O Papa Francisco diz que a oração faz milagres e impede o endurecimento do coração, citando exemplos de mulheres como Santa Mônica que conseguiram graças através da oração. Ele também critica aqueles que julgam os outros sem compaixão e diz que a oração transforma a Igreja.
1. Papa: a oração faz milagres e impede
que o coração endureça
Cidade do Vaticano, 12/jan/2016 –
A oração faz milagres e im-
pede que o coração endure-
ça, esquecendo a piedade:
foi o que disse o Papa Fran-
cisco na homilia da missa
celebrada na Casa Santa
Marta na manhã de terça-
feira (12/01).
Podemos ser pessoas de fé e
perder o sentido da piedade
sob as cinzas dos juízo, das
infinitas críticas. Este é o
sentido da narração comen-
tada pelo Papa. Os protago-
nistas são Ana – mulher an-
gustiada com a própria este-
rilidade, que suplica a Deus
o dom de um filho - e um
sacerdote, Eli, que a observa
distraidamente de longe,
sentado numa cadeira do
templo. A cena descrita no
livro de Samuel relata pri-
meiro as palavras de Ana e,
depois, os pensamentos do
sacerdote, que não conse-
guindo ouvir o que ela diz,
sentencia de que se trata de
uma “bêbada”. Mas, ao in-
vés, aquele choro copioso faz
com que Deus realize o mi-
lagre suplicado:
“Ana rezava em seu coração
e somente os lábios se movi-
am, mas não se escutava a
voz. Esta é a coragem de
uma mulher de fé que, com
a sua dor, com as suas lá-
grimas, pede a graça ao Se-
nhor. Tantas mulheres cora-
josas são assim na Igreja,
muitas! Que rezam como se
fosse uma aposta…. Pense-
mos somente numa grande
mulher, Santa Mônica, que
com as suas lágrimas conse-
guiu obter a graça da con-
versão do seu filho, Santo
Agostinho. Existem muitas
mulheres assim”.
Eli, o sacerdote, é ”um pobre
homem” pelo qual, admite
12/JAN/2016 Edição 1667
2. Francisco, sinto uma “certa
simpatia” porque “também
vejo em mim defeitos que
me aproximam dele e me
fazem entende-lo melhor”.
“Com quanta facilidade –
afirma o Papa – nós julga-
mos as pessoas, com quanta
facilidade não temos respei-
to e dizemos „O que terá em
seu coração?‟ Não sei... mas
não digo nada...”. Quando
“falta piedade no coração,
sempre se pensa mal” e não
se entende aqueles que re-
zam “com dor e angústia” e
“confiam a dor e a angústia
ao Senhor”:
“Jesus conheceu esta oração
no Jardim das Oliveiras,
quando eram tamanhas a
dor e a angústia que Jesus
suou sangue e não repreen-
deu o Pai: “Pai, se quiser,
tire-me isto, mas seja feita a
sua vontade”. E Jesus res-
pondeu do mesmo jeito que
a mulher: com a mansidão.
Às vezes, nós rezamos, pe-
dimos ao Senhor, mas mui-
tas vezes não sabemos che-
gar à luta com o Senhor, às
lágrimas, a pedir, a pedir a
graça”.
O Papa lembra ainda a his-
tória do homem de Buenos
Aires que, com a filha de 9
anos hospitalizada em fins
de vida, ia a Virgem de Lu-
jàn e passou a noite grudado
nos portões do Santuário
para pedir a graça da cura
para a menina. E na manhã
seguinte, ao voltar ao hospi-
tal, encontrou a filha curada:
“A oração faz milagres, faz
milagres também para os
cristãos, sejam leigos, como
sacerdotes e bispos que per-
deram a devoção e a pieda-
de. A oração dos fiéis muda
a Igreja: não somos nós, os
Papas, os bispos, os sacerdo-
tes, , as religi-[os diáconos1]
osas a levar avante a Igreja...
são os santos! E os santos
são estes, como esta mulher.
Os santos são aqueles que
têm a coragem de crer que
Deus é o Senhor e que tudo
pode fazer”.
(BF/CM)
1 Incluído pelo Editor. Penso
que seja razoável a inclusão.
Revista “Vida e Família” chega com
novidades em 2016
Segunda-feira, 11/jan/2016 –
A primeira edição de 2016 da
revista "Vida e Família" traz
reportagens especiais, além de
conteúdos formativos e de espi-
ritualidade para as famílias. O
bispo de Osasco (SP) e presi-
dente da Comissão Episcopal
para a Vida e a Família da
CNBB, dom João Bosco Bar-
bosa, destaca nesta edição o
"Ano da Misericórdia", convi-
dando as famílias a celebrar
bem o Jubileu Extraordinário
convocado pelo papa Francis-
co.
3. "Queremos, assim, que este
Ano Santo da Misericórdia se
transforme em bênçãos para
todas as famílias, aquelas que
formam a nossa rede de ação
pastoral e aquelas, especial-
mente, que necessitam de um
encontro misericordioso com o
Senhor, porque estão feridas,
sem rumo, no limite das forças,
ou já em ruínas por falta de
amor", escreveu o bispo.
A revista "Vida e Família" é
produzida pela Assessoria de
Imprensa da CNPF e Departa-
mento de Comunicação, com
colaboração de agentes da Pas-
toral Familiar. Propõe diagra-
mação moderna, textos reflexi-
vos e informativos, além de
reportagens e entrevistas exclu-
sivas.
Temas e reportagens
No editorial, o assessor nacio-
nal da Comissão Nacional da
Pastoral Familiar (CNPF), pa-
dre Moacir Arantes, apresenta
reflexão sobre o "Ano Novo" e
fala da importância da paz e da
tolerância.
"Neste ano de 2016 acolhamos
o convite para construirmos um
ambiente de paz na família, em
nossas relações afetivas, pasto-
rais e sociais, através da vivên-
cia destas três virtudes: humil-
dade, mansidão e paciência",
disse padre Moacir.
Na matéria de capa, o leitor
confere a reportagem: "Qual o
segredo da felicidade?", que
debate a importância de fazer o
bem, além de trazer exemplos e
testemunhos de pessoas que
descobriram um jeito novo de
ser feliz. A edição 103, tam-
bém, oferece, aos assinantes,
reportagens como "Porta da
Misericórdia", "A beleza do
tempo quaresmal", "O perdão
no dia a dia", e matérias sobre a
páscoa e o zika vírus.
Leia, também, diversos artigos
e reportagens sobre a Igreja no
Brasil e no mundo, com a par-
ticipação de especialistas, sa-
cerdotes e bispos. O espaço de
formação prossegue com série
"Divorciados em nova união".
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espaço de catequese com o
papa Francisco, com conteúdos
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Assessoria de Imprensa da
CNPF.
Minha namorada quer transar:
E agora?
Terça-feira, 12/jan/2016 – Felipe Aquino –
Quando a sua namorada qui-
ser transar, recorde-a de que
sexo e amor não são mera
curtição
Recebi muitos comentários
sobre o artigo “Meu namorado
quer transar. E agora?”, sendo
que alguns rapazes cristãos
chamaram a minha atenção no
sentido de que, hoje, as moças
também estão, muitas vezes,
exigindo “transar” no namoro,
deixando-os em situação difí-
cil.
Em primeiro lugar, devo dizer
que recebi o título do artigo da
equipe do Portal da Canção
Nova e pensei que devesse me
limitar a ele; na verdade, eu
poderia ter abordado o assunto
de ambos os lados, das moças e
dos rapazes.
No tempo do meu namoro, que
já vai longe!,– quase não se
cogitava a possibilidade de
uma moça exigir do namorado
a realização do ato sexual; e os
pais cuidavam disso muito de
perto. Talvez por isso, incons-
cientemente, eu tenha me res-
trito ao tema do artigo propos-
to.
4. Um rapaz, que reclamou da
parcialidade do meu artigo,
disse-me que terminou o namo-
ro com uma garota, porque ela
exigia dele vida sexual. Na
resposta a seu e-mail, a primei-
ra coisa que escrevi foi um
elogio a ele, com minhas con-
gratulações por se comportar
de verdade, corajosamente, co-
mo um jovem verdadeiramente
cristão; algo não tão comum
hoje em dia.
Nossos jovens cresceram sem
receber a menor informação
sobre o “brilho” da virtude da
pureza; por isso, hoje, quase
sem culpa, estão encharcados
de sexo vazio.
Se o ato sexual no namoro não
deve ser forçado pelo rapaz,
muito menos pela moça, uma
vez que ela é quem mais vai
ficar marcada com esse com-
portamento. Ora, sabemos que
a mulher é detalhista e não se
esquece de nada que ocorra na
sua vida, especialmente na área
romântica.
Minha esposa, depois de 40
anos, ainda sabe a cor da cami-
sa que eu usava quando come-
cei a namorá-la. Ela se lembra
de tudo, dos detalhes, das mú-
sicas… Confesso que eu não
me lembro de quase nada.
É preciso dizer aqui que a parte
que mais sofre com a vida se-
xual fora de lugar é a mulher.
A jovem, na sua psicologia
feminina, não esquece os me-
nores detalhes da sua vida amo-
rosa. Ela guarda a data do pri-
meiro encontro, o primeiro
presente etc… Será que ela vai
se esquecer da primeira relação
sexual? É claro que não!
Como deve ser a primeira
relação sexual?
A primeira relação deve acon-
tecer num ambiente preparado,
na lua de mel, quando a segu-
rança do casamento a sustenta.
A vida sexual de um casal não
pode começar de qualquer jei-
to, às vezes, dentro de um carro
numa rua escura ou mesmo
num motel, que é um antro de
prostituição. O relacionamento
sexual não é mera aventura ou
sonho de verão, mas sim o selo
de um compromisso de duas
pessoas maduras que decidiram
entregar a vida um ao outro e
aos filhos até a morte. O sexo e
o amor são a nascente da vida
humana, e não uma mera curti-
ção.
Além do mais, quando o namo-
ro termina, as marcas que o
sexo deixa ficam no corpo da
mulher para sempre. Para o
rapaz, tudo é mais fácil. Ele
não precisa usar pílula anticon-
cepcional (que faz mal para a
mulher), nem o DIU ou a pílula
do dia seguinte, que é uma
bomba de hormônio na mulher.
O rapaz não corre o risco tam-
bém de uma gravidez indeseja-
da ou de procurar o crime do
aborto para eliminar a criança
que não devia ter sido gerada.
Eu me lembro de que, na déca-
da de 70, para diminuir os aci-
dentes de trânsito, o Governo
lançou um slongan: “Não faça
de seu carro uma arma, a víti-
ma pode ser você”. Podemos
perfeitamente plagiar essa frase
e dizer: “Não faça do seu corpo
uma arma, a vítima pode ser
você”. Já vi e ouvi muita moça
chorar, porque brincou com o
sexo. Não faça isso!
Para que serve o namoro?
O namoro é o tempo de conhe-
cer o coração do outro e não o
seu corpo; é o momento de
explorar a sua alma e não o seu
físico. Para tudo há a hora cer-
ta, no momento em que as coi-
sas acontecem com equilíbrio e
com a bênção de Deus. Espere
a hora do casamento, e então
você poderá viver a vida sexual
por muitos anos e com a cons-
ciência em paz, certa de que
você não vai complicar a sua
vida, a do seu namorado nem
mesmo da criança inocente.
O bom para o namoro é uma
vida de castidade, que é a me-
lhor preparação para o casa-
5. mento. Sem dúvida, um casal
de namorados que souber
aguardar a hora do casamento
para viver a vida sexual, é um
casal que exercitou o autocon-
trole das paixões e saberá ser
fiel um ao outro na vida conju-
gal.
Se você quer um dia construir
uma família sólida, um casa-
mento estável e uma felicidade
duradoura, então precisa plan-
tar hoje para colher amanhã.
Ninguém colhe se não semear.
Na Carta aos Gálatas, São Pau-
lo diz: “De Deus não se zomba.
O que o homem semeia, isto
mesmo colherá” (Gl 6,7).
Peço que você faça essa expe-
riência: veja quais são as famí-
lias bem constituídas, veja
quais são os casamentos que
estão estáveis e verifique sob
que bases eles foram construí-
dos. Você verá que nasceram
de casais de namorados que se
respeitaram e não brincaram
com a vida do outro.
Felipe Aquino
Professor Felipe Aquino é viu-
vo, pai de cinco filhos. Na TV
Canção Nova, apresenta o pro-
grama “Escola da Fé” e “Per-
gunte e Responderemos”, na
Rádio apresenta o programa
“No Coração da Igreja”. Nos
finais de semana prega encon-
tros de aprofundamento em
todo o Brasil e no exterior. Es-
creveu 73 livros de formação
católica pelas editoras Cléofas,
Loyola e Canção Nova. Página
do profes-
sor: www.cleofas.com.br Twitt
er: @pfelipeaquino
Lançado livro-entrevista do Papa
Francisco sobre misericórdia
“O nome de Deus é misericórdia” é o título do livro, fruto de uma entrevista do Papa
ao vaticanista Andrea Tornielli
Terça-feira, 12/jan/2016 –
A misericór-
dia é a “car-
teira de
identidade”
de Deus,
assim diz o
Papa Fran-
cisco no li-
vro-
entrevista “O
nome de
Deus é mise-
ricórdia”,
que se en-
contra a par-
tir desta ter-
ça-feira, 12,
nas livrarias
italianas e em 86 países. A
publicação relata uma en-
trevista do Pontífice ao jor-
nalista vaticanista Andrea
Tornielli, do cotidiano “La
Stampa” e coordenador do
site “Vatican Insider”.
Dividido em nove capítulos e
40 perguntas, o livro – edi-
tado pela Piemme – tem a
capa autografada por Fran-
cisco. A primeira cópia do
volume, em italiano, foi en-
tregue ontem à tarde ao
Pontífice, na Casa Santa
Marta.
6. A entrevista foi concedida
em julho de 2015, após a
visita do Papa à América
Latina (Equador, Bolívia e
Paraguai). Francisco rece-
beu o jornalista Tornielli na
Casa Santa Marta, munido
da Bíblia e de citações dos
Padres da Igreja. A miseri-
córdia foi o tema da conver-
sa, tendo em vista o Jubileu
extraordinário que seria
aberto cinco meses depois.
Os frutos desse diálogo estão
no livro lançado hoje.
Oração, reflexão sobre os
Papas precedentes e uma
imagem da Igreja como
“hospital de campanha” que
“aquece os corações das pes-
soas com a proximidade”.
Esses são os três fatores,
explica o Papa, que o leva-
ram a instituir um Jubileu
da Misericórdia.
“A Igreja não está no mundo
para condenar, mas para
permitir o encontro com o
amor visceral que é a miseri-
córdia de Deus”, refere
Francisco, na entrevista ao
vaticanista italiano.
Num dos trechos da obra,
divulgado pela Rádio Vati-
cano, Francisco diz que
também o Papa é alguém
com “necessidade da miseri-
córdia de Deus” e revela ter
uma relação especial com os
presos.
“Tenho um especial carinho
pelos que vivem na prisão,
privados da liberdade. Fi-
quei muito ligado a eles, por
esta consciência do meu ser
pecador”, explica, acrescen-
tando que não se sente “me-
lhor” do que aqueles que
estão à sua frente.
Missão da Igreja no
mundo
O Papa apresenta a sua visão
sobre a missão da Igreja no
mundo, sublinhando que
quando “condena o pecado”
o faz porque “deve dizer a
verdade”. Ao mesmo tempo,
no entanto, “abraça o peca-
dor que se reconhece como
tal, aproxima-se dele, fala-
lhe da misericórdia infinita
de Deus”, à imagem de Je-
sus, que “perdoou mesmo os
que o crucificaram”.
“Seguindo o Senhor, a Igreja
é chamada a derramar a sua
misericórdia sobre todos os
que se reconhecem como
pecadores, responsáveis pelo
mal que fizeram, que sentem
necessidade do perdão”, ob-
servou.
O Ano da Misericórdia
Em relação ao Ano Santo
extraordinário que convo-
cou, o Jubileu da Misericór-
dia (dezembro de 2015-
novembro de 2016), Fran-
cisco espera que a iniciativa
permita fazer emergir um
rosto cada vez mais materno
da Igreja.
O Papa convida as comuni-
dades católicas a “sair das
igrejas e das paróquias” para
ir ao encontro das pessoas,
onde elas vivem, “sofrem e
esperam”.
“A Igreja em saída tem a
caraterística de surgir no
local onde se combate, não é
a estrutura sólida, dotada de
tudo”, mas um “hospital de
campanha” no qual se prati-
ca uma “medicina de urgên-
cia”.
Nesse sentido, deseja que o
jubileu extraordinário “faça
emergir cada vez mais o ros-
to de uma Igreja que redes-
cobre as vísceras maternas
da misericórdia e que vai ao
encontro de tantos feridos
necessitados de escuta, com-
paixão, perdão, amor”.
A tradução portuguesa, que
inclui a Bula de Proclamação
do Jubileu Extraordinário
da Misericórdia, é editada
pela Planeta.
A obra é apresentada numa
sessão em Roma, com a pre-
sença do autor, Andrea Tor-
nielli, e do ator e realizador
italiano Roberto Benigni,
com quem o Papa se encon-
trou esta segunda-feira, jun-
tamente com Zhang Agosti-
nho Jianqing, um preso chi-
nês na Itália que se conver-
teu ao catolicismo.
7. Do infiel devoto à prostituta forçada:
anedotas papais de misericórdia.
Artigo de Vito Mancuso
Terça-feira, 12/jan/2016 –
O livro-entrevista com o
Papa Francisco é uma
amostra exemplar da espiri-
tualidade de Bergoglio: a
vida é uma guerra, há mui-
tos feridos, a Igreja é um
hospital de campanha, os
seus ministros devem ope-
rar como médicos e enfer-
meiros. A misericórdia de
que o papa fala se configu-
ra, portanto, como uma ope-
ração estritamente eclesiás-
tica.
A opinião é do teólogo itali-
ano Vito Mancuso, profes-
sor da Universidade de
Pádua, em artigo publicado
no jornal La Repubblica,
10-01-2016. A tradução é
de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Não se deve pedir aquilo
que não pode dar esse livro-
entrevista com o Papa
Francisco com Andrea
Tornielli, de cujas 120 pá-
ginas impressas mais de um
terço são brancas ou de
instrumentos redacionais. O
que o livro pode dar e efeti-
vamente dá é a sabedoria
vivida de um homem de
Deus que crê profundamen-
te no Evangelho e na sua
capacidade de renovar a
vida. Da sua longa experi-
ência, o papa traz uma série
de anedotas, uma mais
cheia de frescor do que a
outra, contadas sempre com
graça e delicadeza.
Existe a velhinha argentina,
que diz que Deus perdoa
sempre, porque, senão, o
mundo não existiria; a mu-
lher solteira que, para man-
ter os filhos, se prostitui e
que agradece por, mesmo
assim, ser chamada de "se-
nhora"; o homem devoto
que não perde uma missa e
tem uma relação com a em-
pregada e se justifica dizen-
do que as empregadas do-
mésticas também existem
para isso; a mulher que não
se confessa desde que tinha
13 anos, porque na época o
padre lhe perguntou onde
ela mantinha as mãos en-
quanto dormia; a senhora à
qual são pedidos, em pri-
meiro lugar, 5.000 dólares
para a causa de nulidade
matrimonial; a garota que,
no prostíbulo, encontra o
homem com que talvez vai
casar e, por isso, vai em
peregrinação; e outros
exemplos vivos de uma hu-
manidade muito concreta.
Todo o progresso do livro é
marcado pela experiência
do pecado, a qual o papa dá
uma importância decisiva,
tornando-a quase uma con-
dição indispensável da ex-
periência espiritual: se o
nome de Deus, de fato, é
misericórdia, só quem preci-
sa de misericórdia, isto é, o
pecador, pode encontrá-la.
O pecado, a partir do peca-
do original considerado "al-
go que realmente aconteceu
nas origens da humanidade"
(p. 58), funciona, portanto,
como um pré-sacramento
paradoxal. Por isso, aqueles
que não têm remorso disso
são o verdadeiro alvo polê-
mico, ao qual o papa chega
até mesmo a desejar que
pequem: "A algumas pesso-
as tão rígidas seria bom um
deslize, porque, assim, re-
conhecendo-se pecadoras,
encontrariam Jesus" (p. 82).
O outro aspecto sobre o
qual o livro se detém lon-
gamente é o sacramento da
confissão, que, para o papa,
é o lugar concreto para en-
contrar a misericórdia de
Deus e a cujo respeito não
faltam conselhos aos con-
fessores.
O livro é uma amostra
exemplar da espiritualidade
de Bergoglio: a vida é uma
guerra, há muitos feridos, a
8. Igreja é um hospital de
campanha, os seus minis-
tros devem operar como
médicos e enfermeiros. A
misericórdia de que o papa
fala se configura, portanto,
como uma operação estri-
tamente eclesiástica.
Mesmo o seu Deus é o da
mais tradicional doutrina
católica baseada no nexo
entre pecado original e re-
denção por meio do sacrifí-
cio: "O Pai sacrificou Seu
Filho".
Em vez disso, o que não se
deve pedir ao livro porque
ele não o dá? Não se deve
pedir a discussão, nem
mesmo apenas como men-
ção, das capitais questões
filosóficas e teológicas sub-
jacentes ao assunto tratado.
Quanto à dimensão filosófi-
ca, a questão do pecado e
do seu perdão remete à re-
lação entre consciência,
liberdade e julgamento mo-
ral.
E as perguntas que surgem
do contexto contemporâneo
são: existe realmente a
consciência? Somos verda-
deiramente livres e, portan-
to, responsáveis pelo bem e
pelo mal cometidos? O bem
e o mal existem como algo
objetivo ou se trata de con-
venções culturais que o ho-
mem mais evoluído pode
superar indo "além do bem
e do mal"?
Quanto à teologia, a princi-
pal questão concerne à re-
lação entre graça e liberda-
de: a misericórdia de Deus
se dá de forma totalmente
gratuita ou, para torná-la
eficaz, é necessário um pri-
meiro passo do homem? A
doutrina eclesiástica conde-
nou como herética (definido-
a, especificamente, como
semipelagiana) a perspecti-
va segundo a qual a miseri-
córdia divina depende de
um primeiro e pequeno pas-
so do homem. Porém, essa
é exatamente a tese defen-
dida várias vezes pelo papa
(nas páginas 15, 50 e 72),
alinhado com a tradição da
teologia jesuíta que, entre o
fim do século XVI e o início
do XVII desencadeou uma
violenta e inconclusa polê-
mica com os dominicanos
mais tradicionais, chamada
"controversia de auxiliis".
Depois, há a questão da
vida futura: se a misericór-
dia é realmente o nome de
Deus, como justificar a con-
denação eterna do inferno?
Mesmo que fosse apenas
para uns poucos, ou mesmo
somente para o anjo decaí-
do que se tornou o Diabo, a
existência do inferno eterno
torna aporética a afirmação
da misericórdia como nome
de Deus. Se a tese do papa,
como eu acredito, é verda-
deira, ela impõe logicamen-
te a doutrina chamada de
"apocatástase", ou seja, o
perdão final para todos. Es-
ta, ao longo da história, foi
defendida por grandes teó-
logos, mas, infelizmente, é
herética para a doutrina ofi-
cial da Igreja.
Tais questões não devem
ser feitas a essa publicação
de ocasião, mas eu conside-
ro que, sim, devem ser fei-
tas ao papa e à sua sabedo-
ria.
História católica: conservador x
progressista
Terça-feira, 12/jan/2016 –
Grande parte do que é rotu-
lado como anticatolicismo
pelos conservadores é, na
verdade, um anticlericalis-
mo. As elites progressistas
não odeiam os católicos;
odeiam os bispos.
9. "Espero ser perdoado por
adentrar neste diálogo intra-
conservadores. Ainda que
ninguém hoje irá me rotular
como conservador, cresci
numa igreja conservadora
na década de 1950, entrei
em um noviciado jesuíta
conservador em 1962 antes
do Concílio Vaticano II e
tive anos bastante difíceis
para fazer a transição à
Igreja pós-conciliar. Em su-
ma, sou simpático com o
que alguns conservadores
estão vivenciando hoje por-
que passei por uma experi-
ência parecida no final dos
anos 1960", escreve Tho-
mas Reese, jesuíta e jorna-
lista, em artigo publicado
por National Catholic Re-
porter, 07-01-2016. A tra-
dução é de Isaque Gomes
Correa.
Eis o artigo.
Ross Douthat é um con-
servador inteligente e articu-
lado que se converteu ao
catolicismo em sua adoles-
cência e agora escreve para
o The New York Times. Ele
enfurece muitos dos meus
amigos progressistas, mas
eu em geral eu acho os
seus escritos interessantes
e instigantes mesmo quan-
do eu discordo deles.
Este mês, a First Things
publicou um texto seu intitu-
lado “A Crisis of Conserva-
tive Catholicism” [1], que é
um discurso também insti-
gante dirigido aos católicos
conservadores na era do
Papa Francisco. Aí Dou-
that ele tenta ajudar estes
fiéis a lidar com as mudan-
ças que estão acontecendo
na Igreja.
Para uma outra opinião,
confira o texto “Ross Dou-
that’s Erasmus Lecture”
[2], escrito por Michael
Sean Winters, o qual eu
somente li depois de ter es-
crito esta coluna.
Douthat começa o seu texto
relacionando a narrativa
conservadora aceita expli-
cando os últimos 50 anos do
catolicismo, iniciando-se
com o Vaticano II. Os obje-
tivos do Concílio eram “reo-
rientar o catolicismo para
longe de sua mentalidade
de fortaleza do século XIX,
inaugurar um diálogo reno-
vado com o mundo moder-
no, olhar mais profunda-
mente para dentro do pas-
sado católico no intuito de
se preparar para o futuro e
introduzir uma era de evan-
gelização e renovação”.
Mas a “renovação esperada
foi sequestrada, em muitos
casos, por aqueles para os
quais renovação significa
uma acomodação ao espíri-
to da década de 1960 e uma
transformação da Igreja jun-
to às linhas protestantes
progressistas”.
A Igreja pós-conciliar divi-
diu-se em dois campos. “Um
seguiu os documentos reais
do Concílio e instou a Igreja
a manter a continuidade
com o ensino católico e a
tradição, e o outro foi leal a
um „espírito do Concílio‟
que simplesmente aconte-
ceu de coincidir com ten-
dências culturais que vieram
em sua esteira”.
Douthat escreve que, no
período imediatamente após
o Concílio, o segundo gru-
po controlou os seminários,
as ordens religiosas, as uni-
versidades católicas e as
burocracias diocesanas. “Os
resultados foram, na melhor
das hipóteses, decepcionan-
tes e, na pior, desastrosas:
a queda na frequência às
missas, o desaparecimento
das vocações, uma erosão
rápida da identidade católica
para onde quer que se
olhasse”.
Felizmente, segundo a sua
narrativa, um novo papa foi
eleito advindo do primeiro
grupo “que rejeitava a her-
menêutica da ruptura, le-
vando em frente as inten-
ções verdadeiras do Concí-
lio ao mesmo tempo pro-
clamando as verdades anti-
gas do catolicismo mais
uma vez”. Este papa e o seu
sucessor “inspiraram exa-
tamente o tipo de renovação
que os Padres Concilia-
res haviam esperado: uma
geração de bispos, sacerdo-
tes e leigos preparados para
testemunhar a plenitude do
catolicismo, o esplendor de
sua verdade”.
O catolicismo progressista
estava morto e o futuro per-
tencia aos conservadores.
Douthat reconhece que es-
ta sua narrativa está em
crise. A crise de abusos
sexuais e o seu acoberta-
mento “lançou uma sombra
sobre os últimos anos de
João Paulo II, fez surgir
perguntas significativas so-
bre o seu comando na Igreja
e desacreditou os líderes
católicos (de Bernard Law
em Boston ao pesadelo que
foi Marcial Maciel) que, cer-
ta vez, pareceram ser os
10. pilares de um reavivamento
conservador”.
A rota dos conservadores
nas guerras culturais, o de-
clínio continuado de fiéis e o
aumento dos “sem religião”
mostram que o programa
conservador não teve su-
cesso. Ele poderia ter tam-
bém acrescentado o cres-
cente afastamento das mu-
lheres da hierarquia.
Finalmente, segundo Dou-
that, Bento XVI provocou
um fracasso administrativo
que não pôde finalizar a
obra de restauração de Jo-
ão Paulo II nem controlar
um “Vaticano essencialmen-
te não governável, cego às
realidades midiáticas con-
temporâneas, à corrupção e
aos vazamentos de infor-
mação”.
Antes de irmos às recomen-
dações do autor, deixe-me
responder ao seu resumo
da narrativa conservadora e
dizer o que deu de errado.
Primeiro, penso ser neces-
sário remontar até o século
XIX, quando a hierarquia
católica, após a experiência
catastrófica da Revolução
Francesa, se alinhou com o
establishment político con-
servador no combate a to-
das as coisas modernas
(imprensa livre, liberdade de
expressão, democracia, sin-
dicatos, etc.). A igreja per-
deu intelectuais europeus e
as classes trabalhadoras
(especialmente a masculina)
muito antes do Vaticano II.
A resposta da Europa à ali-
ança da Igreja com o con-
servadorismo foi o anticleri-
calismo.
A experiência americana foi
diferente porque, enquanto
na Europa a Igreja lutava
contra a expansão da liber-
dade, aqui a Igreja estava
do lado da liberdade e acei-
tava a separação da Igreja e
do Estado. Consequente-
mente, até a crise dos abu-
sos sexuais e as guerras
culturais, não havia um mo-
vimento anticlerical significa-
tivo nos Estados Unidos. Os
bispos americanos eram
vistos como defensores dos
sindicatos e das famílias
das classes trabalhadoras
das quais eles vinham. Os
bispos enfrentaram um anti-
catolicismo, mas não um
anticlericalismo.
Hoje, por outro lado, o anti-
clericalismo está vivo e bem
nos EUA entre os progres-
sistas políticos (por causa
da agenda política episco-
pal) e entre as mulheres
(por causa da postura dos
prelados com respeito às
questões femininas dentro e
fora da Igreja). Grande parte
do que é rotulado como an-
ticatolicismo pelos conser-
vadores é, na verdade, um
anticlericalismo. As elites
progressistas não odeiam
os católicos; odeiam os bis-
pos.
Segundo, a narrativa de
Douthat passa por cima dos
eventos do Vaticano II co-
mo se não houvesse conflito
ou desacordos nele. Na nar-
rativa progressista, uma Cú-
ria Romana conservadora
tentou impingir as suas pro-
postas aos Padres Concili-
ares que se revoltaram e
voltaram-se aos teólogos
em busca de ajuda na ela-
boração de alternativas.
Os bispos não chegaram a
Roma como reformadores.
Em lugar disso, os primeiros
anos do Concílio mostra-
ram-se um programa de
educação continuada onde
os bispos tiveram uma for-
mação sobre os desdobra-
mentos contemporâneos em
teologia. Somente depois de
atualizarem as suas teologi-
as é que eles estavam pron-
tos para trabalhar na elabo-
ração dos documentos.
A Cúria e os seus aliados
conservadores lutaram com
unhas e dentes contra estas
reformas, as quais eles cer-
tamente viam como revolu-
cionárias e uma ruptura com
o passado. Colocar a liturgia
no idioma vernáculo, dar o
cálice aos leigos, promover
o ecumenismo, reconhecer
a liberdade de consciência e
religião – tudo isso fora visto
como inovações protestan-
tes, e estavam certos. Após
centenas de anos de oposi-
ção, a Igreja finalmente
aceitava algumas das re-
formas que resultaram
da Reforma e do Iluminis-
mo.
Paulo VI, temendo um cis-
ma por parte da direita, for-
çou a maioria progressista a
aceitar inúmeros compro-
missos no intuito de fazer
com que os conservadores
aprovassem os documentos
finais. Isso levou a docu-
mentos com uma linguagem
ambígua e, por vezes, con-
traditória.
Os progressistas aceitaram
os compromissos porque
viam o Concílio como o
11. começo de um processo de
reforma, e não como uma
conclusão. Os compromis-
sos e textos ambíguos eram
apenas modos de postergar
até que debates posteriores
que eles imaginaram pode-
riam ter continuidade na
Igreja.
O combate entre conserva-
dores e progressistas conti-
nuou depois do Concílio,
mas é falso retratá-lo sim-
plesmente como sendo os
conservadores que estariam
promovendo os documentos
enquanto que os progressis-
tas promoveriam o “espírito”
do Concílio. Na verdade, a
discussão foi também sobre
a interpretação dos docu-
mentos, que às vezes eram
propositalmente ambíguos.
A narrativa de Douthat
também ignora o documen-
to Humanae Vitae e o seu
impacto na Igreja. Nos EUA,
este documento marcou o
fim do domínio clerical sobre
os fiéis que rejeitavam a
conclusão segundo a qual
todos os métodos contra-
ceptivos artificiais são imo-
rais. Quando o ensino papal
contradizia as suas próprias
experiências pessoais, os
leigos rejeitavam o ensino.
Gerações anteriores podem
ter se sentido obrigadas a
deixar a Igreja diante de um
tal desacordo, mas aqui isso
não aconteceu.
Humanae Vitae teve igual-
mente um impacto profundo
em Karol Wojtyła, que ha-
via estado na minoria que
compôs a comissão papal
para o controle de natalida-
de que recomendara uma
mudança ao ensino da Igre-
ja. Ele ficou escandalizado
com os bispos dissidentes e
teólogos que questionavam
a encíclica. A sua experi-
ência na Igreja polonesa lhe
ensinara a importância da
unidade para uma Igreja
sitiada primeiramente pelo
nazismo e, depois, pelo co-
munismo.
Como papa, fez da lealdade
a um ensino papal (especi-
almente em Humanae Vi-
tae) o teste decisivo para as
nomeações episcopais. A
lealdade superava as quali-
dades teológicas, pastorais
ou administrativas. O seu
longo reinado, somado ao
curto reinado de seu suces-
sor, assegurou que o epis-
copado se refizesse em sua
imagem.
João Paulo II trouxe Jo-
seph Ratzinger para traba-
lhar contra os teólogos dis-
sidentes, removendo ou si-
lenciando sacerdotes e reli-
giosos que questionavam o
ensino papal. Ele também
apresentou uma interpreta-
ção autoritária e conserva-
dora de trechos ambíguos
dos documentos conciliares.
Tópicos que haviam sido
postergados no Concílio
foram fechados ao debate.
A lealdade se tornou um
critério fundamental para os
professores, seminaristas e
assessores teológicos. Visto
que a ampla maioria dos
teólogos discordavam da
Humanae Vitae, acabou
que este documento signifi-
cou um afastamento desta
parcela significativa da Igre-
ja. A fim de evitar o conflito
e manter os seus empregos,
a maioria dos teólogos sa-
cerdotes simplesmente pa-
raram de discutir tópicos
polêmicos. Até mesmo os
teólogos leigos, que não
estavam sujeitos aos votos
de obediência, evitaram en-
trar em temas polêmicos,
pelo menos até alcançarem
o posto/título de professor.
Seja de propósito, seja por
acidente, o papado de João
Paulo rompeu a aliança en-
tre os bispos e teólogos que
havia se mostrado tão bem-
sucedido na luta contra
a Cúria Romana no Concí-
lio. Na verdade, os bispos
nomeados por João Pau-
lo II ou atacaram os teólo-
gos ou os evitaram. Con-
forme escrevi alhures [3],
este é o equivalente eclesial
de uma empresa onde a
gestão não se comunica
com o setor de pesquisa e
desenvolvimento.
Em resumo, o processo de
renovação iniciado pe-
lo Concílio foi parado e, às
vezes, andou para trás, se-
gundo a narrativa progres-
sista. Por exemplo, se um
clero casado tivesse sido
aprovado e Humanae Vi-
tae não existisse, teríamos
uma Igreja muito diferente
hoje. A Igreja se deparou
com alguns problemas de-
pois do Concílio porque a
agenda reformista foi aban-
donada, e não por causa
das reformas que foram im-
plementadas.
Finalmente, nos EUA, os
líderes republicanos viram
uma oportunidade única
para trazer os católicos
brancos junto de seu parti-
do. Quiseram transformar a
Igreja Católica e as igrejas
12. evangélicas num Partido
Republicado em oração.
Nessa campanha, promete-
ram auxílio a escolas católi-
cas e um fim ao aborto, mas
jamais fizeram dessas coi-
sas prioridades uma vez
que estivessem no poder.
Muitos católicos conserva-
dores americanos minimiza-
ram o ensino social católico
porque ele ia contra as suas
opiniões políticas e econô-
micas, ou porque eles per-
cebiam que ele lhes tiraria a
atenção das guerras cultu-
rais. Ignoraram ou contorna-
ram o que João Paulo II
e Bento XVI haviam dito
sobre guerra e paz e sobre
justiça econômica.
Concordo com Douthat que
a narrativa conservadora se
enfraqueceu com a crise
dos abusos sexuais e com
o êxodo continuado de fiéis
(especialmente os jovens)
sob João Paulo e Bento.
Também concordo que a
narrativa progressista se
enfraqueceu com o aumento
no número de evangélicos e
pelo declínio das igrejas
históricas. Enquanto a me-
tade dos que abandonam a
Igreja se tornam ou contrá-
rios a ela ou “sem religião”,
cerca de um terço se torna
evangélico. Poucos, em
comparação, se juntam a
igrejas históricas.
Nem a narrativa conserva-
dora nem a progressista
possui uma boa explicação
para o êxodo católico. A
minha crença pessoal é a
de que ele tem pouco a ver
com teologia e mais a ver
com um desejo por serviços
religiosos carregados de
emoção e um sentido de
comunidade, coisas ausen-
tes na maioria das paró-
quias católicas.
As narrativas são importan-
tes para explicarmos o mun-
do a nós mesmos e aos ou-
tros. Estas narrativas con-
servadoras e progressistas
concorrentes ajudam a defi-
nir a Igreja de hoje. Será
que podemos ter um diálogo
sobre elas sem xingamentos
e sem atirar pedras? Espero
que sim.
Na semana que vem, a mi-
nha coluna também vai ser
sobre o texto de Douthat.
Notas:
[1] Texto disponível em
https://www.firstthings.com/
media/the-crisis-of-
conservative-catholicism
[2] Texto disponível em
http://ncronline.org/blogs/dis
tinctly-catholic/ross-
douthats-erasmus-lecture
[3] Conferir este artigo intitu-
lado “Cinco motivos por
que o sínodo está fadado
a fracassar”.
Cinco lugares onde a força política de
Francisco pode fazer a diferença
Terça-feira, 12/jan/2016 –
Sumário
• O Papa Francisco tem um
histórico de fazer a diferen-
ça na política mundial
• Um aceno de Francisco
pode fazer a diferença no
debate sobre imigração nos
EUA
• Ele poderia influenciar os
países europeus a mante-
rem comprometidos com os
refugiados
• Procurem por ele para
continuar com as negocia-
ções na Colômbia e no caso
do ISIS
A reportagem é de John L.
Allen Jr., publicada por
Crux, 11-01-2016. A tradu-
ção é de Isaque Gomes
Correa.
O papado de Francisco já
se estende por quase quatro
anos, e cada um dos três
primeiros anos trouxe um
avanço diplomático especí-
fico: uma ajuda em evitar
13. uma ofensiva ocidental anti-
Assad na Síria em 2013; a
restauração das relações
entre EUA e Cuba em 2014
e um apoio moral ao acordo
climático de 2015 em Pa-
ris.
Na segunda-feira (11-01-
2016), Francisco proferiu o
seu discurso anual ao corpo
diplomático acreditado no
Vaticano, e muitos dos aí
presentes provavelmente se
viram perguntando na Sala
Regia: Qual de nós vai ser o
próximo?
Certamente, triunfos diplo-
máticos e políticos não cres-
cem em árvores, e é com-
pletamente fora da realidade
exigir de um papa um triunfo
a cada ano.
No entanto, Francisco é um
papa que está com pressa.
Observando o cenário mun-
dial nesse início de 2016,
aqui apresento cinco luga-
res onde parece, pelo me-
nos, possível que a sua for-
ça política consiga fazer a
diferença.
A palavra-chave é “avanço”,
não “engajamento”. Há uma
lista muito mais extensa de
frentes nas quais Francis-
co e o Vaticano estarão en-
gajados, do conflito entre
Israel e a Palestina à
Ucrânia e à China, e ou-
tros. Mas o que estamos
buscando são lugares onde
as estrelas parecem alinha-
das de tal modo que um
aceno de Francisco, no
momento certo, poderá sig-
nificar uma diferença entre a
mudança real e um retorno
ao status quo.
Debates sobre imigração
nos EUA
Uma questão pronta a figu-
rar nas eleições americanas
deste ano é a reforma imi-
gratória, com as propostas
de uma reforma ampla atu-
almente estagnadas no
Congresso e, aparentemen-
te, não passíveis de serem
levadas em frente antes de
novembro.
As promessas de Donald
Trump de uma muralha
enorme ao longo da frontei-
ra do México e EUA e pela
proibição da entrada de to-
dos os muçulmanos no país
vêm animando a base repu-
blicana, fazendo da percep-
ção de ser duro nesse cam-
po parece ser o teste decisi-
vo para o sucesso nas elei-
ções.
O Papa Francisco deve fa-
zer uma escala no dia 17 de
fevereiro na fronteira entre
os dois países, na Ciudad
Juárez junto à localidade
de El Paso, onde se espera
que ele, mais uma vez, ma-
nifeste o seu apoio aos di-
reitos dos imigrantes.
O pontífice mencionou esta
sua parada em Ciudad Juá-
rez na segunda-feira dizen-
do que, na fronteira, esta-
mos diante de uma “situa-
ção dramática”.
Não importa o quão remoto
seja a possibilidade, mas a
coincidência da viagem do
papa com o período de elei-
ções nos EUA abre uma
janela na qual Francisco
pode dar um impulso aos
candidatos moderados em
se tratando da reforma das
leis imigratórias – se não no
nível presidencial, pelo me-
nos talvez em entre alguns
concorrentes ao Congresso.
Em 1987, Ronald Reagan
ficou de pé em frente
ao Muro de Berlim e disse
aos soviéticos: “Derrubem
esse muro!” Dependendo do
que Francisco disser e
fizer em Ciudad Juárez, a
sua presença aí poderá ser
lembrada como o seu mo-
mento equivalente: “Não
construam este muro!”.
A crise dos refugiados na
Europa
A Europa está se debatendo
com a sua maior crise des-
de a Segunda Guerra Mun-
dial, com a Organização
Internacional para as Mi-
grações informando que,
até 21 de dezembro, mais
de um milhão de refugiados
e migrantes chegaram ao
continente em 2015, a maior
parte por mar, com a violên-
cia na Síria sendo a maior
força motriz do movimento.
As políticas europeias, hoje,
se definem pelo choque en-
tre os representantes pró e
contra a migração, com uma
tendência crescente a favor
de uma política de portas
fechadas. Isso é verdade
em vários países onde o
catolicismo historicamente
tem sido um agente social
predominante, tais como
a Polônia, a Hungria e a
Áustria.
Em grande parte de seu
discurso de segunda-
feira Francisco dedicou a
apelar pela “recepção e
adaptação” destes novos
desembarques – um claro
sinal de que a crise da Eu-
14. ropa é uma prioridade para
ele em 2016.
“Por isso, desejo reiterar a
minha convicção de que a
Europa (…) possui os ins-
trumentos para defender a
centralidade da pessoa hu-
mana e encontrar o justo
equilíbrio entre estes dois
deveres: o dever moral de
tutelar os direitos dos seus
cidadãos e o dever de ga-
rantir a assistência e o aco-
lhimento dos migrantes”,
disse.
Se Francisco encontrar for-
mas criativas de fazer estas
coisas valerem em 2016, ele
poderá ter um efeito na polí-
tica do continente, talvez
começando pela própria
Itália.
Na segunda-feira, o pontífi-
ce convocou os italianos a
não perderem o seu “tradi-
cional sentido de hospitali-
dade e solidariedade” diante
das “inevitáveis dificuldades
do momento presente”.
Uma oportunidade para
Francisco trazer novamen-
te esta sua mensagem vai
vir na Polônia em julho,
quando ele vai a Cracó-
via para a Jornada Mundial
da Juventude. Um movi-
mento de direita tem amea-
çado não aceitar o compro-
misso de acolher imigrantes
como parte de uma ação
da União Europeia, mas
isso dependerá do apoio
católico, e uma vergonha
papal poderá igualmente
fazer a diferença.
Colômbia
As negociações de paz
em Havana visando termi-
nar com mais de cinco dé-
cadas de conflito na Colôm-
bia estão programadas para
serem reatadas na quarta-
feira (13 de jan.), e o presi-
dente colombiano Juan
Manuel Santos recente-
mente comprometeu-se que
elas permanecerão em
“sessão permanente” até
que um acordo seja feito,
com o desejo de se chegar
a um desfecho até março.
O governo das Forças Ar-
madas Revolucionárias da
Colômbia, ou FARC, já
chegaram a acordos sobre
reforma agrária, participa-
ção política, drogas e plan-
tio, e uma reparação às ví-
timas da violência. O último
ponto dessa agenda diz
respeito à implementação
de um cessar-fogo bilateral
permanente, incluindo um
baixar armas por parte das
FARC.
Francisco tem um interesse
pessoal nessas negocia-
ções, reconhecendo, em
resposta a uma pergunta
durante uma coletiva a bor-
do de seu avião em setem-
bro passado quando voltava
dos EUA, que havia falado
duas vezes por telefone
com Santos sobre o assun-
to.
Antes ainda, em sua escala
em Cuba, o pontífice dire-
tamente abordou as negoci-
ações durante uma missa
na Praça da Revolução de
Havana, dizendo que “não
temos o direito de nos per-
mitir outro fracasso na Co-
lômbia”.
Dada a conexão latino-
americana e o fato de que
tanto o governo Santos
quanto as lideranças das
FARC vêm pagando tributo
pelo apoio que Francis-
co lhes tem dado, é inteira-
mente possível pensar que,
se eles chegarem a um im-
passe, bem poderão se vol-
tar ao pontífice em busca de
ajuda.
Se sim, e um acordo de paz
for alcançado e implemen-
tado, Francisco poderá,
mais uma vez, ser chamado
de um jogador fundamental
nas relações internacionais.
República Centro-Africana
A primeira rodada de vota-
ção das eleições presiden-
ciais na República Centro-
Africana em 30 de dezem-
bro foi, em grande parte,
pacífica, uma surpresa para
muitos em um país que tem
sofrido com uma onda de
violência entre milícias mu-
çulmanas e cristãs rivais.
O segundo turno ocorrerá
em 31 de janeiro. Supondo
que a calmaria relativa se
mantenha e dependendo de
como ela terminar, o país
poderá ter condições de
iniciar a sua reconstituição.
Francisco ganhou bastan-
tes amigos na República
Centro-Africana com a sua
visita de dois dias em no-
vembro passado. Um mo-
mento-chave veio quando
visitou uma mesquita em
uma região da capital naci-
onal, Bangui, dominada por
forças jihadistas, apesar dos
apelos em cancelar o even-
to, uma vez que se configu-
rava como muito arriscado.
Alguns analistas creditam a
visita do papa e a sua men-
sagem de reconciliação com
15. essa mudança na atmosfera
do país.
“Ela desempenhou um pa-
pel definitivo em acalmar os
ânimos diante das eleições”,
disse Alex Fielding, analis-
ta da Max Security Soluti-
ons.
Dificilmente está escrito nas
estrelas que as eleições te-
rão um final feliz, visto que,
pelo menos, 20 dos 30 can-
didatos à presidência no
primeiro turno denunciaram
a contagem dos votos como
uma farsa. Mas se elas
forem bem-sucedidas, Fran-
cisco receberá muitos cré-
ditos aqui também, especi-
almente se ele, hoje, con-
cordar em fazer algo mais,
talvez dar um telefonema
diplomático, algo que tem
feito a diferença.
Iraque e Síria
Obviamente, Francisco não
tem condições de pôr abai-
xo o ISIS por si mesmo, es-
pecialmente depois que o
grupo islâmico radical vem
repetidamente ameaçando o
Vaticano, inclusive postando
uma imagem da Praça de
São Pedro na capa de sua
revista online em novembro
numa advertência nem um
pouco sutil.
O que Francisco pode fa-
zer, no entanto, é encorajar
os países ocidentais a se
comprometerem na pressão
contra o grupo extremista,
principalmente em termos
de proteção das minorias
vulneráveis da região, inclu-
indo a pequena porém signi-
ficativa presença cristã no
Oriente Médio.
De certo modo, seria uma
postura contraintuitiva vindo
de um “Papa da paz”,
mas Francisco está sendo
encorajado pelos seus pró-
prios bispos na região, os
quais vêm insistindo que os
seus rebanhos enfrentam o
risco de um “genocídio”. O
pontífice trouxe esse assun-
to em seu discurso de se-
gunda-feira.
“Também aqui penso nos
cristãos do Médio Oriente
desejosos de contribuir, co-
mo cidadãos de pleno direi-
to, para o bem-estar espiri-
tual e material das respecti-
vas nações”, declarou.
Em dezembro, uma pesqui-
sa feita pela agência Gallup
mostrou que, pela primeira
vez, uma minoria de ameri-
canos, 53%, apoia uma
guerra contra o ISIS e esta
provavelmente será uma
questão presente nas elei-
ções deste ano também.
Francisco já disse que “é
legítimo deter um agressor
injusto”. Uma nova dose de
exortação moral por parte
do papa poderia ajudar a
colocar os pedidos por uma
ação mais incisiva no topo
das prioridades, e não so-
mente nos EUA.