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r/com renascença comunicação multimédia, 2013
RELIGIÃO
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Antonio Spadaro
“Temos de perceber como este Papa comunica”
O Padre Antonio Spadaro, jesuíta, que publicou, recentemente, uma grande entrevista com o Papa, diz, em
entrevista à Renascença, que é preciso uma nova chave de leitura para entender Francisco, um Papa que fala
sempre com base na sua própria experiência e não de forma abstracta, desligada da realidade, defende.
Spadaro está em Portugal para falar sobre o seu mais recente livro, que aborda a “Ciberteologia” e questiona
a forma como a Igreja se pode adaptar a um mundo constantemente online, tendo participado nas Jornadas da
Comunicação Social da Igreja, em Fátima (notícia nestas páginas).
Filipe d’Avillez»
Renascença - Passam cerca de duas semanas da pu-
blicação da sua entrevista ao Papa. Que balanço faz
da entrevista e dos seus efeitos?
António Spadaro - Para mim, esta entrevista não
foi uma entrevista, foi uma experiência espiritual.
É muito difícil falar disto. Sei que o Papa foi muito
franco. Ele não se tenta defender, fala abertamen-
te. Por isso, pode ser mal compreendido, claro, mas
também é verdade que eu recebi mais de mil men-
sagens de pessoas cuja vida mudou por causa desta
entrevista. Foi uma experiência espiritual enorme,
incluindo ler esse feedback, de pessoas normais.
Penso que as pessoas normais compreenderam bem
o Papa e que a entrevista teve um bom impacto na
sua espiritualidade, mesmo para pessoas que não
vivem na Igreja ou que a deixaram há muitos anos.
Recebi uma mensagem de uma pessoa que me dizia
que, se tivesse lido esta entrevista na altura, não
teria abandonado a Igreja.
Renascença - Muitas pessoas sentiram-se descon-
fortáveis com as palavras do Papa sobre o aborto,
casamento homossexual e contracepção. Pessoas
que estão na linha da frente nestas causas e que se
sentiram desencorajadas pelo que o Papa disse. O
que diria a estas pessoas?
AS - Para o Papa, o mais importante é pregar o Evan-
gelho e falar da grande misericórdia de Deus. O Evan-
gelho tem de chegar a toda a gente, independente-
mente de serem pecadores, ou o que quer que seja. É
isto que ele quer dizer. De resto, ele é filho da Igreja,
como disse. Por isso, acredita no que está no catecis-
mo. Mas, para ele, é muito importante que o Evange-
lho chegue às pessoas, estejam onde estiverem.
Renascença - A entrevista foi aprovada pelo Vati-
cano…
AS - Lemos o texto final em conjunto com o Papa,
sim.
Renascença - Mas, ainda assim, deixaram algumas
partes que se prestam a serem mal interpretadas.
Por exemplo, o que o Papa diz sobre nunca ter
sido de direita. Mais tarde, o senhor clarificou que
ele se referia a nunca ter sido apoiante da Junta
Militar, na Argentina. Não teria sido mais fácil cla-
rificar estes assuntos logo à partida?
AS - Penso que não. Uma entrevista não é um docu-
mento da Igreja. Por isso, é preciso ter muito cuida-
do ao ler. De certa forma, cabe a cada um. Não é um
documento oficial, não foi revisto palavra a palavra.
É uma comunicação mais dirigida ao coração, é algo
totalmente diferente.
Temos de perceber como é que este Papa comunica.
Não precisamos de clarificar nada. Eu mandei esse
tweet a clarificar a questão de ele nunca ter sido de
direita para se perceber que ele fala da sua experiên-
cia. Não podemos interpretar as suas frases de forma
teórica, abstraídas da realidade.
Na entrevista, ele fala de médicos e de enfermeiras.
Diz que não gosta de médicos, que passam o dia num
laboratório. Prefere as enfermeiras e diz que a sua
vida foi salva por uma enfermeira. Mas, claro, que
ele não quer dizer que não gosta de nenhum médico.
Está, simplesmente, a falar de uma experiência pró-
pria. Por isso, não podemos dizer que ele não é de
direita, no plano abstracto. Ele viveu num tempo de
ditadura na Argentina. Quando fala de direita, está a
referir-se ao que isso significa na sua experiência.
Eu não sou o intérprete do Papa. Ele disse o que disse,
eu escrevi o que ele disse. Mas temos de ter cuidado,
mudar a nossa chave de leitura. Agora, o Papa está a
agir como um ser humano, está a falar do coração. O
que diz vem da sua própria experiência, temos de ter
cuidado ao lê-lo.
Renascença - Está em Portugal para falar de comu-
nicações sociais e religião. Acredita que as comuni-
cações podem auxiliar a missão da Igreja?
DR