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Bombardeio internacional

Milhares de fatos ocorrem todos os dias. Guerras, crises econômicas, acidentes trágicos, atentados terroristas.
Em meio a esta diversidade de informações, as editorias têm de trabalhar em conjunto com as agências de notí-
cias, a fim de selecionar as notícias para o jornal do dia. Mas, qual o critério utilizado? Como se dá o relaciona-
mento entre agências e redações? E quando as guerras acontecem, como a cobertura é feita? Bem-vindo a este
universo de tanta informação, onde mal a tempo de assimilar todos os fatos.


Leonardo Siqueira e Raphael Vaz

Imagine-se cercado por cinco dezenas de presentes. Dos mais variados tipos. No entanto, você só pode levar
para casa apenas dez deles. Se na sua mente você percebeu o dilema pelo qual iria passar frente às opções de
escolha, conseguiu imaginar também um pouco do cotidiano dos editores e repórteres que atuam na editoria de
internacional.

Todos os dias centenas de fatos relevantes acontecem em todo o mundo. Desde os lados orientais, encabeçados
pela China e Japão, percorrendo a Europa e alcançando as Américas. Diariamente, todos os locais têm as suas
particularidades e eventos para oferecer aos profissionais dessa área. Por sua vez, esses jornalistas precisam se-
lecionar aquilo que consideram mais importante para a região em que o seu veículo atua e abordar as matérias
num pequeno espaço de páginas, de forma contundente e ampla. Um desafio e tanto, não?

Porém, quando essas questões atingem o Brasil, as opiniões divergem quanto à qualidade da cobertura feita pela
mídia. Para o correspondente da agência espanhola EFE no Brasil, Omar Lugo, “a cobertura da mídia brasileira na
América Latina é muito limitada”. Segundo ele, a imprensa brasileira oferece mais espaço para temas que afetam
diretamente o País, como é o caso da Bolívia, ou quando aparecem figuras chamativas que acabam em escândalos
por todo mundo. O fenômeno Chávez é o exemplo mais recente.

O jornalista destaca, ainda, que a imprensa brasileira dedica muito espaço para o que ocorre na Europa e nos Es-
tados Unidos e esquece o restante da América Latina. “Aliás, o Brasil também é América Latina, apesar de alguns
brasileiros acreditarem que o País não faz parte dela”, reitera. Na visão do correspondente, essa “rejeição” pode
afetar a qualidade da cobertura jornalística. “É uma visão limitada e sem profundidade. Eu já vi alguns repórteres
trocarem as capitais de alguns países. Gente que confundiu Bogotá, capital da Colômbia, como a principal cidade
da Venezuela”, exemplifica.

Se por um lado a visão da América Latina é limitada, conforme pontua Lugo, por outro, a imprensa brasileira ar-
risca uma cobertura menos pretensa e dependente das agências de notícias. É o que explica o editor de Mundo
do Zero Hora, Luciano Peres. “Eu tenho visto essa preocupação dos jornais de mandar enviados especiais e cor-
respondentes para o exterior a fim de ampliar a cobertura”, justifica. Peres acrescenta que mesmo a dificuldade
de enviar repórteres a outros países não impede a tentativa de os veículos darem um tom local às matérias. Ele
acrescenta que o contato por telefone é um recurso muito utilizado pelas grandes redações. “Já nos pequenos,
o que eu tenho visto é que a editoria de internacional está cada vez mais enxuta e à parte do mundo”, lamenta.

O papel das agências

No século 19, surgiu a primeira agência de notícias. Com o nome de Havas, e inicialmente sediada em Paris, a
agência enviava por meio de telegramas as principais notícias do mundo para as redações dos jornais ao redor do
globo. Mais tarde, a Havas se dividiu, dando início à AFP (Agence France-Presse) e à britânica Reuters.

Com o advento da internet e da globalização, as agências de notícias passaram a manter correspondentes espal-
hados em vários países. Assim, esses jornalistas são responsáveis por transmitir os fatos que ocorrem na região
em que atuam. Dessa maneira, as notícias são disponibilizadas para o uso ou não dos veículos. É o caso do Zero
Hora, que trabalha com três agências de notícias (duas européias e outra norte-americana), além de reportagens
especiais do jornal britânico The Guardian. No entanto, os textos publicados nos periódicos não são comple-
tamente iguais aos disponibilizados pelas agências. “Nós sempre tentamos pegar o melhor de cada agência e
reescrever o texto. A redação final que sai no Zero Hora normalmente não é adaptada de uma agência só. Até
porque essas agências, em geral, do ponto de vista de contexto, em si, não são muito boas”, explica Peres.

Sobre o relacionamento com esses veículos internacionais, o repórter especial do O Estado de S.Paulo, Lourival
Sant’Anna, salienta a importância do contato com as agências. “Elas têm uma rede de repórteres no mundo
todo. Nenhum jornal, por maior que seja, pode ter uma rede tão capilar de jornalistas em lugares tão diferen-
tes”, revela Sant’Anna, que já atuou na CNN e na BBC. Segundo ele, a variedade de notícias e repórteres é muito
grande e, por isso, há uma visão muito distinta. “Eu já vi vários repórteres da France-Presse que não são neces-
sariamente franceses. Conheci um jornalista iraquiano que era correspondente dessa agência. Além disso, os
fronts são lugares difíceis de trabalhar e as agências têm uma vantagem comparativa muito grande”, esclarece.

Desafios

O custo é o primeiro item da lista a ser analisado na hora de o veículo decidir ou não enviar um repórter ao local
do conflito. Lembrando que o jornalista deve ter uma boa lista de contatos, a fim de conseguir as informações
que deseja. “A cobertura de guerra é algo desafiante. E isso demanda muita leitura, abertura intelectual. Porém,
é importante que o repórter saiba como chegar aos melhores intérpretes, guias e fixers, que são os profissionais
que auxiliam o jornalista na hora de estabelecer contatos”, sugere Sant’Anna. Conforme ele explica, a isenção de
preconceito e a presença da humildade devem nortear o trabalho jornalístico. “Estamos falando de uma cultura
e/ou lideranças políticas muito diferentes”, confessa.

Apesar disso, o trabalho de repórteres estrangeiros no País ainda é visto com preconceito. “As agências de notí-
cias sempre aparecem no último lugar da fila. Uma boa parcela das fontes desconhece o papel das agências”,
reclama Lugo. Não seria a hora de as escolas de Jornalismo incluírem o papel das agências e o universo da cobe-
rtura internacional nos currículos acadêmicos? O correspondente acredita que sim. “Essa falta de conhecimento
reflete a própria qualidade do ensino no País”, pondera.

De olho na formação dos futuros jornalistas, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) decidiu adotar a
disciplina de Jornalismo Internacional. A Escola de Comunicação da universidade disponibiliza a apostila para
download, que conta com uma lista das principais editorias de internacional do País e do mundo. Qualquer jor-
nalista ou estudante pode contatar as principais agências internacionais e falar com correspondentes de jornais
como The Guardian, The New York Times, Der Spiegel e Clarín.

Isso, de fato, irá auxiliar o trabalho desses futuros repórteres e editores. A iniciativa é, ainda, um estímulo ao
contato com os profissionais do meio. Dessa forma, fica mais fácil escolher o presente, uma vez que os critérios
são definidos de acordo com a proximidade e relevância das informações. E do relacionamento e troca de inter-
esses com as agências.

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  • 2. especiais do jornal britânico The Guardian. No entanto, os textos publicados nos periódicos não são comple- tamente iguais aos disponibilizados pelas agências. “Nós sempre tentamos pegar o melhor de cada agência e reescrever o texto. A redação final que sai no Zero Hora normalmente não é adaptada de uma agência só. Até porque essas agências, em geral, do ponto de vista de contexto, em si, não são muito boas”, explica Peres. Sobre o relacionamento com esses veículos internacionais, o repórter especial do O Estado de S.Paulo, Lourival Sant’Anna, salienta a importância do contato com as agências. “Elas têm uma rede de repórteres no mundo todo. Nenhum jornal, por maior que seja, pode ter uma rede tão capilar de jornalistas em lugares tão diferen- tes”, revela Sant’Anna, que já atuou na CNN e na BBC. Segundo ele, a variedade de notícias e repórteres é muito grande e, por isso, há uma visão muito distinta. “Eu já vi vários repórteres da France-Presse que não são neces- sariamente franceses. Conheci um jornalista iraquiano que era correspondente dessa agência. Além disso, os fronts são lugares difíceis de trabalhar e as agências têm uma vantagem comparativa muito grande”, esclarece. Desafios O custo é o primeiro item da lista a ser analisado na hora de o veículo decidir ou não enviar um repórter ao local do conflito. Lembrando que o jornalista deve ter uma boa lista de contatos, a fim de conseguir as informações que deseja. “A cobertura de guerra é algo desafiante. E isso demanda muita leitura, abertura intelectual. Porém, é importante que o repórter saiba como chegar aos melhores intérpretes, guias e fixers, que são os profissionais que auxiliam o jornalista na hora de estabelecer contatos”, sugere Sant’Anna. Conforme ele explica, a isenção de preconceito e a presença da humildade devem nortear o trabalho jornalístico. “Estamos falando de uma cultura e/ou lideranças políticas muito diferentes”, confessa. Apesar disso, o trabalho de repórteres estrangeiros no País ainda é visto com preconceito. “As agências de notí- cias sempre aparecem no último lugar da fila. Uma boa parcela das fontes desconhece o papel das agências”, reclama Lugo. Não seria a hora de as escolas de Jornalismo incluírem o papel das agências e o universo da cobe- rtura internacional nos currículos acadêmicos? O correspondente acredita que sim. “Essa falta de conhecimento reflete a própria qualidade do ensino no País”, pondera. De olho na formação dos futuros jornalistas, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) decidiu adotar a disciplina de Jornalismo Internacional. A Escola de Comunicação da universidade disponibiliza a apostila para download, que conta com uma lista das principais editorias de internacional do País e do mundo. Qualquer jor- nalista ou estudante pode contatar as principais agências internacionais e falar com correspondentes de jornais como The Guardian, The New York Times, Der Spiegel e Clarín. Isso, de fato, irá auxiliar o trabalho desses futuros repórteres e editores. A iniciativa é, ainda, um estímulo ao contato com os profissionais do meio. Dessa forma, fica mais fácil escolher o presente, uma vez que os critérios são definidos de acordo com a proximidade e relevância das informações. E do relacionamento e troca de inter- esses com as agências.