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Autobiografia: construindo temas para Pesquisa E ducacional
por Rildo Ferreira
Publicado no blog rildoferreira.blogspot.com em 4 de dezembro de 2008.


[Trabalho realizado para a segunda avaliação da disciplina Prática e Pesquisa da Educação III da
Faculdade de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá, campi Nova Iguaçu, Rio de Janeiro.]



Resumo

O texto trata de resgatar a trajetória de vida escolar fazendo uma ponte com a realidade
atual como um exercício buscando encontrar fatos que podem vir a servir de tema para
pesquisa educacional. Ele começa se reportando a outro texto, se reporta a chegada do
autor ao Rio de Janeiro e sua introdução na vida escolar. Procura detalhar os fatos que
foram marcantes e ignora aqueles cuja memória não permitiu uma reconstituição com
fidelidade. Ao final apresenta cinco temas identificados no texto, e dos cinco, destaca dois
que considera importante para uma pesquisa mais amiúde.



I – Introdução

O texto que apresento a seguir é uma reconstituição da minha trajetória de vida escolar.
Procurei relembrar dos passos que me trouxeram à universidade e de toda a problemática
vivida por mim em cada etapa educacional. Não foi fácil reconstituir o período escolar da
minha infância. Esta eu queria definitivamente esquecer, tamanho foi o sofrimento vivido,
e parte dessa trajetória a memória já havia bloqueado.

Vou dividir o texto em algumas partes. A primeira delas me leva até o momento em que
abandonei a escola na segunda metade da década de 1970. Neste primeiro momento eu
destaco que aprendi mais fora da escola que dentro dela. A segunda parte resgata o período
que fiquei fora da escola e competindo no mercado de trabalho, competição que me via
desfavorecido sem uma escolaridade que me garantisse permanência no emprego. Então eu
começo uma terceira parte que é a que me leva de volta à escola. Por fim, uma quarta parte
que relembra um longo período fora da sala de aula o que me distanciava do ensino
superior, mas graças a um programa social do governo federal, volto à estudar, agora na
academia de Pedagogia.

Em cada etapa abordo temas como tecnologias, bullying, evasão escolar, saberes
constituídos na prática comunitária, o exercício do poder na sala de aula entre outros que
servem de temas para pesquisa educacional. Ao fim, apresento cinco distintos temas e
destaco dois como de importância pessoal para uma pesquisa educacional mais acurada.
Vamos ao texto.
II – A chegada no Rio de Janeiro e a primeira escola

Quero começar esse texto relembrando outro que já foi postado no meu blog e que tem o
título de “Infâncias de Ontem e de Hoje: diferenças determinantes”. Nesse texto eu tentei
mostrar que os novos recursos tecnológicos tiraram da criança a oportunidade de
experimentar viajar num mundo inteiramente imaginário, longe dos personagens
cibernéticos criados e impostos como opção para uma aventura infantil. A nova geração
nasce em berço multimedia, com portas para um mundo virtual onde o pensar não faz
parte do programa. Com os novos recursos da chamada terceira revolução, o pensar não se
distancia muito de “devo ou não apertar o botão ‘power?’” e a partir dele entrar numa
aventura pré-definida, programada, mas inteiramente legitimada pela nova geração.

No texto Infâncias de Infâncias de Ontem e de Hoje: diferenças determinantes resgato o tempo
da minha meninice e o que era preciso fazer para brincar. Naquele tempo, os pobres
tinham que criar suas próprias brincadeiras; ouvir histórias dos mais velhos e inventar
outras; criar um mundo imaginário, com personagens igualmente imaginários ou, quando
muito, personagens dos programas de TV. Poucas eram as crianças que dispunham de
brinquedos industrializados. Nossos carrinhos eram feitos de pedaços de madeira e latas
vazias de sardinhas; nossos bonecos eram feitos com trapos de panos; nossas bolas feitas
com meias velhas ou de jornal velho. Apesar da precariedade e da pobreza nossas
brincadeiras eram riquíssimas em criatividade e imaginação. Éramos capazes de criar
histórias cheias de sinistros para serem contadas nos dias de lua-cheia. Bem, mas essa era a
parte boa da história; no texto Infâncias de Ontem e de Hoje: diferenças determinantes eu não
tratei do meu período escolar, por exemplo, e que não me trazem boas recordações.

Para que eu possa dissertar sobre esse período na escola preciso relembrar como chegamos
ao Rio de Janeiro. Não me lembro de onde vínhamos, sei, entretanto, que ao chegar a
Austin, na Baixada Fluminense, o sol castigava a todos os descobertos. Miúdos e
esfarrapados, cansados da viagem e famintos, caminhamos por cerca de dois quilômetros
para chegar à casa de um primo de meu pai. Meu pai, aliás, não sabia que estávamos no
Rio. Minha mãe nos trouxe de surpresa, fugindo de uma miséria incomensurável das terras
mineiras. Poucos meses depois da nossa chegada nos foi permitido frequentar uma escola
privada por benevolência da proprietária. Esta foi minha primeira experiência escolar no
Rio de Janeiro; traumática, haja vista que íamos descalço para a escola e, mormente, éramos
vítimas de bullying; chacota para os meninos da sala de aula que teimavam em zombar da
nossa miséria.

Um ano depois, já com ajuda de meu pai, mudamos para um endereço próprio. A partir daí
a experiência escolar era traumática já na matrícula, pois para se conseguir uma vaga na
escola pública, era necessário dormir vários dias numa fila enorme e sofrer, além da fome e
da zombaria, do frio que a noite trazia. Não me recordo muito bem da alfabetização, salvo
do caderninho de caligrafia que me parecia castigo ao fazer o exercício, dada a quantidade
de vezes que se repetia letras e símbolos. Aliás, nos dias atuais, ainda é possível ver castigos
dessa natureza onde o aluno é levado a copiar dezenas, centenas de vezes uma oração de
impacto tipo, não devo fazer isso... Não devo fazer aquilo... O que me vem à memória com
mais frequência foi do período de 5ª. a 8ª. séries. Me lembro no dia em que minha irmã
mais velha, substituindo minha mãe, foi à escola para ouvir uma reclamação da professora
de inglês porque eu insistia em ficar desenhando quando ela estava a me “ensinar” o dever.
Ora, na ocasião nada me ocorria senão um desejo muito grande de desenhar. Nesta
ocasião, e por conta dos nossos jogos de futebol num campinho do bairro, criei um jornal
manuscrito para produzir notícias dos nossos jogos e eu ilustrava o jornal com meus
desenhos, como se fossem as fotografias de um jornal impresso.

Parece incrível, mas ninguém se atreveu a me dar a atenção que eu desejava. Aquela
reclamação serviria para ofuscar um desejo meu que em nada atrapalhava o meu
aprendizado. Pelo contrário, até ajudaria se fosse trabalhado de maneira a aproveitar aquele
interesse para então enriquecer o meu aprendizado. No jornal manuscrito, poderiam me
ajudar na produção de texto, na correção gramatical, na introdução de novas palavras para
melhorar o vocabulário etc., mas, ali, o professor não tinha o interesse no meu
aprendizado, pelo menos naquilo que me interessava. Para ele (o professor), interessava um
conteúdo previamente determinado por aquilo a que chamam de livro didático e que lhes
foram impostos por um sistema que procurava perpetuar o status quo, de modo que
deixava claro que o poder estava circunscrito a uns poucos, enquanto que para a maioria
lhes bastava alfabetização de conteúdos longe de suas necessidades. E assim, com
interesses diferentes, professor e aluno se distanciavam e eu fui aprendendo a produzir
textos muito mais pela prática ao longo dos dias que por intermediação do educador. A
gramática, tão imperativamente defendida pelos gramáticos como ensino obrigatório, era
um enigma e algo visto por mim como inalcançável. Minhas condições históricas não me
permitiam um envolver no aprender da maneira como era ‘transmitido’ tal conhecimento.

Também neste tempo a manifestação do poder condigno (Galbraight, 1979) era claro entre
a escola, aqui entendida como diretores, professores e funcionários, e os alunos. Muitas
vezes fui levado à secretaria e lá deixado de castigo. Não se mensurava qual o prejuízo
moral era causado ao aluno castigado. Estes eram simplesmente retirados da sala de aula e
deixados na secretaria até que a diretora resolvesse lhe tomar satisfação e determinar a
punição que reforçaria o poder condigno. É importante salientar que estamos falando de
um período cujo regime autoritário sob o comando dos militares era o vigente, e os
professores adotavam a régua escalonada como palmatória para o castigo já na sala de aula.
Nós alunos éramos brutalmente violentados em nossos direitos mais elementares e caía
sobre nós um pavor brutal do corpo docente, inclusive dos funcionários como
merendeiras, faxineiros e vigias. Os inspetores de disciplina saíam às ruas em busca dos
gazeteiros. Uma vez encontrados, eram levados ao castigo. A escola aqui representava o
Estado autoritário e seu corpo docente reproduzia os mecanismos de coerção, de
intimidação, no singular exercício do poder condigno, como disse Galbraith no seu
trabalho sobre a Anatomia do Poder:
                        Por estar associado tanto à propriedade quanto à personalidade e por ter
                        acesso a todos os instrumentos de coerção, o governo é uma instituição
                        peculiarmente forte, de poder excepcional. Por isso seu poder é
                        inevitavelmente encarado com temor, muitas vezes com pavor, e em todas as
                        sociedades civilizadas concorda-se em que deve haver limites ao seu exercício.
                        Pensa-se, em especial, que deve haver limites ao uso do poder condigno
                        (Galbraith, 1999: p. 72)
E era assim mesmo. A escola esforçava-se para semear o medo independente dos efeitos
que provocaria no aprendizado dos alunos e o corpo docente fazia isso de modo muito
natural. Era o governo exercendo o poder condicionado sobre uma massa acrítica, que já
fora ‘treinada’ para reproduzir a sociedade tal como ela se encontrava, como disse
Althusser (1985), que bastava assegurar à força de trabalho as condições materiais de sua
reprodução para que se reproduza como força de trabalho, e que na escola podia-se
aprender a ler e a escrever, mas aprendia-se, sobretudo, as ‘regras’ de bom comportamento
e funcionava como um Aparelho Ideológico de Estado através da ideologia e da repressão,
seja ela atenuada, dissimulada ou mesmo simbólica (Althusser, 1985: p. 70). Althusser disse
mais: A escola é o pior dos Aparelhos Ideológicos de Estado. E porquê? Ele responde:
                         Ela se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o Maternal, e
                         desde o Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante aqueles
                         em que a criança é mais “vulnerável”, espremida entre o aparelho de Estado
                         familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia
                         dominante (...), ou simplesmente a ideologia dominante (...), ou simplesmente
                         a ideologia dominante em estado puro (...). Por volta do 16º ano, uma enorme
                         massa de crianças entra “na produção” (p. 79)...

O medo de ser vitimado pelas agressões e repressões na escola, um conteúdo que era difícil
de ser assimilado me afundava ainda mais na ignorância. Não demorou muito, vendo toda
a dificuldade de me relacionar e de aprender, abandonei os estudos na segunda metade do
ano quando cursava a sexta série.

III – O abandono escolar

Fiquei alguns anos sem ir à escola. Minha vida agora era dada ao trabalho para ajudar no
sustento familiar. Como não era fácil conseguir emprego formal restou-me a opção de
embrenhar-me no trabalho informal. Fui ser feirante. Vendia laranjas e tangerinas e, não
raramente, vendia doces e balas nos vagões de um trem ferroviário. Esse foi um período de
grande aprendizagem. Foi exercendo esta atividade que desenvolvi certa habilidade para os
cálculos e conversando com um e com outro, adquiri um vocabulário mais apropriado para
o tempo presente. Neste tempo eu tinha 12 anos. Mesmo sendo ainda muito menino meus
pais não se importavam com esse meu destino. Para eles, desde que eu levasse dinheiro
para casa e que não fosse de modo desonesto, se trabalhava ou estudava, ou se trabalhava e
estudava, eu mesmo devia conduzir o meu destino. Não consigo medir qual a importância
disso na minha vida; minha reclamação é com a falta de afetividade, de solidariedade, de
família mesmo, tanto que eu me relacionava melhor com outras famílias que não a minha.
É aqui que entra um personagem muito importante na minha vida e que, me reportando a
ele neste texto, espero reconhecer justamente sua significação para mim. Talvez eu nunca
tenha dado o justo reconhecimento do significado deste outro em minha vida, inclusive no
meu aprendizado, e quero fazê-lo agora.

Dois anos depois de deixar de estudar eu consegui meu primeiro emprego com assinatura
em carteira e foi Jorge Gonçalves, também menino como eu, era apenas um ano mais velho
e trabalhava numa loja especializada que vendia roupas para ‘gordinhas’, quem me
conduziu ao meu primeiro emprego formal com assinatura em carteira numa loja de
cortinas e tapetes. Ali eu fazia a limpeza da loja e as entregas em domicílio. Mas não foi isto
o que mais importante aconteceu nesta relação de amizade. O mais importante acontecia
quando nada tínhamos para fazer nos dias de folga. Foi com ele e a partir dele que ensaiei
meus primeiros poemas, ouvi e aprendi a admirar músicas brasileiras cuja letra fazia algum
sentido e ‘inocentemente’ filosofávamos sobre os astros e algumas coisas terrenas. A partir
daquelas curiosas observações, construíamos alguns saberes e outros que só vieram a ser
ratificado ou retificado quando retornei à escola para concluir o meu primeiro grau.

As nossas observações sobre o sol, a lua e as estrelas eram de fato muito inocentes. Mas
nada que hoje, sob o ângulo de uma Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire, devesse se
desperdiçar. Ora, se o que falávamos sobre os astros era algo verdadeiramente falso, não
seria a partir desse não saber sobre os astros, mas reconhecendo nas duas crianças uma
curiosidade ingênua, que Paulo Freire (2005) começaria a orientação na construção de um
conhecimento mais amiúde, mais científico? O querer saber por que a lua adquiria uma
forma visível da terra parecida como uma ‘foice’, ou um C invertido, como chamávamos,
tomava-nos boa parte da noite. A procura por estrelas cadentes e algumas observações
sobre o motivo delas estarem se movendo de um lugar para o outro de maneira tão veloz
fazia-nos imaginar coisas muito curiosas. Estas e outras observações permaneceram na
ingenuidade por muito tempo por falta de um educador que nos levasse a um saber mais
apropriado. Quanto às músicas até ali eu não tinha nenhuma afinidade com ela. Mas a
partir daquele menino que cantava as canções da moda naquele tempo eu consegui
aprender alguns acordes de violão. E a partir de então, comecei a comprar revistas às quais
chamávamos de ‘modinhas’, que traziam as letras de músicas cifradas, ou seja, com os
símbolos dos acordes necessários para tocá-las. O contexto desse movimento me levou a
conhecer novas palavras e conhecendo-as, passei a escrever mais e mais, não somente
como poemas para serem recitados, mas como músicas para serem cantadas. Eu afirmo
categoricamente que aprendi muito mais no convívio com aquele menino, que ainda hoje
não tem o segundo grau, que com os professores e professoras em sala de aula dos meus
tempos de escola até os 12 anos. Jorge Gonçalves reside em Miguel Couto, bairro da cidade
Nova Iguaçu, é hoje motorista de ônibus, evangélico, tem cinco filhos sendo um homem e
quantro lindas meninas, todos me chamam de tio e exijo que meus filhos, se não desejam
tratá-lo como um parente, que o respeite como merece.

Depois do serviço militar fiquei um bom tempo desempregado. Esse período
desempregado foi importante para eu reconhecer que precisava voltar à escola. Sobre essas
desgraças que caem sobre nós, mas que parecem agir como uma fênix, ou seja, nos oferece
uma oportunidade de recomeço, há um artigo de Steve Jobs, criador da Apple, demitido da
empresa que criou pelos acionistas, que mostra que uma dificuldade não pode ser o fim,
mas o começo de uma nova etapa. Disse Jobs:
                        Não enxerguei isso na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa
                        que podia ter acontecido para mim. O peso de ser bem sucedido foi
                        substituído pela leveza de ser de novo um iniciante, com menos certezas sobre
                        tudo. Isso me deu liberdade para começar um dos períodos mais criativos da
                        minha vida. Durante os cinco anos seguintes, criei uma companhia chamada
                        NeX T, outra companhia chamada Pixar e me apaixonei por uma mulher
                        maravilhosa que se tornou minha esposa. Pixar fez o primeiro filme animado
                        por computador, Toy Story, e é o estúdio de animação mais bem sucedido do
mundo. Em uma inacreditável guinada de eventos, a Apple comprou a NeX T,
                         eu voltei para a empresa e a tecnologia que desenvolvemos nela está no
                         coração do atual renascimento da Apple (Jobs, SD.).

Jobs foi demitido da empresa que criou o que poderia deprimi-lo a ponto de colocá-lo
numa situação de ostracismo, mas não foi assim o que aconteceu, ele viu na desgraça
acontecida uma oportunidade para recomeçar e avançar ainda mais. Quanto a mim, estar
desempregado foi motivo de muita reflexão e questionamentos: como conseguir um bom
emprego se não tenho profissão? Se não tenho profissão qualificada, como conseguir um bom
emprego se não tenho escolaridade? Quando questionei sobre minha formação decidi que
precisava voltar à escola. Antes de voltar à escola passei por um núcleo do SENAI para
aprendizagem sobre eletricista de manutenção e instalação. Era uma tentativa de me
profissionalizar para conseguir um emprego que me proporcionasse autonomia com mais
dignidade, já que o alimento, embora garantido pelos pais, era muito ‘pobre’. Para se ter
uma ideia do que isto significa, meu pai comprava carne que lhe serviria para a ‘marmita’,
aos que ficavam em casa, arroz e feijão e só. Nada de carne, nada de legumes. Algumas
verduras raramente. Deste investimento (no SENAI) fui convidado a fazer a instalação
elétrica do salão paroquial da Igreja de São Sebastião em Austin, distrito de Nova Iguaçu.
Ao concluir o trabalho fui então convidado para atuar como voluntário na campanha
contra a Dengue e eu aceitei. Para meu espanto e – boa surpresa! – esse voluntariado
receberia uma bolsa de salário mínimo e meio e duraria por seis meses. Este período, já na
segunda metade dos anos 1980, reforçou-me reconhecer a necessidade de uma escolaridade
maior. Não que eu me mostrasse incompetente, ao contrário, sempre era chamado para
uma determinada função, nisso eu via méritos em mim, mas esbarrava na baixa
escolaridade. Indiferente a isso, no ano seguinte eu e outras 249 pessoas foram contratadas
pela extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública – SUCAM onde
permanecemos até os dias atuais, não mais como SUCAM, mas como Fundação Nacional
de Saúde – FUNASA.

IV – De volta à escola

O novo contrato me deu a segurança que eu precisava para voltar à escola. Para concluir o
primeiro grau voltei para o ensino supletivo numa escola pública, este sistema que acelera a
formação dos que já superaram a idade escolar. Mais experimentado, já conseguia
determinada sintonia com o ensino aplicado, embora percebesse ali que o processo de
aceleramento deixava muitas coisas importantes escapulirem a construção do saber.
Concluída a primeira etapa, ou seja, a 8ª série do primeiro grau (hoje, Ensino Fundamental),
matriculei-me imediatamente no segundo grau (hoje, Ensino Médio) também numa
instituição pública. Não queria perder aquilo que me estimulava a continuar. Foram três
anos para uma formação geral, mas com muitas falhas. Faltavam professores de biologia,
física, sociologia e literatura. Algumas disciplinas eram aplicadas por professores sem o
menor compromisso com a formação daqueles alunos, entre os quais eu me incluía. No
primeiro ano tivemos aulas de filosofia. Particularmente me identifiquei com a disciplina e
procurava participar das aulas de modo bem interativo, sentimento que não era
compartilhado pelos meus colegas de turma. Sobre a turma, aliás, muito me preocupava o
desinteresse deles pela aprendizagem, e talvez por isso eu não tenha conseguido articular
um movimento para a melhoria das condições da escola. As carteiras eram muito ruins,
algumas ficavam no canto da sala por completa inutilidade. Não raramente alguns colegas
costumavam jogar as carteiras umas sobre as outras, a quebrar o ventilador de teto, e por
mais que eu lhes chamasse a atenção sobre o prejuízo que estavam nos causando, eles
ignoravam. O quadro negro também tinha problemas. Em parte dele já não era mais
possível escrever. A iluminação também deixava a desejar. Tudo isso influenciava no
processo ensino-aprendizagem. Os professores não se importavam com o desinteresse dos
alunos e estes, por sua vez, aproveitavam-se da ‘ausência’ do professor para escapulir de
algumas aulas e todos atribuíam ao governo as péssimas condições da escola.

Muito me preocupava o fato dos professores reproduzirem aquilo que estava pré-
estabelecido no livro didático. Eu queria debater, saber a razão ou as propriedades de cada
assunto que era colocado em pauta e, normalmente, os colegas me pediam para deixar o
professor dar a aula dele, e o professor, por sua vez, reproduzia insistentemente o conteúdo
do livro. Hoje eu consigo olhar para aquele tempo e ver que os professores, em grande
número, nada sabiam para ensinar, apenas se orientavam pelo livro do professor para
garantir a ‘transmissão de conteúdo’. Para mostrar que em toda regra há exceção, e neste
caso eu quero dizer que a regra é a exceção, e a exceção torna-se regra, para explicar
melhor, a regra era transmitir o conteúdo e não se importar com a formação dos alunos
com uma práxis educativa básica, sem aprofundamento; enquanto a exceção era aprofundar
as questões, debater e chamar a atenção de um e de outro para a importância do que estava
sendo levado à sala de aula; então tive um professor de física que era esta exceção.
Deficiente físico, provocado por uma paralisia parcial dos membros, o professor Emanuel
era o mais eficiente deles. Ele não só aplicava o conteúdo como procurava mostrar
empiricamente aquilo que ele estava dizendo. A meu ver ele sabia o que ensinar. Tivemos
só o primeiro ano com ele e tudo o que sei sobre física devo a ele. Outro professor, o de
Inglês, era diametralmente oposto ao de física. Era o legítimo representante da ‘regra’.
Como na turma havia um rapaz que cantava algumas canções em inglês, eles eram bem
próximos, e com este professor Cléber, fui vítima da sua inaptidão para o exercício da
práxis educativa. Quando tentava me aproximar para um aprendizado melhor, tentando
balbuciar algumas palavras em inglês, o meu colega de turma e o professor Cléber riam
zombeteiramente do modo como eu me colocava. Para não passar por ridículo acabei
deixando de lado o falar inglês me limitando a apenas reproduzir aquilo que os exercícios
pediam.

V – Universidade é um desejo, não produto de primeira necessidade

Mesmo com todas as dificuldades concluí o segundo grau. Se me perguntarem se estava
pronto para ingressar na universidade passando pelo vestibular, minha resposta será um
rotundo NÃO. Então fiquei por muitos anos apenas com o ensino básico. Estava
conformado com o que já tinha conquistado em termos de estudos, afinal, já no serviço
público federal, recebendo um salário acima da média dos salários praticados no Brasil,
poderia me considerar um afortunado pela sorte. Mas na medida em que o tempo passava,
e na medida em que fui percebendo o mundo em que vivemos e fazendo uma leitura mais
politizada, percebendo que a capacidade ainda não é tudo, e que escolarização ainda pesa
muito na escolha das melhores funções, a necessidade de avançar ainda mais na minha
formação reapareceu. Daí um dilema: como enfrentar um vestibular, depois de 10 anos
fora da sala de aula, competindo com os jovens que estão saindo da escola de segundo grau
ou dos cursinhos de vestibulares? Sobre esse dilema eu escrevi um artigo que já fora
publicado no meu blog para debater sobre cotas nas universidades. Neste artigo (Sobre
Cotas na Universidade) escrevi:
                        Aqui precisamos discutir uma outra questão. Pobre, sendo branco ou negro,
                        tem que trabalhar. Então, quando no nível básico ou médio, só lhes restam a
                        Escola Pública. Esta sim, a serviço dos ricos sempre foi de baixa qualidade.
                        Então o pobre, branco ou negro, sai da Escola Pública e vai procurar trabalho.
                        O ensino superior é um desejo, não um produto de primeira necessidade. O
                        trabalho vem antes da formação educacional por uma questão de
                        sobrevivência, não de opção. Já o filho do rico estuda na escola privada, que
                        garante bons salários e, portanto, atrai os melhores educadores. Quando
                        terminam o ensino médio ingressam quase imediatamente num desses
                        cursinhos pré-vestibulares intensivos. Parece até que os vestibulares das
                        instituições superiores foram elaborados pelos donos dos cursinhos pré-
                        vestibulares. Daí que o pobre, aquele que saiu da Escola Pública fica em
                        enorme desvantagem em relação ao filho do rico. Então, quem ocupa as vagas
                        nas instituições públicas de ensino superior? Os filhos dos ricos. E por isso
                        nestas Universidades sempre tiveram os melhores profissionais. A qualidade
                        sempre foi emblemática. E por quê? Porque ali só estudavam os filhos dos
                        ricos. Pobres? Um ou outro talvez. Então a Universidade Pública era um
                        espaço inacessível para pobres, negros e negras (Santos, 2008)

Quero aqui resgatar uma discussão sobre a escola, a estatal – a que chamamos de pública –
e a privada, tema que já foi abordado por autores como Saviani (1986), Davis (et. Al. 2002),
Neves (1994) entre outros, e que trata de uma escola dual, ou seja, uma escola para os
pobres e outra para os ricos, e mesmo esta destinada aos pobres foram criadas para a égide
da classe hegemônica para a qual o Estado atuou brilhantemente a favor. Assim, a classe já
favorecida historicamente frequentava a escola privada até a formação do segundo grau.
Esta escola contratava os melhores profissionais em educação e investia (investe até os dias
atuais) maciçamente em recursos tecnológicos avançados para atender às necessidades da
sua clientela. Em favor disso, o Estado contrata professores sem exigir qualificação
apropriada para o exercício da práxis educativa e cria uma escola onde não há investimento
que assegure recursos apropriados para uma educação de qualidade e é a escola para onde
são levados aqueles que não podem frequentar a escola privada por falta de recursos, ou
seja, os pobres. A inversão das prioridades ocorre quando, tanto os pobres quanto os ricos,
terminam a escolarização média. Como as Universidades Públicas historicamente se
destinam à classe hegemônica, já que funciona em turnos diurnos, exigindo do egresso
tempo disponível, passam a ser frequentadas pelos ricos já que os pobres precisam buscar o
mercado de trabalho para a sobrevivência. Sem poder frequentar as Universidades Públicas
diuturnamente, os pobres são levados às Universidades Privadas que funcionam
precariamente no período noturno. Davis (et. al. 2002) diz que “Nos primeiros séculos de
nossa história, a educação era restrita a poucos, privilégio de minorias econômicas”. Neves
aprofunda a discussão. Ela diz:
Reconhecer na escola contemporânea o papel de formadora dos intelectuais
                        orgânicos da burguesia e do proletariado não implica o desconhecimento do
                        fato de que historicamente os sistemas educacionais capitalistas vêm
                        desenvolvendo mecanismos de filtragem social para garantir o acesso
                        diferenciado aos diversos graus e ramos de ensino que terminam por
                        privilegiar o acesso e permanência no sistema escolar dos representantes da
                        classe dominante e de seus aliados (Neves, 1994: p.24).

Então a escola que frequentei tinha essa característica dual. Ali onde estudei estavam os que
deveriam ficar naquela formação e não mais ascender para servir de mão-de-obra
desqualificada e barata para perpetuação do status quo dessa classe hegemônica. Como
disse Saviani (1986) era uma escola para reproduzir a sociedade tal como ela se apresentava,
e analisando a teoria de Baudelot e Establet diz que é pior ainda: essa escola deveria não só
“reforçar e legitimar a marginalidade que é produzida socialmente... [mas também tem por
missão] impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária” (p.
27).

Finalmente o novo século me trouxe novas esperanças. Um programa do governo federal
que garante bolsas de estudos para quem estudou o ensino médio em escola pública ou foi
bolsista em escola privada, denominado Universidade para Todos – ProUni me garantiu
retomar meus estudos. Quero deixar claro que sem este programa dificilmente teria uma
formação universitária. Para mim, a universidade pública, com seu sistema seletivo e
excludente de ingresso, era uma realidade inalcançável, dado o longo período fora da sala
de aula. A universidade privada se tornaria alternativa se não fosse tão cara. Daí que o
programa foi providencial. Fiz exame do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio e
fiquei com uma nota bastante razoável, muito acima da média nacional. Com este resultado
me inscrevi no ProUni e fui agraciado com uma bolsa integral para fazer POR OPÇÃO o
curso de Pedagogia. Agora já no quarto período, posso relatar que nos três primeiros e no
decurso deste quarto período fui vitima de preconceito e bullying. Me espanta que neste
nível de ensino vejo acadêmicos que frequentam a sala de aula para assinar a pauta ou
responder a chamada. Pouco se importam com o conteúdo que está sendo discutido.
Quando procuro me manifestar, participando da construção do conhecimento, me pedem
‘calar a boca’. É estranho perceber que não estão entendendo e ainda assim estão mais
preocupados em responder a frequência. Certa ocasião, em sala de aula, o professor de
Prática e Pesquisa da Educação III pediu que duas colegas de turma deixassem a sala, pois
com a conversação paralela, sem nenhuma vinculação com o assunto em pauta,
atrapalhavam o entendimento da questão. Outra professora já teceu comentários sobre
outras colegas que entram em sala, respondem a frequência e saem, como se o conteúdo
em pauta não lhes dissessem nada a respeito.

Naturalmente ainda faltam alguns períodos para a conclusão do curso. Não me decepcionei
com a escolha, mas com a qualidade daquilo que está sendo ofertado. Não à toa, Saviani
(1999) teceu comentários a respeito da Mcdonaldização da educação. A Universidade
Estácio de Sá leva isto ao ‘pé da letra’ como diz o ditado popular. Algumas das suas
unidades estão instaladas em shoppings, dividindo espaço com lojas de roupas, calçados,
lanchonetes e chopperias. O argumento é que o espaço é apropriado para a convivência.
Ora, não é a Universidade, por si só, um espaço apropriado para a convivência? E este
espaço de convivência não acaba por desviar os alunos de seus objetivos? Bem, isso é um
assunto a ser pesquisado por essa geração que está se formando nos dias atuais, mas que
exige uma resposta para melhor entendimento dos destinos da educação brasileira.

VI – Temas para pesquisa educacional

Depois de discorrer sobre minha vida na escola, destacando apenas aquilo que a memória
não me traiu, quero apresentar cinco temas implícitos no texto e que serviriam
perfeitamente como tema de pesquisa educacional. O primeiro deles eu o apresento no
primeiro parágrafo. Trata-se dos novos recursos tecnológicos e a influência deles no
aprendizado dessa nova geração multimedia. Que influência esses recursos têm sobre os
alunos e como os professores atuam diante da necessidade de lidar com esses
instrumentos? De que maneira esses recursos podem contribuir na construção do
conhecimento?

Em seguida, eu falo sobre o bullying, pois fui vitimado por este fenômeno. “O termo
bullying compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas que
ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro (s),
causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder (Construir
Notícias, 2008 : p.5)”. Esse desvio de comportamento dentro da escola, quando não há
intervenção para a superação do problema, pode ocasionar um sinistro mais grave, como o
ocorrido na cidade de Taiúva, no interior de São Paulo, no início de 2003 quando um ou
mais alunos foram armados para a escola e atiravam em quem estivesse à sua frente. A
violência neste caso é o instrumento de superação do poder que os subjugava (idem). E nos
dias atuais, como são vistos os casos de bullying? Como os educadores se colocam diante
de um caso de bullying na sala de aula?

Um terceiro tema que considero importante, embora pouca literatura se encontra a respeito
e pouco se debate sobre este tema, é a relação de poder exercida na sala de aula. Alunos de
uma escola em Austin, e que já foi motivo de uma investida minha para fazer um trabalho
para a disciplina de Políticas Públicas, mostravam certo temor na sala de aula. O medo do
professor e da direção da escola atua de modo negativo sobre os alunos o que colabora
para um desempenho pífio na construção do saber.

O quarto tema é algo que considero bastante discutido, mas que exige uma permanente
discussão com o objetivo de superar esta questão. Trata-se do abandono da escola. A meu
ver é importante conhecer a fase mais aguda na criança, aquela que o leva a pensar em
deixar a escola e procurar entender o motivo desestimulante para o estudo. Aqui eu destaco
a importância da subjetividade, tratando ser a pesquisa qualitativa a mais apropriada para o
fim desejado, pois não se trata de conhecer números de meninos ou meninas que
abandonam a escola, mas de conhecer em que período na vida de uma criança isso ocorre,
bem como os motivos pessoais.

Por fim, quero destacar um tema muito pertinente. Aqui quero resgatar o que disse Paulo
Freire (2005) sobre estética. No terceiro período da faculdade de Pedagogia, escrevi um
artigo sobre a Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire e destaquei a importância de uma
escola decente para que os alunos sintam desejo de voltar no dia seguinte. Neste artigo
escrevi que
                       “ensinar exige ‘estética e ética. Decência e boniteza de mãos dadas (Freire,
                       2005)’. A escola precisa ser um espaço onde o educando sinta o desejo de
                       voltar logo quando vai para casa. Deve ser um espaço de comparações, de
                       intervenções, escolhas, de decisão. Isso é o exercício da ética, do respeito ao
                       outro. Lugar onde correr riscos, aceitar criticamente o novo e rejeitar toda e
                       qualquer manifestação de discriminação, reconhecendo e conhecendo as
                       diversas identidades culturais (Santos, 2008)”.

Então, um tema que considero interessante a ser tratado é sobre as condições das
instituições escolares, ou seja, como estas se apresentam para os alunos.

Dos temas que apresentei destaco dois que mais me inquietam: os novos recursos
tecnológicos e sua utilização na construção do conhecimento. Este tema considero
importante porque há que se considerar que estamos vivendo uma era onde o
conhecimento é a principal commodity para um mundo globalizado, para uma sociedade
planetária. As transformações sociais ocorridas concomitantes com o desenvolvimento
tecnológico exigem uma atualização da práxis educativa, por uma questão de sobrevivência.
O mundo não é mais o mesmo;
                       O mundo que hoje surge constitui ao mesmo tempo um desafio ao mundo da
                       educação, e uma oportunidade. É um desafio, porque o universo de
                       conhecimentos está sendo revolucionado tão profundamente, que ninguém vai
                       sequer perguntar à educação se ela quer se atualizar. A mudança é hoje uma
                       questão de sobrevivência, e a contestação não virá de “autoridades”, e sim do
                       crescente e insustentável “saco cheio” dos alunos, que diariamente comparam
                       os excelentes filmes e reportagens científicos que surgem na televisão e nos
                       jornais, com as mofadas apostilas e repetitivas lições da escola (Dowbor,
                       2001).

Ora, se o mundo está em constante mudanças a prática pedagógica não pode ser a mesma
dos tempos em que educação se resumia à sala de aula. Novas práticas precisam ser
adotadas no sentido de responder as expectativas de todos e todas e de cada um em
particular. Quando realizei uma palestra na Escola Estadual São Cristóvão, em
Queimados/RJ, fiquei escandalizado ao ver que seis computadores estavam empacotados
na sala da direção sem utilidade alguma. O professor que me levou à escola ficou
entusiasmado com os recursos que utilizei para ministrar a palestra sobre Síndrome de
Asperger. Ali percebi o quanto esses professores precisam de atualização, pois estão
distantes da realidade dos alunos. E o que é pior. Os recursos estavam lá, mas não eram
utilizados. Além disso, é preciso dar uma resposta sobre o quanto estes recursos
influenciam no aprendizado dos alunos e alunas, daí que considero este tema importante
para uma pesquisa mais amiúde.

O segundo tema que destaco se refere às condições do ambiente escolar, ou seja, como as
instituições se apresentam para os alunos e o quanto isso interfere, para o bem ou para o
mau, no aprendizado dos alunos e alunas. Esta inquietação me ocorreu quando realizei uma
palestra no CIEP Gilson Amado, em Engenheiro Pedreira, na cidade de Japeri/RJ. A
escola realizava um evento de Culminância de Geografia e fui convidado a fazer uma
palestra sobre a cidade de Japeri. Durante a palestra, mostrei em imagens duas cidades
representadas por dois bairros específicos. A cidade de Japeri, através do bairro Engenheiro
Pedreira e a Cidade de Curitiba, representada pelo Centro de Curitiba. Quando
interrogados sobre qual cidade eles gostariam de viver, a totalidade apontou Curitiba. Duas
outras imagens foram mostradas. De uma escola pública da Zona Norte e outra da Zona
Oeste, ambas no Rio de Janeiro. Quando interrogados sobre qual delas gostariam de
estudar, a totalidade dos alunos apontou para a escola que se mostrava melhor cuidada.
Instigados a dizer o motivo, falaram da auto-estima, de orgulho e prazer de estar lá. Desde
então me ocorre esta inquietação: será que as condições escolares não desestimulam o
alunado voltar para a escola?

VII - Conclusão

Neste texto eu comecei resgatando outro anteriormente escrito por mim para mostrar que
esta ‘garotada’ nova que ingressa na escola nos dias atuais nasceu em ‘berço multimedia’.
Essa cultura que emerge das novas tecnologias são levadas para a escola, por isso destaquei
sendo este um tema de relevância para uma pesquisa educacional. Em seguida começo a
dissertar sobre minha trajetória escolar. Muitas coisas ficaram sem ser citadas, pois a
memória não me permitiu um resgate com fidelidade da ocorrência dos fatos. Mas algumas
coisas no histórico de vida de cada um de nós marcam tão profundamente que jamais são
esquecidas. Foi o caso de ter que freqüentar a escola com os pés descalços e das zombarias
que tive que suportar. Foi também o caso da professora que me castigava porque eu não
fazia as lições, mas ficava desenhando ao invés de fazer o dever, bem como as corridas para
fugir dos inspetores de disciplina que saiam em busca dos ‘gazeteiros’.

Mostrei neste texto que fora da escola também se aprende. Assim, a escola não pode fingir
que os alunos e alunas não trazem consigo algum saber que são constituídos na prática
comunitária. Saberes que Paulo Freire disse ser necessário aproveitá-los em benefício da
construção do conhecimento. Mostrei também que se (estes saberes) forem ignorados pela
escola pode ocasionar desestímulo levando o aluno/a a abandonar os estudos. Relato que a
necessidade de me colocar devidamente no mercado de trabalho me fez retomar os estudos
e que, felizmente, e por conta de um programa social do governo federal, chego à
universidade para fazer um curso de Pedagogia, repito, por opção. Em cada etapa escolar
procuro resgatar alguns fatos que marcaram essa etapa de minha vida e concluo destacando
aquilo que considero importante como tema de pesquisa educacional.

VIII – Bibliografia

Althusser, Louis: Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de
Estado (AIE). Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro: Rio
de Janeiro : Edições Graal, 1985, 2ª edição.

Construir Notícias. O Fenômeno Bullying nas Relações Interpessoais. Revista Construir
Notícias, n° 40, ano 07, maio/junho de 2008.
Dowbor, Ladislau. Tecnologias do conhecimento: os desafios da educação. Disponível em
http://br.monografias.com/trabalhos903/tecnologias-conhecimento-
educacao/tecnologias-conhecimento-educacao.shtml

Galbraith, John Kenneth. Anatomia do Poder. 4ª ed. (Coleção novos umbrais) Tradução de
Hilário Torloni. São Paulo: Pioneira, 1999

FREIRE. Paulo. Pedagogia da Autonomia [saberes necessários à prática do educando] Rio
de Janeiro. DP&A, 2005.

Jobs, Steve. Você tem que encontrar o que você ama. Disponível em
http://vocesa.abril.com.br/evolucao/aberto/ar_80039.shtml acessado em 27 de agosto
2008: 11:00h.

Neves, Lúcia Maria Wanderley. Educação e Política no Brasil de Hoje. São Paulo : Cortez,
1994 (Coleção questões da nossa época v. 36)

Penin, Sonia T. Souza; Vieira, Sofia Lerche. In Davis, Claudia (et. al.). Gestão da Escola:
desafios a enfrentar. Vieira, Sofia Lerche (org.) Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

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Autobiografia: construindo temas para Pesquisa Educacional

  • 1. Autobiografia: construindo temas para Pesquisa E ducacional por Rildo Ferreira Publicado no blog rildoferreira.blogspot.com em 4 de dezembro de 2008. [Trabalho realizado para a segunda avaliação da disciplina Prática e Pesquisa da Educação III da Faculdade de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá, campi Nova Iguaçu, Rio de Janeiro.] Resumo O texto trata de resgatar a trajetória de vida escolar fazendo uma ponte com a realidade atual como um exercício buscando encontrar fatos que podem vir a servir de tema para pesquisa educacional. Ele começa se reportando a outro texto, se reporta a chegada do autor ao Rio de Janeiro e sua introdução na vida escolar. Procura detalhar os fatos que foram marcantes e ignora aqueles cuja memória não permitiu uma reconstituição com fidelidade. Ao final apresenta cinco temas identificados no texto, e dos cinco, destaca dois que considera importante para uma pesquisa mais amiúde. I – Introdução O texto que apresento a seguir é uma reconstituição da minha trajetória de vida escolar. Procurei relembrar dos passos que me trouxeram à universidade e de toda a problemática vivida por mim em cada etapa educacional. Não foi fácil reconstituir o período escolar da minha infância. Esta eu queria definitivamente esquecer, tamanho foi o sofrimento vivido, e parte dessa trajetória a memória já havia bloqueado. Vou dividir o texto em algumas partes. A primeira delas me leva até o momento em que abandonei a escola na segunda metade da década de 1970. Neste primeiro momento eu destaco que aprendi mais fora da escola que dentro dela. A segunda parte resgata o período que fiquei fora da escola e competindo no mercado de trabalho, competição que me via desfavorecido sem uma escolaridade que me garantisse permanência no emprego. Então eu começo uma terceira parte que é a que me leva de volta à escola. Por fim, uma quarta parte que relembra um longo período fora da sala de aula o que me distanciava do ensino superior, mas graças a um programa social do governo federal, volto à estudar, agora na academia de Pedagogia. Em cada etapa abordo temas como tecnologias, bullying, evasão escolar, saberes constituídos na prática comunitária, o exercício do poder na sala de aula entre outros que servem de temas para pesquisa educacional. Ao fim, apresento cinco distintos temas e destaco dois como de importância pessoal para uma pesquisa educacional mais acurada. Vamos ao texto.
  • 2. II – A chegada no Rio de Janeiro e a primeira escola Quero começar esse texto relembrando outro que já foi postado no meu blog e que tem o título de “Infâncias de Ontem e de Hoje: diferenças determinantes”. Nesse texto eu tentei mostrar que os novos recursos tecnológicos tiraram da criança a oportunidade de experimentar viajar num mundo inteiramente imaginário, longe dos personagens cibernéticos criados e impostos como opção para uma aventura infantil. A nova geração nasce em berço multimedia, com portas para um mundo virtual onde o pensar não faz parte do programa. Com os novos recursos da chamada terceira revolução, o pensar não se distancia muito de “devo ou não apertar o botão ‘power?’” e a partir dele entrar numa aventura pré-definida, programada, mas inteiramente legitimada pela nova geração. No texto Infâncias de Infâncias de Ontem e de Hoje: diferenças determinantes resgato o tempo da minha meninice e o que era preciso fazer para brincar. Naquele tempo, os pobres tinham que criar suas próprias brincadeiras; ouvir histórias dos mais velhos e inventar outras; criar um mundo imaginário, com personagens igualmente imaginários ou, quando muito, personagens dos programas de TV. Poucas eram as crianças que dispunham de brinquedos industrializados. Nossos carrinhos eram feitos de pedaços de madeira e latas vazias de sardinhas; nossos bonecos eram feitos com trapos de panos; nossas bolas feitas com meias velhas ou de jornal velho. Apesar da precariedade e da pobreza nossas brincadeiras eram riquíssimas em criatividade e imaginação. Éramos capazes de criar histórias cheias de sinistros para serem contadas nos dias de lua-cheia. Bem, mas essa era a parte boa da história; no texto Infâncias de Ontem e de Hoje: diferenças determinantes eu não tratei do meu período escolar, por exemplo, e que não me trazem boas recordações. Para que eu possa dissertar sobre esse período na escola preciso relembrar como chegamos ao Rio de Janeiro. Não me lembro de onde vínhamos, sei, entretanto, que ao chegar a Austin, na Baixada Fluminense, o sol castigava a todos os descobertos. Miúdos e esfarrapados, cansados da viagem e famintos, caminhamos por cerca de dois quilômetros para chegar à casa de um primo de meu pai. Meu pai, aliás, não sabia que estávamos no Rio. Minha mãe nos trouxe de surpresa, fugindo de uma miséria incomensurável das terras mineiras. Poucos meses depois da nossa chegada nos foi permitido frequentar uma escola privada por benevolência da proprietária. Esta foi minha primeira experiência escolar no Rio de Janeiro; traumática, haja vista que íamos descalço para a escola e, mormente, éramos vítimas de bullying; chacota para os meninos da sala de aula que teimavam em zombar da nossa miséria. Um ano depois, já com ajuda de meu pai, mudamos para um endereço próprio. A partir daí a experiência escolar era traumática já na matrícula, pois para se conseguir uma vaga na escola pública, era necessário dormir vários dias numa fila enorme e sofrer, além da fome e da zombaria, do frio que a noite trazia. Não me recordo muito bem da alfabetização, salvo do caderninho de caligrafia que me parecia castigo ao fazer o exercício, dada a quantidade de vezes que se repetia letras e símbolos. Aliás, nos dias atuais, ainda é possível ver castigos dessa natureza onde o aluno é levado a copiar dezenas, centenas de vezes uma oração de impacto tipo, não devo fazer isso... Não devo fazer aquilo... O que me vem à memória com mais frequência foi do período de 5ª. a 8ª. séries. Me lembro no dia em que minha irmã
  • 3. mais velha, substituindo minha mãe, foi à escola para ouvir uma reclamação da professora de inglês porque eu insistia em ficar desenhando quando ela estava a me “ensinar” o dever. Ora, na ocasião nada me ocorria senão um desejo muito grande de desenhar. Nesta ocasião, e por conta dos nossos jogos de futebol num campinho do bairro, criei um jornal manuscrito para produzir notícias dos nossos jogos e eu ilustrava o jornal com meus desenhos, como se fossem as fotografias de um jornal impresso. Parece incrível, mas ninguém se atreveu a me dar a atenção que eu desejava. Aquela reclamação serviria para ofuscar um desejo meu que em nada atrapalhava o meu aprendizado. Pelo contrário, até ajudaria se fosse trabalhado de maneira a aproveitar aquele interesse para então enriquecer o meu aprendizado. No jornal manuscrito, poderiam me ajudar na produção de texto, na correção gramatical, na introdução de novas palavras para melhorar o vocabulário etc., mas, ali, o professor não tinha o interesse no meu aprendizado, pelo menos naquilo que me interessava. Para ele (o professor), interessava um conteúdo previamente determinado por aquilo a que chamam de livro didático e que lhes foram impostos por um sistema que procurava perpetuar o status quo, de modo que deixava claro que o poder estava circunscrito a uns poucos, enquanto que para a maioria lhes bastava alfabetização de conteúdos longe de suas necessidades. E assim, com interesses diferentes, professor e aluno se distanciavam e eu fui aprendendo a produzir textos muito mais pela prática ao longo dos dias que por intermediação do educador. A gramática, tão imperativamente defendida pelos gramáticos como ensino obrigatório, era um enigma e algo visto por mim como inalcançável. Minhas condições históricas não me permitiam um envolver no aprender da maneira como era ‘transmitido’ tal conhecimento. Também neste tempo a manifestação do poder condigno (Galbraight, 1979) era claro entre a escola, aqui entendida como diretores, professores e funcionários, e os alunos. Muitas vezes fui levado à secretaria e lá deixado de castigo. Não se mensurava qual o prejuízo moral era causado ao aluno castigado. Estes eram simplesmente retirados da sala de aula e deixados na secretaria até que a diretora resolvesse lhe tomar satisfação e determinar a punição que reforçaria o poder condigno. É importante salientar que estamos falando de um período cujo regime autoritário sob o comando dos militares era o vigente, e os professores adotavam a régua escalonada como palmatória para o castigo já na sala de aula. Nós alunos éramos brutalmente violentados em nossos direitos mais elementares e caía sobre nós um pavor brutal do corpo docente, inclusive dos funcionários como merendeiras, faxineiros e vigias. Os inspetores de disciplina saíam às ruas em busca dos gazeteiros. Uma vez encontrados, eram levados ao castigo. A escola aqui representava o Estado autoritário e seu corpo docente reproduzia os mecanismos de coerção, de intimidação, no singular exercício do poder condigno, como disse Galbraith no seu trabalho sobre a Anatomia do Poder: Por estar associado tanto à propriedade quanto à personalidade e por ter acesso a todos os instrumentos de coerção, o governo é uma instituição peculiarmente forte, de poder excepcional. Por isso seu poder é inevitavelmente encarado com temor, muitas vezes com pavor, e em todas as sociedades civilizadas concorda-se em que deve haver limites ao seu exercício. Pensa-se, em especial, que deve haver limites ao uso do poder condigno (Galbraith, 1999: p. 72)
  • 4. E era assim mesmo. A escola esforçava-se para semear o medo independente dos efeitos que provocaria no aprendizado dos alunos e o corpo docente fazia isso de modo muito natural. Era o governo exercendo o poder condicionado sobre uma massa acrítica, que já fora ‘treinada’ para reproduzir a sociedade tal como ela se encontrava, como disse Althusser (1985), que bastava assegurar à força de trabalho as condições materiais de sua reprodução para que se reproduza como força de trabalho, e que na escola podia-se aprender a ler e a escrever, mas aprendia-se, sobretudo, as ‘regras’ de bom comportamento e funcionava como um Aparelho Ideológico de Estado através da ideologia e da repressão, seja ela atenuada, dissimulada ou mesmo simbólica (Althusser, 1985: p. 70). Althusser disse mais: A escola é o pior dos Aparelhos Ideológicos de Estado. E porquê? Ele responde: Ela se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o Maternal, e desde o Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante aqueles em que a criança é mais “vulnerável”, espremida entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante (...), ou simplesmente a ideologia dominante (...), ou simplesmente a ideologia dominante em estado puro (...). Por volta do 16º ano, uma enorme massa de crianças entra “na produção” (p. 79)... O medo de ser vitimado pelas agressões e repressões na escola, um conteúdo que era difícil de ser assimilado me afundava ainda mais na ignorância. Não demorou muito, vendo toda a dificuldade de me relacionar e de aprender, abandonei os estudos na segunda metade do ano quando cursava a sexta série. III – O abandono escolar Fiquei alguns anos sem ir à escola. Minha vida agora era dada ao trabalho para ajudar no sustento familiar. Como não era fácil conseguir emprego formal restou-me a opção de embrenhar-me no trabalho informal. Fui ser feirante. Vendia laranjas e tangerinas e, não raramente, vendia doces e balas nos vagões de um trem ferroviário. Esse foi um período de grande aprendizagem. Foi exercendo esta atividade que desenvolvi certa habilidade para os cálculos e conversando com um e com outro, adquiri um vocabulário mais apropriado para o tempo presente. Neste tempo eu tinha 12 anos. Mesmo sendo ainda muito menino meus pais não se importavam com esse meu destino. Para eles, desde que eu levasse dinheiro para casa e que não fosse de modo desonesto, se trabalhava ou estudava, ou se trabalhava e estudava, eu mesmo devia conduzir o meu destino. Não consigo medir qual a importância disso na minha vida; minha reclamação é com a falta de afetividade, de solidariedade, de família mesmo, tanto que eu me relacionava melhor com outras famílias que não a minha. É aqui que entra um personagem muito importante na minha vida e que, me reportando a ele neste texto, espero reconhecer justamente sua significação para mim. Talvez eu nunca tenha dado o justo reconhecimento do significado deste outro em minha vida, inclusive no meu aprendizado, e quero fazê-lo agora. Dois anos depois de deixar de estudar eu consegui meu primeiro emprego com assinatura em carteira e foi Jorge Gonçalves, também menino como eu, era apenas um ano mais velho e trabalhava numa loja especializada que vendia roupas para ‘gordinhas’, quem me conduziu ao meu primeiro emprego formal com assinatura em carteira numa loja de cortinas e tapetes. Ali eu fazia a limpeza da loja e as entregas em domicílio. Mas não foi isto
  • 5. o que mais importante aconteceu nesta relação de amizade. O mais importante acontecia quando nada tínhamos para fazer nos dias de folga. Foi com ele e a partir dele que ensaiei meus primeiros poemas, ouvi e aprendi a admirar músicas brasileiras cuja letra fazia algum sentido e ‘inocentemente’ filosofávamos sobre os astros e algumas coisas terrenas. A partir daquelas curiosas observações, construíamos alguns saberes e outros que só vieram a ser ratificado ou retificado quando retornei à escola para concluir o meu primeiro grau. As nossas observações sobre o sol, a lua e as estrelas eram de fato muito inocentes. Mas nada que hoje, sob o ângulo de uma Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire, devesse se desperdiçar. Ora, se o que falávamos sobre os astros era algo verdadeiramente falso, não seria a partir desse não saber sobre os astros, mas reconhecendo nas duas crianças uma curiosidade ingênua, que Paulo Freire (2005) começaria a orientação na construção de um conhecimento mais amiúde, mais científico? O querer saber por que a lua adquiria uma forma visível da terra parecida como uma ‘foice’, ou um C invertido, como chamávamos, tomava-nos boa parte da noite. A procura por estrelas cadentes e algumas observações sobre o motivo delas estarem se movendo de um lugar para o outro de maneira tão veloz fazia-nos imaginar coisas muito curiosas. Estas e outras observações permaneceram na ingenuidade por muito tempo por falta de um educador que nos levasse a um saber mais apropriado. Quanto às músicas até ali eu não tinha nenhuma afinidade com ela. Mas a partir daquele menino que cantava as canções da moda naquele tempo eu consegui aprender alguns acordes de violão. E a partir de então, comecei a comprar revistas às quais chamávamos de ‘modinhas’, que traziam as letras de músicas cifradas, ou seja, com os símbolos dos acordes necessários para tocá-las. O contexto desse movimento me levou a conhecer novas palavras e conhecendo-as, passei a escrever mais e mais, não somente como poemas para serem recitados, mas como músicas para serem cantadas. Eu afirmo categoricamente que aprendi muito mais no convívio com aquele menino, que ainda hoje não tem o segundo grau, que com os professores e professoras em sala de aula dos meus tempos de escola até os 12 anos. Jorge Gonçalves reside em Miguel Couto, bairro da cidade Nova Iguaçu, é hoje motorista de ônibus, evangélico, tem cinco filhos sendo um homem e quantro lindas meninas, todos me chamam de tio e exijo que meus filhos, se não desejam tratá-lo como um parente, que o respeite como merece. Depois do serviço militar fiquei um bom tempo desempregado. Esse período desempregado foi importante para eu reconhecer que precisava voltar à escola. Sobre essas desgraças que caem sobre nós, mas que parecem agir como uma fênix, ou seja, nos oferece uma oportunidade de recomeço, há um artigo de Steve Jobs, criador da Apple, demitido da empresa que criou pelos acionistas, que mostra que uma dificuldade não pode ser o fim, mas o começo de uma nova etapa. Disse Jobs: Não enxerguei isso na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa que podia ter acontecido para mim. O peso de ser bem sucedido foi substituído pela leveza de ser de novo um iniciante, com menos certezas sobre tudo. Isso me deu liberdade para começar um dos períodos mais criativos da minha vida. Durante os cinco anos seguintes, criei uma companhia chamada NeX T, outra companhia chamada Pixar e me apaixonei por uma mulher maravilhosa que se tornou minha esposa. Pixar fez o primeiro filme animado por computador, Toy Story, e é o estúdio de animação mais bem sucedido do
  • 6. mundo. Em uma inacreditável guinada de eventos, a Apple comprou a NeX T, eu voltei para a empresa e a tecnologia que desenvolvemos nela está no coração do atual renascimento da Apple (Jobs, SD.). Jobs foi demitido da empresa que criou o que poderia deprimi-lo a ponto de colocá-lo numa situação de ostracismo, mas não foi assim o que aconteceu, ele viu na desgraça acontecida uma oportunidade para recomeçar e avançar ainda mais. Quanto a mim, estar desempregado foi motivo de muita reflexão e questionamentos: como conseguir um bom emprego se não tenho profissão? Se não tenho profissão qualificada, como conseguir um bom emprego se não tenho escolaridade? Quando questionei sobre minha formação decidi que precisava voltar à escola. Antes de voltar à escola passei por um núcleo do SENAI para aprendizagem sobre eletricista de manutenção e instalação. Era uma tentativa de me profissionalizar para conseguir um emprego que me proporcionasse autonomia com mais dignidade, já que o alimento, embora garantido pelos pais, era muito ‘pobre’. Para se ter uma ideia do que isto significa, meu pai comprava carne que lhe serviria para a ‘marmita’, aos que ficavam em casa, arroz e feijão e só. Nada de carne, nada de legumes. Algumas verduras raramente. Deste investimento (no SENAI) fui convidado a fazer a instalação elétrica do salão paroquial da Igreja de São Sebastião em Austin, distrito de Nova Iguaçu. Ao concluir o trabalho fui então convidado para atuar como voluntário na campanha contra a Dengue e eu aceitei. Para meu espanto e – boa surpresa! – esse voluntariado receberia uma bolsa de salário mínimo e meio e duraria por seis meses. Este período, já na segunda metade dos anos 1980, reforçou-me reconhecer a necessidade de uma escolaridade maior. Não que eu me mostrasse incompetente, ao contrário, sempre era chamado para uma determinada função, nisso eu via méritos em mim, mas esbarrava na baixa escolaridade. Indiferente a isso, no ano seguinte eu e outras 249 pessoas foram contratadas pela extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública – SUCAM onde permanecemos até os dias atuais, não mais como SUCAM, mas como Fundação Nacional de Saúde – FUNASA. IV – De volta à escola O novo contrato me deu a segurança que eu precisava para voltar à escola. Para concluir o primeiro grau voltei para o ensino supletivo numa escola pública, este sistema que acelera a formação dos que já superaram a idade escolar. Mais experimentado, já conseguia determinada sintonia com o ensino aplicado, embora percebesse ali que o processo de aceleramento deixava muitas coisas importantes escapulirem a construção do saber. Concluída a primeira etapa, ou seja, a 8ª série do primeiro grau (hoje, Ensino Fundamental), matriculei-me imediatamente no segundo grau (hoje, Ensino Médio) também numa instituição pública. Não queria perder aquilo que me estimulava a continuar. Foram três anos para uma formação geral, mas com muitas falhas. Faltavam professores de biologia, física, sociologia e literatura. Algumas disciplinas eram aplicadas por professores sem o menor compromisso com a formação daqueles alunos, entre os quais eu me incluía. No primeiro ano tivemos aulas de filosofia. Particularmente me identifiquei com a disciplina e procurava participar das aulas de modo bem interativo, sentimento que não era compartilhado pelos meus colegas de turma. Sobre a turma, aliás, muito me preocupava o desinteresse deles pela aprendizagem, e talvez por isso eu não tenha conseguido articular
  • 7. um movimento para a melhoria das condições da escola. As carteiras eram muito ruins, algumas ficavam no canto da sala por completa inutilidade. Não raramente alguns colegas costumavam jogar as carteiras umas sobre as outras, a quebrar o ventilador de teto, e por mais que eu lhes chamasse a atenção sobre o prejuízo que estavam nos causando, eles ignoravam. O quadro negro também tinha problemas. Em parte dele já não era mais possível escrever. A iluminação também deixava a desejar. Tudo isso influenciava no processo ensino-aprendizagem. Os professores não se importavam com o desinteresse dos alunos e estes, por sua vez, aproveitavam-se da ‘ausência’ do professor para escapulir de algumas aulas e todos atribuíam ao governo as péssimas condições da escola. Muito me preocupava o fato dos professores reproduzirem aquilo que estava pré- estabelecido no livro didático. Eu queria debater, saber a razão ou as propriedades de cada assunto que era colocado em pauta e, normalmente, os colegas me pediam para deixar o professor dar a aula dele, e o professor, por sua vez, reproduzia insistentemente o conteúdo do livro. Hoje eu consigo olhar para aquele tempo e ver que os professores, em grande número, nada sabiam para ensinar, apenas se orientavam pelo livro do professor para garantir a ‘transmissão de conteúdo’. Para mostrar que em toda regra há exceção, e neste caso eu quero dizer que a regra é a exceção, e a exceção torna-se regra, para explicar melhor, a regra era transmitir o conteúdo e não se importar com a formação dos alunos com uma práxis educativa básica, sem aprofundamento; enquanto a exceção era aprofundar as questões, debater e chamar a atenção de um e de outro para a importância do que estava sendo levado à sala de aula; então tive um professor de física que era esta exceção. Deficiente físico, provocado por uma paralisia parcial dos membros, o professor Emanuel era o mais eficiente deles. Ele não só aplicava o conteúdo como procurava mostrar empiricamente aquilo que ele estava dizendo. A meu ver ele sabia o que ensinar. Tivemos só o primeiro ano com ele e tudo o que sei sobre física devo a ele. Outro professor, o de Inglês, era diametralmente oposto ao de física. Era o legítimo representante da ‘regra’. Como na turma havia um rapaz que cantava algumas canções em inglês, eles eram bem próximos, e com este professor Cléber, fui vítima da sua inaptidão para o exercício da práxis educativa. Quando tentava me aproximar para um aprendizado melhor, tentando balbuciar algumas palavras em inglês, o meu colega de turma e o professor Cléber riam zombeteiramente do modo como eu me colocava. Para não passar por ridículo acabei deixando de lado o falar inglês me limitando a apenas reproduzir aquilo que os exercícios pediam. V – Universidade é um desejo, não produto de primeira necessidade Mesmo com todas as dificuldades concluí o segundo grau. Se me perguntarem se estava pronto para ingressar na universidade passando pelo vestibular, minha resposta será um rotundo NÃO. Então fiquei por muitos anos apenas com o ensino básico. Estava conformado com o que já tinha conquistado em termos de estudos, afinal, já no serviço público federal, recebendo um salário acima da média dos salários praticados no Brasil, poderia me considerar um afortunado pela sorte. Mas na medida em que o tempo passava, e na medida em que fui percebendo o mundo em que vivemos e fazendo uma leitura mais politizada, percebendo que a capacidade ainda não é tudo, e que escolarização ainda pesa muito na escolha das melhores funções, a necessidade de avançar ainda mais na minha
  • 8. formação reapareceu. Daí um dilema: como enfrentar um vestibular, depois de 10 anos fora da sala de aula, competindo com os jovens que estão saindo da escola de segundo grau ou dos cursinhos de vestibulares? Sobre esse dilema eu escrevi um artigo que já fora publicado no meu blog para debater sobre cotas nas universidades. Neste artigo (Sobre Cotas na Universidade) escrevi: Aqui precisamos discutir uma outra questão. Pobre, sendo branco ou negro, tem que trabalhar. Então, quando no nível básico ou médio, só lhes restam a Escola Pública. Esta sim, a serviço dos ricos sempre foi de baixa qualidade. Então o pobre, branco ou negro, sai da Escola Pública e vai procurar trabalho. O ensino superior é um desejo, não um produto de primeira necessidade. O trabalho vem antes da formação educacional por uma questão de sobrevivência, não de opção. Já o filho do rico estuda na escola privada, que garante bons salários e, portanto, atrai os melhores educadores. Quando terminam o ensino médio ingressam quase imediatamente num desses cursinhos pré-vestibulares intensivos. Parece até que os vestibulares das instituições superiores foram elaborados pelos donos dos cursinhos pré- vestibulares. Daí que o pobre, aquele que saiu da Escola Pública fica em enorme desvantagem em relação ao filho do rico. Então, quem ocupa as vagas nas instituições públicas de ensino superior? Os filhos dos ricos. E por isso nestas Universidades sempre tiveram os melhores profissionais. A qualidade sempre foi emblemática. E por quê? Porque ali só estudavam os filhos dos ricos. Pobres? Um ou outro talvez. Então a Universidade Pública era um espaço inacessível para pobres, negros e negras (Santos, 2008) Quero aqui resgatar uma discussão sobre a escola, a estatal – a que chamamos de pública – e a privada, tema que já foi abordado por autores como Saviani (1986), Davis (et. Al. 2002), Neves (1994) entre outros, e que trata de uma escola dual, ou seja, uma escola para os pobres e outra para os ricos, e mesmo esta destinada aos pobres foram criadas para a égide da classe hegemônica para a qual o Estado atuou brilhantemente a favor. Assim, a classe já favorecida historicamente frequentava a escola privada até a formação do segundo grau. Esta escola contratava os melhores profissionais em educação e investia (investe até os dias atuais) maciçamente em recursos tecnológicos avançados para atender às necessidades da sua clientela. Em favor disso, o Estado contrata professores sem exigir qualificação apropriada para o exercício da práxis educativa e cria uma escola onde não há investimento que assegure recursos apropriados para uma educação de qualidade e é a escola para onde são levados aqueles que não podem frequentar a escola privada por falta de recursos, ou seja, os pobres. A inversão das prioridades ocorre quando, tanto os pobres quanto os ricos, terminam a escolarização média. Como as Universidades Públicas historicamente se destinam à classe hegemônica, já que funciona em turnos diurnos, exigindo do egresso tempo disponível, passam a ser frequentadas pelos ricos já que os pobres precisam buscar o mercado de trabalho para a sobrevivência. Sem poder frequentar as Universidades Públicas diuturnamente, os pobres são levados às Universidades Privadas que funcionam precariamente no período noturno. Davis (et. al. 2002) diz que “Nos primeiros séculos de nossa história, a educação era restrita a poucos, privilégio de minorias econômicas”. Neves aprofunda a discussão. Ela diz:
  • 9. Reconhecer na escola contemporânea o papel de formadora dos intelectuais orgânicos da burguesia e do proletariado não implica o desconhecimento do fato de que historicamente os sistemas educacionais capitalistas vêm desenvolvendo mecanismos de filtragem social para garantir o acesso diferenciado aos diversos graus e ramos de ensino que terminam por privilegiar o acesso e permanência no sistema escolar dos representantes da classe dominante e de seus aliados (Neves, 1994: p.24). Então a escola que frequentei tinha essa característica dual. Ali onde estudei estavam os que deveriam ficar naquela formação e não mais ascender para servir de mão-de-obra desqualificada e barata para perpetuação do status quo dessa classe hegemônica. Como disse Saviani (1986) era uma escola para reproduzir a sociedade tal como ela se apresentava, e analisando a teoria de Baudelot e Establet diz que é pior ainda: essa escola deveria não só “reforçar e legitimar a marginalidade que é produzida socialmente... [mas também tem por missão] impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária” (p. 27). Finalmente o novo século me trouxe novas esperanças. Um programa do governo federal que garante bolsas de estudos para quem estudou o ensino médio em escola pública ou foi bolsista em escola privada, denominado Universidade para Todos – ProUni me garantiu retomar meus estudos. Quero deixar claro que sem este programa dificilmente teria uma formação universitária. Para mim, a universidade pública, com seu sistema seletivo e excludente de ingresso, era uma realidade inalcançável, dado o longo período fora da sala de aula. A universidade privada se tornaria alternativa se não fosse tão cara. Daí que o programa foi providencial. Fiz exame do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio e fiquei com uma nota bastante razoável, muito acima da média nacional. Com este resultado me inscrevi no ProUni e fui agraciado com uma bolsa integral para fazer POR OPÇÃO o curso de Pedagogia. Agora já no quarto período, posso relatar que nos três primeiros e no decurso deste quarto período fui vitima de preconceito e bullying. Me espanta que neste nível de ensino vejo acadêmicos que frequentam a sala de aula para assinar a pauta ou responder a chamada. Pouco se importam com o conteúdo que está sendo discutido. Quando procuro me manifestar, participando da construção do conhecimento, me pedem ‘calar a boca’. É estranho perceber que não estão entendendo e ainda assim estão mais preocupados em responder a frequência. Certa ocasião, em sala de aula, o professor de Prática e Pesquisa da Educação III pediu que duas colegas de turma deixassem a sala, pois com a conversação paralela, sem nenhuma vinculação com o assunto em pauta, atrapalhavam o entendimento da questão. Outra professora já teceu comentários sobre outras colegas que entram em sala, respondem a frequência e saem, como se o conteúdo em pauta não lhes dissessem nada a respeito. Naturalmente ainda faltam alguns períodos para a conclusão do curso. Não me decepcionei com a escolha, mas com a qualidade daquilo que está sendo ofertado. Não à toa, Saviani (1999) teceu comentários a respeito da Mcdonaldização da educação. A Universidade Estácio de Sá leva isto ao ‘pé da letra’ como diz o ditado popular. Algumas das suas unidades estão instaladas em shoppings, dividindo espaço com lojas de roupas, calçados, lanchonetes e chopperias. O argumento é que o espaço é apropriado para a convivência. Ora, não é a Universidade, por si só, um espaço apropriado para a convivência? E este
  • 10. espaço de convivência não acaba por desviar os alunos de seus objetivos? Bem, isso é um assunto a ser pesquisado por essa geração que está se formando nos dias atuais, mas que exige uma resposta para melhor entendimento dos destinos da educação brasileira. VI – Temas para pesquisa educacional Depois de discorrer sobre minha vida na escola, destacando apenas aquilo que a memória não me traiu, quero apresentar cinco temas implícitos no texto e que serviriam perfeitamente como tema de pesquisa educacional. O primeiro deles eu o apresento no primeiro parágrafo. Trata-se dos novos recursos tecnológicos e a influência deles no aprendizado dessa nova geração multimedia. Que influência esses recursos têm sobre os alunos e como os professores atuam diante da necessidade de lidar com esses instrumentos? De que maneira esses recursos podem contribuir na construção do conhecimento? Em seguida, eu falo sobre o bullying, pois fui vitimado por este fenômeno. “O termo bullying compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro (s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder (Construir Notícias, 2008 : p.5)”. Esse desvio de comportamento dentro da escola, quando não há intervenção para a superação do problema, pode ocasionar um sinistro mais grave, como o ocorrido na cidade de Taiúva, no interior de São Paulo, no início de 2003 quando um ou mais alunos foram armados para a escola e atiravam em quem estivesse à sua frente. A violência neste caso é o instrumento de superação do poder que os subjugava (idem). E nos dias atuais, como são vistos os casos de bullying? Como os educadores se colocam diante de um caso de bullying na sala de aula? Um terceiro tema que considero importante, embora pouca literatura se encontra a respeito e pouco se debate sobre este tema, é a relação de poder exercida na sala de aula. Alunos de uma escola em Austin, e que já foi motivo de uma investida minha para fazer um trabalho para a disciplina de Políticas Públicas, mostravam certo temor na sala de aula. O medo do professor e da direção da escola atua de modo negativo sobre os alunos o que colabora para um desempenho pífio na construção do saber. O quarto tema é algo que considero bastante discutido, mas que exige uma permanente discussão com o objetivo de superar esta questão. Trata-se do abandono da escola. A meu ver é importante conhecer a fase mais aguda na criança, aquela que o leva a pensar em deixar a escola e procurar entender o motivo desestimulante para o estudo. Aqui eu destaco a importância da subjetividade, tratando ser a pesquisa qualitativa a mais apropriada para o fim desejado, pois não se trata de conhecer números de meninos ou meninas que abandonam a escola, mas de conhecer em que período na vida de uma criança isso ocorre, bem como os motivos pessoais. Por fim, quero destacar um tema muito pertinente. Aqui quero resgatar o que disse Paulo Freire (2005) sobre estética. No terceiro período da faculdade de Pedagogia, escrevi um artigo sobre a Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire e destaquei a importância de uma
  • 11. escola decente para que os alunos sintam desejo de voltar no dia seguinte. Neste artigo escrevi que “ensinar exige ‘estética e ética. Decência e boniteza de mãos dadas (Freire, 2005)’. A escola precisa ser um espaço onde o educando sinta o desejo de voltar logo quando vai para casa. Deve ser um espaço de comparações, de intervenções, escolhas, de decisão. Isso é o exercício da ética, do respeito ao outro. Lugar onde correr riscos, aceitar criticamente o novo e rejeitar toda e qualquer manifestação de discriminação, reconhecendo e conhecendo as diversas identidades culturais (Santos, 2008)”. Então, um tema que considero interessante a ser tratado é sobre as condições das instituições escolares, ou seja, como estas se apresentam para os alunos. Dos temas que apresentei destaco dois que mais me inquietam: os novos recursos tecnológicos e sua utilização na construção do conhecimento. Este tema considero importante porque há que se considerar que estamos vivendo uma era onde o conhecimento é a principal commodity para um mundo globalizado, para uma sociedade planetária. As transformações sociais ocorridas concomitantes com o desenvolvimento tecnológico exigem uma atualização da práxis educativa, por uma questão de sobrevivência. O mundo não é mais o mesmo; O mundo que hoje surge constitui ao mesmo tempo um desafio ao mundo da educação, e uma oportunidade. É um desafio, porque o universo de conhecimentos está sendo revolucionado tão profundamente, que ninguém vai sequer perguntar à educação se ela quer se atualizar. A mudança é hoje uma questão de sobrevivência, e a contestação não virá de “autoridades”, e sim do crescente e insustentável “saco cheio” dos alunos, que diariamente comparam os excelentes filmes e reportagens científicos que surgem na televisão e nos jornais, com as mofadas apostilas e repetitivas lições da escola (Dowbor, 2001). Ora, se o mundo está em constante mudanças a prática pedagógica não pode ser a mesma dos tempos em que educação se resumia à sala de aula. Novas práticas precisam ser adotadas no sentido de responder as expectativas de todos e todas e de cada um em particular. Quando realizei uma palestra na Escola Estadual São Cristóvão, em Queimados/RJ, fiquei escandalizado ao ver que seis computadores estavam empacotados na sala da direção sem utilidade alguma. O professor que me levou à escola ficou entusiasmado com os recursos que utilizei para ministrar a palestra sobre Síndrome de Asperger. Ali percebi o quanto esses professores precisam de atualização, pois estão distantes da realidade dos alunos. E o que é pior. Os recursos estavam lá, mas não eram utilizados. Além disso, é preciso dar uma resposta sobre o quanto estes recursos influenciam no aprendizado dos alunos e alunas, daí que considero este tema importante para uma pesquisa mais amiúde. O segundo tema que destaco se refere às condições do ambiente escolar, ou seja, como as instituições se apresentam para os alunos e o quanto isso interfere, para o bem ou para o mau, no aprendizado dos alunos e alunas. Esta inquietação me ocorreu quando realizei uma palestra no CIEP Gilson Amado, em Engenheiro Pedreira, na cidade de Japeri/RJ. A
  • 12. escola realizava um evento de Culminância de Geografia e fui convidado a fazer uma palestra sobre a cidade de Japeri. Durante a palestra, mostrei em imagens duas cidades representadas por dois bairros específicos. A cidade de Japeri, através do bairro Engenheiro Pedreira e a Cidade de Curitiba, representada pelo Centro de Curitiba. Quando interrogados sobre qual cidade eles gostariam de viver, a totalidade apontou Curitiba. Duas outras imagens foram mostradas. De uma escola pública da Zona Norte e outra da Zona Oeste, ambas no Rio de Janeiro. Quando interrogados sobre qual delas gostariam de estudar, a totalidade dos alunos apontou para a escola que se mostrava melhor cuidada. Instigados a dizer o motivo, falaram da auto-estima, de orgulho e prazer de estar lá. Desde então me ocorre esta inquietação: será que as condições escolares não desestimulam o alunado voltar para a escola? VII - Conclusão Neste texto eu comecei resgatando outro anteriormente escrito por mim para mostrar que esta ‘garotada’ nova que ingressa na escola nos dias atuais nasceu em ‘berço multimedia’. Essa cultura que emerge das novas tecnologias são levadas para a escola, por isso destaquei sendo este um tema de relevância para uma pesquisa educacional. Em seguida começo a dissertar sobre minha trajetória escolar. Muitas coisas ficaram sem ser citadas, pois a memória não me permitiu um resgate com fidelidade da ocorrência dos fatos. Mas algumas coisas no histórico de vida de cada um de nós marcam tão profundamente que jamais são esquecidas. Foi o caso de ter que freqüentar a escola com os pés descalços e das zombarias que tive que suportar. Foi também o caso da professora que me castigava porque eu não fazia as lições, mas ficava desenhando ao invés de fazer o dever, bem como as corridas para fugir dos inspetores de disciplina que saiam em busca dos ‘gazeteiros’. Mostrei neste texto que fora da escola também se aprende. Assim, a escola não pode fingir que os alunos e alunas não trazem consigo algum saber que são constituídos na prática comunitária. Saberes que Paulo Freire disse ser necessário aproveitá-los em benefício da construção do conhecimento. Mostrei também que se (estes saberes) forem ignorados pela escola pode ocasionar desestímulo levando o aluno/a a abandonar os estudos. Relato que a necessidade de me colocar devidamente no mercado de trabalho me fez retomar os estudos e que, felizmente, e por conta de um programa social do governo federal, chego à universidade para fazer um curso de Pedagogia, repito, por opção. Em cada etapa escolar procuro resgatar alguns fatos que marcaram essa etapa de minha vida e concluo destacando aquilo que considero importante como tema de pesquisa educacional. VIII – Bibliografia Althusser, Louis: Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado (AIE). Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro: Rio de Janeiro : Edições Graal, 1985, 2ª edição. Construir Notícias. O Fenômeno Bullying nas Relações Interpessoais. Revista Construir Notícias, n° 40, ano 07, maio/junho de 2008.
  • 13. Dowbor, Ladislau. Tecnologias do conhecimento: os desafios da educação. Disponível em http://br.monografias.com/trabalhos903/tecnologias-conhecimento- educacao/tecnologias-conhecimento-educacao.shtml Galbraith, John Kenneth. Anatomia do Poder. 4ª ed. (Coleção novos umbrais) Tradução de Hilário Torloni. São Paulo: Pioneira, 1999 FREIRE. Paulo. Pedagogia da Autonomia [saberes necessários à prática do educando] Rio de Janeiro. DP&A, 2005. Jobs, Steve. Você tem que encontrar o que você ama. Disponível em http://vocesa.abril.com.br/evolucao/aberto/ar_80039.shtml acessado em 27 de agosto 2008: 11:00h. Neves, Lúcia Maria Wanderley. Educação e Política no Brasil de Hoje. São Paulo : Cortez, 1994 (Coleção questões da nossa época v. 36) Penin, Sonia T. Souza; Vieira, Sofia Lerche. In Davis, Claudia (et. al.). Gestão da Escola: desafios a enfrentar. Vieira, Sofia Lerche (org.) Rio de Janeiro: DP&A, 2002.