta para que ele se erga como O Codificador, esteio encarnado para a consubstanciação da promessa de Jesus à Humanidade? 19 Capítulo 2 O ESPÍRITO COMO REALIDADE: DO MÍTICO AO CIENTÍFICO I. Desde tempos recuados, registros indiciam a crença em um retorno, e revelam uma intuição da realidade metafísica como uma espécie de nostalgia do infinito, tornada manifesta na cosmovisão dos povos primitivos, de índios em toda parte, egípcios, hindus, gregos, essênios, dentre outros. Tais registros dão conta do Espírito como algo que transcende a chamada realidade objetiva, vale dizer, o corpo físico, a morte. Assim o conceito de imortalidade faz-se presente na cosmovisão de todos os povos, revelando uma coisa em comum, uma essência, um quid, ou essa realidade suprafísica e independente que transcende a personalidade no mundo material. II. A intuição da imortalidade Os homens da época pré-histórica, chamada megalítica, sepultavam os mortos colocando-lhes nos túmulos armas e adornos, o que induz à conclusão de que tais populações primitivas tinham a intuição de uma existência segunda, sucessiva à terrena, patenteando, portanto, a intuição da imortalidade, ou da realidade espiritual, ou seja, a de que o 21 homem não morre de todo. Em toda parte, inclusive nas Américas, e particularmente no Brasil, os índios enterram seus mortos observando certas
  • 7. condições que levam à mesma conclusão. Ao longo dos tempos, e mesmo nos dias atuais, as tribos mais selvagens crêem em uma certa imortalidade do ser pensante, como é o caso de comunidades mencionadas no século XIX por Ferdinando Denis, em seu Universo pitoresco, como as tribos da Oceania, da América e da África, e ainda outras tantas citadas por Taplin, em seu Folklore manners ofAustralian aborígenes. Narrativas de viajantes através dos tempos têm atestado a sobrevivência da alma como crença de tribos primitivas. III. A consciência mítica Que faz com que todas as criaturas, em todas as latitudes e em todos os tempos, tenham revelado essa intuição de algo sobrevivente após a morte? Se a consciência filosófica tiver humildade para reconhecer a possibilidade de se estabelecer uma leitura, em continuidade, do progresso do pensamento humano, reconhecerá a existência de uma consciência mítica, e mais do que isso, reconhecerá que dela nasceu, e dela se separou lentamente. Tal consciência não é desvalorizada de inteligência, atestando, antes, uma posição permanente do pensamento humano em geral. Essa consciência arcaica primitiva corresponde, na verdade, a um primeiro estabelecimento do homem na Terra. Essa proposta, de Georges Gusdorf, em Mito e metafísica, em nada faz eco à de Auguste Comte sobre a lei dos três estados, segundo a qual a humanidade evoluiria de 22 maneira contínua da idade teológica - em que recorreria a seres transcendentes e divinos para explicar os fenômenos da experiência - à idade metafísica, em que recorre a entidades racionais, abstratas, até alçar-se à idade positiva, caracterizada pela subordinação da imaginação e da argumentação à observação, na qual se pretende entender os fatos unicamente em sua realidade empírica, e em suas relações científicas. Na verdade, nem Comte pode negar, e não chegou a negar mesmo, os registros de tribos primitivas, indicativos da intuição da sobrevivência do Espírito ao corpo físico, que dizem respeito ao tempo dos mitos, pré-história da filosofia, em que reinam absolutos, sem concorrência com o chamado pensamento racional. O primitivo tem uma leitura única, indissociada, das imagens do mundo: ele lê a imagem "real", "objetiva", junto com a "mítica". Assim, o mito é a estrutura do conhecimento que o homem adquire de si mesmo e de seu entorno: na verdade o seu primeiro conhecimento. Desse modo, conclui Gusdorf, a consciência humana afirma-se, desde sua origem, como estrutura do universo. IV. O mito De Rousseau e Diderot a D. H. Lawrence e Melville, o "bom selvagem" sonha com uma espécie de retorno ao seio maternal do universo, numa espécie de nostalgia de uma integridade perdida, guardada pelo mito, e que traz em seu bojo o que Gusdorf chama de "intenção restitutiva". O mito tem então a função de retorno à ordem, de (re)integração, 23 Religião, o que está presente no mito pode ser expressão do sentido e vivido em
  • 8. condição pré-natal, como postulam Sócrates e Platão e, portanto, essa inteligibilidade e formulação podem muito bem emergir na vida material como narrativa pós-natal, para dar roupagem à nostalgia de infinito e à integridade perdida, entrevistas nas estruturas míticas, que têm validez permanente, não histórica, mas ontológica. A ontologia primitiva apresenta, pois, uma estrutura platônica, pois o mito é um fato que se deve repetir, segundo a observação de Van der Leeuw, que está em consonância com o princípio da metafísica primitiva, tal como formulado por Mircea Eliade, no sentido de que um objeto ou um ato tornase real na medida em que ele imita ou repete um arquétipo. A idéia de repetição, enunciada por Eliade como "eterno retorno", não implica, como a expressão e o conceito gregos evocam, a ideia de tempo, porque o pensamento primitivo não tem consciência do tempo. O mito não perde sua modalidade existencial justamente porque se passa fora do tempo, ou seja, em um tempo transtemporal, ou na extensão total do tempo. Na última fase do pensamento de Schelling, caracterizada pela integração do problema do pensamento religioso em sua filosofia, a mitologia é considerada um sistema simbólico de ideias, com sua própria estrutura apriorística, que, desvendada, revelaria como os mitos constituem formas de expressão da volta ao absoluto divino. Para Schelling, a mitologia precede a revelação de um Deus único, o que pode reforçar a ideia de que o homem primitivo efetivamente intuía, ou "conhecia" a realidade 26 da instância espiritual que lhe constituía o ser, pois Schelling é crítico decisivo da tese alegorista dos mitos, por esta não levar em conta a anterioridade do elemento divino da mitologia, que não é alegórica, mas tautegórica. Para ela, os deuses são seres que existem realmente, que não são nem significam uma outra coisa, mas significam somente aquilo que eles são. Para o filósofo, o essencial do mito é o seu sentido direto, pois as representações mitológicas não foram nem inventadas, nem livremente aceitas, e, como produtos de um processo independente do pensamento e da vontade, elas eram, para a consciência que lhes fazia o registro, de uma realidade incontestável e irrefutável. E no que diz respeito à realidade imortal do Espírito, a ideia encontra-se no seio de todos os povos. V. Ritos e crença no Espírito imortal Mesmo em civilizações consideradas adiantadas em tempos mais recuados, como as do Egito, China e índia, ou principalmente nessas, encontram-se registros e ritos indicativos da crença na realidade do Espírito imortal. Mas a despeito de avançadas, a rigor, tecnicamente, não tinham entrado na história. Como observa Gusdorf, a história, dimensão antropológica, corresponde a uma nova tomada de consciência da experiência da qual a escrita, assim como a cronologia, não são um sinal suficiente. Segundo ele, até quase nossos dias, a China e a índia, que há tanto tempo conheciam a escrita, não haviam entrado na história no sentido antropológico do termo. É necessário mais do que a invenção de uma ou outra técnica particular, a escrita ou a cronologia, para passar de uma consciência ontológica para uma
  • 9. consciência de estrutura histórica: e esta tem-se revelado, em essência, a 27 dificuldade de se afirmar a crença no Espírito imortal. Talvez em nenhum povo o sentimento da sobrevivência tenha sido tão vivo quanto entre os chineses, em cujo seio pulsa o culto aos Espíritos desde a mais remota antiguidade. Prestavam honras e cultos aos Espíritos e às almas dos antepassados, crenças respeitadas por Confúcio, que certo dia admirou máximas escritas um e meio milênio antes, sobre uma estátua de ouro, no Templo da Luz, sendo uma delas a seguinte, citada por Gabriel Delanne: "Falando ou agindo, não penses, embora te aches só, que não és visto, nem ouvido: os Espíritos são testemunhas de tudo."3 No Celeste Império dos chineses antigos, os céus são povoados, como a Terra, não somente pelos gênios, mas também pelas almas dos homens que viveram no mundo material. Na vetusta índia, os textos mais antigos de que se dispõe, os hinos do Rigveda, atestam, três e meio milênios atrás, que os homens que viviam no Sapta Sindhu, ou país dos sete rios, tinham intuições claras sobre o além da morte. E depois de muitos séculos, os sacerdotes, com base provavelmente em visões em sonho, e em aparições naturais, codificaram a vida futura, sendo o céu védico a morada definitiva dos deuses imortais, a sede da luz eterna, a mansão de constante alegria, a origem e base de tudo o que é, morada divina habitável pelo ser humano. Na antiga Pérsia, atual Irã, a doutrina do grande legislador Zoroastro concebe emanações abaixo do Ser Incriado, gênios celestes, e também uma série de Espíritos, de "gênios", 28 de ferúers, pelos quais o homem pode crer que tem em si algo de divino, cuja função seria insuflar o pensamento do bem no cérebro do homem e vigiar, guardar essa criatura amada do deus. Assim, a Zoroastro pode ser atribuída a paternidade da concepção do que hoje se chama o "eu" superior, a consciência subliminal, e da teoria dos anjos guardiães. Já no Egito, nada conseguiu destruir ou abalar a fé em uma segunda vida do homem, ideia que atravessou, intacta e imutável, os tempos e as civilizações egípcias, sendo que a mais antiga crença data de cinco milênios a.C, e considera a morte como uma simples suspensão da vida física. Por isso a presença de tantos ritos pela ocasião da morte. É sabido de há muito que o mito se distingue do simples relato ou da lenda pelo fato de estar ligado a uma ação religiosa, a um rito, que fundamentalmente é o mito em curso. Gestos, palavras, comportamentos rituais não são, portanto, meros automatismos da fé, mas enquanto instrumentos do rito visam, em si mesmos, suscitar o mito. A própria ação ritual realiza, pois, no imediato, uma transcendência vivida, facultando ao indivíduo, em seu cotidiano dessacralizado, o acesso a uma sobrerrealidade que transfigura tanto a ele mesmo quanto ao quadro de sua vida. Assim, o rito passa a ter o sentido de uma ação essencial e primordial, pela referência que institui do profano ao sagrado.
  • 10. VI. O sentido do sagrado No entanto, diante desse desmembramento, ou ruptura, a consciência mítica realiza incessantemente a unidade. 29 Desse modo, como observa Gusdorf, o sagrado seria uma reserva de significação, em vez de ser um conteúdo puro ou uma forma pura, e desse ponto de vista é a matriz de possíveis sentidos do universo. Ele assinala ainda que o sentido do sagrado aparece, assim, na origem mesma da metafísica. Os egípcios, ritualizando a transcendência da morte, ao promoverem, para seus mortos, a travessia do rio com todos os pertences e elementos que lhes atendiam as necessidades durante a vida material, evidenciam que o sentido do sagrado acaba perpetuando, em sua afirmação religiosa ou parareligiosa, o anseio de satisfação plena de todos os valores humanos. E revelam ainda o sentido de unidade que a consciência mítica realiza incessantemente, tendo instituído o rio, como linguagem, na função de hífen entre os dois mundos, material e espiritual, ou entre os dois planos da vida. As cerimônias fúnebres realçam o fato de que o mundo mítico é imortal, o que justifica os objetos guardados, ou remetidos, junto com os mortos. A arte entra então, ainda que na condição de elemento de ordem material, como instrumento ilustrativo da imortalidade, atendendo à urgência de formas imperecíveis. Assim, a arte, bem como certos rituais de enviar tudo com o cadáver, evidenciam enfrentamento da experiência da morte, assegurando o triunfo do princípio ontológico da conservação ou da imortalidade. As cerimônias fúnebres informam ainda que, por trás das barreiras do sagrado, abriga-se o mundo dos mitos, dos espíritos, dos poderes e das onipotências metafísicas, 30 e objetos de crença. É igualmente no sagrado, para os fins do rito, que se inscrevem o tempo sagrado e o espaço sagrado. O mito, em sendo, ou exatamente por ser, objeto de fé, move-se em um tempo original, simultaneamente eterno e atual, ou seja, assume a feição temporal- transtemporal. O simbolismo do mito faz o homem triunfar da morte. Já o espaço mítico opõe-se ao espaço vazio e formal dentro do qual se situam nosso pensamento e nossa atividade, no qual colocamos coisas, objetos, pessoas. O espaço do primitivo não é apenas um continente de coisas, mas um lugar absoluto, não exclusivamente racional, funcional. É também o espaço dos espíritos na vida futura, de certa forma antecipando, guardadas as proporções, a Platão. Em sua La mentalité primitive, Lévy-Brühl, citado por Gusdorf4, assinala que "as regiões do espaço não são concebidas, nem propriamente representadas, mas antes sentidas em conjuntos complexos, onde cada uma delas é inseparável daquilo que ocupa. A participação entre o grupo social e a região, que é a sua, não se estende somente ao solo e à caça que nele vive: todos os poderes místicos, espíritos, forças mais ou menos claramente imaginadas que nela se situam, têm a mesma relação íntima com o grupo." VII. O Espírito como realidade
  • 11. Os egípcios acreditavam que, depois da imobilidade cadavérica, o corpo retomava o "sopro" e ia habitar muito longe, a oeste deste mundo. Mas antes mesmo das primeiras 31 dinastias, passou a vigorar a ideia de que apenas uma parte do homem ia viver uma segunda vida, em um corpo diferente, ainda que proveniente do primeiro, porém mais leve, menos material, que eles chamavam de ka, o duplo, ao qual se prestava o culto dos mortos entre 5004 e 3064 a.C Ao longo do tempo, a imortalidade do corpo foi substituída pela imortalidade do Espírito, com a noção de que o corpo e seu duplo permaneciam para sempre no túmulo, enquanto que a almainteligência, servindo de "corpo" ou invólucro à essência luminosa (ba ou baí) - que compunha a pessoa humana, junto com o corpo físico, com o ka, e com a substância inteligente ou khou - ia viver com os deuses a segunda vida. Essa idéia do ka é encontrada também no pensamento hindu, segundo o qual, depois da morte, a alma é revestida de um novo corpo, luminosa névoa resplandecente, de forma brilhante, que é transportada à morada divina. Delanne lembra a citação que G Pauthier faz de Confúcio, a esse propósito: "Como são vastas e profundas as faculdades dos KoüciChin (Espíritos diversos)! A gente procura percebê-los e não os vê; procura ouvi-los e não os ouve. Identificados com a substância dos seres, não podem ser dela separados. Estão por toda parte, acima de nós, à nossa esquerda, à nossa direita; cercam-nos de todos os lados. Entretanto, por mais sutis e imperceptíveis que sejam, eles se manifestam pelas formas corpóreas dos seres; sendo real, verdadeira, a essência deles não pode deixar de manifestar-se sob uma forma qualquer."5 O corpo fluídico do Princípio pensante, Nephesh para 32 os cabalistas, ou intérpretes do esoterismo judeu, só foi incorporado ao pensamento dos hebreus, na Judeia, ao tempo de Moisés, ao contato daquele povo com o cativeiro de Babilônia, que então assimilou, de seus vencedores, a ideia da imortalidade e a da verdadeira composição do homem. Não é de se estranhar que em Homero seja frequente os moribundos profetizarem, e a alma de Pátroclo visitar Aquiles em sua tenda, porque também os gregos, desde a mais alta antiguidade, estiveram de posse da verdade sobre o mundo espiritual. Para eles, a generalidade dos humanos era guiada por Espíritos comuns, e os doutos por Espíritos superiores. Thales ensinava, seis e meio séculos antes de nossa era, que o Universo era povoado de demônios e de gênios, testemunhas secretas de nossas ações, mesmo dos nossos pensamentos, sendo também nossos guias espirituais. Ideia circulante também na China. Epimênides, contemporâneo de Sólon, declarava- se guiado por Espíritos e frequentemente recebia inspirações divinas. Sócrates, e principalmente Platão, povoaram de Espíritos a distância entre Deus e o homem, considerando-os gênios tutelares dos povos e dos indivíduos, ao mesmo tempo em que eram também inspiradores dos oráculos. Cada homem tem por guia um demônio particular, ou Espírito familiar, e o próprio Sócrates tinha o seu daimon - palavra com que os gregos designavam os Espíritos - que constantemente lhe falava e o guiava em todas as circunstâncias. Para os gregos da época clássica, a alma preexiste ao corpo e chega ao mundo dotada do conhecimento das ideias eternas, mas, quando da união com o corpo,
  • 12. esse conhecimento 33 fica obnubilado e vai-se desvelando com o tempo, o trabalho, o uso da razão e dos sentidos. Assim, aprender é recordar, e morrer é voltar ao ponto de partida e tornar ao estado primitivo: de felicidade para os bons, e de sofrimento para os maus. Tal como os egípcios, também os gregos, para explicar a união do Espírito ao corpo físico, conceberam a existência de uma substância mista, que chamaram de ochema, que lhe servia de envoltório, e que os oráculos, por sua vez, designavam por veículo leve, corpo luminoso, carro sutil, e Hipócrates por enormon, ou corpo fluídico. Já Allan Kardec, no século XIX, cunhou a palavra perispírito para designá-lo, usada pela primeira vez em O Livro dos Espíritos, em 1857. Quase toda a antiguidade mais ou menos admitiu essa doutrina, embora fossem vagos e incompletos os conhecimentos de então sobre o corpo etéreo. À medida que a meditação em torno do tema prosseguiu, aumentando automaticamente a distância conceitual entre a alma e o corpo, foram surgindo várias teorias que explicitavam a diferenciação entre as duas substâncias. Assim surgiram as "almas mortais" de Platão, as "almas animais e vegetativas" de Aristóteles, o ochema e o eidolon dos gregos, o nephesh dos hebreus, o baí dos egípcios, o "corpo espiritual" de São Paulo, os "espíritos animais" de Descartes, o "mediador plástico" de Cudworth, o "organismo sutil" de Leibniz, ou a sua "harmonia pré-estabelecida", o "arqueu" de Van Helmont, o "corpo aromai" de Fourier, as "ideias-força" de Fouillé, e muitas outras, permanecendo todas como constructos da razão, a que a Doutrina Espírita veio dar, no século XIX, 34 a demonstração pela via da ciência ou seja, da observação e da experiência. VIII. Cosmovisão A consciência mítica trabalha com a unidade e, no sentido da unidade, é essencialmente consciência de unidade e, como tal, pode-se dizer que abrange os dois planos da vida, ou seja, a Vida é unidade. Tal postura torna-se manifesta inclusive na constatação dos especialistas de que o primitivo não tem nenhuma representação particular da ideia de alma, enquanto distinta do corpo e da matéria em geral, ou seja, é- lhe completamente estranha a dicotomia encontrada junto aos gregos, egípcios e outros povos que, ao conceberem essa distinção, revelam-se já em outro estágio. Na verdade, a estrutura mental do primitivo não lhe permite beneficiar-se dessa "ubiquidade", no sentido de transitar pelo tempo e pelo espaço através da memória, como meio de se "multiplicar" no mundo: ele não consegue estar presente fisicamente em um lugar e transportar-se como Espírito, mentalmente apenas, para um outro lugar que requeira sua presença total. Como bem observa Gusdorf: "O universo do moderno estende-se segundo as indicações mais ou menos contraditórias de uma consciência que sabe pelo menos alguns rudimentos de história, de geografia, de astronomia, de biologia, de física. Já a consciência mítica, de modo muito mais simples e sem nenhuma segunda intenção, é consciência
  • 13. do universo, clave humana 35 do real em sua integralidade. O mundo no seu conjunto a ela se entrega como o Grande Espaço ontológico no qual confluem todos os lugares particulares, justificação e autorização de todos os espaços - o Grande Espaço do Mito, princípio de orientação no ser, porque ele se afirma na medida exata da consciência em expansão de sentido e de valor." E ainda: "Estar no mundo é estar no tempo. O tempo se nos dá como a procissão dos "agora" entre os horizontes do passado e do futuro. A consciência temporal liga-se, assim, ao desenvolvimento da aventura humana cujo sentido, progressos ou fracassos, pretende decifrar. (...) A reação bergsoniana contra o tempo espacializado pela contaminação do espírito científico, fator de homogeneidade e de inteligibilidade discursiva, como também a paciente empresa da fenomenologia, oferecem-se a nós como um retorno "às próprias coisas", à experiência mais ingênua deformada pela influência de maus hábitos seculares."6 Do tempo mítico, que é por natureza qualitativo, talvez se possa audaciosamente dizer que é uma espécie de "rascunho" da durée de Bergson, afinizando-se com o "sentimento" de eternidade, o que inclui a imortalidade do Espírito. Para o poeta e filósofo Novalis, a mitologia contém a história do mundo dos arquétipos e encerra o passado, o presente e o futuro. Do ponto de vista da fenomenologia da percepção, o indivíduo atravessa basicamente três estágios no mecanismo de captação da chamada realidade objetiva. No primeiro 36 deles, há a apreensão gestáltica, ou de conjunto, em que o indivíduo percebe o todo, o conjunto, sem lhe discernir os elementos constitutivos. Isto começa a acontecer no segundo estágio, em que se percebem grandes blocos desses elementos, sem ainda identificar cada um deles. Este processo só vai completar-se no terceiro estágio, quando então o indivíduo é capaz de perceber, de per si, os elementos que constituem o todo percebido. Se tomarmos por base o raciocínio ou princípio de que a ontogênese repete a filogênese, podemos dizer que a consciência mítica representa o primeiro estágio, o que não significa renúncia à razão, pois ela pode até encerrar um sentido de alargamento e enriquecimento da razão, por poder ser entendida como o locus de todas as afirmações de transcendência, a expressão do homem integral, em sua constituição físico-mento-espiritual. No fundo, só a permanência da consciência mítica permite reduzir à unidade as diversas formas de transcendência: teologia, ontologia, doutrinas sociais - outras tantas formulações da exigência mítica. Em sua condição de homem da plenitude, e da unidade, o homem mítico ou primitivo não se percebe como parte integrante do conjunto, ele se percebe como conjunto. Essa primeira consciência pessoal está presa na massa comunitária e nela submergida e, embora dependente e relativa, ainda assim não é uma ausência de consciência: é uma consciência em situação, extrínseca. Como diz Gusdorf7,"pode-se dizer que a personalidade não existe 37 entre os primitivos." No fundo, é como se o primitivo fosse constituído e
  • 14. instituído na Grande Pessoa que seria o seu grupo. IX. Da consciência mítica à consciência intelectual Mas no curso incessante do desenvolvimento humano, ele passa então ao segundo estágio, que requer a percepção de sua figura existencial descolada do todo que percebia assim: gestalticamente. É o momento de disjunção: a revolução socrática traz o advento e a afirmação do "eu" para o pensamento primitivo e, com isso, a legitimação do espiritual. Ou a consciência intrínseca. A reflexão consagra o fim da inocência mítica e a perda do lugar ontológico, garantido pelo mito. O homem passa então da consciência mítica para a consciência intelectual, depois de ter expelido os demônios, os espíritos e os deuses que povoaram o universo mítico, particularmente se for considerada como a idade do mito a da pré-história, que escapa aos historiadores e que é trabalhada pelos métodos de exterioridade, como os da geologia, antropologia e paleontologia. Há simultaneamente dois acontecimentos: o da universalidade e o da personalidade. Este último aparece no momento decisivo para a tradição filosófica do ocidente assinalada pela revolução socrática. Em seus estudos sobre o universo mental primitivo, Lévy-Brühl indica que o progresso deve realizar-se do coletivo para o conceitual. Atesta isso a constatação de que quanto mais se determinam os conceitos sobre os seres e objetos, e quanto mais eles se fixam e ordenam em classes, tanto mais apresentam-se contraditórias e até absurdas certas pré-ligações 38 místicas. Por isso o pesquisador demonstra preocupação em opor a mentalidade pré-lógica ao pensamento positivo. Isto equivale também a dizer que essa idade nova consagra a passagem da comunidade à objetividade. É sem dúvida com Sócrates que se extingue o reino das representações coletivas, que se dão o encerramento da mentalidade primitiva e a ascensão do homem de retorno a si mesmo, ou antes, do partir de si mesmo. Mas a posição do filósofo não é diretamente a de ser adversário das representações coletivas, mas acaba sendo-o, por ser o fundador da razão. Inaugura-se então uma nova idade mental da humanidade, centrada na Razão soberana, na qual a determinação dos conceitos, mediante a maiêutica, ou a técnica dos diálogos socráticos, faz o homem mergulhar na profundidade de si mesmo, instância de determinação sobre o verdadeiro ou falso, o que implica em a dialética ser interior ao pensamento. O "conhece-te a ti mesmo" fundamenta o cogito como origem de uma necessidade humana. Em Fédon, 67a, está dito por Platão que "somente por nós mesmos é que conheceremos a autenticidade de cada coisa". Por isso Gusdorf assinala que, a partir de então, o homem torna-se o "artesão da verdade", quando "a reflexão consagra o fim da inocência mítica."8 Daí em diante a razão vai dar sentido às coisas e acontecimentos, constituindo-se esse olhar racional uma nova chave de transcendência, que vai fazer eco até o século XIX, no qual podemos dizer que 39 conviveram vários espiritualismos, decorrentes de várias tradições, inclusive na linhagem socrática, como Léon Brunschvicg, que citamos, dentre muitos outros, em
  • 15. nosso "Materialismo e espiritualismo na filosofia: culminâncias e sínteses", segundo o qual "o homem pode chegar à consciência intelectual, negando o egoísmo e o apego ao "eu" psicológico, para atingir a Deus, que não sendo realidade transcendente, constitui-se realidade interior ao próprio homem."9 O homem primitivo, que era dado a si mesmo pelo lado de fora, pois a consciência mítica vive da percepção socializada e dogmática, tem agora acesso ao sentido de pessoa, com o advento do eu e, a partir de então, tem acesso à emancipação, mediante a consciência refletida, ou consciência reflexiva, que desponta como uma segunda ontologia, afirmada como reclamação individual. Esse eu que se apresenta como cogito socrático, depois como cartesiano, que impõe o primado do eu reflexivo, conhecido antes de Deus e do mundo, passa igualmente pela crítica kantiana, que põe em destaque a estrutura do eu transcendental que marcará o conjunto do conhecimento humano. Em sua Philosophie der Symbolischen Formen, Cassirer, citado por Gusdorf10, observa que "o eu, essência própria do homem, não se descobre senão pela via do eu divino". 40 A consciência de si afirma-se como descoberta do corpo, como localização territorial da autonomia pessoal, e o eu psicológico, antes visto como errante ou difuso por todas as partes longe do corpo, enfim vai fixar-se na percepção da posse do corpo. Mas como o corpo é evidentemente individualizado, há, portanto uma contrapartida na personalização do pensamento e da vida, como promoção espiritual do eu. A este novo cunho da ontologia corresponde uma noção de alma, como dimensão nova da vida, elaborada, no pensamento grego, em Platão, Aristóteles e nos estóicos, reconhecendo assim, em cada indivíduo, um destino separado que se realiza isoladamente. A dualidade da natureza humana explicita-se com toda nitidez em Descartes e em Kant, que têm a preocupação em reduzir as paixões e neutralizar o elemento menos saudável, instituído no pensamento humano pela existência do corpo. Pode-se dizer que o progresso realiza-se com rigor crescente, como atesta a trajetória do pensamento moderno, de Descartes a Spinoza, Malebranche e Leibniz, e de Kant a Fichte e Hegel. A inteligência secularizada suscita, pois, o conhecimento objetivo, abrindo assim caminho para a construção progressiva das ciências, eis que o homem moderno, tendo perdido seu posto ontológico, e procurando-o sem cessar, vai inventar a religião, a filosofia, a política, visando recuperar a segurança perdida. Com Descartes, o racionalismo assumiu "seus traços característicos - o valor do conhecimento, a racionalidade, a importância do método, o subjetivismo e a preocupação central no problema gnosiológico: é o primado da razão, 41 depois do primado da fé, no período medieval, que faz a investigação filosófica voltar-se de Deus para o homem, do céu para a terra."11 Portanto, depois do período em que a consciência mítica cultuava espíritos sem qualquer balizamento lógico - embora hoje se lhe reconheça uma lógica própria; e depois do advento da razão com a revolução socrática, da qual defluíram tanto sistemas filosóficos e morais, como científicos, com relevo para a especulação de natureza
  • 16. filosófico-religiosa, com a patrística e o tomismo, em que filosofia e teologia eram um amálgama só - o pensamento moderno, com o primado da razão, inobstante, contempla a existência do espírito. N. Malebranche, o mais célebre defensor de Descartes, que aceita as teses cartesianas fundamentais, fala dessa relação, embora só admita o inatismo ontológico: "vemos as ideias de todas as coisas no próprio intelecto de Deus, isto é, nós temos a intuição da mente divina, o verdadeiro lugar das ideias ou o lugar dos espíritos, [...] o que o leva a sistematizar o ocasionalismo, segundo o qual devemos entender tudo como "ocasião" ou instrumento da vontade divina, ou seja, toda energia produtora de ser e de atividade pertence propriamente a Deus."12 X. A realidade do Espírito: a culminância da discussão A consciência intelectual, já na sua origem socrática, não exclui a realidade do Espírito, antes, afirma-a, desdobrando-se 42 a partir de então, uma série de sistemas que a confirmam. Esse estágio do desenvolvimento do homem na Terra voltou-se, no entanto, também para a sua negação, ensejando o pensamento materialista. Em verdade, antes do Cristo, Tales, em Mileto, já interrogava sobre o Espírito e a Matéria, preocupado com a constituição da vida, inaugurando-se, nessa época, o pensamento metafísico que se iria desdobrar, logo depois, nas escolas idealista e atomista, que tentaram assim balizar os planos da Criação. O materialismo é um fenômeno recorrente na história do pensamento, remontando ao atomismo e epicurismo gregos, ao averroísmo medieval e ao mecanicismo moderno, mas atinge uma culminância no século XIX como movimento filosófico, e passa, no século XX, a movimento cultural de amplas proporções. A experiência sensitiva e o método científico, alçados à categoria de critério de verdade, fundamentaram uma interpretação materialista do real. No século XIX, o positivismo imperou quase que dogmaticamente no panorama do pensamento, mas errou ao restringir ao campo das ciências experimentais toda a possibilidade de conhecimento, descartando campos de natureza diferente, como a metafísica, a arte, a moral e a religião. Isto acabou por gerar uma crise interior da ciência mecanicista, idolatrada, idealizada pelo positivismo. A essa fase seguiu-se uma outra, de reconstrução filosófica, em nome da razão, que admite as exigências metafísicas ou espiritualistas, e que vai estimular correntes antipositivistas, espiritualistas, ainda no século XIX, e vai constituir a filosofia do século XX. 43 Como assinalamos em nosso "Materialismo e espiritualismo na filosofia: culminâncias e sínteses", "três foram as razões principais que motivaram esse movimento generalizado de reação ao positivismo: o aprofundamento das pesquisas científicas, que levou a ciência a reconhecer seus próprios limites; o reconhecimento de que persistiam as questões éticas e metafísicas, a despeito de o positivismo ter tentado abafá- las como estágios pré-científicos, ou manifestações da imaturidade do homem; e a convicção de que somente uma visão espiritualista pode resolver adequadamente esse espectro de questões. O quadro vincula-se à atitude crítica de Kant, que não só
  • 17. identificou as pretensões de uma "razão metafísica", como também aplicou-se à "razão científica", cujo método não lhe permite apreender plenamente certas dimensões não imediatamente redutíveis à matéria, tais como a vida, a ação, o conhecimento, os valores, a vontade, dentre outras. "13 Na verdade, o desenvolvimento da razão não afastou o homem da preocupação com sua instância espiritual, mas veio mesmo contribuir para que ele firmasse essa especulação, inclusive com os recursos da ciência. O Espírito, inicialmente considerado como princípio vital, sopro de vida, como lembra a autora espiritual Joanna de Ângelis, foi-se deslocando entre os gregos para uma diferenciação da alma, que seria a expressão das manifestações inferiores, enquanto ele passava à representação das afeições superiores, princípio mais elevado 44 do que o indivíduo. Com a doutrina aristotélica essa conceituação apresenta-se mais ou menos definida, dando origem à formação ideológica entre o caráter metafísico e o psicológico do Espírito. A mesma autora espiritual lembra ainda que "com Hegel, o Espírito foi colocado filosoficamente em termos compatíveis, porquanto foram excluídas todas as teorias que o tornavam "fixo e imutável", apresentando a hipótese da sua evolução, transformações e interrelacionamentos de todos os fatos que o influenciam."14 Maine de Biran, o mais vigoroso pensador francês da primeira metade do século XIX, admite que acima da vida humana há a vida do Espírito, mediante a qual o homem, no fundo de sua interioridade, entra em contato com Deus, em uma espécie de estado místico no qual encontra a certeza máxima. Além dele, também na França, a realidade do Espírito é reafirmada por Royer- Collard e Victor Cousin, Sécrétan, Ravaisson e Lachelier, Hamelin e Brunschvicg, Lequier, Renouvier e Boutroux, Blondel e Bergson, com destaque para o seu intuicionismo. Além da reação católica às filosofias sensistas e materialistas, que tomou o nome de tradicionalismo, em meados do século XIX surgiu, ainda, uma filosofia espiritualista, autodenominada Espiritismo, original na concepção, porque procede de Espíritos Orientadores da Humanidade, mediante a via mediúnica; no posicionamento histórico-filosófico, porque faz a síntese, tão inesperada quanto desafiadora, das linhas 45 argumentativas da ciência e da religião, da razão e da fé; na formatação, porque é um homem quem lhe dá a sistematização da forma, o intelectual, cientista, poliglota, escritor, educador, professor Hippolite-Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo de AUan Kardec Também chamada neoespiritualismo, associa razão e sentimento, ciência e fé: é doutrina filosófica, com fundamento científico - incorporando ambos os métodos e por isso, também, o que tiver sido por eles avalizado - e que tem consequências religiosas.15 XI. A realidade do Espírito sob o crivo da ciência No final do século XIX, a revolução tecnológica reduziu a matéria à condição de "energia condensada" e, portanto, os laboratórios de pesquisa material passaram a
  • 18. investigar a mente, o Espírito, que, a partir de então, se destacam como objeto de pesquisa. É assim que pouco a pouco o Espírito vem-se apresentando ao investigador consciente como realidade além da estrutura somática - ou corpo físico, a esta precedente e a ela sobrevivente. O saber vê-se, pois, na contingência de reavaliar-se cada vez que a visão da ciência se transforma, transformando, por isso mesmo, a imagem do mundo assim como a do homem. A ciência, como uma das linguagens do pensamento, não poderia indefinidamente prescindir de uma metafísica, ou seja, da intervenção de uma visão prévia do humano para unificar a imagem plural do mundo científico. 46 Desde o século XIX, particularmente, o homem convive com descobertas do micro e do macrocosmo, com a idéia de espaços infinitos, e tudo isto abre perspectivas para a meditação e reflexão sobre novos caminhos para o saber na Terra. A histórica separação entre ciência e religião criou obstáculos ao desenvolvimento dos campos do saber na Terra, cuja marcha pode ser atrasada, mas não impedida. Foi o que aconteceu, e tem acontecido. Assim, alguns postulados da religião têm caído, superados por conquistas da ciência, perante Galileu e Darwin, por exemplo, o mesmo tendo sucedido com posicionamentos extremados de Estados, como a excomunhão da relatividade de Einstein pelo Estado nazista. Esse ridículo, no entanto, não é privativo da instância de Estados, mas ocorre também na do indivíduo e na de sistemas de pensamento, como quando a ciência permanece inadaptada à realidade humana. A rigor, a ciência permite definir três níveis, ou três ordens de realidade: o mundo apresenta características distintas na escala microscópica da teoria atômica, na escala molar da física clássica, assim como na escala cósmica da relatividade. Gusdorf exemplifica com a linha, que vemos como reta, mas que é indefinidamente quebrada na perspectiva atômica e curva no espaço da relatividade. E a ciência não tem como escolher, porque tem que seguir seu curso, não havendo, portanto, nenhuma razão científica para ela escolher apenas o mundo em que estamos, ou a instância de mundo em que estamos. 47 O mesmo dá-se com o Espírito. Hoje, expõe-se ao ridículo aquele que lhe negar realidade. O Espírito é, hoje, tema científico e também de filmes, de novelas na televisão, de romances e de conversa entre amigos, em qualquer lugar. A ciência atual abre novas perspectivas em todos os campos. Particularmente a nova física tem uma visão nova do mundo, do universo, quanto às escalas e aos componentes minúsculos da matéria, concebendo o universo como um todo, em movimento e transformação. Com isso ela auxilia a compreensão das questões que tradicionalmente se inscrevem no campo das religiões, posicionando-se como mãe das ciências no plano material e agora também no espiritual, pois investiga o mundo nas instâncias física, parafísica e espiritual. O ser humano é hoje visto como um complexo mentofísico-perispirítico. Tomamos este último termo da palavra perispírito, cunhada por Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos (1857), para definir o corpo intermediário, semimaterial e
  • 19. semifluídico, que os orientais e esoteristas desdobram em vários corpos, e que já era conhecido dos antigos, como já mencionamos anteriormente, sob as designações de ochema, ka e outras. O corpo humano, constituído de bilhões de células, funciona como uma usina viva, sob o impulso de oscilações eletromagnéticas, de 0.002 mm de comprimento de onda, da mente espiritual, que comanda a vida fisiopsicossomática16. E quanto 48 mais evoluído, sábio, moralizado o Espírito, mais poderosa e complexa a sua estrutura orgânica perispiritual, capaz de viver em domínios cada vez mais amplos de tempo e espaço. A mente espiritual alimenta-se de energias cósmicas de natureza eminentemente divina, das quais haure recursos para autossustentação, e transforma esses recursos em energia dinâmica, eletromagnética. Essa energia espiritual mantém a mente espiritual em contato com o citoplasma, impressionando, pois, a intimidade das células com os reflexos da mente17. Por isso Jesus, em várias oportunidades, disse aos que O procuraram: "Tua fé te curou", porque quem de fato cresce, definha, adoece e se cura é o Espírito. As conclusões de várias pesquisas, no recentemente instituído campo da psiconeuroendocrinoimunologia, atestam essa verdade milenar, que só agora a ciência agenda como objeto de investigação. O pensamento é uma radiação da mente espiritual, dotada de ponderabilidade e de propriedades quimioeletro-magnéticas, que se difunde por todo o cosmo orgânico, atinge todas as células do organismo e projeta-se no exterior18. E é pelo fluido mentomagnético que a mente age diretamente sobre o citoplasma e exerce o poder de cura, ou autocura, como atestam várias pesquisas sobre o poder da oração, do otimismo, do riso, e as demais conquistas na área da psicologia transpessoal. As células corporais, materiais, respondem automaticamente 49 às induções espontâneas, poder-se-ia dizer "hipnóticas", que lhes são enviadas pela mente, revigorando-se com elas ou sofrendo-lhes a agressão. Se é imposta distonia às células, elas adoecem, pois tal processo provoca a eclosão de males que podem ir desde a toxiquemia até o câncer. Como se vê, desde a ciência materialista positivista do século XIX, que via as coisas como "independentes e separadas", a noção do que seja a complexidade da estrutura do homem foi sendo modificada em virtude das descobertas dos próprios cientistas em direção à totalidade, ao místico e ao cósmico. O conceito moderno que invadiu o pensamento da física atual é o da unidade de todas as manifestações da nossa realidade cósmica. A física moderna e o Espiritismo encaram o universo como um todo único, praticamente um produto do Pensamento do Criador, e os físicos de hoje fazem alusão a um oceano de pura consciência, de que também falou, décadas antes, o autor espiritual André Luiz, em sua obra Mecanismos da medhmidade, psicografada pelos médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira. Em verdade, "nos fundamentos da Criação vibra o pensamento imensurável do Criador, e sobre esse plasma divino vibra o pensamento mensurável da criatura, a constituirse
  • 20. no vasto oceano de forças mentais em que os poderes do Espírito se manifestam."19 O pesquisador em física teórica das altas energias, Fritjof 50 Capra, assinalou que além das mudanças dessa nova física, começa a emergir uma visão estreitamente relacionada às concepções sustentadas pelo misticismo oriental, porque, segundo ele, há impressionantes paralelos entre os conceitos da física moderna e as ideias expressas nas filosofias religiosas do hinduísmo, budismo e taoísmo. Modernamente denomina-se geometrodinâmica do espaço ao conjunto de conhecimentos acerca da gravitação, desenvolvida nos moldes da teoria de Einstein. E partindo das avançadas concepções da geometrodinâmica quântica, os físicos estão procurando introduzir a consciência na visão cósmica proporcionada pelo modelo que criaram, e há uma tendência de cotejarem os ensinamentos do pensamento antigo com as conclusões finais às quais chegaram pelas mais arrojadas teorias de sua área. A nova física está delineando uma espantosa conclusão: a de que há evidências de que nossa mente, em certas circunstâncias, consegue desprender-se das amarras do corpo físico e sair por aí em um corpo não físico, mas tão real quanto ele. E nesse novo estado, a consciência individual poderia fundir-se com a consciência cósmica e apreender diretamente certas verdades, certos conhecimentos que podem também ser adquiridos normalmente, mas apenas depois daqueles laboriosos processos experimentais e racionais usados pela ciência. Enfim, a ciência está começando a provar a intuição e a mediunidade, desenvolvendo premissas já constantes do corpus teórico da Doutrina Espírita, lançada em 1857, com Allan Kardec, e do pensamento grego clássico bem como das filosofias orientais. 51 Assim, a religião vê-se trazida do céu para a terra, uma vez que, como afirma Léon Brunschvicg, em sua La raison et la religion "À razão verdadeira, tal como se revela pelo progresso do conhecimento científico, compete chegar até a religião verdadeira, tal como esta se apresenta à reflexão do filósofo, isto é, como uma função do espírito que se desenvolve segundo as normas capazes de garantir a unidade e a integridade da consciência."20 Esta é a postura do Espiritismo, contemporâneo de Brunschvicg, com o postulado da fé raciocinada, defluente do tríplice aspecto dessa doutrina: filosofia, ciência e religião. Entre seus maiores propagadores estão o filósofo Léon Denis e os cientistas Camille Flammarion, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, Gustave Geley, A. Aksakof, dentre outros. Brilhantes inteligências deram testemunhos insuspeitos e respeitáveis sobre a realidade do Espírito imortal, tais como: o juiz Edmonds, Presidente do Senado e da Suprema Corte dos Estados Unidos; A. de Morgan, presidente da Sociedade Matemática de Londres; o sábio William Crookes; o astrônomo alemão Zollner; os professores Ulrici, Weber e Seckner, da Universidade de Leipzig; o filósofo Cari du Prel; o criminalista italiano Lombroso; o astrônomo Schiaparelli, diretor do Observatório de Milão; o físico Gerosa; o fisiologista deAmicis os professores Boutlerow e Ostrogradsky, da Universidade de São Petersburgo, Sir Arthur Conan Doyle, Victor Hugo e muitos outros, de todos os campos do saber. 52
  • 21. Com sua estrutura, o Espiritismo esclareceu sobre a origem e a natureza, a forma e ubiquidade dos Espíritos; sobre os diferentes graus ou a taxionomia dos Espíritos, segundo seu nível de adiantamento em moralidade; sobre o processo da encarnação e da desencarnação; sobre a pluralidade das existências; sobre aspectos da vida espírita e as percepções, sensações, alegrias e sofrimentos dos Espíritos; sobre os vários níveis de emancipação da alma, desde o sono até o êxtase; sobre a intervenção dos Espíritos no mundo corporal, comprovando a comunicabilidade entre os dois planos de existência; sobre o conceito de espaço vibratório e o de duração, na acepção de Bergson, como a sucessão de mudanças qualitativas dos estados de consciência, reformando assim os conceitos teológicos de felicidade e graça, e de sofrimento e inferno, ampliando o escopo dessas vivências de estados de consciência para ambos os planos de existência.21 Com isto a Doutrina Espírita antecipou muitas das descobertas da ciência atual, no que diz respeito à realidade do Espírito, como a chamada EQM, ou experiência de quase morte; as conclusões do pesquisador Ian Stevenson sobre casos sugestivos de reencarnação, os trabalhos da Dra. Elizabeth Kübler-Ross, a recente pesquisa sobre a vida após a morte, desenvolvida, em Tucson, Arizona, com o médium Lorry Campbell, pelo Prof. Gary Schwartz, que concluiu que os dados atualmente disponíveis sugerem fortemente que há vida depois da morte. E antecipou também, como já foi dito, as descobertas da nova física, algumas delas já citadas, dentre muitos outros estudos e pesquisas. 53 Uma outra antecipação, dentre muitíssimas, que está em vias de ser corroborada pela ciência, diz respeito à individualidade consciente - o espírito propriamente dito, cuja natureza desconhecemos - que se acha revestida de um envoltório semimaterial, o perispírito, que lhe permite atuar sobre o próprio corpo, enquanto encarnado, e depois da morte - quando normalmente guarda a aparência de sua última encarnação e pode também atuar sobre um médium que lhe transmite as ideias. Respondendo à pergunta 135a, de Kardec, em O Livro dos Espíritos, os Espíritos Orientadores da Humanidade responderam que "o laço que liga a alma ao corpo" é "semimaterial, isto é, de natureza intermédia entre o Espírito e o corpo. É preciso que seja assim para que os dois se possam comunicar um com o outro. Por meio desse laço é que o Espírito atua sobre a matéria e reciprocamente." Interessante observar que o conceito expresso pela palavra "semimaterial" foi antecipado quando ainda não se conheciam a estrutura corpuscular da matéria e sua constituição à base de energia. O próprio Kardec usou a palavra, ao formular a pergunta n° 94, em O Livro dos Espíritos. Os Espíritos Superiores atestam, assim, que já conheciam perfeitamente a existência de diferentes graus de condensação da matéria, cujos níveis mais sutis escapam à nossa percepção, mesmo com os recursos da sensível e sofisticada aparelhagem de que dispomos hoje. Embora a ciência oficial ainda não tenha avançado o suficiente nessa direção, os Espíritos Superiores também anteciparam, nessa resposta, e em vários outros momentos das obras da Codificação de Allan Kardec, que o pensamento atua sobre as instâncias energéticas do ser, infundindo-lhes movimento e certas 54 propriedades. Apesar desse descompasso ainda existente, há relatos de
  • 22. experiências sobre telepatia e telecinesia, dentre as quais citam-se as realizadas pelo Dr. Joseph Banks Rhine e sua equipe na Universidade de Duke (EUA), nas décadas de 1930 e 1940. Como já mencionado anteriormente, o Espírito Áureo ensina ue o pensamento é uma radiação mental da mente espiritual, que atinge todas as células do organismo e projeta-se no exterior graças a suas propriedades quimioeletromagnéticas, dentre outras. Com o passar do tempo, cada vez mais facilmente constata-se hoje, pela via da ciência, o que o homem deixou, desde os mais recuados tempos, nos papiros, livros, pedras è paredes das cavernas, nos ritos e cerimônias de cunho religioso, revelando uma intuição do ser espiritual imortal que é. Sem desdizer, em essência, o produto da consciência mítica a esse respeito, ao longo do tempo, a ratio formulou a imortalidade do Espírito, através de filósofos, teólogos e, hoje, de cientistas, que cada vez mais fazem cair por terra a disjunção e as barreiras que tradicionalmente ergueram-se entre Espírito e matéria, entre Razão e Fé, posto que a religião foi considerada campo exclusivo da especulação sobre o Espírito até cerca de um século e meio atrás, quando, em 1857, a Doutrina Espírita veio estabelecer a aliança entre a ciência e a religião, a razão e a fé. A realidade do Espírito deixou de ser uma questão para os míticos e para os místicos, inscrevendo-se atualmente como um dos mais fascinantes campos de pesquisa para a ciência, que já tangencia essa realidade, estando fadada a afirmá-la, em seus próprios limites. Tal 55 desmitização e desmisticização pela ciência não impli cam em um rebaixamento da espiritualidade, mas antes reforçam a grandeza de Deus, que infundiu a consciência23 e razão ao homem, permitindo-lhe desvendar, pelo esforço nobre de suas faculdades, a Sua presença em Suas leis, objeto primário da ciência que antes desenhava seus limites no alcance da matéria, mas que hoje expande-os para alcançar o homem, em sua instância como Espírito imortal, que passou a inscrever-se agora como campo de investigação, privilegiado e inescapável, no espectro da Criação. 56 BIBLIOGRAFIA COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva: Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo;Catecismo positivista. Tradução José Arthur Giannotti e Miguel Lemos 5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleção Os Pensadores) COUTO VALLE, Nadja do. Materialismo e espiritualismo na filosofia: culminâncias e sínteses. In: Em torno de Rivail: O mundo em que viveu Allan Kardec Bragança Paulista, SP: Lachâtre, 2004. DELANNE, Gabriel. A reencarnação. Tradução Carlos Imbassahy. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998. A evolução anímica. Tradução Manuel Quintão. 5. ed. Brasília: FEB, 1988. A alma é imortal. Tradução Guillon RibeiroAed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. DENIS, Léon. Depois da morte. Tradução João Lourenço de Souza. 14. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
  • 23. No invisível. Tradução Leopoldo Cirne. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1985. FRANCO, Divaldo. Estudos espíritas. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 3.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1983. GUSDORF, Georges. Mito e metafísica. Tradução Hugo Di Primio Paz. São Paulo: Convívio, 1979. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução Guillon Ribeiro. 71.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1991. 57 O Livro dos Médiuns. Tradução Guillon Ribeiro. 45.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução Guillon Ribeiro. 71.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1977. O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo. Tradução Guillon Ribeiro. 34.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. A gênese: Os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Tradução Guillon Ribeiro. 25.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982. O que é o Espiritismo.Tradução Guillon Ribeiro. 55.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Obras póstumas. Tradução Guillon Ribeiro. 27.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995. REVISTA ESPIRITA: jornal de estudos psicológicos. Publicada sob a direção de Allan Kardec, em Paris, 1858- 1869. Rio de Janeiro: FEB, 2005. 12v. PADOVANI, H.; CASTAGNOLA, L. História da filosofia. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1961. SANTANNA. Hernâni T. Universo e vida. Pelo Espí rito Áureo.2.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. SCHELLINQ Friedrich von. Obras escolhidas. Seleção, tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho.5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleção Os Pensadores.) THIESEN, S. O Livro dos Espíritos e a física moderna: Os Espíritos antecipam a Verdade Reformador. Ano 117, n. 2045, p. 20-23,ago.l999. XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Evolução em dois mundos. Pelo Espírito André Luiz. 7. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1983. Mecanismos da mediunidade. Pelo Espírito André Luiz.9.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1986. Capítulo 3 ENTENDEI-VOS QUANTO ÀS PALAVRAS I. "Deveis entendervos quanto às palavras", dizemnos os Espíritos Orientadores da Humanidade, em vários momentos através da Codificação de Kardec, pois o fundamental é a ideia, ou seja, a essência, que se contrapõe à aparência. No caso, a aparência pode variar segundo a língua usada, o falante, a cultura que a língua expressa, o ambiente particular do usuário, tanto cultural, quanto mental e emocional.
  • 24. II. A codificação da mensagem Cada sistema linguístico espelha e traduz a visão de mundo de um povo e a percepção que tem da realidade. As estruturas frasais de uma língua revelam esses mecanismos perceptuais e filosófico-antropológicos, como acontece, por exemplo, com as formas verbais das línguas portuguesa e inglesa, no que diz respeito a uma ação realizada no passado: a inglesa tem mais tempos verbais para designá-la, porque para os povos que a falam é importante a categoria aspectual da ação, ou seja, se a ação já terminou no passado ou se ainda está em curso no momento presente, se o falante sabe disso ou não, ou mesmo 59 se deseja que o interlocutor disponha dessa informação, e assim por diante. Um ato comunicativo em linguagem verbal implica em raciocínio, ideia e palavra. Nos atos de comunicação do Evangelho, o raciocínio é impecável da parte de Jesus, e o que se encontra nos demais elementos que integram o Novo Testamento foi supervisionado por Espíritos Superiores, como, aliás, ocorreu também com a Codificação da Doutrina Espírita. 2.1 O raciocínio lógico e a lógica do Evangelho Desde Aristóteles, principalmente, passando pela especulação lógica de Descartes e de alguns outros, que se fala em raciocínio lógico, pois há necessidade de se observarem certas regras estabelecidas nesse campo da Filosofia, e que são ainda hoje a base da ciência e de correntes filosóficas para construir seu posicionamento. Nossa civilização ergueu-se com essa lógica, mas o raciocínio do Evangelho, que desvela uma lógica diferente da lógica humana, cartesiana, permanece ainda hoje como um grande desafio para a compreensão das verdades eternas de que Jesus se fez emissário e portador. Afinal, como entenderse a orientação de dar a outra face ao ofensor, dar a túnica a quem roubou o manto, andar mais uma légua com quem pediu que se caminhe uma? Eis a lógica desconcertante, instigante e desafiadora do Evangelho. 2.2 A ideia Pois é dos raciocínios lógicos que surgem as ideias, novas ou não. Em Linguística, elas se chamam significado, instância mental que não se traduz por palavras, letras, 60 fonemas, mas por conceitos, imagens. Isso fica particularmente claro no aprendizado de línguas estrangeiras, pois a tradução para a língua materna é interferência grave no processo mental do aprendiz e compromete a qualidade e o próprio uso corrente daquela língua. Ideia é a noção que o espírito forma de alguma coisa, tem caráter intelectual, que a distingue do sentimento, e tem que ser "clara e distinta": segundo Descartes, ela pode provar-se, explicar-se. 2.3 A palavra A palavra é o significante, o que "veste" a ideia com os elementos linguísticos. Cada falante faz um uso do sistema linguístico e em função do conjunto de experiências que tenha tido em todos os níveis da existência, constitui um repertório maior ou menor de significantes, de palavras, para expressar-se e compreender o que outros expressam. Se estas questões, que são as básicas, já apresentam sutilezas e
  • 25. dificuldades para a análise de um ato de comunicação entre homens, é inimaginável o tamanho do desafio, quando se trata de "vestir", expressar linguisticamente as ideias do Cristo, ou seja, de codificá-las, na linguagem dos homens. Deve haver certamente uma série de outras razões pelas quais Jesus e Sócrates não escreveram nada, mas esta, sem dúvida, deve estar entre elas, além de algumas outras, que passamos a comentar em seguida. Um sistema linguístico, ou de representação linguística, é um organismo vivo, não existe parado no tempo - a não ser que seja uma língua não mais falada, como o latim - e suas características e possibilidades estão a serviço da comunicação e do entendimento entre os homens na Terra. Um desses mecanismos é o cunhar palavras. Mas só se criam palavras 61 para representar o que já está na faixa de experiência da comunidade linguística, ou seja, a palavra vem depois da ideia: não se cria nenhuma palavra sem que ela tenha a função de designar alguma coisaideia. Portanto, para a Linguística, o sistema só cunha uma palavra a posteriori, vale dizer, depois que o objeto ou coisa, situação, ideia, teoria já existe como realidade mental, ou ideia, dos homens. Isto fica bastante claro quando nos deparamos frequentemente, nos livros da Codificação e nas obras espíritas de um modo geral, com expressões que nos aconselham e até advertem para nos entendermos quanto às palavras, ou seja, que devemos decidir que significantes - ou palavras - vamos usar para designar algumas ideias que os Espíritos Superiores nos oferecem. A importância da questão é evidente. Com ela Kardec abre a Codificação na parte I da Introdução a O Livro dos Espíritos: "Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras." Logo em seguida, iniciando a parte II, da mesma Introdução: "Há outra palavra [alma] acerca da qual importa igualmente que todos se entendam, por (...) ser objeto de muitas controvérsias, à míngua de uma acepção bem determinada... A divergência de opiniões... provém da aplicação particular que cada um dá a esse termo. Uma língua perfeita, em que cada ideia fosse expressa por um termo próprio, evitaria muitas discussões." E mais à frente, ainda discutindo o uso da palavra alma, que carreia três ideias distintas: "... considerando apenas o lado linguístico da questão... O mal está em a língua dispor somente de uma palavra para exprimir três ideias... o que se faz mister é o entendimento entre todos,...". 62 E um pouco mais à frente ainda: "Assim, aquela palavra não representa uma opinião: é um Proteu, que cada um ajeita a seu bel-prazer." 2.4 O depoimento dos Espíritos sobre a dificuldade À parte de outros exemplos em O Livro dos Espíritos, lembramos a passagem de Paulo e Estêvão, em que Paulo, ao transpor os umbrais da eternidade, é surpreendido por cariciosa melodia cuja beleza é, segundo o autor espiritual Emmanuel, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, "intraduzível na linguagem humana."1 Em O céu e o inferno, Kardec transcreve a resposta que deu o Espírito Sr. Cardon
  • 26. à solicitação de descrever minuciosamente o que vira no intervalo entre suas duas mortes, ou seja entre uma EQM, ou experiência de quase morte, e a desencarnação: "O que vi... E poderíeis compreendê-lo? Não sei, visto como não encontraria expressões apropriadas à compreensão do que pude ver durante os instantes em que me foi possível deixar o envoltório mortal." Em seguida, o Espírito Eric Stanislas pergunta: "De que expressões nos servirmos, que traduzam a felicidade dos irmãos, desencarnados, ao perscrutarem o amor que une a todos?"2 Em Devassando o invisível, Yvonne A. Pereira informanos que "desde o aparecimento da Codificação, queixam-se 63 as entidades espirituais elevadas da deficiência do vocabulário humano para expressar a vertiginosidade da palavra dos Espíritos, das dificuldades, das barreiras contra que lutam nossos Guias para escreverem as grandezas do mundo invisível." E mais à frente, relatando a própria experiência como médium: "Não encontramos vocábulos apropriados para poder bem descrever o que então [pela visão mediúnica] se passa."3 E já que o sistema de representação linguística só cunha um significante para designar uma realidade obviamente já existente, conclui-se que não há, a rigor, linguisticamente falando, sinonímia, eis que cada palavra carreia um sentido específico, e eventualmente também uma carga emocional ou sutileza própria, o que fica claro quando se estuda qualquer texto, e principalmente o Evangelho. Assim, o sistema linguístico é um sistema de equilíbrios: não há duas palavras para ocupar um só espaço de significado(s). 2.5 O desafio da tradução Sobressai então a questão da tradução, que implica em conhecer excelentemente os dois sistemas linguísticos, o que inclui conhecer as nuanças da visão de mundo da comunidade falante daquele sistema, bem como a carga emocional e as sutilezas carreadas por cada significante ou palavra. Nesse campo cumpre ainda considerar a realização do sistema: a) no momento em que é usado - ou sincronia, sem a preocupação de como o sistema ou estrutura linguística evoluiu no tempo; e b) em sua evolução ao 64 longo do tempo - ou diacronia. A verdade sincrônica e a verdade diacrônica confluem na síntese ampla da linguística pancrônica: "Todo fato linguístico deve ser considerado no sistema de que é parte, e na sua história, que é a história do próprio sistema."4 No caso do Evangelho, cumpre-nos considerar o uso da língua à época do Cristo e sua realização ao longo do tempo, incluindo-se aí os textos produzidos pouco depois d'Ele. Sem se apreciar o quadro sincrônico e o diacrónico, apresentamse dificuldades. Um exemplo está no fato de algumas palavras caírem em desuso, em função de a língua ser um organismo vivo, portanto, mutável. Assim, quando uma ideia não mais vigora no universo de um grupo ou povo, aquela comunidade linguística "esquece" o significante, ou palavra, correspondente: ela pode continuar nos arquivos, livros, bibliotecas, na memória de alguns, mas cai em desuso. Pode também acontecer que a palavra assuma uma conotação rejeitada
  • 27. pela cultura, ou a coisa que ela designa tenha-se alterado cultural ou sociologicamente falando: assim, algumas palavras "envelhecem", como, por exemplo, no caso da língua portuguesa hoje no Brasil, o uso quase exclusivo das palavras "alpargata", "alparcata", com variação "alpercata", e "merenda" por pessoas idosas, ou ainda, o caso da palavra "corpinho", anterior ao sutiã. 3. A codificação da mensagem de Jesus e Sócrates Essas brevíssimas anotações começam a delinear algu- 65 mas possíveis razões pelas quais Jesus e Sócrates não escreveram nada de próprio punho, deixando a tarefa do registro linguístico, importantíssimo, aliás, para Platão e para os evangelistas, que "vestiram" as ideias com as possibilidades da língua de que se serviam. É que cada falante ou usuário faz seu uso, pessoal, do sistema linguístico. Portanto, para as grandes mensagens foram escolhidos usuários dotados de capacidade linguística e/ou de sensibilidade para a captação de nuanças das ideias que lhes eram apresentadas. Na verdade, sistema linguístico algum teria instrumental para expressar as Ideias que Jesus trouxe à Sua época, e mesmo em nossos dias. Portanto, era necessário que homens escrevessem segundo sua própria percepção, ainda que com assessoramento especial de Espíritos Superiores. Jesus e Sócrates traziam verdades, ou expressões da Verdade, que não poderiam ser traduzidas por qualquer sistema linguístico, ou porque a ideia era inteiramente nova, ou porque as nuanças novas que traziam não encontravam possibilidades nas estruturas frasais da língua que usavam. No caso do Evangelho, foram necessários quatro evangelistas, cada um para dar conta de uma angulação das questões e lições que o Cristo trazia, eis que um homem apenas não daria conta de todas as angulações, sutilezas, nuanças e conotações necessárias à percepção dos homens ao longo dos tempos, como por exemplo, Mateus, cujo Evangelho fala predominantemente à individualidade enquanto que o de Lucas fala especialmente à personalidade. 66 Os Espíritos Superiores afirmam, através do trabalho de Roustaing, que a narrativa de qualquer dos Evangelhos não deve ser separada da dos demais evangelistas, porque "elas se explicam e completam mutuamente, quanto às particularidades. O fundo, com relação aos fatos é, em todas, o mesmo. Cada narrador, como sabeis, escreveu dentro do quadro que lhe fora traçado pela inspiração mediúnica, mas conservando a independência própria da natureza que lhe era peculiar."5 Para enunciarem as verdades que traziam, Jesus e Sócrates valeram-se muito de recursos que hoje se inscrevem no campo que conhecemos como inteligência emocional, em parte porque o estágio intelecto-moral de seus interlocutores não lhes permitiria alcançar a profundidade das Ideias de que eram portadores. Por isso recorreram ao caminho, ou porta, da emoção, ainda que por intermédio da razão, como no caso da maiêutica socrática, que mobiliza o íntimo do interlocutor em seus valores e percepções, auto- e heteropercepções. Jesus valeu-se de metáforas, como nos ensinos parabólicos, a exemplo do que acontece também com todas as simbologias das cenas do Apocalipse de João.
  • 28. Mas como, então, foi possível a eles transmitir as ideias que traziam? Ideia, relembramos aqui, é noção que o espírito forma, e que é distinta, por seu caráter intelectual, do simples sentir. A natureza da ideia tem povoado as discussões filosóficas ao longo dos tempos. Descartes considerou-a como simples representação, à maneira de um "quadro", mas na 67 verdade uma ideia não se representa, é compreendida; e isso ocorre mediante uma "relação intelectual", ou seja, a ideia coincide com um movimento do espírito, definindo-se assim, com Leibniz, como "tendência". Já quanto à origem, as ideias podem resultar da experiência, chamadas por Descartes de "adventícias", e são "gerais", no sentido em que resultam da repetição de um certo número de fatos em uma ordem imutável. Classifica-se como idéia geral, por exemplo, o frio vir com o inverno e o calor com o verão. Ao longo das encarnações, o Espírito, ainda que refratário às considerações de ordem ético-moral, acabará compreendendo, pelas experiências reencarnatórias, a relação entre escolha-ação, e consequência-reação. Há também as ideias que têm origem no espírito humano: são as ideias inatas, ou conceitos a priori, como a ideia do dever moral, de justiça e tantas outras, inscritas no espírito antes de qualquer experiência, como formulou Kant. Essas ideias não são gerais, são universais. Temos exemplos disso em Diálogos de Platão, que reproduz as conversas de Sócrates sobre o que são a justiça, a coragem e assim por diante. O fundamento doutrinário está em O Livro dos Espíritos, questão 621: "Onde está escrita a lei de Deus?" "Na consciência." E por que Jesus, Sócrates e outros missionários precisaram comparecer ao cenário terrestre para revelá-la ao homem? Respondem os Espíritos Superiores a Kardec na questão 621a: "Ele a esquecera e desprezara. Quis então Deus lhe fosse lembrada." Para tal fez-se necessário codificá-la, até onde isso é possível, na língua dos 68 homens. Porque para cada tipo de pensamento há um tipo de linguagem adequado. Para o pensamento abstrato e conceituai, que se afasta do sensível (relativo aos sentidos), do individual, a língua se apresenta como condição necessária, por ser um sistema de signos simbólicos que nos permite transcender o dado vivido e construir um mundo de ideias. 4. Alguns recursos didático-pedagógico-linguísticos de Jesus Para trazer à luz do entendimento racional a Lei que está inscrita na consciência, Jesus usou figuras ligadas è experiência direta, sensível, da vida cotidiana como o campo, colheita, moedas, redes, animais e assim subsequentemente. Incluem-se nessa esfera imagética, dentre muitos outros elementos, espada, inimigos, divisão, cujos significados, no que diz respeito ao entendimento e à codificação linguística próprios dos homens, estão em contradição com o conjunto filosófico, ético-moral da Mensagem do Cristo. E que o universo linguístico humano não tem possibilidades para expressar, nem mesmo hoje, as Ideias de Jesus, porque a visão de mundo dos
  • 29. homens não abrange a grandeza da Vida e da beleza espiritual. Em que se baseia então essa estratégia didático-pedagógica de Jesus? Estamos diante de basicamente duas questões: uma de natureza filosófica e outra de natureza linguística. Do ponto de vista filosófico, e também didático, podemos dizer que essa estratégia consiste em recorrer à imagem para chegar ao conceito. Em Lógica, nos casos citados, a imagem é uma representação mental - porque, se fecharmos os olhos, temos a imagem da moeda, da rede e assim por diante - mas é, ao 69 mesmo tempo, de natureza sensível, ou seja, que vem dos sentidos, e, por isso, de certa forma, concreta e particular. Já o conceito ou ideia é a representação intelectual de um objeto, e, portanto, imaterial, abstrata e geral, caso em que não interessa se a rede é grande ou pequena, clara ou escura: importa que tenha as características essenciais que tornem o objeto uma rede. No âmbito da Linguística, a questão pode ser ilustrada se lembrarmos as línguas dos povos para expressar, por exemplo, a ideia "neve". Como cada sistema linguístico revela a percepção ou visão de mundo de um povo, realça então o fato de que a linguagem elege determinadas partes da realidade para nomear, e nesse sentido ela "recorta" a realidade. Exemplo clássico é o da língua esquimó, que tem seis significantes, ou palavras, para designar os estados da neve, enquanto que em português temos apenas uma palavra, não havendo, no repertório de nossa língua, outras opções previstas. Nesse quadro, o essencial é identificar, no número maior de palavras, a percepção da realidade desse povo, porque para ele, até pelo seu habitat e forma de vida, é importante descrever os vários estados da neve, enquanto que, para nós, basta perceber se há neve ou não. 5. A dificuldade de decodificar passagens do Evangelho Aí residem muitas das dificuldades que temos para interpretar várias passagens do Evangelho, como por exemplo, o uso da palavra "irmãos", quando Mateus (XII, vv. 46 a 50) e Marcos (III, vv. 20,21 e 31 a 35) relatam que Sua mãe e Seus irmãos mandaram chamá-Lo, e reproduzem, com as mesmas palavras, o que o povo diz a Jesus, provando que as palavras eram do uso comum daquela comunidade linguística. Os evangelistas registram também a resposta de Jesus, indagando quem eram Sua mãe e Seus irmãos, e definindo que esses são aqueles que fazem a vontade de Deus. Aí está explicitado o diferente "recorte" da realidade, espelhando a percepção e visão de mundo dos homens da época de Jesus, considerando a consanguinidade abrangendo primos e co-irmãos como irmãos, e as dos homens de hoje, que as consideram de modo mais restrito, reservando, portanto, a palavra "irmãos" apenas para designar filhos do mesmo pai e da mesma mãe. A essa percepção contrapõe-se a de Jesus, Cujo descortino abrange não a família consanguínea unicamente, mas a família universal. Apesar de ser mecanismo próprio dos sistemas linguísticos, o uso da mesma palavra para designar percepções diferentes da realidade tem-nos trazido dificuldade para a compreensão dos textos evangélicos. Situação análoga é a de outras passagens, nas quais encontram-se, por exemplo,
  • 30. as palavras "inimigos" e "divisão", que, no entendimento que nos fica da mensagem do Cristo, são-lhe contrárias, na verdade, contraditórias. No contexto do Evangelho, isto mais ainda assim se configura, se a elas associar-se a palavra amar, como no "Amai os vossos inimigos". Mas que língua humana poderá, mesmo hoje, designar a visão que nos trouxe o Cristo? É certo que as línguas, sendo organismos vivos, podem alterar-se, e já poderiam até ler-se alterado em seu repertório, ter feito cair em desuso a palavra inimigo, e ter criado outra(s) palavra(s) para designar adversários temporários, considerado o continuum do tempo de várias encarnações. Mas, para isso, seria necessário 71 que o homem já tivesse avançado moralmente a ponto de perceber a realidade da condição de efemeridade das aversões, entendendo-as como passageiras, ainda que essa condição se consubstancie ao longo de várias experiências encarnatórias. O mesmo se aplica à passagem de Lucas (XIV, vv. 25 a 27 e 33) na qual Jesus dirige-se à massa do povo: "Se alguém vem a mim e não odeia a seu pai e a sua mãe, a sua mulher e a seus filhos, a seus irmãos e irmãs, mesmo a sua própria vida, não pode ser meu discípulo." E ainda, também por Lucas (XII, vv. 49 a 53), quando Ele diz que veio trazer a divisão entre as pessoas em uma casa, pois "estarão elas divididas umas contra as outras", reciprocamente pai e filho, mãe e filha, sogra e nora.s A tendência humana à belicosidade, no presente estágio evolutivo, imediatamente traz à mente a ideia de inimigo, guerra, animosidade. Tanto isso é possível acontecer, que tem acontecido, quando indivíduos, grupos e mesmo Estados discordam entre si no plano das ideias, o que logo se projeta para o plano da ação guerreira, em sentido explícito, ou metafórico, material, psicológico, social, moral, espiritual. Esse é o recorte da percepção dos homens, mas certamente nunca foi o de Jesus, como consta das anotações de Mateus (XII, 25): "Jesus, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Todo reino que se dividir contra si mesmo será destruído e toda cidade ou casa que se dividir contra si mesma não subsistirá." 72 Do ponto de vista da separação a que se refere Jesus, ocorre que, ao acatar-lhe a palavra, o Espírito muda a sua percepção do mundo e da vida; há, portanto, um alteamento do padrão vibratório. Foi o que aconteceu com Lívia e Publius Lentulus, na obra Há dois mil anos, pelo Espírito Emmanuel, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier: continuaram a amar-se, embora vibratoriamente tenha acontecido essa separação, ou, nos termos que encontramos no Evangelho, essa divisão. 6. Essência e aparência na decodificação da moral do Evangelho Kardec discute a Estranha Moral do Evangelho abordando a contradição, que sabemos aparente apenas, dos ensinos sobre a paz e a espada, a separação da família, o fogo lançado à Terra para que ela logo se acenda, concluindo que não há contradição nem blasfêmia, e que apenas a forma, "um pouco equívoca", "não lhe exprime com exatidão o pensamento, o que deu lugar a que se enganassem relativamente ao verdadeiro sentido delas."
  • 31. Kardec observa que "Jesus não podia desmentir-se" e ao usar a palavra "equívoca", o Codificador optou por esclarecer o significado que correntemente a palavra carreia, por isso conclui que "a forma não lhe exprime com exatidão o pensamento". Tal explicação, na verdade, aplica-se a toda e qualquer palavra escolhida e usada pelos evangelistas quando Lhe codificaram os ensinos, pelos motivos que já expusemos. 73 A palavra, em sentido corrente, significa "engano", e mesmo "erro", e também "ambíguo". Mas, se tomarmos o texto do próprio Kardec sob a ótica da Filosofia, mais especificamente no campo da lógica, verificamos que o termo "equívoco" significa "o que tem vários sentidos ou interpretações", mas não na acepção de ambiguidade. Esta, no campo da Filosofia, implica em astúcia, em função de ser ato voluntário, enquanto que o equívoco frequentemente implica em uma ideia de inadequação, o que pode ser inevitável como ato involuntário. Assim, uma ambiguidade "denuncia-se", enquanto que um equívoco dissipa-se. Como o quadro inscreve-se na esfera do humano, ou seja, dos evangelistas, mesmo com a supervisão dos Espíritos Superiores, é o que nos cumpre fazer: dissipar o sentido "equívoco" nos ensinos evangélicos. Ao texto do Evangelho, tanto mais se aplica tal distinção conceitual, quanto mais se realça a situação de que Jesus, de Si mesmo, nada escreveu, ou seja, não usou a linguagem verbal escrita por Si mesmo, pois, por mais que recorresse aos mecanismos das línguas na Terra, ainda assim não conseguiria expressar convenientemente as ideias de que era portador, à míngua de recursos linguísticos nos sistemas no planeta. Por isso, ainda hoje os Espíritos Superiores nos aconselham e advertem: "Deveis entender-vos quanto às palavras" , respondendo a pergunta n2 28 em O Livro dos Espíritos: As palavras pouco nos importam. Compete-vos a vós formular a vossa linguagem de maneira a vos entenderdes. As vossas controvérsias provêm, quase sempre, de não vos entenderdes acerca dos termos que empregais, por ser incompleta a vossa linguagem para exprimir o que não vos fere os sentidos. 74 BIBLIOGRAFIA KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução Guillon Ribeiro.71. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1991. KARDEC, Allan. O Céu e o inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo. Tradução Guillon Ribeiro. 34.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução Guillon Ribeiro. 102. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1990. MATTOSO CÂMARA Jr, J. Princípios de linguística geral. 4.ed. revista e aumentada. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1964. PEREIRA, Yvonne A. Devassando o invisível. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003. ROUSTAING, J.-B. Os quatro Evangelhos: a revelação da revelação. Tradução Guillon Ribeiro. 6. ed. Vol.4. Rio de Janeiro: FEB, 1985. XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 21.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1984.
  • 32. Há dois mil anos. Pelo Espírito Emmanuel. 20.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1984. 75 Capítulo 4 LIBERDADE E (IN)TOLERÂNCIA RELIGIOSA I. A mitologia grega espelha, na figura de ícaro, o sonho humano de liberdade, anseio realizado antecipadamente por Deus, que o homem geralmente desconsidera, por despreparo espiritual. Enquanto ícaro permanece na instância do sonho, Sócrates encarna a vivência da liberdade real. "Não estou preso", disse ele aos discípulos que lhe prepararam a fuga. A cena é emblemática. Uma das maiores vítimas da intolerância nos registros da História, Sócrates, fisicamente enclausurado, declara-se livre, consubstanciando nesse gesto a essência da liberdade - a de pensar, que nos remete à liberdade de consciência. No pensamento, o homem tem liberdade ilimitada, e é capaz de escapar a todo constrangimento. II. A questão da consciência É que atingidos certos níveis de consciência, não é mais possível ao homem agir diferentemente, ainda que com o preço da própria vida física. Acaso ocorre a alguém imaginar Jesus, Sócrates, Gandhi - para citarmos apenas alguns reconsiderando, desdizendo a mensagem de que são portadores, a verdade na qual crêem e que encarnam? 77 Tais atos capitulariam como profanação no templo da consciência. III. A questão da liberdade Os filósofos já aprofundaram a discussão a respeito do escopo da liberdade, e a conclusão lógico-filosófica é a de que ninguém goza de liberdade absoluta: na inevitável interdependência dos seres, um constitui-se limite para o outro, mas não necessariamente cerceamento. Mesmo o eremita no deserto tem, na Natureza, essa presença do outro a convidá-lo a conhecer limites. No pensamento, o homem tem liberdade, mas tem igualmente responsabilidade, em sua própria e humana esfera tanto quanto perante Deus, pois a ninguém mais é possível conhecer a criatura. IV. A relação do homem com a liberdade A História e o cotidiano mostram que o homem, no entanto, frequentemente não vive sua liberdade, porque, usando-a, pode tornar-se escravo de si mesmo ou do outro. Exerce o autocerceamento em decorrência das monoideias, ideias fixas em coisas materiais ou ao mundo material relacionadas, vive os mitos do poder, do prazer e da permanência, todos sabidamente efêmeros no plano filosófico, racional, mas não necessariamente no plano psicológico, emocional. Torna-se escravo de postulados que lhe proíbem a expansão da alma, do psiquismo, pela ideia, pela razão: no sectarismo, o homem encarcera a liberdade de