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1
2
O Enigma
de
Santo Antônio do Paraibuna
Pablo Itaboray
3
Para Sarah.
4
“Das cidades brasileiras,
És a mais industrial,
Na cultura e no trabalho,
Não receia outra rival.
5
Prefácio do autor
Apesar de ter nascido em Divinópolis, tenho a
alma e o coração juizforanos. Afinal, dos meus vinte e
oito anos de vida, quase vinte e seis foram vividos na
Manchester Mineira. Além disso, tenho pai e mãe
juizforanos e toda a minha família (paterna e materna)
tem como terra esta cidade que aprendi a amar desde
criança,
Sinto orgulho por saber cantar o hino de Juiz de
Fora desde os sete anos de idade, pois minha mãe,
então minha professora de música no Colégio Nossa
Senhora do Carmo, fazia e faz questão de que todos os
seus alunos saibam cantar o hino de nossa cidade de
cor.
Como marcas da minha infância, tenho a
pracinha do Cruzeiro, as ruas do bairro Alto dos Passos
e os feriados em Monte Verde. Já na adolescência o
bairro Cascatinha gravou-se na memória.
Resolvi escrever este livro a partir de Junho de
2007, almejando vôos pequenos, mas considerados
enormes por mim. Sem demagogia, o objetivo maior
desta obra é agradar a alunos (inclusive os meus!) que
cursam a sétima e oitava séries do Ensino
Fundamental. E, para ser mais utópico, agradar à
maioria das pessoas que o tiverem às mãos.
Ao longo de meus anos como professor, percebi
a falta de conhecimento por parte de vários alunos em
relação à história de Juiz de Fora. Percebi que mesmo
que passem quase todo dia pelo Parque Halfeld,
6
Castelinho da CEMIG ou Catedral, eles não sabem o
valor histórico e cultural de tais patrimônios.
Assim, resolvi escrever uma narrativa que fosse
divertida o bastante para que conseguisse prender a
atenção desses alunos, e, que ao mesmo tempo, desse
várias informações históricas e fizesse com que a
curiosidade sobre assuntos de nossa cidade fosse
despertada.
Aos ferrenhos críticos historiadores, deixo claro
que todas as informações foram retiradas de livros,
jornais e artigos pesquisados pelo autor e, sabendo que
alguns fatos sobre a cidade têm mais de uma versão,
lembrem-se de que este é um livro de ficção e, por isso,
foi escolhida aquela que mais funcionasse de acordo
com o enredo.
Aproveito para agradecer a todos aqueles que
apoiaram e acreditaram neste projeto, incluindo aí
minha família, amigos e colegas de trabalho. Vocês
foram os responsáveis pela realização do livro que,
como muitos sabem, é a realização de um sonho
antigo.
O autor.
7
1. Imperativo X Superlativo
Por mais que eu tentasse prestar atenção naquela
maldita aula de Português, por mais que eu soubesse
que se eu não aprendesse a formação do Imperativo
hoje, véspera de prova, eu ia-me “ferrar” no bimestre,
eu não conseguia desviar os olhos da Ju. O pior é que
eu sei que nunca passou pela cabeça dela que eu
pudesse estar apaixonado.
“ Assim, devemos retirar o s das...” -
continuava a explicação...
Que raiva! O professor ali, falando sem parar,
mesmo que a imagem mais linda possível estivesse
presente naquela mesma sala. E o Imperativo teimava
em reinar no ambiente e, mesmo não conseguindo,
tentava chamar mais minha atenção do que aqueles
olhos, belíssimos, de cores perfeitas, combinando
perfeitamente com o castanho-claro de seus cabelos
levemente ondulados.
Júlia tem a mesma idade que eu. Ambos
estamos na sétima série e estudamos na mesma sala
desde a quarta. Quando nos conhecemos, a idéia que
tivemos um do outro não foi positiva. Eu a achei meio
metida e muito dona de si, por isso, de início não fui
muito com a cara dela. Ela, semanas depois de ter me
conhecido, confessou que me achou com cara de nerd.
Fala sério! De nerd eu não tenho nada! Nunca fui
daqueles caras que ficam o tempo todo em cima dos
livros e que não sabem absolutamente nada de futebol.
8
Pelo contrário! Sou especialista na arte da bola nos
pés!
Na verdade, sempre me dei bem na escola.
Passei alguns apertos, mas nada preocupante. Minha
tática é a seguinte: presto muita atenção às aulas e
procuro não ficar com dúvidas. Em casa, faço minhas
tarefas e dou uma revisada na matéria do dia. Assim
tenho todo o resto do tempo só pra mim.
Hoje está tudo diferente. Não consigo prestar
atenção em nada, só nos movimentos da Ju, nos seus
olhos, nas pequenas mordidas que ela dá nos lábios,
nos pêlos claríssimos e finos do seu braço...
De repente veio o silêncio. O professor se
sentou e percebi que, ao invés de regras, no quadro
estavam escritos os números das páginas e os
exercícios que devem ser feitos. Percebi também que a
Ju não estava fazendo as tarefas. Ela lia um livro que
estava no seu colo, para que o professor não visse.
Penso logo em saber o título do livro, porque quero
saber o que a interessa.
Fim da aula. Como quem não quer nada,
cheguei perto dela e comentei com ar de brincadeira:
 Ah, dona Júlia! Ao invés de fazer os
exercícios, fica lendo, né?
 Oi, Paulo! Eu não consigo desgrudar deste
livro! Além do mais, já sei a formação do Imperativo
de cor e salteado!
Tendo um “estalo” repentino, percebi uma
oportunidade de me encontrar mais tarde com a Ju:
9
 Então, bem que você poderia me dar uma
ajuda, hein? Não sei nada sobre essa matéria. Não
consegui prestar nem um minuto de atenção na aula...
 Ué! Você, que sempre fica ligado o tempo
todo na aula, não conseguiu? O que aconteceu?
 Sei lá! Ando meio distraído ultimamente.
E sem esquecer do objetivo da minha conversa,
emendei:
 Mas diz aí! Que livro você está lendo?
 O assassinato de Roger Ackroyd, da Agatha
Christie. Conhece?
 Não, mas já que é bom, vou procurar. Vamos
marcar pra estudar na Biblioteca Murilo Mendes?
 Ok! Hoje às três da tarde. Pode ser? –
perguntou Júlia com uma voz doce.
 Ótimo! – respondi radiante por ter
conseguido mais um tempo para ficar ao lado dela.
10
2. Quem Disse Que Homem Não Chora?
Quando Einstein disse que o tempo é relativo,
com certeza estava esperando as horas passarem pra
poder ir a um encontro. É impressionante como os
minutos demoram a passar quando vou encontrar com
a Júlia. O pior é que eu sei que, quando estou ao lado
dela, as horas voam! Definitivamente, Einstein estava
certo: o tempo é relativo!
Como moro no bairro Cascatinha, um pouco
afastado do centro de Juiz de Fora, tive que pegar o
ônibus de duas e meia da tarde, para não perder a hora.
Peguei minha mochila, meu MP3, meu celular e
fui correndo pro ponto. A ânsia em encontrar a Ju era
enorme! Naquele tempo de espera fiquei me
perguntando se eu deveria ou não contar que estou
gostando dela. Achei melhor ficar na minha, pois achei
que ela iria se assustar. Afinal, somos muito próximos,
mas, como já disse, ela nunca deve ter pensado em ter
algo comigo, além da nossa amizade, claro!
Desci do ônibus na Avenida Rio Branco,
próximo ao calçadão da Rua Halfeld, pra comprar uma
doce que a Júlia adora.
Fui caminhando até a Biblioteca Municipal
Murilo Mendes, que fica dentro do Espaço Cultural
Bernardo Mascarenhas.
Ao chegar, corri meus olhos pelos corredores da
biblioteca a procura de Júlia. Olhei também para o
espaço reservado aos leitores (estavam todos em
11
silêncio e, por isso, não ousei gritar o nome da Ju).
Nada. Não a encontrei.
Resolvi, então, subir do térreo para o primeiro
andar, na parte de empréstimos e perguntar à atendente
onde fica a seção de mistério.
 Siga direto por esse corredor, os livros de
suspense estão lá no fim.
Deparei-me com várias estantes, com os mais
variados títulos de mistério. Para minha surpresa,
percebi que a grande maioria dos livros são de autores
estrangeiros. Nomes como Edgar Allan Poe, Agatha
Christie e Sir Arthur Conan Doyle (que escreveu livros
sobre Sherlock Holmes) são os que eu mais vejo.
Interessei-me justamente por um livro de capa
alaranjada e ao pegá-lo para ver o título, li: O
assassinato de Roger Ackroyd. “Que coincidência!” –
penso. “É exatamente o livro que eu procurava”.
Ao abri-lo, sem querer, deixo-o escorregar entre
meus dedos e, ao cair, ele bate na ponta do meu tênis e
vai parar embaixo da estante. “Não acredito... Que
azar...” Na mesma hora, por causa do barulho que o Sr.
Roger Ackroyd resolveu fazer ao cair no chão, dois
leitores fizeram: “Shhhh!”. Preocupado, estiquei o
pescoço para ver por cima dos livros se a bibliotecária
tinha visto o pequeno acidente que eu havia provocado.
Por sorte, ela estava entretida na leitura de um
calhamaço (nunca me esqueci dessa palavra que meu
falecido avô usava para designar os grossos livros que
tinha na estante), um calhamaço de pelo menos mil
páginas.
12
Agachei-me e, percebendo que seria inútil tentar
puxar o livro com minhas mãos, abri minha mochila e
retirei minha régua de 30 cm. Com um pouco de
esforço e paciência, coloquei a régua embaixo da
estante, dei um empurrão e...
 Ei! O que você está fazendo aí, agachado?
Era a Ju, que com um sorriso lindo, segurava
sua saia entre as pernas, para que eu, ali, agachado, não
aproveitasse da minha posição para ter uma visão,
digamos, privilegiada.
Enrubescido, sem prestar muita atenção,
apanhei o livro que eu conseguira resgatar e levantei-
me para cumprimentá-la.
 O que você estava fazendo?
 Eu? – perguntei, e num tom irônico, respondi
– Nada! Como não sou nem um pouquinho desastrado,
deixei o livro que você me indicou cair embaixo da
prateleira e estava pegando-o justamente na hora em
que você me achou!
Júlia deu um sorriso e disse para irmos depressa
estudar porque ela não podia se atrasar para sua aula de
pintura, que era às cinco da tarde. Disse a ela que fosse
arrumando uma mesa de estudo enquanto eu ia
pegando o livro.
 Estranho – disse a bibliotecária – esse livro
não está cadastrado... Espere um minutinho que irei
colocar uma etiqueta e incluí-lo no cadastro da
Biblioteca.
 Tudo bem!
13
Enquanto eu esperava, observava os gestos da
Ju, sentada diante do livro de Português.
Seus dedos percorriam seus cabelos castanhos
distraidamente enquanto ela lia. Ao perceber que eu a
estava observando ela me chamou, fazendo um gesto
com a mão e mexeu os lábios como quem dissesse:
“vem!”. Respondi com outro gesto para que ela me
esperasse e virei de frente ao balcão para ver se o livro
estava pronto.
 Prontinho. É só assinar aqui.
 Valeu! – respondi e automaticamente
coloquei o livro dentro da mochila.
Sentei-me em frente à Júlia e começamos a
estudar a tal Formação do Imperativo. Ela me
explicava cuidadosamente as regras e eu, desta vez,
prestei bastante atenção.
 Olha, Paulo... As regras são simples. Basta
saber a conjugação do Presente do Indicativo e do
Presente do Subjuntivo, pois o Imperativo sai todo daí.
Antes de tudo, você precisa saber que no Imperativo
não se usa a primeira pessoa do singular, ou seja, o
“eu”, porque ninguém dá ordem, conselho ou pede
algo para si mesmo!
Então, Ju continuou:
 Depois, perceba que, ao invés do pronome
pessoal “ele”, usamos o pronome de tratamento
“você”. Agora veja, são dois os tipos de Imperativo: o
afirmativo e o negativo. No Imperativo afirmativo
usamos o “tu” e o “vós” do Presente do Indicativo,
retirando o “s” final. As outras pessoas (“você”, “nós”
14
e “vocês”) vêm do Presente do Subjuntivo. Veja este
exemplo.
Então, Júlia arranca uma folha do final de seu
caderno e a coloca em cima da mesa. Quando olho pra
folha, ela rapidamente vira ao contrário e, meio sem
graça, diz pra eu prestar atenção.
Antes de virar a folha, eu vi, ou pelo menos
acho que vi, um coração desenhado com caneta
vermelha e dentro dele a letra “J” e outra letra que não
consegui identificar, mas me pareceu a letra “L”.
  Olhe aqui, Paulo. – e começou a escrever o
seguinte:
Pres. Do Ind. Pres. Do Subj. Imp. Afirm.
Tu amas------------------------(retira-se o s)—ama tu
Que ele ame-----------------------------------ame você
Que nós amemos--------------------------amemos nós
Vós amais------------------------(retira-se o s)- amai vós
Que eles amem-----------------------------amem vocês
 Entendeu?
 Entendi, sim.
  O Imperativo Negativo é mais fácil ainda.
Usamos apenas o Presente do Subjuntivo para formá-
lo.
Olhando fixamente para o papel, ela anotou:
15
Pres. Do Subj. Imper. Neg.
Que tu ames ----------------------------------- não ames tu
Que ele ame --------------------------------- não ame você
Que nós amemos ------------------------ não amemos nós
Que vós ameis ----------------------------- não ameis vós
Que eles amem ------------------------- não amem vocês
 Pronto! Agora você só precisa praticar.
Então, fizemos alguns exercícios e conjugamos alguns
verbos.
 Valeu, mesmo. Se não fosse você o que seria
de mim, hein Ju?
Ficamos nos olhando por um momento.
 Até parece que você precisa de mim, né
Paulo?
 Mais do que você pensa! – falei num tom
grave e com uma voz aveludada.
Então o silêncio tomou conta do ambiente
inteiro e só foi quebrado quando Júlia se levantou
apressada olhando no relógio, dizendo meio
aparvalhada que já eram quatro e quarenta e que se não
corresse, perderia a aula de pintura.
 Tome aqui! Comprei algo que você adora! –
disse erguendo o doce dentro de uma embalagem
plástica.
 Obrigada, Paulo! Você é um amor, mas ainda
vai me fazer engordar! – falou depressa, com um
sorriso entre os lábios.
16
Juntou suas coisas. Deu-me um beijo rápido no
rosto e saiu às pressas. Fiquei observando sua saída,
pensando se ela havia percebido minha indireta.
Ao olhar para a mesa, vi que ela havia deixado a
folha de rascunho com os exemplos do Imperativo.
Então, de súbito, virei-a e aquilo que eu suspeitava e
temia se confirmou.
Logo que li aquele “L”, vieram na minha cabeça
alguns nomes de amigos e conhecidos, comuns a mim
e a Ju, que começam com essa letra, mas não quis
pensar nisso por enquanto para não aumentar minha
agonia.
Quem disse que homem não chora estava
redondamente enganado. Homem que não chora só
pode estar desidratado, sem água pra nenhuma lágrima.
Aliás, deixei uma lágrima cair exatamente em cima do
“J” dentro do coração.
17
3. O enigma de Santo Antônio do Paraibuna
Cheguei em casa e, depois de um banho
demorado (meu pai não estava e assim ninguém iria
bater na porta do banheiro pra me perguntar se sou
sócio da Companhia de Energia), peguei meu violão e,
para dar uma animada, comecei a tocar um rock n´ roll
mais pesado, que depois de três ou quatro seqüências
de acordes, se transformou numa balada bem lenta,
com dedilhados tristes.
Deixei o violão de lado e pensei em algo que me
fizesse esquecer a Ju por alguns instantes. Foi quando
me veio lembrei do livro que eu pegara na Biblioteca,
mas logo me veio à mente que a Ju estava lendo à
mesma coisa. “Amanhã mesmo vou devolvê-lo”,
pensei.
Desistindo do livro, sem nem mesmo abrir a
mochila para pegá-lo, liguei a TV e fui jogar futebol no
vídeo-game. Depois de algumas partidas, lembrei-me
da prova de Português e fui estudar no quarto que meu
pai usa como escritório. Peguei uma Gramática antiga
e, ao fazer alguns exercícios, percebi que havia virado
craque no Imperativo.
Ao terminar os estudos, abri minha mochila para
arrumar o material do dia seguinte. Foi quando peguei
o livro da biblioteca. Assustei-me ao ver sua capa num
tom bege envelhecido. Tinha quase certeza de que ele
era laranja. Além do mais, ele estava velho e suas
folhas bem amareladas. Lembrei-me de como recuperei
18
o livro debaixo da estante. Com certeza eu havia
empurrado o livro errado, sem querer.
O enigma de Santo Antônio do Paraibuna. Era
esse o título. “Santo Antônio do Paraibuna”, pensei.
“Já escutei algo sobre isso, acho que na aula de
História...”.
O autor da misteriosa obra é um tal de Antônio
Joaquim Torres de Carvalho.
O mais estranho é que apenas a capa é impressa,
o resto é todo manuscrito, com uma letra belíssima. A
encadernação é extremamente rústica. Suas folhas são
entrelaçadas por uma espécie de barbante bem grosso.
Na folha de rosto havia uma data: 1907.
“Caramba”, pensei. “Tenho um livro de cem
anos nas mãos! Isso deve ser uma relíquia. Desde
quando ele estava embaixo de um estante de livros na
Biblioteca? Preciso mostrar isso a alguém, mas antes
tenho que lê-lo.”
Ao começar a leitura, percebi que o autor,
durante a Introdução, explica que era uma espécie de
secretário particular do Coronel Francisco Mariano
Halfeld.
“Se eu quiser realmente entender este livro”,
pensei, “precisarei fazer uma boa pesquisa. Afinal,
quem foi esse Francisco Mariano Halfeld? Importante
ou rico ele deveria ser, pois não é qualquer um que
pode se dar o luxo de ter um secretário particular.”
Olhei o relógio. Quase onze e meia da noite.
Resolvi, então, me deitar. Antes, pensei em ligar pra Ju
e contar sobre o livro, mas resolvi não contar
19
absolutamente nada pra ninguém, antes que eu o lesse
por completo. Guardei-o dentro da mochila e fui
dormir. Afinal, meu dia havia sido bem agitado e, por
isso, estava exausto.
20
4. Uma Distração
A prova de Português foi mais tranqüila do que
eu esperava. Apesar de não ter caído nenhuma questão
parecida com os exercícios da velha gramática do meu
pai, tenho certeza de que me dei bem. Como sempre, o
professor utilizou interpretação de textos ou charges
em todas as questões, até mesmo nas que envolviam
Formação do Imperativo.
 E aí, Paulo... Foi bem na prova? – indagou
Júlia na hora do intervalo.
 Fui sim. E você?
 Também!
Preferi me afastar um pouco da Ju. Ainda me
sentia mal ao lembrar do coração com as letras. Então,
andei um pouco pelo pátio do colégio até ver minha
turma de amigos formando uma “rodinha”,
conversando e, como sempre, rindo muito.
 Paulo! – gritou Renato ao me ver chegando.
– Junte-se aos bons!
Renato é um desses caras com quem todos
gostam de conversar. É bom de bola e as garotas dizem
que ele é boa-pinta. Em relação à sua aparência e ao
seu jeito de falar e agir, ele parece ser bem mais velho,
porém tem a mesma idade que nós, a maioria da turma.
Mesmo assim, é bastante humilde e agradável. É meu
colega de sala desde a quarta série, assim como a Ju e,
por isso, não me espantaria nem um pouco se o
21
coração que ela desenhou tivesse um “R” ao invés do
“L”. Afinal, ela era uma das muitas garotas que
achavam o Renato “perfeito”.
 Paulão! Você estava meio afastado de nós.
Está chateado? O que aconteceu?
 Nada não, Renato. – respondi meio
cabisbaixo.
 Deixa disso, meu caro! Ânimo! Tudo na vida
tem solução e se você achar que não tem é porque já
está solucionado!
 Não sei de onde você tira essa filosofia de
jornaleiro! – brinquei. – Mas, me digam. Qual é o
assunto?
Além do Renato, estavam conversando o Victor
e o Léo.
 Nada demais. – respondeu Victor –
Estávamos falando sobre a aula de Educação Física de
ontem. No golaço que eu fiz embaixo das pernas do
Renato. Não é, Léo?
 É! Mas antes falávamos sobre como a Júlia
virou uma gatinha de um ano pra outro! - disse
Leonardo, com um sorriso malicioso no rosto.
Naquele instante caiu a ficha: Leonardo começa
com “L” e, além disso, ele estava elogiando a Ju. Isso
só podia significar uma coisa...
Assim que bateu o sinal, indicando que o
intervalo havia acabado, fomos caminhando e
conversando sobre futebol até a sala. Porém, eu não
conseguia parar de pensar no que achava que tinha
descoberto: o dono do coração da Júlia. “Melhor então
22
voltar a prestar mais atenção às aulas e quando estiver
em casa, ocupar minha cabeça lendo o livro antigo que
eu, por acaso, encontrei” – pensei.
Ao chegar em sala, Júlia veio em minha direção
e com um sorriso me perguntou se eu havia começado
a ler o livro da Agatha Christie. Respondi que não tive
tempo por causa da prova de Português. Então, quando
me virei pra sentar no meu lugar na sala, ela me
chamou de novo e disse:
 Ei! Depois preciso conversar sobre um
assunto com você.
 Ah, tá... – respondi. Acho que já sei sobre o
que você vai falar.
 Sabe? Como assim? – assustou-se.
 Depois a gente conversa.
Estava óbvio que ela queria me explicar sobre o
coração desenhado atrás da folha onde me explicara o
Imperativo. E pra falar a verdade, eu não estava nem
um pouco a fim de ouvir o que ela iria me dizer sobre
sua nova paixão. Por isso, no final da aula, ao invés de
ir andando com ela até o ponto de ônibus, inventei que
ia pra casa da minha avó. E fui em outra direção.
Enquanto ia andando, fui pensando sobre “O
enigma de Santo Antônio do Paraibuna”. Sobre como
ele foi parar em minhas mãos. Sobre o autor e seu
chefe, Francisco Mariano Halfeld. Quem seriam essas
pessoas?
Então, feliz por ter encontrado uma distração,
um outro interesse que não fosse pensar na Ju, resolvi
ir até uma lan game (essas lojas onde você pode
23
navegar na internet), próxima ao colégio, fazer uma
pesquisa sobre os nomes que encontrei no livro.
Lá estava. Joguei as palavras-chave em um site
de busca e a primeira coisa que encontrei foi:
“Santo Antônio do Paraibuna foi o primeiro
nome da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. Levava
esse nome por ser Santo Antônio seu padroeiro e por
se cortada pelo Rio Paraibuna”
Empolguei-me! Afinal de contas eu tinha
comigo um livro antigo com enigmas sobre a minha
própria cidade.
Depois digitei o nome do autor do livro. Não
encontrei uma citação sequer. Nenhum site mostrava
informações sobre ele. Achei estranho, pois o nome de
um autor de livro não estar na internet só poderia
significar uma coisa: ninguém deu importância a ele
após sua morte. Deduzi então que ele nunca
desvendara os enigmas que provavelmente narra em
seu livro. Talvez ninguém os desvendou.
“Emocionante!” – pensei. “Tenho que continuar
a ler as anotações feitas pelo Sr. Antônio. Imagine se
elas dão pistas sobre um tesouro ou algo desse tipo que
esteja escondido em algum lugar de Santo Antônio do
Paraibuna, ou melhor, Juiz de Fora?”
24
25
5. O Santo Fujão
Subi as escadas do meu prédio correndo. Como
moro no terceiro andar, em menos de um minuto
estava no meu apartamento. Abri a porta e dei de cara
com a minha mãe saindo.
— Paulito! Por que...
Antes que ela me perguntasse o porquê do meu
atraso, fui logo dizendo que estava na lan perto do
colégio fazendo umas pesquisas. Dei um beijo em seu
rosto e fui depressa pro meu quarto continuar a leitura
do misterioso livro.
O primeiro capítulo tem como título: “O Santo
Fujão” e começa da seguinte maneira:
“Há uma imagem de Santo Antônio que intrigou
a população de nossa cidade na época em que ainda
era considerada vila. Aconteceu que esta imagem foi
levada duas vezes para a Capela Nova, porém, depois
de alguns dias ela reapareceu na Capela Antiga...”
Então, o autor revela que pesquisou e foi atrás
das pistas que poderiam resolver o mistério. Assim,
com muito esforço e paciência, entrevistando pessoas
bem idosas, afinal seu livro havia sido escritos várias
décadas depois do mistério do santo, descobriu que a
imagem, obviamente, não saía andando pela vila até
retornar à Capela Antiga. Na verdade, os moradores do
Morro da Boiada, enciumados e se sentindo
injustiçados pela mudança de lugar de Santo Antônio,
26
iam até a Capela Nova, à noite e, sem que ninguém os
visse, recapturavam a imagem e colocavam-na de volta
no altar da Capela Antiga. Depois lançavam um boato
pela cidade de que o santo retornara sozinho, porque lá
era seu verdadeiro lar.
Achei a história bem interessante, mas confesso
que me decepcionei um pouco. Estava na ânsia de que
o autor lançasse um enigma que pudesse ser
desvendado, mas ele já estava solucionado. A única
coisa que me deixou “com uma pulga atrás da orelha”
foi uma seqüência de números escritos ao final do
primeiro capítulo e, embaixo dela, um desenho de uma
caveira, um crânio humano.
“Esses números e esse desenho não devem estar
aí por acaso” – pensei. “Mas o que eles significam?”
Esqueci-me completamente das horas. Só
percebi que já havia passado muito tempo que chegara
em casa quando meu estômago começou a reclamar.
Eram três da tarde e, por isso, fui até a cozinha e
coloquei meu almoço no micro-ondas.
Assim que dei a última garfada, o interfone
tocou. Era a Ju que pedia pra subir. Sem saber o que
fazer, abri o portão e pude ouvir seus passos escada
acima.
— Posso saber por que o senhor está me
evitando? – disse, num tom irônico mas ao mesmo
tempo melancólico. – Lembra que eu disse que
precisava conversar com você?
27
— Eu, te evitando? Não... É impressão sua. –
menti. – Vamos, entre. Acabei de almoçar agora.
— Agora? Já são três e meia!
— Pois é! Estava completamente distraído com
o livro e nem percebi as horas! – disse, sem querer.
— Sério? Você está lendo “O assassinato de
Roger Ackroyd”? Em que parte você está? Eu já estou
acabando...
— É... Bem... Eu... – sentindo-me mais acuado
do que meu rei, quando ficou em xeque-mate na minha
última partida de xadrez com meu pai, tive que dizer: -
Na verdade, Ju, eu não estou lendo o livro que você me
indicou. Não foi ele que eu peguei na biblioteca.
Olhando-me com uma cara de surpresa, afinal
ela achou que havia me visto pegar o tal livro, e antes
que me perguntasse alguma coisa, resolvi contar tudo.
Detalhe por detalhe. Desde como achei o livro de
Antônio Joaquim Torres de Carvalho até a pesquisa
que fiz na internet.
— Isso é simplesmente espetacular! Você tem
idéia do que pode ter encontrado? – empolgou-se.
— Imagino!
— Então! Vamos conversar com nosso
professor de História ou ir até o Museu Mariano
Procópio, entregar essa preciosidade.
— De jeito nenhum! – respondi asperamente. –
Primeiro eu quero ler o livro inteiro. E, além do mais,
está vendo estes números e este desenho de um crânio
no final do primeiro capítulo? Algo me diz que eles
revelam alguma coisa.
28
— Pode ser, mas deve ser complicado descobrir.
Se ao menos eu fosse boa com códigos...
— O Renato! – exclamei.
— O que é que tem o Renato?
— Ela adora decifrar códigos secretos, charadas,
esse tipo de coisa! Lembra do enigma matemático que
o professor propôs em sala há um tempo atrás? Foi ele
quem o decifrou na mesma aula!
— É mesmo! Vamos até...
Antes que ela acabasse sua frase, eu já estava
andando em direção ao meu quarto para pegar minha
mochila.
29
6. A Enciclopédia Humana
Como Renato mora no centro da cidade,
pegamos um ônibus e fomos até sua casa, na Rua
Baptista de Oliveira. Pelo percurso fomos conversando
sobre o livro, levantando hipóteses de como ele foi
parar na Biblioteca Municipal Murilo Mendes.
Ao chegarmos em frente ao seu prédio, tocamos
o interfone e tivemos que gritar para que Renato
pudesse escutar quem era, tamanho era o barulho feito
pelas pessoas que passavam e conversavam , entrando
e saindo das lojas.
Após cumprimentá-lo e termos assentado nas
cadeiras da cozinha, comentei, jogando conversa fora,
sobre o movimento intenso de sua rua. Então,
espontaneamente, ele disse:
— Não é a toa que seu antigo nome é Rua do
Comércio!
Pisquei o olho disfarçadamente para a Ju, como
que dissesse: “procuramos a pessoa certa”.
— Sério? – perguntou Júlia, interessada.
— Sério! Esta foi uma das cinco primeiras ruas
construídas após Juiz de Fora tornar-se cidade. Porém
não se chamava Juiz de Fora...
— É! Chamava-se Santo Antônio do Paraibuna!
– falei com um ar de quem está por dentro do assunto.
— Quais eram as outras ruas, Renato? –
indagou Júlia.
30
— Não me lembro do antigo nome delas, mas
são a Rua Sampaio, Halfeld, Marechal Deodoro e
Santo Antônio.
Espantados com toda cultura histórica de nosso
amigo, perguntamos como ele sabia tanto sobre Juiz de
Fora e ele, com um ar irônico e debochado, respondeu:
— Acho uma vergonha alguém morar em uma
cidade e não saber sua história! Vocês deveriam ser
mais informados...
—Ah, tá bom sabichão! Agora conta a verdade.
– pediu Ju.
— Tá legal! Minha mãe é historiadora e sua
especialidade é a história de nossa cidade e de Minas
Gerais. Cresci ouvindo essas histórias, não tinha como
eu não saber disso.
Era uma enorme e agradável coincidência.
Tínhamos em nossa frente uma verdadeira
enciclopédia humana sobre Juiz de Fora, justamente
quando precisávamos! Ok! Estou exagerando na parte
da enciclopédia humana, mas não deixa de ser
maravilhoso ter um amigo que sabe mais que a gente
no assunto que mais estamos curiosos.
Rapidamente retirei o livro da mochila e
entreguei-o a Renato. Com um olhar curioso, ele me
perguntou o que era aquilo e, com a ajuda de Júlia,
contamos tudo o que sabíamos até aquele momento.
— Mas isso é espetacular! Vocês têm idéia do
que podem ter encontrado?
Olhamo-nos, eu e Ju, um pro outro e demos uma
boa gargalhada.
31
Sem saber qual era a graça, Renato ficou nos
observando, com as sobrancelhas altas, certamente
esperando uma explicação.
— Liga não! É porque eu disse exatamente
essas palavras há uns instantes atrás. – disse Júlia.
Folheando o livro com cuidado, como se ele
fosse se esfarelar se fizesse um movimento mais
brusco, nosso amigo pediu um tempo para que pudesse
ficar em silêncio e, assim, tentar decifrar os números
que aparecem ao final do primeiro capítulo.
Atendendo a seu pedido, resolvemos descer as
escadas de seu prédio e caminhar pelo centro de Juiz
de Fora, deixando-o sozinho com o livro. Compramos
um sorvete e fomos sentar em um dos bancos do
Parque Halfeld. Ainda interessadíssimos sobre o
assunto do livro, resolvemos ir ver as estátuas e
monumentos espalhados pelo parque.
Vimos o busto de Belmiro Braga, a estátua de
um escoteiro e até um busto em homenagem ao poeta
português Luiz Vaz de Camões.
— Caramba! Moro nesta cidade desde que nasci
e, apesar de saber que estes monumentos estão aqui,
nunca havia parado para observá-los e admirá-los.
Você já tinha feito isso, Paulo?
— Confesso que nunca! – respondi.
Continuando aquela que parecia ser nossa
primeira visita ao Parque Halfeld, fomos andando em
direção aos velhinhos que ficam sentados, jogando
xadrez, dama ou baralho nas mesinhas que existem na
parte do parque que fica perto da Rua Santo Antônio.
32
Distraído, fiquei observando uma dupla de
senhores atentos a um tabuleiro de xadrez, pra tentar
aprender alguma jogada daquele jogo que, há poucos
meses, eu aprendera com meu pai. Nem percebi
quando Júlia se afastou de mim e foi ver um
monumento que parecia uma parede ou um muro
erguido pra frente da rua.
— Paulo! Corre aqui... Rápido!
Depressa, virei-me e fui correndo ver o que a
interessava tanto.
—Dê uma olhada nisso! Leia o que está escrito
aí!
Olhei atentamente e percebi que havia dois
anjos segurando uma faixa com as inscrições: “O Cel.
Francisco M. Halfeld ao povo de Juiz de Fora” .
— Mas esse aí é o...
— Isso! – interrompeu-me Júlia. – Ele mesmo!
O chefe do escritor Antônio Joaquim Torres de
Carvalho!
Instantaneamente tirei meu celular da mochila e
fotografei aquelas inscrições da obra de arte que, pela
assinatura, tinha sido feita em 1902 pelo artista
Caporali.
Assim que ia guardá-lo, meu celular tocou. Era
o Renato.
— Voltem imediatamente pra minha casa.
Preciso contar algo para você.
33
7. Descoberta
— Assentem-se! – ordenou Renato, apontando
para o sofá de sua sala.
Assentei-me ao lado de Júlia e, sem querer,
deixei meu joelho encostar no dela. Olhei em seus
olhos pra ver sua reação, mas ela estava atenta,
esperando o que nosso amigo iria nos revelar.
No sofá que ficava exatamente em frente ao
nosso, Renato, sem poder esperar nem mais um
minuto, empolgadamente disse:
— Meus caros, o que vou lhes contar pode
transformar nossas simples vidas de estudantes em
uma inacreditável aventura!
Entusiasmados, não conseguíamos tirar os olhos
dele, que continuou:
— Assim como você deduziu, Paulo, os
números no fim do primeiro capítulo estão lá por um
motivo. Quando comecei a analisá-los, várias
possibilidades vieram em minha mente, mas, meio que
intuitivamente, teimei em acreditar que os números
tinham ligação com o texto. Insistindo nesse caminho,
depois de algumas tentativas frustradas, tive a idéia de
ordenar os números com as letras do capítulo. Voilà!
Era exatamente isso!! Vejam...
Então, ele nos mostrou a seqüência de números
do livro:
91 – 2 / 5 – 17 – 62 / 18 / 14 – 15 -16 -17 -18 / 13 / 91
– 10 -169
34
– 5 / 54 – 18 – 4 – 18 / 10 -42 – 10 ...
— Não entendi! Como assim, Renato? –
indagou Júlia.
— Acho que eu entendi, Ju. – antecipei-me. – O
número 91 representa a nonagésima primeira letra do
capítulo; o número 2, a segunda. É isso, Renato?
— Exatamente, Paulo!
Então, exaltada, Júlia falou em voz alta, quase
gritando:
— E o que estamos esperando? Vamos juntar as
letras e ver que frase será formada!
Foi nesse instante que Renato pegou um papel
que estava ao seu lado e nos mostrou:
V-Á /A-T-É / O /S-A-N-T-O / E/ V-E-J-A/ C-O-M-O/
E-L-E...
— Então, meus amigos, – Renato continuou sua
explicação – suponho que o que temos nas mãos é uma
espécie de “jogo”. Só temos que descobrir as regras e
saber como fazer para vencê-lo.
Isso tudo era extremamente empolgante e ao
mesmo estranho. Afinal, de uma hora pra outra s rotina
de três adolescentes mudou completamente. A partir
daquele instante nossa concentração era toda
direcionada ao “Enigma de Santo Antônio do
Paraibuna”.
35
“Vá até o santo e veja como ele...” Sem sombra
de dúvidas o santo em questão era a imagem de Santo
Antônio descrita no capítulo “O Santo Fujão”. Mas
onde estava tal imagem? Será que ela ainda existe? Foi
então que eu disse:
— Temos que pesquisar pra saber onde está este
santo. Precisamos saber por que temos que ir até ele.
Pelo livro, sabemos que ele foi retirado da Capela
Antiga para ser levado até a Capela Nova e, por duas
vezes, retornou.
Renato, com a mão apoiando o queixo, disse:
— Paulo, eu sei que o nome todo da Igreja
Catedral é: Catedral Metropolitana de Santo Antônio,
então só pode ser dedicada a este santo.
— Mas lá é uma igreja! Não é uma capela. –
lembrou-nos Júlia.
— Sim, mas ela foi construída, inicialmente,
como capela. Só depois tornou-se a Igreja Matriz de
Juiz de Fora.
— Cara! Só pode ser lá que o Santo Fujão está.
– afirmei. – O que me intriga é o final da frase... Parece
que está faltando alguma coisa. “Vá até o santo e veja
como ele...”, como ele o quê? Como ele está
posicionado? Como ele está vestido? Estranho... Será
que indo até ele, conseguimos completar a frase?
— Pode ser! A não ser que o Sr. Antônio tenha
nos pregado uma peça!
— Por falar nele, dê uma olhada nas fotos que o
Paulo tirou com o celular, Renato. – lembrou Júlia.
36
Entreguei meu celular a Renato que, logo assim
que acabou de ver as fotos do monumento, levantou-se
e pediu para que fôssemos com ele até o computador
de sua mãe.
Ligou o PC e clicou em um arquivo de texto
nomeado Engenheiro Henrique Halfeld.
— Este – explicou-nos. – é considerado o
fundador da cidade de Juiz de Fora. Veio da Alemanha,
chamado por Dom Pedro II para chefiar a exploração
do Rio São Francisco. Devido ao seu sucesso, coube a
ele abrir a Estrada do Paraibuna. Assim, chegou e
ajudou a montar nossa cidade.
— E qual o parentesco dele com O Coronel
Francisco Mariano Halfeld? – perguntei.
— Isso é o que eu estou tentando descobrir.
Tenho certeza de que há algo sobre ele aqui, neste
arquivo.
Depois de ler, atentamente, por alguns minutos
as páginas do texto, Renato exclamou:
— Aqui! Achei! – e leu-nos o seguinte:
“Francisco Mariano Halfeld: terceiro filho do
primeiro casamento do Engenheiro Henrique Halfeld.
Foi um grande benfeitor da cidade, ajudando a
construir e ampliar, com grande quantia em dinheiro,
o Parque Municipal que, depois, em sua homenagem,
passou a se chamar Parque Coronel Halfeld. Outra
grande obra que financiou e idealizou foi, em parceria
com Francisco Baptista de Oliveira, o monumento a
Cristo Redentor, localizado no alto da montanha, que
37
hoje tem como nome Morro do Imperador. Foi casado
com a Senhora Rita Carolina de Campos Henriques
Halfeld e não deixou descendentes.”
— Olhem só! – surpreendeu-se Júlia. – O
Parque Halfeld tem esse nome em homenagem ao
Francisco Mariano e não ao seu pai, fundador de Juiz
de Fora! Eu não sabia disso!
— Nem eu. – replicou Renato. – Vejam! Aqui
tem um trecho do “Jornal do Commercio” de vinte e
cinco de fevereiro de mil novecentos e um, que diz:
“(...) Na extremidade do jardim (...) vê-se uma
plasta, em forma de rochedo, onde serão colocados
dois anjos segurando uma fita na qual se lê a seguinte
inscrição, sendo tudo de cimento: ‘O Cel. Francisco
M. Halfeld ao povo de Juiz de Fora’. No alto da fita
está colocado um foco de luz elétrica”.
Ficamos alguns instantes em silêncio admirando
aquelas palavras, marcas da nossa cidade.
Depois de alguns segundos, Renato disse:
— Isto está ficando mais interessante! E então?
Vamos até a Catedral ou não?
Naquele momento Ju estava olhando o relógio.
Depois, com um ar de preocupação, disse:
— Gente, já são quase oito horas! Minha mãe
deve estar louca lá em casa. Eu nem avisei aonde eu
iria.
38
— É melhor deixarmos isso pra amanhã. Meus
pais também já devem estar preocupados. Pode ser,
Renato? – perguntei.
— Tranqüilamente! Assim vamos ter mais
tempo pra procurar a imagem do Santo.
Com gentileza, abri a porta do apartamento de
Renato para que a Ju saísse. Fomos juntos até o ponto
e, como sempre faço, quando meu ônibus chegou não
fui embora, esperei o ônibus da Júlia chegar para, só
depois, tomar o meu caminho.
39
8. A Catedral Metropolitana
No dia seguinte, a aula demorou a passar mais
do que o comum. Estávamos tão excitados com o
código que desvendáramos, que não conseguíamos
prestar atenção em nada. No entanto, não podíamos
tocar no assunto, pois combinamos não contar o
segredo pra pessoa alguma. Isso só iria ficar entre nós
três.
Na verdade, a única coisa que mencionamos
sobre o assunto foi, na volta do intervalo, um “É hoje,
hein!”, dito pelo Renato e “Depois da aula, né?”, dito
pela Ju.
Enfim, o sinal que avisava o fim da aula havia
batido. Era meio-dia. Nós, mais do que ansiosos, nos
reunimos na entrada do colégio e resolvemos ir
andando até a Igreja Catedral Metropolitana.
Contei aos meus companheiros de aventura que
eu havia colocado na mochila uma máquina digital
para que as fotos ficassem com mais qualidade do que
as tiradas pelo celular. Então, eles rindo, disseram ao
mesmo tempo, que também estavam com a máquina
deles na mochila.
Eu também estava munido de um MP3, que
pode funcionar como um gravador de voz, caso
precisássemos gravar algum depoimento.
Estávamos exatamente em frente à escadaria
principal da igreja quando tirei a primeira fotografia.
Subimos e paramos em frente à Imagem de Nossa
40
Senhora Aparecida onde vários devotos, em sua
homenagem, acendem velas. Parei ali e, em silêncio,
fiz uma prece. Quando percebi, Renato e Júlia já
estavam na porta, me esperando.
Na parede, ao lado da porta principal da
Catedral, vimos uma placa azul informando que a
igreja é tombada por decreto municipal. Lemos
também que ela foi construída em 1866.
Logo na entrada, à esquerda, vimos uma
imagem de Santo Antônio e pensei ser este o Santo
Fujão, mas Renato logo me lembrou que a imagem que
procuramos deve ter lugar de destaque na igreja.
Percebemos alguns santos dispostos em
pequenos altares, tanto na parte direita, quanto na
esquerda. Andando em direção ao altar, já prevendo o
que iríamos encontrar, exclamei:
— Olhem! Aquela é a imagem de Santo
Antônio!
A imagem fica no centro do altar, entre Nossa
Senhora e São José. Aproximamo-nos e confirmamos.
Era mesmo a imagem do padroeiro da nossa cidade.
Neste instante apareceu um funcionário que
toma conta da Igreja durante o dia e perguntou o que
tanto nos interessava.
— Esta imagem de Santo Antônio é o “Santo
Fujão”? – perguntei.
— Ei! – respondeu com um sorriso no rosto. –
Vocês são muito novos pra saberem da história do
Santo Fujão! Mas, respondendo à sua pergunta, esta
41
não é a imagem do santo fujão. A verdadeira imagem
está no nosso museu da igreja.
— Sério? – perguntei.
— É! Aquela imagem foi colocada depois da
reforma que a igreja passou quando virou Catedral.
Porém, o santo está no mesmo lugar onde o original
ficava. Essa é uma réplica do santo fujão, apenas mais
moderno.
Renato olhava atentamente para a imagem, a
procura de alguma pista. Eu estava tirando algumas
fotos, mas resolvi guardar minha câmera e fazer o
mesmo que ele.
A imagem deve ter uns noventa centímetros de
altura. O Santo veste uma túnica marrom que vai até
seus pés. Na mão esquerda, segura uma Bíblia com
Menino Jesus sentado sobre ela. Além disso,
pendurados em sua cintura existem dois terços, bem
longos que se estendem até pouco abaixo de seus
joelhos.
O que mais me chamou a atenção foi o olhar
penetrante de Santo Antônio. Parece que nada, nem
ninguém, poderia interferir na sua concentração. O
Menino Jesus tem os olhos voltados para o santo e,
como eu, parece impressionado com a firmeza de seu
olhar.
De súbito, veio-me uma idéia.
— Percebam o olhar do santo... Será que esse é
o mistério? Vejam! Ele está olhando fixamente para a
esquerda, direita de quem chega na matriz.
42
— Caramba, Paulo! Acho que você está certo.
Então não está faltando nada na frase! “Vá até o santo
e veja como ele...” Temos que ver da maneira como ele
vê, ou seja, pra onde ele está olhando! Animou-se
Júlia.
— Grande sacada! Mas afinal, o que há de
especial no local para onde ele olha? – perguntou
Renato.
Caminhamos em direção ao lugar onde o santo
olhava tão fixamente, ansiosos em descobrir mais uma
pista.
Olhei atentamente e percebi que os olhos de
Santo Antônio estavam direcionados para a imagem de
outro santo.
— Aquele é São Francisco de Assis! –
exclamei.
Paramos e ficamos observando a imagem. O
santo está posicionado à direita de quem entra na igreja
pela porta principal.
São Francisco, assim como Santo Antônio, veste
uma túnica marrom, calça sandálias e tem um ar
sereno.
Enquanto observávamos, Júlia percebeu um
detalhe que nos animou:
— Vejam! Na cintura do santo tem uma espécie
de cinto feito de corda pra prender a túnica... Olhem o
que tem pendurado ali!
Era um pequeno crânio humano. Exatamente
igual ao que estava desenhado no fim do primeiro
capítulo do livro.
43
— Espetacular! – animou-se Renato. – Isso
demonstra que estamos no caminho certo! Basta agora
descobrir a pista e...
— Ali! – disse Ju, interrompendo. – Há uma
placa com umas palavras minúsculas na base da
imagem!
Nós três nos aproximamos da placa e, ao mesmo
tempo, lemos:
— A Luneta de Ouro!
— Só pode ser esta a próxima pista! – disse
Júlia.
— Mas o que será que isso quer dizer? –
indaguei. – Você tem alguma idéia, Renato?
— Por enquanto não, mas algo me diz que com
uma boa dose de curiosidade, o que não nos falta,
descobriremos o que significa essa tal Luneta de Ouro.
44
9. Outra Pérola Falsa?
Graças a Ju podíamos continuar nossa
expedição, mas antes precisávamos comer alguma
coisa. Estávamos com uma fome indescritível.
Saímos da Catedral e fomos a um restaurante
self-service.
Enquanto nos servíamos, Renato foi ao
banheiro. Então, Júlia ficou me olhando e, por fim,
disse:
— Ei! Não pense que me esqueci da conversa.
— Que conversa? – desconversei.
— Ora! A que eu disse que preciso ter com
você. É sério!
— Ah! Acho que até já sei o que você vai
dizer...
— Jura? Então você já percebeu? – indagou.
— Acho que sim. Afinal, ontem mesmo o
Leonardo falou de você.
— O Leonardo? Como assim? – perguntou,
curiosamente.
— Ué... – respondi de maneira ríspida. – Não é
sobre isso que você ia falar? Sobre o coração atrás da
folha de rascunho, escrito J e L?
— Sim, mas...
Nesse momento, Renato chegou até a mesa e
nós, rapidamente, paramos a conversa.
— Que fome! – exclamou Renato. – E então,
estão conversando sobre a próxima pista?
45
— Pois é... Que loucura, hein? – disse, meio
sem jeito.
— Loucura? Loucura nada! Isso é fantástico!
Deve haver várias décadas que a pista está ali,
estampada e escancarada, para quem quisesse ver e
nunca ninguém percebeu!
Então, Júlia pediu atenção e perguntou:
— Será, Renato? Já passou pela cabeça de vocês
que alguém, antes de nós, já tenha percorrido o trajeto
que estamos fazendo e, assim, já tenha descoberto o
segredo?
— Pode ser. – respondi. – Mas por que então
nunca ouvimos falar disso? Será que se alguém já
tivesse chegado ao final do enigma, não teria exposto
isso pra cidade inteira? E, além disso, por que o livro
estaria na biblioteca? Se alguém tivesse chegado ao
final, com certeza teria ficado com ele pra provar a
história. Não, Ju! Acho que somos os primeiros a
percorrer este trajeto para desvendar o Enigma de
Santo Antônio do Paraibuna!
— Tem razão, Paulo. Parece que cabe a nós
desvendar este mistério e revelá-lo para a cidade. Mas
antes de pensarmos nisso, temos que partir para a
próxima pista. O livro está com você? – perguntou
Renato.
Retirei os manuscritos de Antônio Joaquim da
mochila e estendi para Renato que, com todo o
cuidado, empurrou seu prato para o centro da mesa,
limpou a mão com um guardanapo e só então pegou o
livro.
46
Enquanto meu amigo analisava aquelas páginas,
percebi que Júlia me olhava com uma expressão
estranha no rosto, como se estivesse tentando adivinhar
o que eu estava pensando.
Renato lia atentamente o livro. Passava as
páginas com delicadeza. Voltava para o primeiro
capítulo. Parava. Pensava. E nada. Nada que pudesse
remeter à Luneta de Ouro.
— Nada, meus amigos... Não há nada de
enigmático em todo o resto do livro. Nem números,
nem desenhos. Nada! O autor limita-se a descrever Juiz
de Fora da sua época.
— E se formos à Biblioteca Municipal? Quem
sabe encontramos alguma coisa?
— Pode ser, Ju. O que você acha, Renato?
— Partindo do pressuposto de que não temos
outra alternativa, vamos em frente!
Entramos na Biblioteca e fomos ao primeiro
andar, na parte que é destinada a empréstimos, onde eu
achara o enigmático livro.
Fui direto à bibliotecária pedir para que ela
pesquisasse nos arquivos se havia algum livro de
Antônio Joaquim Torres de Carvalho, escritor de Juiz
de Fora, além, é claro, daquele que estava comigo.
— Sinto muito... Não há nenhum outro livro
deste autor.
Desanimados, agradecemos e viramos as costas,
partindo para a saída da Biblioteca.
47
Pela primeira vez desde que começamos nossa
expedição, estávamos completamente sem rumo. Nem
eu, nem Ju e nem Renato tínhamos idéia sobre o que
fazer agora. A melancolia tomou conta dos nossos
olhares.
Na mesma hora veio-me à mente uma
lembrança antiga. Eu tinha uns quatro ou cinco anos e
estava no parquinho da minha escola, brincando com
areia. Com uma pazinha de plástico, eu cavava para
formar um buraco, quando, de repente, bati em algo
duro. Cavei mais um pouco e vi uma forma
arredondada e branca. Chamei meus colegas de turma e
todos juntos cavamos bastante. A cada investida,
aquele objeto aumentava de tamanho e aparecia mais.
“É uma pérola gigante!”, eu dizia entusiasmado. E
todos se animavam e cavavam mais ainda.
Passados alguns instantes, nossa professora,
curiosa ao ver todos os seus alunos atentos, olhando
para o chão, foi ver o que fazíamos com tanta euforia.
Então, para nossa tristeza, ouvimos as seguintes
palavras: “— Parem com isso, garotos! Vocês vão
acabar quebrando este cano!”
— Esperem! – disse a bibliotecária quando
estávamos perto da porta. – Pode ser que haja algo
deste autor lá no terceiro andar, arquivo de memórias.
Como se nossa esperança tivesse ressurgido das
cinzas, assim como a ave mitológica Fênix,
direcionamos nosso olhar para a jovem moça atrás do
computador que, sem saber, dera-nos um pingo de
ânimo. O suficiente para que, sem perder tempo,
48
subíssemos a rampa que leva aos andares superiores do
prédio.
49
10. A Luneta de Ouro
O andar de “Memórias” da biblioteca reúne
vários documentos, jornais e livros antigos
relacionados à história de Juiz de Fora ou do Brasil. Ao
entrarmos, vimos vários leitores atentos, sentados em
mesas redondas dispostas ao longo de uma pequena,
mas confortável sala. Chegando perto da primeira
mesa, vimos um jornal enorme, muito antigo, com as
folhas amareladas por causa do tempo, datando o ano
de 1904. O nome do jornal era Lince e não possuía
nenhuma foto ou desenho. Apenas letras.
A responsável pelo andar, uma mulher muito
bem vestida, com mais ou menos quarenta anos, ao nos
ver entrar, caminhou em nossa direção e, com um
sorriso simpático nos lábios, disse:
— Boa tarde! Como posso ajudá-los?
— Boa tarde! – respondeu Júlia. – Estamos
fazendo uma pesquisa para um trabalho de História.
Procuramos algo sobre um escritor de Juiz de Fora não
muito conhecido, chamado Antônio Joaquim Torres de
Carvalho. Você sabe se há algo sobre ele?
— Confesso que nunca vi nada sobre esse
escritor por aqui. Mas, por via das dúvidas, deixem-me
procurar na sala de arquivos. São tantos os livros aqui
que, tenho certeza, nunca irei decorar todos os nomes
dos autores! Esperem um momento.
Enquanto a mulher não chegava, ficamos
assentados em uma das mesas, sem dizer nenhuma
50
palavra, ansiosos em saber se teríamos êxito em nossa
busca.
Depois de uns vinte minutos, a responsável pelo
andar voltou com um livro nas mãos. Nossos rostos
devem ter demonstrado muita satisfação quando ela
disse:
— Essa pesquisa deve estar dando um trabalho e
tanto pra vocês, hein! Fui achar este livro no fundo de
uma prateleira e pelos registros, ele nunca foi
consultado por leitor algum desde que fundamos o
Projeto Memória. Aqui está!
Para nossa surpresa e excitação, ela nos
estendeu um pequeno livro de capa amarela, onde, na
parte superior lê-se: Antônio Joaquim Torres de
Carvalho. E com uma letra majestosa, no meio da capa,
o título: “A Luneta de Ouro”.
Com a felicidade de uma criança que ganhou o
presente de Natal que esperava o ano inteiro,
agradecemos imensamente aquela que, por alguns
instantes, parecia ser nossa heroína!
— É esse! Vou levá-lo! – disse empolgado.
— Sinto muito... Os livros desta seção são
proibidos para empréstimos. Porém, fiquem a vontade
se quiserem lê-lo aqui na sala.
Foi exatamente o que fizemos. Ficamos os três
em frente ao livro que, assim como o outro, tinha
apenas sua capa com letras impressas. Todo o resto
havia sido manuscrito e, com certeza, a caligrafia era a
mesma em ambas as obras.
51
Abrindo-o com o cuidado habitual, Renato
apontou o dedo para a primeira página do livro, onde
lemos:
“Dedico esta obra a quem a estiver lendo (se é
que um dia ela terá leitores).”
Ficamos emocionados com a dedicatória.
Afinal, o Sr. Antônio Joaquim era, agora, quase nosso
íntimo, pois estávamos vivendo e agindo de acordo
com suas mensagens e enigmas.
Renato virou a página e lemos, juntos:
“Um grande abraço ao leitor deste livro. Se tu
tiveres o Enigma de Santo Antônio do Paraibuna em
mãos, poderei entregar-te bem mais do que um
amigável abraço.
Porém, antes, quero explicar-te o porquê da
escolha do título: ‘A Luneta de Ouro’, o qual, suponho
eu, tenhas encontrado devido ao enigma do santo
(ATENÇÃO: se não estiveres entendendo coisa alguma
que te escrevo, fecha este livro e esquece!).
Escolhi a palavra LUNETA porque este
fabuloso instrumento faz com que objetos que estejam
distantes, até mesmo fora do alcance das vistas, fiquem
próximos e identificáveis. Assim como o que irás
encontrar, se perspicácia tiveres. Explico-te: o que
procuras nunca esteve visível a ti, mas com este livro,
estará bem próximo.
52
Luneta de OURO porque o que procuras tem
um valor inestimável, assim como o nobre metal
amarelo.
Outrossim, se souberes o que significa o que
irei escrever nas próximas linhas, vai em frente!
Abre o Enigma de Santo Antônio do Paraibuna
no sétimo capítulo intitulado, ‘AQUI!’ e lê: 40-2-15 /
52-8-109-2 /...”
E uma infinidade de números continuava a
seqüência.
Tudo aquilo era fantástico! Nunca poderia
imaginar que estaria vivendo uma aventura deste tipo.
O que mais me impressiona são as mensagens deixadas
nestes livros e o fato de ninguém tê-las achado até
hoje!
Sim! Nós sabíamos o que fazer!
53
11. Júlia
A impressão que tenho de que Júlia sempre me
viu “apenas” como um grande amigo, tem fundamento.
Assim que nos conhecemos, descobrimos que a minha
mãe e a dela haviam feito faculdade de Psicologia
juntas e eram muito amigas. Nossa amizade fez com
que nossas mães se reaproximassem e, assim,
começamos a freqüentar os mesmos lugares nos fins-
de-semana.
Vez ou outra havia churrasco na casa da Ju.
Outras vezes, íamos ao clube juntos. Como sou filho
único e Júlia também, ficamos muito próximos. Tanto
que quando os pais dela estavam se separando, eu senti
uma mesma tristeza profunda. Procurei apoiá-la
sempre. Ela ficou muito mal com tudo aquilo. Não
deve ser fácil ver duas pessoas que sempre estiveram
juntas com você, de repente, tomarem rumos diferentes
na vida.
Às vezes, eu fazia alguma gracinha só pra que
ela risse e esquecesse um pouco a barra que estava
enfrentando. Com freqüência, aparecia de repente na
casa dela e a arrastava pro shopping ou pra qualquer
lugar onde pudéssemos nos distrair.
A separação dos pais de Júlia aconteceu há mais
ou menos dois anos. Lembro-me bem de que nesse
período ela freqüentemente dormia na casa dos avós.
Eu adorava isso, afinal eles moram no Cascatinha,
assim como eu.
Ficamos mais amigos ainda!
54
As férias de julho daquele ano foram ótimas.
Para fugir do estresse de sua casa, Ju resolveu passar
os quinze dias na casa dos avós. Estávamos
praticamente inseparáveis. Várias vezes, ao
conhecermos alguém, perguntavam-nos se éramos
irmãos.
— Quase! – dizia ela, colocando a mão sobre
meu ombro.
Confesso que naquela época eu sentia o mesmo.
Ela era quase uma irmã pra mim. Porém, desde o
começo deste ano, comecei a sentir algo diferente. Fui
percebendo os traços de mulher que Júlia começava a
apresentar. Percebi suas mudanças no modo de agir, de
mexer nos cabelos, de sorrir, de falar, de olhar. Senti
que aquela garota, para mim, era mais do que uma
grande amiga. E muito, mas muito diferente do que
seria uma irmã.
Sua imagem não saía mais da minha cabeça e
então percebi que isso só podia significar uma coisa:
eu estava apaixonado. “Logo por quem!” Pensei de
início. E aquele sentimento ia ficando mais forte à
medida que o tempo passava. No entanto, nunca
revelei isso a ninguém, nem a Renato.
Como nossa amizade é muito grande e sempre
andamos juntos, muitos colegas já pensaram que
tínhamos algo mais. Outros, querendo tirar onda com a
minha cara, me diziam que melhor amigo de mulher é
gay. Isso me deixava extremamente irritado, mas agora
não esquento mais. Percebi que ficar nervoso por essas
coisas é uma grande bobagem. Além disso, na verdade,
55
o que eles sentiam era inveja. Afinal, eu estava sempre
ao lado de uma das garotas mais gatas do colégio.
Júlia nunca foi de falar comigo sobre suas
paixões. Raramente ela demonstrava que estava afim
de alguém. Na verdade, minha desconfiança em
relação ao seu relacionamento com Leonardo só veio-
me a cabeça por causa do comentário que ele fizera em
relação à beleza dela e o L dentro do coração. No mais,
não tinha porque eu desconfiar que os dois estavam
ficando. Nunca percebi nenhuma troca de olhares ou
um afeto entre eles.
Além disso, seria de estranhar se Júlia realmente
estivesse apaixonada por Leonardo. Afinal ele não é
uma pessoa, digamos, das mais agradáveis. Seus pais
são bem ricos e ele faz questão de demonstrar isso
usando e exibindo tênis, relógios e outros objetos
caríssimos. Não só os exibia, como fazia comentários
irônicos sobre os objetos mais “ultrapassados” de
outros colegas.
Pelo que eu conheço da Ju, este não deve ser o
tipo de cara por quem ela poderia se apaixonar. Porém,
as evidências eram de se considerar. Afinal, na nossa
sala, o único aluno que tinha como inicial a letra L era
o Leonardo e ele não deixou de demonstrar certo
interesse na Ju da última vez em que conversamos.
56
57
12. Gênesis
Sim! Nós sabíamos o que fazer!
Abrimos o Enigma de Santo Antônio do
Paraibuna, no capítulo intitulado Aqui, e deciframos o
segundo código deixado por Antônio Joaquim:
“Gênesis: Capítulo um, Versículo três.”
— Uma Bíblia! – gritei. – Precisamos de uma
Bíblia. Gênesis é o primeiro livro do Antigo
Testamento, onde é narrada a criação do mundo e da
humanidade! Precisamos achar o trecho a que Antônio
Joaquim se refere...
— É, Paulão! Você realmente presta atenção nas
aulas de Religião! – disse Renato.
Fiquei sem saber se este comentário de meu
amigo havia sido um elogio ou uma ironia. Afinal, sem
dúvida, ele sabia exatamente o que significa Gênesis.
Júlia levantou-se rapidamente e, sem perder
tempo, disse que iria ao andar inferior procurar por
uma Bíblia.
— Uma coisa me intriga, Paulo. Qual será o
objetivo do escritor em lançar esses enigmas?
— Você não lembra, Renato? Ele escreveu que
poderia nos dar bem mais que um simples abraço, se
soubermos decifrar seus códigos. – falei. Ele deve estar
nos levando a uma espécie de tesouro ou a alguma
preciosidade antiga, eu acho.
58
— Isso eu sei. O que me intriga é o porquê
disso. Por que ele simplesmente não informou em seu
livro onde está tal preciosidade? Pra que fazer esse
jogo todo? Não estou dizendo que não gosto desta
busca. Pelo contrário! Estou me divertindo muito,
achando tudo o máximo! Mas algum motivo deve
haver pra todo esse suspense...
— Vai ver ele fez isso só por diversão. –
respondi.
— Pode ser... – resmungou com a mão direita
apoiando o queixo. – Mas não estou convencido
disso...
Aqueles minutos de espera pareciam uma
eternidade. Esperávamos ansiosamente pela chegada
de Júlia para que, finalmente, desvendássemos mais
um enigma.
— Nossa! A Ju está demorando demais... – falei
distraidamente.
— Paulo, quero te fazer uma pergunta.
— Sobre o enigma?
— Não... Sobre você e a Júlia. Sei que vocês
sempre demonstraram um carinho muito grande um
pelo outro. Sei também que sempre afirmaram ser
muito amigos e eu nunca duvidei disso.
— Ahn? – resmunguei.
— Mas de uns tempos pra cá tenho notado uma
mudança nessa amizade. Tenho que confessar que
algumas vezes percebi uma troca de olhares entre
59
vocês que, ao que me parece, revela mais do que uma
simples amizade. Estou certo?
— Pois é, Renato. Não dá pra esconder nada de
você... – falei, rindo. – Porém, o interesse parte apenas
do seu amigo aqui! Por parte da Júlia, nada. Ela está
interessada em outra pessoa.
— Como é que você sabe? Ela contou quem é
ele? – indagou.
— Isso é uma longa história, cara...
— Bem... Já que a Júlia está demorando, acho
que temos tempo pra conversar. Vamos lá, conte-me.
Então relatei toda a história pra Renato. Desde
como percebi que estava apaixonado até minha suposta
descoberta de quem seria a paixão da Ju.
Assim como eu, meu amigo espantou-se com a
possibilidade do relacionamento entre Júlia e
Leonardo.
— Logo ele? Não é possível...
Contei também que eu acredito que ela não
saiba da minha paixão, nem percebe que estou
interessado. Renato disse que não acredita nisso, afinal
Júlia é muito esperta e percebe as coisas facilmente.
— Não sei... – falei. – Continuo achando que ela
nunca percebeu.
— Falando nela, você não acha que esta ida ao
andar de baixo esteja demorando mais do que o
normal? – advertiu-me.
Preocupado, levantei-me e desci a rampa que
leva ao setor de empréstimos. Nada. A Ju não estava
60
lá. Resolvi, então, descer mais um andar, ver se ela
estava na parte de estudos.
Assim que cheguei, levei um choque com a cena
que presenciei. Júlia estava na porta da Biblioteca,
divertidamente conversando... Logo com quem?
Leonardo!
Num acesso de fúria incontrolável, fui andando
em passos firmes até os dois e, de forma brutal,
ataquei:
— Qual é, Júlia? Estamos te esperando há um
bom tempo e você aí, de papo pro ar?
Percebendo minha irritação e, com certeza,
querendo que ela aumentasse ainda mais, Leonardo
alfinetou:
— Ih! O cara tá todo nervosinho, aí!
— Não se mete, cara. – retruquei rispidamente.
– Meu assunto não é contigo.
Espantada ao ver-me nervoso dessa maneira,
afinal eu sempre fui tranqüilo (até demais), Júlia pediu
para que eu me acalmasse e disse que, por acaso,
encontrara com Leonardo e esquecera do tempo.
— Legal! – exclamei ironicamente. – E eu e
Renato te esperando, como dois babacas! Pelo menos
achou a Bíblia?
— Pois é... Era exatamente isso que eu estava
perguntando ao Léo. Onde é que eu poderia encontrar
uma Bíblia aqui na Biblioteca.
Que intimidade era aquela? A Júlia chamando
aquele infeliz de Léo? Isso me deixou a ponto de
explodir.
61
Então, num ato estúpido e impensado, do qual
eu iria me arrepender amargamente mais tarde, falei:
— Só faltava essa, Júlia! Você contou sobre o
enigma do santo pra ele? Não combinamos que isso
ficaria em segredo?
Ela nem precisou responder. Só pela expressão
de raiva em seu rosto, percebi que eu havia falado
besteira.
— Enigma? Como assim? Agora estou
curioso... Me contem tudo!
— Esquece, Leonardo. Não é nada demais... –
tentei consertar a porcaria, pra não dizer outra palavra,
que eu havia feito.
Porém, não adiantou. Quando acabei de falar,
ele já se encaminhava para os andares de cima, pois eu
também havia dito que o Renato estava lá.
Lançando-me um olhar de extrema
desaprovação, Júlia passou por mim esbarrando com
força em meu ombro esquerdo pra continuar sua busca
por uma Bíblia.
Que burrada! Acabei fazendo com que
Leonardo, além de saber de nosso segredo,
possivelmente conseguisse uma “vaga” no
nosso grupo, pois agora ele também iria saber de toda a
história. Conseqüentemente, ele ficaria mais perto da
Ju.
Pra passar minha raiva e colocar a cabeça e os
pensamentos no lugar, saí da Biblioteca e fui até a
parte do Espaço Mascarenhas onde ficam algumas
lanchonetes e mercadinhos.
62
Sentei-me em uma das lanchonetes, pedi um
refrigerante e fiquei observando o movimento.
Ao terminar de tomar o refri, minha raiva havia
passado e, então, pude colocar os pensamentos no
lugar. Respirei fundo e percebi como eu havia sido
estúpido e grosso com Júlia. Confesso que não
arrependi nem um pouco por ter agido rispidamente
com Leonardo, afinal, seu jeito irônico vinha me
incomodando há algum tempo. Mas com a Ju... Ela não
merecia isso, mesmo que estivesse apaixonada pelo
cara, eu não tinha o direito de tratá-la daquela maneira.
Paguei ao atendente e resolvi procurá-la na
Biblioteca. Antes de entrar, vi Júlia conversando com
uma senhora. Então, fui até elas. Percebi que a senhora
saiu de perto da Ju, pedindo que a esperasse.
— Quem é ela? – perguntei.
— Uma funcionária do Espaço Mascarenhas.
Ela soube que eu estava procurando uma Bíblia e veio
se oferecer para nos emprestar uma que sempre carrega
em sua bolsa.
A senhora voltou, entregou a Bíblia pra Ju, que
agradeceu imensamente e disse que dentro de alguns
minutos a devolveria.
— Pronto. Consegui a Bíblia. Satisfeito? –
perguntou.
— Olha, Ju... Não sei o que deu em mim. Pensei
que você tivesse contado o segredo pro Leonardo e...
— Eu nunca faria isso. – interrompeu-me. –
Quem acabou fazendo isso foi você...
63
— Pois é... Que idiotice! Mas, olha, me
desculpe, tá? Fui um idiota, grosseiro. Eu não tinha o
direito de...
Nesse momento Júlia colocou seus dedos
levemente nos meus lábios. Senti meu coração disparar
e então, depois de alguns segundos, ela disse com uma
voz delicada:
— Ei! Tudo bem... Não precisa se explicar! – e
como se num estalo, tivesse acordado, falou com voz
alta: – Vamos logo! Temos que descobrir o que
Antônio Joaquim quer nos mostrar!
Então, mais do que depressa, fomos nos
encontrar com Renato no terceiro andar da Biblioteca.
Assim que o vimos, ele levantou as mãos ao céu
como quem dissesse: “Até que enfim...!”. Percebi que
Leonardo não estava lá e, antes que perguntasse sobre
ele, Renato questionou:
— O que vocês arrumaram? Como é que foram
contar o segredo pro Léo?
— É uma grande história... – falei rindo.
Para nossa sorte, Renato havia percebido que
apenas mencionamos “O enigma de Santo Antônio do
Paraibuna” para Leonardo e, assim, nos disse que nada
contou sobre “A Luneta de Ouro”, nem sobre o que
descobrimos no capítulo “Aqui!” do primeiro livro.
— O que você contou, então? – perguntou Júlia.
— Mostrei o código e a frase: “Vá até o Santo e
veja como ele...” Falei que o Santo estava na Catedral,
mas não contei nada sobre São Francisco, porém, tenho
64
certeza de que ele viu o crânio humano desenhado final
do capítulo.
— Você não devia ter revelado nada! – Ju
advertiu.
— Como? Era o único modo de fazer com que
ele fosse embora, ou pelo menos o que me veio
primeiro à cabeça. Fui pego desprevenido! Desse modo
fiz com que ele saísse daqui. Sem dúvida ele foi
correndo pra Catedral, mas sinceramente, duvido que
ele consiga descobrir o que nós descobrimos.
— Tomara que não! – exclamei.
As dúvidas que eu tinha sobre ser Leonardo a
paixão de Júlia aumentaram ainda mais. Na verdade,
tive quase certeza de que eles nunca tiveram um
romance. Afinal, ela havia ficado uma fera quando
bobeei e mencionei sobre o enigma perto dele.
Abrimos a Bíblia no livro Gênesis. Corremos os
olhos até o Versículo três do Capítulo um e lemos:
“Deus disse: ‘Que exista a luz!’. E a luz
começou a existir.”
— Caramba! Agora ficou difícil... O tio
Toninho apelou! – brinquei.
— Que tio Toninho? – perguntou Renato.
— Antônio Joaquim! – respondi.
Nós três demos uma gargalhada que fez com
que todos na sala fizessem: “Shhhhhh...”.
65
Envergonhados, tentamos ficar em silêncio, segurando
o riso, até que Júlia disse:
— Desta vez não tem nenhum desenho ao final
do capítulo?
— Bem lembrado, Ju. – respondeu Renato.
Abrimos o livro no final do capítulo “Aqui!” e
percebemos que sim, havia um desenho. Desta vez era
uma estrela de cinco pontas.
Tive a nítida sensação de já ter visto aquela
imagem. Em algum lugar eu havia me deparado com
ela. Não é qualquer tipo de estrela, esta tinha traços
que a deixavam meio tridimensional. Pensei por alguns
instantes, mas não consegui me lembrar.
Ficamos ali bastante tempo refletindo e num
determinado momento dei um suspiro longo...
Foi quando Júlia me pediu o celular emprestado
e, depois de alguns segundos, disse:
— Eu sabia! Olhem! As estrelas são idênticas.
Então nos mostrou a foto que eu havia tirado do
monumento encomendado por Francisco Mariano
Halfeld, em homenagem ao povo de Juiz de Fora,
datado de 1902. A estrela na parte superior do
monumento é realmente idêntica à desenhada por
Antônio Joaquim. Mas o que ele queria dizer com isso?
— Sem dúvida a estrela tem relação com a luz
citada na Bíblia. Só não estou entendendo qual o
sentido dessa relação... – disse Renato, pensativo.
Ficamos alguns minutos em silêncio, pensando
e tentando encontrar uma solução para este enigma.
— Este está difícil! – confessou Renato.
66
— Gente! – emendou Júlia. – Vocês se lembram
do que lemos no computador da casa do Renato? Se
não me engano, na parte em que o texto descreve um
trecho de um jornal antigo, falava-se alguma coisa
sobre um foco de luz elétrica.
— Isso! Boa, Ju! – exclamei. – É a estrela que
representa um foco de luz elétrica! Mas, e agora? Onde
procuramos pela próxima pista?
Depois de alguns instantes, Renato declarou:
— Meus amigos, podemos procurar em dois
lugares.
— Quais? – perguntamos juntos.
— Sem dúvida alguma, a luz elétrica remete ao
pioneirismo de nossa cidade em relação à energia.
Vocês sabiam que a primeira Usina Hidrelétrica da
América Latina foi construída aqui em Juiz de Fora?
— A Usina de Marmelos, não é? Meu pai
sempre contava essa história quando passávamos em
frente daquele lugar! – disse Júlia.
— Exatamente, Ju. Esse é um dos lugares em
que devemos procurar a próxima pista.
— E o outro? – perguntei.
— O outro fica no centro da cidade! Na Rua
Espírito Santo existe um castelinho que é o centro de
atendimento da Cemig. Aquele prédio foi construído
para ser a primeira sede da Companhia de Energia.
— Então é melhor irmos pra Espírito Santo. É
bem mais perto que a Usina, que fica na saída da
cidade. – falei.
67
— Então temos que correr, porque, se não me
engano, o Castelinho fecha às cinco horas e já são
quatro e meia. – lembrou Renato.
Devolvemos a “Luneta de Ouro” pra atendente,
sem esquecer de agradecê-la, e descemos até a saída do
Espaço Mascarenhas.
Assim que nos preparávamos para atravessar a
rua, um carro luxuoso preto parou na nossa frente. Da
porta de trás saíram Leonardo e dois alunos do Ensino
Médio: Pedro e Felipe.
— Onde está a Luneta de Ouro? Está com
vocês? – Leonardo perguntou.
— Que Luneta de Ouro? Do que você está
falando? – tentei ser convincente.
— Não se faça de desentendido, moleque.
Pensou que não iríamos descobrir o primeiro enigma?
– disse Pedro com uma voz ameaçadora. – Vamos,
falem! Não sairemos daqui até sabermos onde está a
luneta.
Olhando preocupadamente para o relógio,
Renato colocou a mão no queixo e, depois de alguns
segundos, para nosso espanto, declarou:
— A “Luneta de Ouro” é um livro. Na verdade,
ele não está com a gente, está no terceiro andar da
Biblioteca, Leonardo. Onde você me encontrou. Aliás,
não descobrimos nada de relevante nele.
— Duvido! – disse Leonardo que, logo depois,
ordenou de modo grosseiro a seu motorista que o
esperasse ali.
68
Agora foi a vez de Júlia ter um ataque de
nervos. Assim que os três foram em direção à
Biblioteca e sumirem de nossas vistas, falou:
— Por que você não vai com eles, Renato?
Afinal, parece que eles são seus amigunhos...
— Acalme-se, Ju. Eu apenas dei a eles o que
queriam, não o que precisam.
— Como assim? – perguntei.
— Meus caros, de que adiante ter a “Luneta”
sem ter o “Enigma”? Não há como decifrar a seqüência
de números sem o capítulo “Aqui” do “Enigma de
Santo Antônio do Paraibuna”... que, se não me engano,
está na sua bolsa, certo Paulo?
— Certo...
Mais aliviada, Ju falou:
— Ok... Tenho que admitir, foi muito bem
pensado, Renato... Mas e então? Vamos, gente...
Precisamos chegar ao Castelinho antes que ele feche.
69
13. O Castelinho
Enquanto caminhávamos em direção à Rua
Espírito Santo, eu ia pensando sobre o repentino
aparecimento de Leonardo e cheguei à conclusão de
que, sem dúvida, ele havia chamado Pedro e Felipe
porque não conseguiu decifrar os enigmas sozinho.
Além disso, seus dois comparsas são extremamente
inteligentes, e ambiciosos o suficiente para serem
“comprados”.
— Não podemos bobear... – falei. – Pedro e
Felipe são muito espertos...
— Relaxe, Paulo. – disse Júlia. - Sem o primeiro
livro eles não podem decifrar mais nada.
Mais do que depressa, abri minha mochila pra
me certificar de que o livro estava realmente lá. Ufa!
Para meu alívio eu não o havia esquecido na
Biblioteca. Assim, me senti menos culpado por ter
revelado o segredo para Leonardo.
Ao chegarmos no Castelinho da CEMIG, vimos
que havia uma placa muito parecida com a que fica na
entrada da Catedral, pregada na parede. Soubemos ali
que o Castelinho também é tombado pelo Patrimônio
Histórico pelo valor de sua arquitetura e por ser a
primeira sede da Companhia Mineira de Eletricidade.
Entramos e fomos direto ao atendente.
— Existe alguma biblioteca aqui? – perguntei.
— Biblioteca? - estranhou. - Não!
— Você sabe se encontramos algum registro
histórico, bem antigo, sobre o Castelinho ou sobre a
70
Companhia Mineira de Eletricidade? – indagou
Renato.
— Sim! Lá atrás existem algumas fotos antigas
e alguns documentos da época em que a Companhia
ainda existia.
— Podemos vê-los?
— Só um minuto, vou chamar meu chefe.
O responsável pelo Castelinho chegou e,
gentilmente, nos convidou a ver as fotos e os
documentos que ficam em uma sala afastada do salão
principal de atendimento.
Apesar de termos visto algumas fotos
interessantes, não encontramos nada relacionado ao
escritor Antônio Joaquim Torres de Carvalho.
— O senhor sabe onde podemos encontrar mais
informações sobre a energia de Juiz de Fora? – Júlia
perguntou.
— Bem... Hoje em dia existe o Museu de
Marmelos, que fica na antiga Usina. Lá vocês vão
encontrar muitos registros históricos sobre a chegada
da energia elétrica em nossa cidade.
— Muitíssimo obrigada! – Ju agradeceu com
um sorriso no rosto.
Saímos do Castelinho e não tivemos dúvidas.
Tínhamos que ir até o tal Museu. Enfiamos a mão no
bolso e juntamos uma quantia em dinheiro que dava
exatamente para ir e voltar de táxi até antiga Usina.
Quando estávamos procurando um táxi, Júlia
lembrou-se de que havia ficado com a Bíblia da
funcionária do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas
71
e, mesmo com nossos protestos, resolveu voltar até lá
para devolver o livro, afinal, ela havia prometido à
senhora.
Fomos andando o mais rápido possível. Ao
chegarmos na entrada do Centro Cultural Bernardo
Mascarenhas, que na verdade funcionou como uma
fábrica há tempos atrás, vimos que o carro de Leonardo
ainda estava lá parado, com o motorista, sonolento, à
espera dos três.
— Eles devem estar quebrando a cabeça! Nunca
irão descobrir onde devem ir! – diverti-me.
72
14. A Usina de Marmelos
Conversando animadamente após Ju ter
devolvido a Bíblia à sua dona, fomos até ao ponto de
táxi mais próximo, felizes com a possibilidade de
desvendarmos mais um enigma.
Assim que entramos no carro, Renato deu a
orientação ao taxista e nos perguntou:
— Algum de vocês já foi até o Museu de
Marmelos? Confesso que nunca fui até lá.
— Apesar de ter passado muitas vezes na frente
de carro com meu pai, nunca entrei na Usina. –
declarou Júlia.
— Nem eu... – completei.
Aquilo nos deixou mais ansiosos ainda, pois
seria uma novidade para nós três.
Assim que chegamos ao nosso destino, saímos
do carro e, com uma cara de desconfiada, Júlia disse:
— Estranho... Durante todo o trajeto tive a
nítida sensação de que estávamos sendo seguidos.
Olhamos à nossa volta e, como não vimos
ninguém, comentei:
— É impressão sua, Ju.
— Sei não... – respondeu, ainda com um ar de
desconfiança. – Meu sexto sentido feminino nunca
falha...
Sem perder a oportunidade de brincar com
Renato e para descontrair um pouco o ambiente,
emendei, num tom de brincadeira:
73
— O seu já falhou, Renato?
— Engraçadinho... – respondeu.
Descemos as escadas para chegar até ao Museu,
que fica em uma casa muito antiga com a fachada feita
de tijolos e grandes janelas pintadas de vermelho.
Envolta por uma grande área verde, com bastante
mato, atrás da casa avistamos uma cachoeira.
Na porta havia um homem que aparentava ter
uns quarenta anos de idade, barba bem feita e de
cabelos prateados. Era um funcionário do Museu. Ao
nos ver, perguntou se estávamos fazendo alguma
pesquisa para a escola, afinal, ainda estávamos de
uniforme. “Sim!”, respondemos e então ele nos
convidou a entrar.
— Quase que vocês não chegam a tempo! Eu já
ia fechar o museu, o movimento geralmente é fraco.
Meu nome é Antônio, se precisarem de mim, podem
me chamar!
— Obrigado! – respondemos meio que
assustados com tantas coincidências em relação ao
nome Antônio.
A primeira coisa que vimos foi a unidade
geradora de energia da antiga Usina que, aliás,
soubemos que também era chamada de Usina Zero. A
unidade é uma máquina imensa e muito bem
conservada, se levarmos em conta que tem mais de
cem anos.
Em uma parede vimos um mapa e Renato
chamou nossa atenção para o nome da Rodovia onde
fica a Usina: “Estrada União e Indústria”.
74
— Esta estrada – explicou – foi construída após
vários anos de arrecadação de verbas. A iniciativa foi
tomada por Mariano Procópio.
— O mesmo do Museu Mariano Procópio? –
indagou Júlia.
— Isso! Na verdade, o museu era uma chácara
de Mariano Procópio que ficava à disposição da
Família Imperial. Dom Pedro II se instalou lá várias
vezes, inclusive na inauguração da Estrada União e
Indústria.
Em seguida, pedimos ao senhor Antônio que
nos mostrasse algumas fotos e documentos da época.
— Vejam esta foto! – mostrou-nos
entusiasmado, apontando o dedo indicador para o
homem que está no centro da fotografia. – Este é
Bernardo Mascarenhas, o idealizador e fundador desta
Usina.
— E quem são os outros? – perguntei.
— São personalidades da época, pessoas
importantes que vieram presenciar a inauguração da
primeira Usina Hidrelétrica da América Latina. Na
verdade, a cidade toda estava em festa, pois a energia
não foi usada apenas em fábricas, serviu também para
a iluminação das ruas na área urbana de Juiz de Fora.
Enquanto ele falava, percebi que Júlia olhava
atentamente para a foto e, em seguida, para o senhor
Antônio. Fez isso, discretamente, algumas vezes e, por
fim, sussurrou em meu ouvido:
— Você não acha que aquele último homem à
direita, na foto, se parece muito com ele? – levantou a
75
cabeça em direção ao guia do museu enquanto ele
continuava a falar com Renato.
Observei e também percebi a semelhança. Era
um homem forte, de terno e com um bigode bem
cuidado. Apesar de possuir ombros largos, tinha um ar
intelectual e, pela sua posição (tinha uma mão por cima
da outra, em frente ao corpo), parecia ter muita classe.
Sem conseguir prestar atenção em mais nada do
que ele falava, resolvi interrompê-lo:
— Senhor Antônio, desculpe-me a
curiosidade, mas não conseguimos deixar de perceber
que o senhor se parece muito com aquele homem da
foto.
— Olhem só! Vocês perceberam? Ninguém
nunca me perguntou sobre isso! Aquele é meu bisavô!
— Sério? – perguntou Renato. – Que
interessante!
— Ele estava ali representando o chefe dele que
não pôde ir na inauguração. Ele era uma espécie de
secretário particular, o que hoje chamamos de assessor
de um dos filhos de Henrique Halfeld, o Coronel
Francisco Mariano Halfeld.
Olhamo-nos assustados. Não podia ser possível!
“Será que estamos na frente do bisneto de Antônio
Joaquim?”, pensei.
— Seu nome não seria Antônio em homenagem
ao seu bisavô, seria? – perguntou Renato.
— Sim! É uma tradição de família. Meu pai
também se chama Antônio e meu avô também. Mas
76
por que você está me perguntando isso? Vocês já
ouviram falar do meu bisavô?
— Creio que sim! – Renato respondeu. – Se ele
se chamava Antônio Joaquim Torres de Carvalho...
— Ele mesmo! – respondeu com os olhos cheios
d’água. – Onde vocês souberam algo sobre ele?
Sem nem discutir se devíamos ou não contá-lo
toda a verdade, afinal ele era bisneto do nosso
enigmático escritor, relatamos tudo o que havíamos
descoberto, todas as pistas e tudo o que já sabíamos,
parte por parte.
— Não é possível! – disse Antônio, assustado. –
Como é que pode? Eu ouvia de meu pai que ele
gostava muito de escrever, mas nunca soubemos desses
livros. Vocês devem estar brincando comigo!
Assim que ele acabou de falar, tirei da mochila
o livro de seu bisavô e ele, emocionado, assentou-se
em uma cadeira e folheou as páginas chorando como
uma criança. Então disse:
— Garotos! Vocês devem estar se empenhando
muito para descobrir esses enigmas. Em nome de meu
bisavô e minha família, devo agradecer-lhes
imensamente! E peço uma coisa a vocês: quando
chegarem ao fim de tudo e forem contar pra alguém o
que viveram, não se esqueçam de citar o nome de meu
bisavô...
— Pode deixar! – falei. – Na verdade, nos
sentimos muito próximos a ele. Afinal, como já
havíamos comentado entre nós, estamos vivendo em
função de suas instruções.
77
— Por falar nisso, – emendou Renato. – o
senhor não sabe onde pode estar a próxima pista?
Antônio pensou por um instante e, com os olhos
brilhando, falou:
— Gente! Agora eu sei pra que servem aqueles
números! Venham comigo!
Então, levou-nos até uma antiga escrivaninha,
abriu uma gaveta e nos mostrou um papel muito
antigo, amarelado pelo tempo, guardado dentro de um
plástico transparente.
— Quando comecei a trabalhar aqui, – contou-
nos. – havia alguns papéis e documentos que fazem
parte da história da Usina que não estavam
devidamente expostos nem catalogados. Sem muito o
que fazer e pra saber mais sobre o meu local de
trabalho, comecei a lê-los, um por um. Para minha
surpresa e alegria, achei este, assinado pelo meu
bisavô. É uma carta escrita por ele, felicitando o Dr.
Azarias de Andrade pela brilhante iniciativa de
continuar os projetos deixados por Bernardo
Mascarenhas depois de sua morte.
— Deve ser isso! E os números? Você falou
sobre alguns números... – perguntei.
— Pois é! Até hoje, nunca tinha entendido essa
seqüência de números. Acho que o Dr. Azarias de
Andrade deve ter achado meu avô meio maluco, afinal
ele também não deve ter entendido nada!
Quando ele nos entregou a carta, lemos o
seguinte:
78
“ Ao ilustríssimo Sr. Dr. Azarias de Andrade,
Sabendo do esforço indizível que, juntamente
com o espírito inovador e caráter de homem pioneiro,
levou teu sogro à idealização (um tanto quanto utópica
para alguns incrédulos) e conseqüente construção da
primeira Usina Hidrelétrica da América Latina, venho
por esta dar-te minhas humildes, porém sinceras,
congratulações pela continuação, liderada pelo
senhor, do projeto iniciado pelo falecido Sr. Bernardo
Mascarenhas.
Entre tantos nomes de respeito, nomes de
grandes homens que fizeram com que Juiz de Fora
fosse chamada de Princesa de Minas e até mesmo de
Manchester Mineira aludindo à famosa e empresarial
cidade inglesa, nomes como Henrique Halfeld,
Mariano Procópio, Baptista de Oliveira, Bernardo
Mascarenhas, Francisco Mariano Halfeld, entre
muitos outros, inclui-se agora mais um: Azarias de
Andrade(...)”
Peguei minha câmera digital e fotografei
aqueles escritos. A carta continuava exaltando os
projetos realizados na Companhia. No final, como
havia dito o bisneto de Antônio Joaquim, estava uma
seqüência de números e, embaixo da seqüência, havia
uma estrela de oito pontas ou talvez fosse uma rosa-
dos-ventos. Já acostumados com o código, rapidamente
concluímos que a mensagem era:
79
"Santo Antônio, em nome de Cristo Redentor,
norteai-nos"
Obviamente a mensagem se referia à Imagem do
Cristo Redentor que fica no alto do Morro do
Imperador.
— Óbvio! — exclamou Renato. — A estátua do
Cristo representa mais um ato de pioneirismo de Juiz
de Fora!
— Como assim? — perguntei.
— Você não sabe, Paulo? A construção, erguida
no Morro do Imperador, foi a primeira imagem do
Cristo Redentor no Brasil! - declarou Renato.
— Não! - Júlia exclamou. - O Cristo do Rio de
Janeiro é mais antigo...
Antônio ergueu o dedo indicador e disse:
— Negativo! O Cristo do Rio de Janeiro teve
sua inauguração somente em 1931, enquanto o nosso
foi inaugurado bem antes, em 1906.
— Uau! - exclamei. - Juiz de Fora não foi
apenas a primeira a ter eletricidade... Nossa cidade é
mais importante do que eu pensava!
— Precisamos ir até o Cristo! - disse Ju.
— Não os aconselho a ir até lá agora, garotos. -
Antônio advertiu. - Já passam das dezoito horas, já
anoiteceu. Não é seguro ficas naquelas proximidades à
noite. É melhor irem amanhã...
— Muito bem! - falei. - Então está marcado!
Amanhã, depois da aula, iremos diretamente ao Cristo.
80
Agradecemos imensamente a Antônio e
prometemos que tudo o que acontecesse a partir de
agora, seria relatado a ele.
Logo depois, fomos caminhando até a saída do
Museu e subimos em direção à Estrada União
Indústria. Antes, porém, eu já havia pedido, por
telefone, que um táxi fosse nos buscar.
Enquanto estávamos esperando, para nossa
surpresa e confirmação da suspeita de Ju de que
estávamos sendo seguidos, Leonardo e seus dois “fiéis
escudeiros” nos abordaram.
— E aí, moçada? Vocês vão nos dizer a próxima
pista na boa ou teremos que arrancar a informação a
força?
— Que pista, Leonardo? - tentei inultimente
disfarçar. - Não encontramos nada. Estávamos
enganados em relação à Usina... Não há nada aqui.
Então, sem pensar, coloquei minha câmera
digital, que estava pendurada na minha mão direita,
dentro da mochila. Obviamente eles perceberam e
deduziram que a pista estava na máquina.
Antes que eu pudesse pensar em fazer algo,
Felipe já havia me segurado e Pedro, rapidamente, me
tomou a mochila. Pegaram minha câmera e jogaram a
mochila no meio do mato.
Ainda tentei reagir, mas em um segundo eles já
haviam entrado no carro de Leonardo e partido.
— Idiotas! - gritou Júlia, visivelmente
transtornada.
81
Ganhei alguns arranhões quando recuperei
minha mochila e, com uma raiva enorme, preferi ficar
em silêncio até a chegada do táxi
82
15. O Cristo Redentor
Cheguei em casa exausto. Meus pais estavam
preocupadíssimos por causa do meu sumiço. Sem
conseguir sequer expressar-me devido ao cansaço,
contei rapidamente que eu e meus amigos fomos fazer
uma pesquisa sobre a História de Juiz de Fora. Tomei
um banho e fui descansar, estirado em minha cama.
Nem preciso dizer que não consegui dormir
direito. Apesar do enorme cansaço, minha mente não
parava um instante de pensar em tudo o que havia
ocorrido. Parecia que um filme estava passando na
minha cabeça. Desde minha primeira ida à Biblioteca
Murilo Mendes quando, sem querer, achei o livro “O
Enigma de Santo Antônio do Paraibuna” até o roubo
da minha câmera digital. Todas essas imagens iam e
vinham sem parar.
Levantei-me e fui até a cozinha fazer um lanche.
Então, nesse momento meu celular tocou e, ao pegá-lo,
vi que era Renato quem me ligava.
— Fala, Renato! - atendi.
— Como é que você está, Paulo? Ainda
chateado com a perda da câmera? - perguntou-me.
— Perda não, né... Roubo! - falei de maneira
irritada.
— Pois é, mas amanhã damos um jeito nisso,
fica tranqüilo. Depois ligue seu computador. Mandei
um e-mail pra você.
— Sobre o quê?
83
— É um arquivo sobre o Morro do Imperador.
Achei no pc da minha mãe. É um artigo que ela
escreveu há vários anos quando fazia pós-graduação na
UFJF.
— Legal! Isso pode nos ajudar amanhã! -
exclamei.
— Mas, e aí? Mudando de assunto... Está
convencido agora de que o “L” do coração de Júlia não
é de Leonardo?
— Bem... Se realmente for, acho que ela já deve
ter desistido dele. Afinal ele provou ser um imbecil! -
repondi.
— É verdade! Mas o “L” não é do nome dele.
— Como é que você pode ter tanta certeza? -
estranhei.
— Acho que eu descobri de quem é a letra
“L”... - falou com um ar de suspense.
— Sério? Quem é? Me conta!
— Isso eu não vou te contar... Esse é mais um
enigma que você vai ter que decifrar. Só que dessa vez,
sem a minha ajuda! - declarou num tom de quem está
sorrindo.
— Fala sério, Renato! Conta aí... - pedi
impaciente.
— Não, Paulo... Você vai acabar descobrindo
por si só! Tenha paciência!
Fiquei chateado por causa do suspense que
Renato inventou de fazer. Então despedimo-nos e fui
direto ao meu computador conferir o e-mail que meu
amigo me mandara.
84
O artigo escrito pela mãe de Renato era enorme
e bastante completo. Com ânsia de saber tudo sobre o
Morro do Imperador, li o texto inteiro. Uma das coisas
mais interessantes que encontrei foi uma história sobre
Dom Pedro II e Henrique Halfeld. Diz-se que quando
os dois estavam no alto do Morro do Imperador (que
tem esse nome justamente em homenagem a Dom
Pedro II), Halfeld apontou em direção ao atual
Calçadão e disse-lhe que aquela rua teria o nome de
Vossa Majestade. “Fico lisonjeado!” - declarou o
Imperador. - Mas a partir de agora essa rua chamar-se-
á Halfeld! Rua Halfeld!” Naquela época ainda não
existia o monumento com a imagem de Cristo
Redentor, só havia uma grande cruz de madeira.
As obras da imagem começaram em 1905. O
idealizador foi Baptista de Oliveira, um grande
benfeitor de Juiz de Fora e a construção ficou a cargo
de uma importante indústria da época, a Pantaleone
Arcuri & Spinelli. Baptista de Oliveira contou com o
apoio de alguns nomes importantes da cidade na época,
como por exemplo Francisco Mariano Halfeld.
Dormi com todas aquelas imagens dos
acontecimentos anteriores na minha cabeça. Acho que,
por isso, sonhei que eu e Júlia estávamos com umas
roupas do início do século XX e ela corria atrás de
mim, gritando desesperadamente, mas eu não me
virava e não a atendia, pois ao gritar ela dizia:
— Lucas! Lucas, olha pra mim!
85
Na verdade eu percebia que era a voz de Júlia,
mas enquanto ela corria, eu pensava: “como não me
chamo Lucas, vou deixá-la gritando...”
Acordei mais cedo do que o habitual. Afinal,
estava ansioso com o dia que iria ter. “Primeiro tenho
que dar um jeito de recuperar minha câmera digital.
Além disso, tenho que pensar em um jeito de confundir
a cabeça de Leonardo, pois a essa altura ele já deve ter
desvendado o enigma pela foto. Aliás, não ele, mas
Felipe e Pedro é que devem ter decifrado o código” -
pensei.
Antes de sair de casa para ir à aula, uma outra
preocupação me veio à cabeça, por isso resolvi ligar
para Júlia:
— Oi, Ju! Te acordei?
— Não! Eu estava me vestindo para ir à aula.
Acordei muito cedo. Acho que é a ansiedade pelo dia
que teremos!
— Pois é! Eu também não dormi muito bem.
Tive um sonho estranho com nós dois. - revelei.
— Jura? O que você sonhou? - indagou.
— Nada de muito importante. Liguei porque eu
estava aqui pensando: e se o Leonardo resolver faltar
aula e for na nossa frente até o Cristo? Você pensou
nisso?
— Pensei! Mas não se esqueça de que hoje tem
teste de Matemática e o professor não dá segunda
chamada de jeito algum. - falou.
— Caramba! O teste de Matemática... Esqueci
completamente... Nem estudei!
86
— Calma, Paulo. Pelo menos o teste não vai
deixar com que Leonardo chegue na nossa frente. Por
falar nisso, vê se consegue dinheiro aí, porque teremos
que ir de táxi até o Morro do Imperador.
— Vou pedir ao meu pai. Beijo pra você. Nos
vemos daqui a pouco. - despedi-me.
— Beijinho!
Antes de sair, fui até o quarto dos meus pais,
que estavam se arrumando para ir trabalhar.
— Paizão! Descola uma grana pra mim? - pedi.
— Pra que?
— Preciso ir até o Cristo depois da aula. É parte
da pesquisa que eu, Ju e Renato estamos fazendo. Se
der tudo certo eu conto em detalhes pra você.
— Tudo bem... Toma aqui. Mas olha, cuidado
quando estiver lá, hein! - aconselhou-me.
— Pode deixar! Valeu, pai...
— Falou, Paulito!
Assim que cheguei em sala de aula, a primeira
coisa que fiz foi procurar por Leonardo. Nunca pensei
que ia dizer isso, mas adorei vê-lo ali. Senti um grande
alívio.
Recuperar minha câmera foi mais fácil do que
eu pensei. Quando todos saíram para o intervalo, fiquei
em sala. Abri a mochila de Leonardo (sem sentir culpa
alguma, afinal só estava tomando o que era meu) e para
minha alegria lá estava minha máquina.
Como eu já esperava, não me dei muito bem no
teste de Matemática. Fiz o que eu sabia e, com um
87
pouco de sorte, pode ser que eu consiga pelo menos a
média.
Quando finalmente o sinal que indica o fim da
aula bateu, mais do que depressa nos reunimos e
entramos no primeiro táxi que passou.
A subida até a Imagem do Cristo Redentor é
bem acentuada e o carro ia bem devagar. Porém,
tivemos a sensação de que estávamos na frente do
grupo do Leonardo, o que confirmamos assim que
chegamos.
A primeira coisa que fizemos após pagar ao
taxista foi ir até o mirante. Encostamos na grade e
ficamos observando aquela paisagem. A visão da
cidade é espetacular, tão espetacular que ficamos
distraídos tentando encontrar nossos prédios. Vendo
também os lugares que conseguíamos distinguir, o que
mais me chamou a atenção foi a vista da Academia de
Comércio.
— Sabiam que, além da imagem do Cristo
Redentor, também foi Baptista de Oliveira o
responsável pela construção da Academia? - Renato
nos revelou.
— Então ele realmente merece ter o seu nome
em uma rua tão importante como aquela. - falei.
Renato nos olhou e disse:
— Ele era considerado o comerciante de mais
prestígio no Estado de Minas Gerais. Foi por isso que
colocaram o nome dele na antiga Rua do Comércio.
Continuando nossa “expedição” ao Morro do
Imperador que, popularmente, é chamado de Morro do
88
Cristo, ficamos impressionados com a quantidade de
torres de rádio e televisão que invadiram o espaço.
Júlia disse que, apesar de poluir a visão do
lugar, ali, como é um dos pontos mais altos da cidade e
seu acesso é relativamente fácil, deveria ser uma das
melhores áreas para se instalar as torres.
— Mas não deixa de ficar estranho! - afirmei.
Caminhamos até o Cristo e vimos sua imagem
que fica a 25 metros do chão. Jesus tem o braço direito
erguido e ao seu lado esquerdo existe uma cruz. A base
que sustenta a imagem é, na verdade, uma pequena
capela. Subimos os degraus da escada que nos leva até
a porta e entramos.
Lá dentro há um pequeno altar com uma cruz de
madeira e algumas imagens de santos, incluindo Nossa
Senhora Aparecida em cima de um oratório e, dentro
dele, uma pequena imagem de Santo Antônio.
— Olha aí o Santo Antônio de novo! Não
acham que isso deve ser um sinal? Júlia perguntou.
Renato e eu concordamos, balançando a cabeça,
mas, na verdade, não fazíamos idéia de onde encontrar
o que Antônio Joaquim nos indicava. Não sabíamos
nem se estava dentro ou fora da capela, no Mirante ou
até mesmo na Imagem do Cristo.
Sem saber o que fazer, Ju e Renato saíram e
ficaram conversando. Também sem saber o que fazer
dali pra frente, ajoelhei-me em frente ao pequeno
oratório e resolvi fazer uma oração. Assim que acabei
de dizer: “Santo Antônio, em nome de Cristo Redentor,
norteai-nos!”, vi que o chão da capela é feito com
89
vários pisos quadrados que se parecem com azulejos e,
juntos, formam alguns desenhos. Formam, para meu
êxtase, várias rosas-dos-ventos ou estrelas de oito
pontas.
— Gente! Venham aqui! Vejam! - gritei
apontando para o chão.
— Só pode ser aqui! - disse Júlia.
Antes de entrar novamente na capela, Renato
ficou olhando fixamente para um ponto, onde, do lugar
em que eu estava, não consegui identificar.
— Saiam daí... Rápido! - exaltou-se.
— Como assim, Renato? Você não viu o que o
Paulo acabou de achar?
— Saiam! - gritou. - Depois eu explico...
Fizemos o que ele pediu e então ele nos
empurrou para trás do monumento. Ali, nos sussurou:
— Olhem pra lá, mas não se deixem ver. O
grupo do Leonardo está ali no mirante. Tirei vocês de
dentro da capela porque se eles nos vissem lá,
desconfiariam de que achamos outra pista.
— Então, o que fazemos? - perguntou Júlia,
preocupada.
— Vamos esperar e torcer para que eles não
entrem lá ou não vejam o detalhe no chão. - falei.
Ficamos ali uns dez minutos e, para nossa
agonia, os três entraram na capela. Devem ter ficado ali
por uns cinco minutos e, pelo que pude escutar, eles
não encontraram nada, nem perceberam o desenho no
chão.
90
Aliviados, esperamos que eles sumissem de
nossas vistas para que pudéssemos novamente entrar
na capela.
Quase totalmente desanimados, nos sentamos do
lado de fora, na escadaria, para refletir um pouco.
Resolvi abrir minha mochila pra pegar o antigo
livro de Antônio Joaquim e folheá-lo... Foi quando
Júlia viu minha câmera digital e perguntou:
— Conseguiu a máquina de volta? Ainda bem!
— Pois é! - respondi.
Resolvi ligá-la pra ver se Leonardo havia
apagado alguma foto, mas todas estavam lá. Quando
olhei a última fotografia, a da carta de Antônio
Joaquim, dei um salto:
— Está óbvio! Vejam! Antônio Joaquim disse:
“Santo Antônio, em nome de Cristo Redentor, norteai-
nos!”
— É! - disse Júlia – Mas qual a novidade?
— O desenho! Antônio Joaquim disse “norteai-
nos” e o desenho é de uma rosa-dos-ventos. Devemos
procurar o Norte!
— Brilhante, Paulo! - elogiou-me Renato.
Mais do que depressa entramos novamente na
capela, mas logo Júlia lembrou:
— Pra onde fica o Norte? Alguém tem uma
bússola?
Não. Nós não tínhamos uma bússola. Porém,
depois de alguns instantes Renato declarou:
— Talvez o norte seja Santo Antônio que fica
aqui, dentro da capela do Cristo Redentor! Pode ser!
91
Olhamos para a pequena imagem que deve ter
uns vinte centímetros de altura. Chegamos perto e
Júlia, imediatamente, segurou-a. Analisou, girou,
observou a imagem, mas não encontrou nada de
diferente. Pedi para segurá-la, mas também não
encontrei nada. Porém, assim que fui entregá-la a
Renato, deixa-a escorregar das mãos.
— Caramba, Paulo! Quebrou! - disse Renato ao
ver a imagem de um lado e, de outro, a base que
sustentava Santo Antônio.
Envergonhado com meu ato desastrado, fiquei
ali paralisado, sem conseguir falar nem fazer coisa
alguma.
— Não! Vejam! - gritou Júlia. - A imagem não
quebrou! A base apenas se desencaixou do santo!
Abismado, agachei-me e peguei as duas partes
da imagem. Realmente ela não havia se quebrado.
Olhamos para dentro da imagem de Santo Antônio e,
para nossa surpresa, encontramos um papel enrolado,
bem velho e amarelado.
— A pista! - exaltei-me. - Até que ser
desastrado não é tão ruim assim!
Abrimos, ansiosamente, o papel e lemos, numa
letra minúscula, mas que sem dúvida era de Antônio
Joaquim:
“Caro amigo,
teu espírito aventureiro te trouxe até aqui, ao
Primeiro Cristo Redentor do Brasil e última estação
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O enigma de Santo Antônio do Paraibuna

  • 1. 1
  • 2. 2 O Enigma de Santo Antônio do Paraibuna Pablo Itaboray
  • 4. 4 “Das cidades brasileiras, És a mais industrial, Na cultura e no trabalho, Não receia outra rival.
  • 5. 5 Prefácio do autor Apesar de ter nascido em Divinópolis, tenho a alma e o coração juizforanos. Afinal, dos meus vinte e oito anos de vida, quase vinte e seis foram vividos na Manchester Mineira. Além disso, tenho pai e mãe juizforanos e toda a minha família (paterna e materna) tem como terra esta cidade que aprendi a amar desde criança, Sinto orgulho por saber cantar o hino de Juiz de Fora desde os sete anos de idade, pois minha mãe, então minha professora de música no Colégio Nossa Senhora do Carmo, fazia e faz questão de que todos os seus alunos saibam cantar o hino de nossa cidade de cor. Como marcas da minha infância, tenho a pracinha do Cruzeiro, as ruas do bairro Alto dos Passos e os feriados em Monte Verde. Já na adolescência o bairro Cascatinha gravou-se na memória. Resolvi escrever este livro a partir de Junho de 2007, almejando vôos pequenos, mas considerados enormes por mim. Sem demagogia, o objetivo maior desta obra é agradar a alunos (inclusive os meus!) que cursam a sétima e oitava séries do Ensino Fundamental. E, para ser mais utópico, agradar à maioria das pessoas que o tiverem às mãos. Ao longo de meus anos como professor, percebi a falta de conhecimento por parte de vários alunos em relação à história de Juiz de Fora. Percebi que mesmo que passem quase todo dia pelo Parque Halfeld,
  • 6. 6 Castelinho da CEMIG ou Catedral, eles não sabem o valor histórico e cultural de tais patrimônios. Assim, resolvi escrever uma narrativa que fosse divertida o bastante para que conseguisse prender a atenção desses alunos, e, que ao mesmo tempo, desse várias informações históricas e fizesse com que a curiosidade sobre assuntos de nossa cidade fosse despertada. Aos ferrenhos críticos historiadores, deixo claro que todas as informações foram retiradas de livros, jornais e artigos pesquisados pelo autor e, sabendo que alguns fatos sobre a cidade têm mais de uma versão, lembrem-se de que este é um livro de ficção e, por isso, foi escolhida aquela que mais funcionasse de acordo com o enredo. Aproveito para agradecer a todos aqueles que apoiaram e acreditaram neste projeto, incluindo aí minha família, amigos e colegas de trabalho. Vocês foram os responsáveis pela realização do livro que, como muitos sabem, é a realização de um sonho antigo. O autor.
  • 7. 7 1. Imperativo X Superlativo Por mais que eu tentasse prestar atenção naquela maldita aula de Português, por mais que eu soubesse que se eu não aprendesse a formação do Imperativo hoje, véspera de prova, eu ia-me “ferrar” no bimestre, eu não conseguia desviar os olhos da Ju. O pior é que eu sei que nunca passou pela cabeça dela que eu pudesse estar apaixonado. “ Assim, devemos retirar o s das...” - continuava a explicação... Que raiva! O professor ali, falando sem parar, mesmo que a imagem mais linda possível estivesse presente naquela mesma sala. E o Imperativo teimava em reinar no ambiente e, mesmo não conseguindo, tentava chamar mais minha atenção do que aqueles olhos, belíssimos, de cores perfeitas, combinando perfeitamente com o castanho-claro de seus cabelos levemente ondulados. Júlia tem a mesma idade que eu. Ambos estamos na sétima série e estudamos na mesma sala desde a quarta. Quando nos conhecemos, a idéia que tivemos um do outro não foi positiva. Eu a achei meio metida e muito dona de si, por isso, de início não fui muito com a cara dela. Ela, semanas depois de ter me conhecido, confessou que me achou com cara de nerd. Fala sério! De nerd eu não tenho nada! Nunca fui daqueles caras que ficam o tempo todo em cima dos livros e que não sabem absolutamente nada de futebol.
  • 8. 8 Pelo contrário! Sou especialista na arte da bola nos pés! Na verdade, sempre me dei bem na escola. Passei alguns apertos, mas nada preocupante. Minha tática é a seguinte: presto muita atenção às aulas e procuro não ficar com dúvidas. Em casa, faço minhas tarefas e dou uma revisada na matéria do dia. Assim tenho todo o resto do tempo só pra mim. Hoje está tudo diferente. Não consigo prestar atenção em nada, só nos movimentos da Ju, nos seus olhos, nas pequenas mordidas que ela dá nos lábios, nos pêlos claríssimos e finos do seu braço... De repente veio o silêncio. O professor se sentou e percebi que, ao invés de regras, no quadro estavam escritos os números das páginas e os exercícios que devem ser feitos. Percebi também que a Ju não estava fazendo as tarefas. Ela lia um livro que estava no seu colo, para que o professor não visse. Penso logo em saber o título do livro, porque quero saber o que a interessa. Fim da aula. Como quem não quer nada, cheguei perto dela e comentei com ar de brincadeira:  Ah, dona Júlia! Ao invés de fazer os exercícios, fica lendo, né?  Oi, Paulo! Eu não consigo desgrudar deste livro! Além do mais, já sei a formação do Imperativo de cor e salteado! Tendo um “estalo” repentino, percebi uma oportunidade de me encontrar mais tarde com a Ju:
  • 9. 9  Então, bem que você poderia me dar uma ajuda, hein? Não sei nada sobre essa matéria. Não consegui prestar nem um minuto de atenção na aula...  Ué! Você, que sempre fica ligado o tempo todo na aula, não conseguiu? O que aconteceu?  Sei lá! Ando meio distraído ultimamente. E sem esquecer do objetivo da minha conversa, emendei:  Mas diz aí! Que livro você está lendo?  O assassinato de Roger Ackroyd, da Agatha Christie. Conhece?  Não, mas já que é bom, vou procurar. Vamos marcar pra estudar na Biblioteca Murilo Mendes?  Ok! Hoje às três da tarde. Pode ser? – perguntou Júlia com uma voz doce.  Ótimo! – respondi radiante por ter conseguido mais um tempo para ficar ao lado dela.
  • 10. 10 2. Quem Disse Que Homem Não Chora? Quando Einstein disse que o tempo é relativo, com certeza estava esperando as horas passarem pra poder ir a um encontro. É impressionante como os minutos demoram a passar quando vou encontrar com a Júlia. O pior é que eu sei que, quando estou ao lado dela, as horas voam! Definitivamente, Einstein estava certo: o tempo é relativo! Como moro no bairro Cascatinha, um pouco afastado do centro de Juiz de Fora, tive que pegar o ônibus de duas e meia da tarde, para não perder a hora. Peguei minha mochila, meu MP3, meu celular e fui correndo pro ponto. A ânsia em encontrar a Ju era enorme! Naquele tempo de espera fiquei me perguntando se eu deveria ou não contar que estou gostando dela. Achei melhor ficar na minha, pois achei que ela iria se assustar. Afinal, somos muito próximos, mas, como já disse, ela nunca deve ter pensado em ter algo comigo, além da nossa amizade, claro! Desci do ônibus na Avenida Rio Branco, próximo ao calçadão da Rua Halfeld, pra comprar uma doce que a Júlia adora. Fui caminhando até a Biblioteca Municipal Murilo Mendes, que fica dentro do Espaço Cultural Bernardo Mascarenhas. Ao chegar, corri meus olhos pelos corredores da biblioteca a procura de Júlia. Olhei também para o espaço reservado aos leitores (estavam todos em
  • 11. 11 silêncio e, por isso, não ousei gritar o nome da Ju). Nada. Não a encontrei. Resolvi, então, subir do térreo para o primeiro andar, na parte de empréstimos e perguntar à atendente onde fica a seção de mistério.  Siga direto por esse corredor, os livros de suspense estão lá no fim. Deparei-me com várias estantes, com os mais variados títulos de mistério. Para minha surpresa, percebi que a grande maioria dos livros são de autores estrangeiros. Nomes como Edgar Allan Poe, Agatha Christie e Sir Arthur Conan Doyle (que escreveu livros sobre Sherlock Holmes) são os que eu mais vejo. Interessei-me justamente por um livro de capa alaranjada e ao pegá-lo para ver o título, li: O assassinato de Roger Ackroyd. “Que coincidência!” – penso. “É exatamente o livro que eu procurava”. Ao abri-lo, sem querer, deixo-o escorregar entre meus dedos e, ao cair, ele bate na ponta do meu tênis e vai parar embaixo da estante. “Não acredito... Que azar...” Na mesma hora, por causa do barulho que o Sr. Roger Ackroyd resolveu fazer ao cair no chão, dois leitores fizeram: “Shhhh!”. Preocupado, estiquei o pescoço para ver por cima dos livros se a bibliotecária tinha visto o pequeno acidente que eu havia provocado. Por sorte, ela estava entretida na leitura de um calhamaço (nunca me esqueci dessa palavra que meu falecido avô usava para designar os grossos livros que tinha na estante), um calhamaço de pelo menos mil páginas.
  • 12. 12 Agachei-me e, percebendo que seria inútil tentar puxar o livro com minhas mãos, abri minha mochila e retirei minha régua de 30 cm. Com um pouco de esforço e paciência, coloquei a régua embaixo da estante, dei um empurrão e...  Ei! O que você está fazendo aí, agachado? Era a Ju, que com um sorriso lindo, segurava sua saia entre as pernas, para que eu, ali, agachado, não aproveitasse da minha posição para ter uma visão, digamos, privilegiada. Enrubescido, sem prestar muita atenção, apanhei o livro que eu conseguira resgatar e levantei- me para cumprimentá-la.  O que você estava fazendo?  Eu? – perguntei, e num tom irônico, respondi – Nada! Como não sou nem um pouquinho desastrado, deixei o livro que você me indicou cair embaixo da prateleira e estava pegando-o justamente na hora em que você me achou! Júlia deu um sorriso e disse para irmos depressa estudar porque ela não podia se atrasar para sua aula de pintura, que era às cinco da tarde. Disse a ela que fosse arrumando uma mesa de estudo enquanto eu ia pegando o livro.  Estranho – disse a bibliotecária – esse livro não está cadastrado... Espere um minutinho que irei colocar uma etiqueta e incluí-lo no cadastro da Biblioteca.  Tudo bem!
  • 13. 13 Enquanto eu esperava, observava os gestos da Ju, sentada diante do livro de Português. Seus dedos percorriam seus cabelos castanhos distraidamente enquanto ela lia. Ao perceber que eu a estava observando ela me chamou, fazendo um gesto com a mão e mexeu os lábios como quem dissesse: “vem!”. Respondi com outro gesto para que ela me esperasse e virei de frente ao balcão para ver se o livro estava pronto.  Prontinho. É só assinar aqui.  Valeu! – respondi e automaticamente coloquei o livro dentro da mochila. Sentei-me em frente à Júlia e começamos a estudar a tal Formação do Imperativo. Ela me explicava cuidadosamente as regras e eu, desta vez, prestei bastante atenção.  Olha, Paulo... As regras são simples. Basta saber a conjugação do Presente do Indicativo e do Presente do Subjuntivo, pois o Imperativo sai todo daí. Antes de tudo, você precisa saber que no Imperativo não se usa a primeira pessoa do singular, ou seja, o “eu”, porque ninguém dá ordem, conselho ou pede algo para si mesmo! Então, Ju continuou:  Depois, perceba que, ao invés do pronome pessoal “ele”, usamos o pronome de tratamento “você”. Agora veja, são dois os tipos de Imperativo: o afirmativo e o negativo. No Imperativo afirmativo usamos o “tu” e o “vós” do Presente do Indicativo, retirando o “s” final. As outras pessoas (“você”, “nós”
  • 14. 14 e “vocês”) vêm do Presente do Subjuntivo. Veja este exemplo. Então, Júlia arranca uma folha do final de seu caderno e a coloca em cima da mesa. Quando olho pra folha, ela rapidamente vira ao contrário e, meio sem graça, diz pra eu prestar atenção. Antes de virar a folha, eu vi, ou pelo menos acho que vi, um coração desenhado com caneta vermelha e dentro dele a letra “J” e outra letra que não consegui identificar, mas me pareceu a letra “L”.   Olhe aqui, Paulo. – e começou a escrever o seguinte: Pres. Do Ind. Pres. Do Subj. Imp. Afirm. Tu amas------------------------(retira-se o s)—ama tu Que ele ame-----------------------------------ame você Que nós amemos--------------------------amemos nós Vós amais------------------------(retira-se o s)- amai vós Que eles amem-----------------------------amem vocês  Entendeu?  Entendi, sim.   O Imperativo Negativo é mais fácil ainda. Usamos apenas o Presente do Subjuntivo para formá- lo. Olhando fixamente para o papel, ela anotou:
  • 15. 15 Pres. Do Subj. Imper. Neg. Que tu ames ----------------------------------- não ames tu Que ele ame --------------------------------- não ame você Que nós amemos ------------------------ não amemos nós Que vós ameis ----------------------------- não ameis vós Que eles amem ------------------------- não amem vocês  Pronto! Agora você só precisa praticar. Então, fizemos alguns exercícios e conjugamos alguns verbos.  Valeu, mesmo. Se não fosse você o que seria de mim, hein Ju? Ficamos nos olhando por um momento.  Até parece que você precisa de mim, né Paulo?  Mais do que você pensa! – falei num tom grave e com uma voz aveludada. Então o silêncio tomou conta do ambiente inteiro e só foi quebrado quando Júlia se levantou apressada olhando no relógio, dizendo meio aparvalhada que já eram quatro e quarenta e que se não corresse, perderia a aula de pintura.  Tome aqui! Comprei algo que você adora! – disse erguendo o doce dentro de uma embalagem plástica.  Obrigada, Paulo! Você é um amor, mas ainda vai me fazer engordar! – falou depressa, com um sorriso entre os lábios.
  • 16. 16 Juntou suas coisas. Deu-me um beijo rápido no rosto e saiu às pressas. Fiquei observando sua saída, pensando se ela havia percebido minha indireta. Ao olhar para a mesa, vi que ela havia deixado a folha de rascunho com os exemplos do Imperativo. Então, de súbito, virei-a e aquilo que eu suspeitava e temia se confirmou. Logo que li aquele “L”, vieram na minha cabeça alguns nomes de amigos e conhecidos, comuns a mim e a Ju, que começam com essa letra, mas não quis pensar nisso por enquanto para não aumentar minha agonia. Quem disse que homem não chora estava redondamente enganado. Homem que não chora só pode estar desidratado, sem água pra nenhuma lágrima. Aliás, deixei uma lágrima cair exatamente em cima do “J” dentro do coração.
  • 17. 17 3. O enigma de Santo Antônio do Paraibuna Cheguei em casa e, depois de um banho demorado (meu pai não estava e assim ninguém iria bater na porta do banheiro pra me perguntar se sou sócio da Companhia de Energia), peguei meu violão e, para dar uma animada, comecei a tocar um rock n´ roll mais pesado, que depois de três ou quatro seqüências de acordes, se transformou numa balada bem lenta, com dedilhados tristes. Deixei o violão de lado e pensei em algo que me fizesse esquecer a Ju por alguns instantes. Foi quando me veio lembrei do livro que eu pegara na Biblioteca, mas logo me veio à mente que a Ju estava lendo à mesma coisa. “Amanhã mesmo vou devolvê-lo”, pensei. Desistindo do livro, sem nem mesmo abrir a mochila para pegá-lo, liguei a TV e fui jogar futebol no vídeo-game. Depois de algumas partidas, lembrei-me da prova de Português e fui estudar no quarto que meu pai usa como escritório. Peguei uma Gramática antiga e, ao fazer alguns exercícios, percebi que havia virado craque no Imperativo. Ao terminar os estudos, abri minha mochila para arrumar o material do dia seguinte. Foi quando peguei o livro da biblioteca. Assustei-me ao ver sua capa num tom bege envelhecido. Tinha quase certeza de que ele era laranja. Além do mais, ele estava velho e suas folhas bem amareladas. Lembrei-me de como recuperei
  • 18. 18 o livro debaixo da estante. Com certeza eu havia empurrado o livro errado, sem querer. O enigma de Santo Antônio do Paraibuna. Era esse o título. “Santo Antônio do Paraibuna”, pensei. “Já escutei algo sobre isso, acho que na aula de História...”. O autor da misteriosa obra é um tal de Antônio Joaquim Torres de Carvalho. O mais estranho é que apenas a capa é impressa, o resto é todo manuscrito, com uma letra belíssima. A encadernação é extremamente rústica. Suas folhas são entrelaçadas por uma espécie de barbante bem grosso. Na folha de rosto havia uma data: 1907. “Caramba”, pensei. “Tenho um livro de cem anos nas mãos! Isso deve ser uma relíquia. Desde quando ele estava embaixo de um estante de livros na Biblioteca? Preciso mostrar isso a alguém, mas antes tenho que lê-lo.” Ao começar a leitura, percebi que o autor, durante a Introdução, explica que era uma espécie de secretário particular do Coronel Francisco Mariano Halfeld. “Se eu quiser realmente entender este livro”, pensei, “precisarei fazer uma boa pesquisa. Afinal, quem foi esse Francisco Mariano Halfeld? Importante ou rico ele deveria ser, pois não é qualquer um que pode se dar o luxo de ter um secretário particular.” Olhei o relógio. Quase onze e meia da noite. Resolvi, então, me deitar. Antes, pensei em ligar pra Ju e contar sobre o livro, mas resolvi não contar
  • 19. 19 absolutamente nada pra ninguém, antes que eu o lesse por completo. Guardei-o dentro da mochila e fui dormir. Afinal, meu dia havia sido bem agitado e, por isso, estava exausto.
  • 20. 20 4. Uma Distração A prova de Português foi mais tranqüila do que eu esperava. Apesar de não ter caído nenhuma questão parecida com os exercícios da velha gramática do meu pai, tenho certeza de que me dei bem. Como sempre, o professor utilizou interpretação de textos ou charges em todas as questões, até mesmo nas que envolviam Formação do Imperativo.  E aí, Paulo... Foi bem na prova? – indagou Júlia na hora do intervalo.  Fui sim. E você?  Também! Preferi me afastar um pouco da Ju. Ainda me sentia mal ao lembrar do coração com as letras. Então, andei um pouco pelo pátio do colégio até ver minha turma de amigos formando uma “rodinha”, conversando e, como sempre, rindo muito.  Paulo! – gritou Renato ao me ver chegando. – Junte-se aos bons! Renato é um desses caras com quem todos gostam de conversar. É bom de bola e as garotas dizem que ele é boa-pinta. Em relação à sua aparência e ao seu jeito de falar e agir, ele parece ser bem mais velho, porém tem a mesma idade que nós, a maioria da turma. Mesmo assim, é bastante humilde e agradável. É meu colega de sala desde a quarta série, assim como a Ju e, por isso, não me espantaria nem um pouco se o
  • 21. 21 coração que ela desenhou tivesse um “R” ao invés do “L”. Afinal, ela era uma das muitas garotas que achavam o Renato “perfeito”.  Paulão! Você estava meio afastado de nós. Está chateado? O que aconteceu?  Nada não, Renato. – respondi meio cabisbaixo.  Deixa disso, meu caro! Ânimo! Tudo na vida tem solução e se você achar que não tem é porque já está solucionado!  Não sei de onde você tira essa filosofia de jornaleiro! – brinquei. – Mas, me digam. Qual é o assunto? Além do Renato, estavam conversando o Victor e o Léo.  Nada demais. – respondeu Victor – Estávamos falando sobre a aula de Educação Física de ontem. No golaço que eu fiz embaixo das pernas do Renato. Não é, Léo?  É! Mas antes falávamos sobre como a Júlia virou uma gatinha de um ano pra outro! - disse Leonardo, com um sorriso malicioso no rosto. Naquele instante caiu a ficha: Leonardo começa com “L” e, além disso, ele estava elogiando a Ju. Isso só podia significar uma coisa... Assim que bateu o sinal, indicando que o intervalo havia acabado, fomos caminhando e conversando sobre futebol até a sala. Porém, eu não conseguia parar de pensar no que achava que tinha descoberto: o dono do coração da Júlia. “Melhor então
  • 22. 22 voltar a prestar mais atenção às aulas e quando estiver em casa, ocupar minha cabeça lendo o livro antigo que eu, por acaso, encontrei” – pensei. Ao chegar em sala, Júlia veio em minha direção e com um sorriso me perguntou se eu havia começado a ler o livro da Agatha Christie. Respondi que não tive tempo por causa da prova de Português. Então, quando me virei pra sentar no meu lugar na sala, ela me chamou de novo e disse:  Ei! Depois preciso conversar sobre um assunto com você.  Ah, tá... – respondi. Acho que já sei sobre o que você vai falar.  Sabe? Como assim? – assustou-se.  Depois a gente conversa. Estava óbvio que ela queria me explicar sobre o coração desenhado atrás da folha onde me explicara o Imperativo. E pra falar a verdade, eu não estava nem um pouco a fim de ouvir o que ela iria me dizer sobre sua nova paixão. Por isso, no final da aula, ao invés de ir andando com ela até o ponto de ônibus, inventei que ia pra casa da minha avó. E fui em outra direção. Enquanto ia andando, fui pensando sobre “O enigma de Santo Antônio do Paraibuna”. Sobre como ele foi parar em minhas mãos. Sobre o autor e seu chefe, Francisco Mariano Halfeld. Quem seriam essas pessoas? Então, feliz por ter encontrado uma distração, um outro interesse que não fosse pensar na Ju, resolvi ir até uma lan game (essas lojas onde você pode
  • 23. 23 navegar na internet), próxima ao colégio, fazer uma pesquisa sobre os nomes que encontrei no livro. Lá estava. Joguei as palavras-chave em um site de busca e a primeira coisa que encontrei foi: “Santo Antônio do Paraibuna foi o primeiro nome da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. Levava esse nome por ser Santo Antônio seu padroeiro e por se cortada pelo Rio Paraibuna” Empolguei-me! Afinal de contas eu tinha comigo um livro antigo com enigmas sobre a minha própria cidade. Depois digitei o nome do autor do livro. Não encontrei uma citação sequer. Nenhum site mostrava informações sobre ele. Achei estranho, pois o nome de um autor de livro não estar na internet só poderia significar uma coisa: ninguém deu importância a ele após sua morte. Deduzi então que ele nunca desvendara os enigmas que provavelmente narra em seu livro. Talvez ninguém os desvendou. “Emocionante!” – pensei. “Tenho que continuar a ler as anotações feitas pelo Sr. Antônio. Imagine se elas dão pistas sobre um tesouro ou algo desse tipo que esteja escondido em algum lugar de Santo Antônio do Paraibuna, ou melhor, Juiz de Fora?”
  • 24. 24
  • 25. 25 5. O Santo Fujão Subi as escadas do meu prédio correndo. Como moro no terceiro andar, em menos de um minuto estava no meu apartamento. Abri a porta e dei de cara com a minha mãe saindo. — Paulito! Por que... Antes que ela me perguntasse o porquê do meu atraso, fui logo dizendo que estava na lan perto do colégio fazendo umas pesquisas. Dei um beijo em seu rosto e fui depressa pro meu quarto continuar a leitura do misterioso livro. O primeiro capítulo tem como título: “O Santo Fujão” e começa da seguinte maneira: “Há uma imagem de Santo Antônio que intrigou a população de nossa cidade na época em que ainda era considerada vila. Aconteceu que esta imagem foi levada duas vezes para a Capela Nova, porém, depois de alguns dias ela reapareceu na Capela Antiga...” Então, o autor revela que pesquisou e foi atrás das pistas que poderiam resolver o mistério. Assim, com muito esforço e paciência, entrevistando pessoas bem idosas, afinal seu livro havia sido escritos várias décadas depois do mistério do santo, descobriu que a imagem, obviamente, não saía andando pela vila até retornar à Capela Antiga. Na verdade, os moradores do Morro da Boiada, enciumados e se sentindo injustiçados pela mudança de lugar de Santo Antônio,
  • 26. 26 iam até a Capela Nova, à noite e, sem que ninguém os visse, recapturavam a imagem e colocavam-na de volta no altar da Capela Antiga. Depois lançavam um boato pela cidade de que o santo retornara sozinho, porque lá era seu verdadeiro lar. Achei a história bem interessante, mas confesso que me decepcionei um pouco. Estava na ânsia de que o autor lançasse um enigma que pudesse ser desvendado, mas ele já estava solucionado. A única coisa que me deixou “com uma pulga atrás da orelha” foi uma seqüência de números escritos ao final do primeiro capítulo e, embaixo dela, um desenho de uma caveira, um crânio humano. “Esses números e esse desenho não devem estar aí por acaso” – pensei. “Mas o que eles significam?” Esqueci-me completamente das horas. Só percebi que já havia passado muito tempo que chegara em casa quando meu estômago começou a reclamar. Eram três da tarde e, por isso, fui até a cozinha e coloquei meu almoço no micro-ondas. Assim que dei a última garfada, o interfone tocou. Era a Ju que pedia pra subir. Sem saber o que fazer, abri o portão e pude ouvir seus passos escada acima. — Posso saber por que o senhor está me evitando? – disse, num tom irônico mas ao mesmo tempo melancólico. – Lembra que eu disse que precisava conversar com você?
  • 27. 27 — Eu, te evitando? Não... É impressão sua. – menti. – Vamos, entre. Acabei de almoçar agora. — Agora? Já são três e meia! — Pois é! Estava completamente distraído com o livro e nem percebi as horas! – disse, sem querer. — Sério? Você está lendo “O assassinato de Roger Ackroyd”? Em que parte você está? Eu já estou acabando... — É... Bem... Eu... – sentindo-me mais acuado do que meu rei, quando ficou em xeque-mate na minha última partida de xadrez com meu pai, tive que dizer: - Na verdade, Ju, eu não estou lendo o livro que você me indicou. Não foi ele que eu peguei na biblioteca. Olhando-me com uma cara de surpresa, afinal ela achou que havia me visto pegar o tal livro, e antes que me perguntasse alguma coisa, resolvi contar tudo. Detalhe por detalhe. Desde como achei o livro de Antônio Joaquim Torres de Carvalho até a pesquisa que fiz na internet. — Isso é simplesmente espetacular! Você tem idéia do que pode ter encontrado? – empolgou-se. — Imagino! — Então! Vamos conversar com nosso professor de História ou ir até o Museu Mariano Procópio, entregar essa preciosidade. — De jeito nenhum! – respondi asperamente. – Primeiro eu quero ler o livro inteiro. E, além do mais, está vendo estes números e este desenho de um crânio no final do primeiro capítulo? Algo me diz que eles revelam alguma coisa.
  • 28. 28 — Pode ser, mas deve ser complicado descobrir. Se ao menos eu fosse boa com códigos... — O Renato! – exclamei. — O que é que tem o Renato? — Ela adora decifrar códigos secretos, charadas, esse tipo de coisa! Lembra do enigma matemático que o professor propôs em sala há um tempo atrás? Foi ele quem o decifrou na mesma aula! — É mesmo! Vamos até... Antes que ela acabasse sua frase, eu já estava andando em direção ao meu quarto para pegar minha mochila.
  • 29. 29 6. A Enciclopédia Humana Como Renato mora no centro da cidade, pegamos um ônibus e fomos até sua casa, na Rua Baptista de Oliveira. Pelo percurso fomos conversando sobre o livro, levantando hipóteses de como ele foi parar na Biblioteca Municipal Murilo Mendes. Ao chegarmos em frente ao seu prédio, tocamos o interfone e tivemos que gritar para que Renato pudesse escutar quem era, tamanho era o barulho feito pelas pessoas que passavam e conversavam , entrando e saindo das lojas. Após cumprimentá-lo e termos assentado nas cadeiras da cozinha, comentei, jogando conversa fora, sobre o movimento intenso de sua rua. Então, espontaneamente, ele disse: — Não é a toa que seu antigo nome é Rua do Comércio! Pisquei o olho disfarçadamente para a Ju, como que dissesse: “procuramos a pessoa certa”. — Sério? – perguntou Júlia, interessada. — Sério! Esta foi uma das cinco primeiras ruas construídas após Juiz de Fora tornar-se cidade. Porém não se chamava Juiz de Fora... — É! Chamava-se Santo Antônio do Paraibuna! – falei com um ar de quem está por dentro do assunto. — Quais eram as outras ruas, Renato? – indagou Júlia.
  • 30. 30 — Não me lembro do antigo nome delas, mas são a Rua Sampaio, Halfeld, Marechal Deodoro e Santo Antônio. Espantados com toda cultura histórica de nosso amigo, perguntamos como ele sabia tanto sobre Juiz de Fora e ele, com um ar irônico e debochado, respondeu: — Acho uma vergonha alguém morar em uma cidade e não saber sua história! Vocês deveriam ser mais informados... —Ah, tá bom sabichão! Agora conta a verdade. – pediu Ju. — Tá legal! Minha mãe é historiadora e sua especialidade é a história de nossa cidade e de Minas Gerais. Cresci ouvindo essas histórias, não tinha como eu não saber disso. Era uma enorme e agradável coincidência. Tínhamos em nossa frente uma verdadeira enciclopédia humana sobre Juiz de Fora, justamente quando precisávamos! Ok! Estou exagerando na parte da enciclopédia humana, mas não deixa de ser maravilhoso ter um amigo que sabe mais que a gente no assunto que mais estamos curiosos. Rapidamente retirei o livro da mochila e entreguei-o a Renato. Com um olhar curioso, ele me perguntou o que era aquilo e, com a ajuda de Júlia, contamos tudo o que sabíamos até aquele momento. — Mas isso é espetacular! Vocês têm idéia do que podem ter encontrado? Olhamo-nos, eu e Ju, um pro outro e demos uma boa gargalhada.
  • 31. 31 Sem saber qual era a graça, Renato ficou nos observando, com as sobrancelhas altas, certamente esperando uma explicação. — Liga não! É porque eu disse exatamente essas palavras há uns instantes atrás. – disse Júlia. Folheando o livro com cuidado, como se ele fosse se esfarelar se fizesse um movimento mais brusco, nosso amigo pediu um tempo para que pudesse ficar em silêncio e, assim, tentar decifrar os números que aparecem ao final do primeiro capítulo. Atendendo a seu pedido, resolvemos descer as escadas de seu prédio e caminhar pelo centro de Juiz de Fora, deixando-o sozinho com o livro. Compramos um sorvete e fomos sentar em um dos bancos do Parque Halfeld. Ainda interessadíssimos sobre o assunto do livro, resolvemos ir ver as estátuas e monumentos espalhados pelo parque. Vimos o busto de Belmiro Braga, a estátua de um escoteiro e até um busto em homenagem ao poeta português Luiz Vaz de Camões. — Caramba! Moro nesta cidade desde que nasci e, apesar de saber que estes monumentos estão aqui, nunca havia parado para observá-los e admirá-los. Você já tinha feito isso, Paulo? — Confesso que nunca! – respondi. Continuando aquela que parecia ser nossa primeira visita ao Parque Halfeld, fomos andando em direção aos velhinhos que ficam sentados, jogando xadrez, dama ou baralho nas mesinhas que existem na parte do parque que fica perto da Rua Santo Antônio.
  • 32. 32 Distraído, fiquei observando uma dupla de senhores atentos a um tabuleiro de xadrez, pra tentar aprender alguma jogada daquele jogo que, há poucos meses, eu aprendera com meu pai. Nem percebi quando Júlia se afastou de mim e foi ver um monumento que parecia uma parede ou um muro erguido pra frente da rua. — Paulo! Corre aqui... Rápido! Depressa, virei-me e fui correndo ver o que a interessava tanto. —Dê uma olhada nisso! Leia o que está escrito aí! Olhei atentamente e percebi que havia dois anjos segurando uma faixa com as inscrições: “O Cel. Francisco M. Halfeld ao povo de Juiz de Fora” . — Mas esse aí é o... — Isso! – interrompeu-me Júlia. – Ele mesmo! O chefe do escritor Antônio Joaquim Torres de Carvalho! Instantaneamente tirei meu celular da mochila e fotografei aquelas inscrições da obra de arte que, pela assinatura, tinha sido feita em 1902 pelo artista Caporali. Assim que ia guardá-lo, meu celular tocou. Era o Renato. — Voltem imediatamente pra minha casa. Preciso contar algo para você.
  • 33. 33 7. Descoberta — Assentem-se! – ordenou Renato, apontando para o sofá de sua sala. Assentei-me ao lado de Júlia e, sem querer, deixei meu joelho encostar no dela. Olhei em seus olhos pra ver sua reação, mas ela estava atenta, esperando o que nosso amigo iria nos revelar. No sofá que ficava exatamente em frente ao nosso, Renato, sem poder esperar nem mais um minuto, empolgadamente disse: — Meus caros, o que vou lhes contar pode transformar nossas simples vidas de estudantes em uma inacreditável aventura! Entusiasmados, não conseguíamos tirar os olhos dele, que continuou: — Assim como você deduziu, Paulo, os números no fim do primeiro capítulo estão lá por um motivo. Quando comecei a analisá-los, várias possibilidades vieram em minha mente, mas, meio que intuitivamente, teimei em acreditar que os números tinham ligação com o texto. Insistindo nesse caminho, depois de algumas tentativas frustradas, tive a idéia de ordenar os números com as letras do capítulo. Voilà! Era exatamente isso!! Vejam... Então, ele nos mostrou a seqüência de números do livro: 91 – 2 / 5 – 17 – 62 / 18 / 14 – 15 -16 -17 -18 / 13 / 91 – 10 -169
  • 34. 34 – 5 / 54 – 18 – 4 – 18 / 10 -42 – 10 ... — Não entendi! Como assim, Renato? – indagou Júlia. — Acho que eu entendi, Ju. – antecipei-me. – O número 91 representa a nonagésima primeira letra do capítulo; o número 2, a segunda. É isso, Renato? — Exatamente, Paulo! Então, exaltada, Júlia falou em voz alta, quase gritando: — E o que estamos esperando? Vamos juntar as letras e ver que frase será formada! Foi nesse instante que Renato pegou um papel que estava ao seu lado e nos mostrou: V-Á /A-T-É / O /S-A-N-T-O / E/ V-E-J-A/ C-O-M-O/ E-L-E... — Então, meus amigos, – Renato continuou sua explicação – suponho que o que temos nas mãos é uma espécie de “jogo”. Só temos que descobrir as regras e saber como fazer para vencê-lo. Isso tudo era extremamente empolgante e ao mesmo estranho. Afinal, de uma hora pra outra s rotina de três adolescentes mudou completamente. A partir daquele instante nossa concentração era toda direcionada ao “Enigma de Santo Antônio do Paraibuna”.
  • 35. 35 “Vá até o santo e veja como ele...” Sem sombra de dúvidas o santo em questão era a imagem de Santo Antônio descrita no capítulo “O Santo Fujão”. Mas onde estava tal imagem? Será que ela ainda existe? Foi então que eu disse: — Temos que pesquisar pra saber onde está este santo. Precisamos saber por que temos que ir até ele. Pelo livro, sabemos que ele foi retirado da Capela Antiga para ser levado até a Capela Nova e, por duas vezes, retornou. Renato, com a mão apoiando o queixo, disse: — Paulo, eu sei que o nome todo da Igreja Catedral é: Catedral Metropolitana de Santo Antônio, então só pode ser dedicada a este santo. — Mas lá é uma igreja! Não é uma capela. – lembrou-nos Júlia. — Sim, mas ela foi construída, inicialmente, como capela. Só depois tornou-se a Igreja Matriz de Juiz de Fora. — Cara! Só pode ser lá que o Santo Fujão está. – afirmei. – O que me intriga é o final da frase... Parece que está faltando alguma coisa. “Vá até o santo e veja como ele...”, como ele o quê? Como ele está posicionado? Como ele está vestido? Estranho... Será que indo até ele, conseguimos completar a frase? — Pode ser! A não ser que o Sr. Antônio tenha nos pregado uma peça! — Por falar nele, dê uma olhada nas fotos que o Paulo tirou com o celular, Renato. – lembrou Júlia.
  • 36. 36 Entreguei meu celular a Renato que, logo assim que acabou de ver as fotos do monumento, levantou-se e pediu para que fôssemos com ele até o computador de sua mãe. Ligou o PC e clicou em um arquivo de texto nomeado Engenheiro Henrique Halfeld. — Este – explicou-nos. – é considerado o fundador da cidade de Juiz de Fora. Veio da Alemanha, chamado por Dom Pedro II para chefiar a exploração do Rio São Francisco. Devido ao seu sucesso, coube a ele abrir a Estrada do Paraibuna. Assim, chegou e ajudou a montar nossa cidade. — E qual o parentesco dele com O Coronel Francisco Mariano Halfeld? – perguntei. — Isso é o que eu estou tentando descobrir. Tenho certeza de que há algo sobre ele aqui, neste arquivo. Depois de ler, atentamente, por alguns minutos as páginas do texto, Renato exclamou: — Aqui! Achei! – e leu-nos o seguinte: “Francisco Mariano Halfeld: terceiro filho do primeiro casamento do Engenheiro Henrique Halfeld. Foi um grande benfeitor da cidade, ajudando a construir e ampliar, com grande quantia em dinheiro, o Parque Municipal que, depois, em sua homenagem, passou a se chamar Parque Coronel Halfeld. Outra grande obra que financiou e idealizou foi, em parceria com Francisco Baptista de Oliveira, o monumento a Cristo Redentor, localizado no alto da montanha, que
  • 37. 37 hoje tem como nome Morro do Imperador. Foi casado com a Senhora Rita Carolina de Campos Henriques Halfeld e não deixou descendentes.” — Olhem só! – surpreendeu-se Júlia. – O Parque Halfeld tem esse nome em homenagem ao Francisco Mariano e não ao seu pai, fundador de Juiz de Fora! Eu não sabia disso! — Nem eu. – replicou Renato. – Vejam! Aqui tem um trecho do “Jornal do Commercio” de vinte e cinco de fevereiro de mil novecentos e um, que diz: “(...) Na extremidade do jardim (...) vê-se uma plasta, em forma de rochedo, onde serão colocados dois anjos segurando uma fita na qual se lê a seguinte inscrição, sendo tudo de cimento: ‘O Cel. Francisco M. Halfeld ao povo de Juiz de Fora’. No alto da fita está colocado um foco de luz elétrica”. Ficamos alguns instantes em silêncio admirando aquelas palavras, marcas da nossa cidade. Depois de alguns segundos, Renato disse: — Isto está ficando mais interessante! E então? Vamos até a Catedral ou não? Naquele momento Ju estava olhando o relógio. Depois, com um ar de preocupação, disse: — Gente, já são quase oito horas! Minha mãe deve estar louca lá em casa. Eu nem avisei aonde eu iria.
  • 38. 38 — É melhor deixarmos isso pra amanhã. Meus pais também já devem estar preocupados. Pode ser, Renato? – perguntei. — Tranqüilamente! Assim vamos ter mais tempo pra procurar a imagem do Santo. Com gentileza, abri a porta do apartamento de Renato para que a Ju saísse. Fomos juntos até o ponto e, como sempre faço, quando meu ônibus chegou não fui embora, esperei o ônibus da Júlia chegar para, só depois, tomar o meu caminho.
  • 39. 39 8. A Catedral Metropolitana No dia seguinte, a aula demorou a passar mais do que o comum. Estávamos tão excitados com o código que desvendáramos, que não conseguíamos prestar atenção em nada. No entanto, não podíamos tocar no assunto, pois combinamos não contar o segredo pra pessoa alguma. Isso só iria ficar entre nós três. Na verdade, a única coisa que mencionamos sobre o assunto foi, na volta do intervalo, um “É hoje, hein!”, dito pelo Renato e “Depois da aula, né?”, dito pela Ju. Enfim, o sinal que avisava o fim da aula havia batido. Era meio-dia. Nós, mais do que ansiosos, nos reunimos na entrada do colégio e resolvemos ir andando até a Igreja Catedral Metropolitana. Contei aos meus companheiros de aventura que eu havia colocado na mochila uma máquina digital para que as fotos ficassem com mais qualidade do que as tiradas pelo celular. Então, eles rindo, disseram ao mesmo tempo, que também estavam com a máquina deles na mochila. Eu também estava munido de um MP3, que pode funcionar como um gravador de voz, caso precisássemos gravar algum depoimento. Estávamos exatamente em frente à escadaria principal da igreja quando tirei a primeira fotografia. Subimos e paramos em frente à Imagem de Nossa
  • 40. 40 Senhora Aparecida onde vários devotos, em sua homenagem, acendem velas. Parei ali e, em silêncio, fiz uma prece. Quando percebi, Renato e Júlia já estavam na porta, me esperando. Na parede, ao lado da porta principal da Catedral, vimos uma placa azul informando que a igreja é tombada por decreto municipal. Lemos também que ela foi construída em 1866. Logo na entrada, à esquerda, vimos uma imagem de Santo Antônio e pensei ser este o Santo Fujão, mas Renato logo me lembrou que a imagem que procuramos deve ter lugar de destaque na igreja. Percebemos alguns santos dispostos em pequenos altares, tanto na parte direita, quanto na esquerda. Andando em direção ao altar, já prevendo o que iríamos encontrar, exclamei: — Olhem! Aquela é a imagem de Santo Antônio! A imagem fica no centro do altar, entre Nossa Senhora e São José. Aproximamo-nos e confirmamos. Era mesmo a imagem do padroeiro da nossa cidade. Neste instante apareceu um funcionário que toma conta da Igreja durante o dia e perguntou o que tanto nos interessava. — Esta imagem de Santo Antônio é o “Santo Fujão”? – perguntei. — Ei! – respondeu com um sorriso no rosto. – Vocês são muito novos pra saberem da história do Santo Fujão! Mas, respondendo à sua pergunta, esta
  • 41. 41 não é a imagem do santo fujão. A verdadeira imagem está no nosso museu da igreja. — Sério? – perguntei. — É! Aquela imagem foi colocada depois da reforma que a igreja passou quando virou Catedral. Porém, o santo está no mesmo lugar onde o original ficava. Essa é uma réplica do santo fujão, apenas mais moderno. Renato olhava atentamente para a imagem, a procura de alguma pista. Eu estava tirando algumas fotos, mas resolvi guardar minha câmera e fazer o mesmo que ele. A imagem deve ter uns noventa centímetros de altura. O Santo veste uma túnica marrom que vai até seus pés. Na mão esquerda, segura uma Bíblia com Menino Jesus sentado sobre ela. Além disso, pendurados em sua cintura existem dois terços, bem longos que se estendem até pouco abaixo de seus joelhos. O que mais me chamou a atenção foi o olhar penetrante de Santo Antônio. Parece que nada, nem ninguém, poderia interferir na sua concentração. O Menino Jesus tem os olhos voltados para o santo e, como eu, parece impressionado com a firmeza de seu olhar. De súbito, veio-me uma idéia. — Percebam o olhar do santo... Será que esse é o mistério? Vejam! Ele está olhando fixamente para a esquerda, direita de quem chega na matriz.
  • 42. 42 — Caramba, Paulo! Acho que você está certo. Então não está faltando nada na frase! “Vá até o santo e veja como ele...” Temos que ver da maneira como ele vê, ou seja, pra onde ele está olhando! Animou-se Júlia. — Grande sacada! Mas afinal, o que há de especial no local para onde ele olha? – perguntou Renato. Caminhamos em direção ao lugar onde o santo olhava tão fixamente, ansiosos em descobrir mais uma pista. Olhei atentamente e percebi que os olhos de Santo Antônio estavam direcionados para a imagem de outro santo. — Aquele é São Francisco de Assis! – exclamei. Paramos e ficamos observando a imagem. O santo está posicionado à direita de quem entra na igreja pela porta principal. São Francisco, assim como Santo Antônio, veste uma túnica marrom, calça sandálias e tem um ar sereno. Enquanto observávamos, Júlia percebeu um detalhe que nos animou: — Vejam! Na cintura do santo tem uma espécie de cinto feito de corda pra prender a túnica... Olhem o que tem pendurado ali! Era um pequeno crânio humano. Exatamente igual ao que estava desenhado no fim do primeiro capítulo do livro.
  • 43. 43 — Espetacular! – animou-se Renato. – Isso demonstra que estamos no caminho certo! Basta agora descobrir a pista e... — Ali! – disse Ju, interrompendo. – Há uma placa com umas palavras minúsculas na base da imagem! Nós três nos aproximamos da placa e, ao mesmo tempo, lemos: — A Luneta de Ouro! — Só pode ser esta a próxima pista! – disse Júlia. — Mas o que será que isso quer dizer? – indaguei. – Você tem alguma idéia, Renato? — Por enquanto não, mas algo me diz que com uma boa dose de curiosidade, o que não nos falta, descobriremos o que significa essa tal Luneta de Ouro.
  • 44. 44 9. Outra Pérola Falsa? Graças a Ju podíamos continuar nossa expedição, mas antes precisávamos comer alguma coisa. Estávamos com uma fome indescritível. Saímos da Catedral e fomos a um restaurante self-service. Enquanto nos servíamos, Renato foi ao banheiro. Então, Júlia ficou me olhando e, por fim, disse: — Ei! Não pense que me esqueci da conversa. — Que conversa? – desconversei. — Ora! A que eu disse que preciso ter com você. É sério! — Ah! Acho que até já sei o que você vai dizer... — Jura? Então você já percebeu? – indagou. — Acho que sim. Afinal, ontem mesmo o Leonardo falou de você. — O Leonardo? Como assim? – perguntou, curiosamente. — Ué... – respondi de maneira ríspida. – Não é sobre isso que você ia falar? Sobre o coração atrás da folha de rascunho, escrito J e L? — Sim, mas... Nesse momento, Renato chegou até a mesa e nós, rapidamente, paramos a conversa. — Que fome! – exclamou Renato. – E então, estão conversando sobre a próxima pista?
  • 45. 45 — Pois é... Que loucura, hein? – disse, meio sem jeito. — Loucura? Loucura nada! Isso é fantástico! Deve haver várias décadas que a pista está ali, estampada e escancarada, para quem quisesse ver e nunca ninguém percebeu! Então, Júlia pediu atenção e perguntou: — Será, Renato? Já passou pela cabeça de vocês que alguém, antes de nós, já tenha percorrido o trajeto que estamos fazendo e, assim, já tenha descoberto o segredo? — Pode ser. – respondi. – Mas por que então nunca ouvimos falar disso? Será que se alguém já tivesse chegado ao final do enigma, não teria exposto isso pra cidade inteira? E, além disso, por que o livro estaria na biblioteca? Se alguém tivesse chegado ao final, com certeza teria ficado com ele pra provar a história. Não, Ju! Acho que somos os primeiros a percorrer este trajeto para desvendar o Enigma de Santo Antônio do Paraibuna! — Tem razão, Paulo. Parece que cabe a nós desvendar este mistério e revelá-lo para a cidade. Mas antes de pensarmos nisso, temos que partir para a próxima pista. O livro está com você? – perguntou Renato. Retirei os manuscritos de Antônio Joaquim da mochila e estendi para Renato que, com todo o cuidado, empurrou seu prato para o centro da mesa, limpou a mão com um guardanapo e só então pegou o livro.
  • 46. 46 Enquanto meu amigo analisava aquelas páginas, percebi que Júlia me olhava com uma expressão estranha no rosto, como se estivesse tentando adivinhar o que eu estava pensando. Renato lia atentamente o livro. Passava as páginas com delicadeza. Voltava para o primeiro capítulo. Parava. Pensava. E nada. Nada que pudesse remeter à Luneta de Ouro. — Nada, meus amigos... Não há nada de enigmático em todo o resto do livro. Nem números, nem desenhos. Nada! O autor limita-se a descrever Juiz de Fora da sua época. — E se formos à Biblioteca Municipal? Quem sabe encontramos alguma coisa? — Pode ser, Ju. O que você acha, Renato? — Partindo do pressuposto de que não temos outra alternativa, vamos em frente! Entramos na Biblioteca e fomos ao primeiro andar, na parte que é destinada a empréstimos, onde eu achara o enigmático livro. Fui direto à bibliotecária pedir para que ela pesquisasse nos arquivos se havia algum livro de Antônio Joaquim Torres de Carvalho, escritor de Juiz de Fora, além, é claro, daquele que estava comigo. — Sinto muito... Não há nenhum outro livro deste autor. Desanimados, agradecemos e viramos as costas, partindo para a saída da Biblioteca.
  • 47. 47 Pela primeira vez desde que começamos nossa expedição, estávamos completamente sem rumo. Nem eu, nem Ju e nem Renato tínhamos idéia sobre o que fazer agora. A melancolia tomou conta dos nossos olhares. Na mesma hora veio-me à mente uma lembrança antiga. Eu tinha uns quatro ou cinco anos e estava no parquinho da minha escola, brincando com areia. Com uma pazinha de plástico, eu cavava para formar um buraco, quando, de repente, bati em algo duro. Cavei mais um pouco e vi uma forma arredondada e branca. Chamei meus colegas de turma e todos juntos cavamos bastante. A cada investida, aquele objeto aumentava de tamanho e aparecia mais. “É uma pérola gigante!”, eu dizia entusiasmado. E todos se animavam e cavavam mais ainda. Passados alguns instantes, nossa professora, curiosa ao ver todos os seus alunos atentos, olhando para o chão, foi ver o que fazíamos com tanta euforia. Então, para nossa tristeza, ouvimos as seguintes palavras: “— Parem com isso, garotos! Vocês vão acabar quebrando este cano!” — Esperem! – disse a bibliotecária quando estávamos perto da porta. – Pode ser que haja algo deste autor lá no terceiro andar, arquivo de memórias. Como se nossa esperança tivesse ressurgido das cinzas, assim como a ave mitológica Fênix, direcionamos nosso olhar para a jovem moça atrás do computador que, sem saber, dera-nos um pingo de ânimo. O suficiente para que, sem perder tempo,
  • 48. 48 subíssemos a rampa que leva aos andares superiores do prédio.
  • 49. 49 10. A Luneta de Ouro O andar de “Memórias” da biblioteca reúne vários documentos, jornais e livros antigos relacionados à história de Juiz de Fora ou do Brasil. Ao entrarmos, vimos vários leitores atentos, sentados em mesas redondas dispostas ao longo de uma pequena, mas confortável sala. Chegando perto da primeira mesa, vimos um jornal enorme, muito antigo, com as folhas amareladas por causa do tempo, datando o ano de 1904. O nome do jornal era Lince e não possuía nenhuma foto ou desenho. Apenas letras. A responsável pelo andar, uma mulher muito bem vestida, com mais ou menos quarenta anos, ao nos ver entrar, caminhou em nossa direção e, com um sorriso simpático nos lábios, disse: — Boa tarde! Como posso ajudá-los? — Boa tarde! – respondeu Júlia. – Estamos fazendo uma pesquisa para um trabalho de História. Procuramos algo sobre um escritor de Juiz de Fora não muito conhecido, chamado Antônio Joaquim Torres de Carvalho. Você sabe se há algo sobre ele? — Confesso que nunca vi nada sobre esse escritor por aqui. Mas, por via das dúvidas, deixem-me procurar na sala de arquivos. São tantos os livros aqui que, tenho certeza, nunca irei decorar todos os nomes dos autores! Esperem um momento. Enquanto a mulher não chegava, ficamos assentados em uma das mesas, sem dizer nenhuma
  • 50. 50 palavra, ansiosos em saber se teríamos êxito em nossa busca. Depois de uns vinte minutos, a responsável pelo andar voltou com um livro nas mãos. Nossos rostos devem ter demonstrado muita satisfação quando ela disse: — Essa pesquisa deve estar dando um trabalho e tanto pra vocês, hein! Fui achar este livro no fundo de uma prateleira e pelos registros, ele nunca foi consultado por leitor algum desde que fundamos o Projeto Memória. Aqui está! Para nossa surpresa e excitação, ela nos estendeu um pequeno livro de capa amarela, onde, na parte superior lê-se: Antônio Joaquim Torres de Carvalho. E com uma letra majestosa, no meio da capa, o título: “A Luneta de Ouro”. Com a felicidade de uma criança que ganhou o presente de Natal que esperava o ano inteiro, agradecemos imensamente aquela que, por alguns instantes, parecia ser nossa heroína! — É esse! Vou levá-lo! – disse empolgado. — Sinto muito... Os livros desta seção são proibidos para empréstimos. Porém, fiquem a vontade se quiserem lê-lo aqui na sala. Foi exatamente o que fizemos. Ficamos os três em frente ao livro que, assim como o outro, tinha apenas sua capa com letras impressas. Todo o resto havia sido manuscrito e, com certeza, a caligrafia era a mesma em ambas as obras.
  • 51. 51 Abrindo-o com o cuidado habitual, Renato apontou o dedo para a primeira página do livro, onde lemos: “Dedico esta obra a quem a estiver lendo (se é que um dia ela terá leitores).” Ficamos emocionados com a dedicatória. Afinal, o Sr. Antônio Joaquim era, agora, quase nosso íntimo, pois estávamos vivendo e agindo de acordo com suas mensagens e enigmas. Renato virou a página e lemos, juntos: “Um grande abraço ao leitor deste livro. Se tu tiveres o Enigma de Santo Antônio do Paraibuna em mãos, poderei entregar-te bem mais do que um amigável abraço. Porém, antes, quero explicar-te o porquê da escolha do título: ‘A Luneta de Ouro’, o qual, suponho eu, tenhas encontrado devido ao enigma do santo (ATENÇÃO: se não estiveres entendendo coisa alguma que te escrevo, fecha este livro e esquece!). Escolhi a palavra LUNETA porque este fabuloso instrumento faz com que objetos que estejam distantes, até mesmo fora do alcance das vistas, fiquem próximos e identificáveis. Assim como o que irás encontrar, se perspicácia tiveres. Explico-te: o que procuras nunca esteve visível a ti, mas com este livro, estará bem próximo.
  • 52. 52 Luneta de OURO porque o que procuras tem um valor inestimável, assim como o nobre metal amarelo. Outrossim, se souberes o que significa o que irei escrever nas próximas linhas, vai em frente! Abre o Enigma de Santo Antônio do Paraibuna no sétimo capítulo intitulado, ‘AQUI!’ e lê: 40-2-15 / 52-8-109-2 /...” E uma infinidade de números continuava a seqüência. Tudo aquilo era fantástico! Nunca poderia imaginar que estaria vivendo uma aventura deste tipo. O que mais me impressiona são as mensagens deixadas nestes livros e o fato de ninguém tê-las achado até hoje! Sim! Nós sabíamos o que fazer!
  • 53. 53 11. Júlia A impressão que tenho de que Júlia sempre me viu “apenas” como um grande amigo, tem fundamento. Assim que nos conhecemos, descobrimos que a minha mãe e a dela haviam feito faculdade de Psicologia juntas e eram muito amigas. Nossa amizade fez com que nossas mães se reaproximassem e, assim, começamos a freqüentar os mesmos lugares nos fins- de-semana. Vez ou outra havia churrasco na casa da Ju. Outras vezes, íamos ao clube juntos. Como sou filho único e Júlia também, ficamos muito próximos. Tanto que quando os pais dela estavam se separando, eu senti uma mesma tristeza profunda. Procurei apoiá-la sempre. Ela ficou muito mal com tudo aquilo. Não deve ser fácil ver duas pessoas que sempre estiveram juntas com você, de repente, tomarem rumos diferentes na vida. Às vezes, eu fazia alguma gracinha só pra que ela risse e esquecesse um pouco a barra que estava enfrentando. Com freqüência, aparecia de repente na casa dela e a arrastava pro shopping ou pra qualquer lugar onde pudéssemos nos distrair. A separação dos pais de Júlia aconteceu há mais ou menos dois anos. Lembro-me bem de que nesse período ela freqüentemente dormia na casa dos avós. Eu adorava isso, afinal eles moram no Cascatinha, assim como eu. Ficamos mais amigos ainda!
  • 54. 54 As férias de julho daquele ano foram ótimas. Para fugir do estresse de sua casa, Ju resolveu passar os quinze dias na casa dos avós. Estávamos praticamente inseparáveis. Várias vezes, ao conhecermos alguém, perguntavam-nos se éramos irmãos. — Quase! – dizia ela, colocando a mão sobre meu ombro. Confesso que naquela época eu sentia o mesmo. Ela era quase uma irmã pra mim. Porém, desde o começo deste ano, comecei a sentir algo diferente. Fui percebendo os traços de mulher que Júlia começava a apresentar. Percebi suas mudanças no modo de agir, de mexer nos cabelos, de sorrir, de falar, de olhar. Senti que aquela garota, para mim, era mais do que uma grande amiga. E muito, mas muito diferente do que seria uma irmã. Sua imagem não saía mais da minha cabeça e então percebi que isso só podia significar uma coisa: eu estava apaixonado. “Logo por quem!” Pensei de início. E aquele sentimento ia ficando mais forte à medida que o tempo passava. No entanto, nunca revelei isso a ninguém, nem a Renato. Como nossa amizade é muito grande e sempre andamos juntos, muitos colegas já pensaram que tínhamos algo mais. Outros, querendo tirar onda com a minha cara, me diziam que melhor amigo de mulher é gay. Isso me deixava extremamente irritado, mas agora não esquento mais. Percebi que ficar nervoso por essas coisas é uma grande bobagem. Além disso, na verdade,
  • 55. 55 o que eles sentiam era inveja. Afinal, eu estava sempre ao lado de uma das garotas mais gatas do colégio. Júlia nunca foi de falar comigo sobre suas paixões. Raramente ela demonstrava que estava afim de alguém. Na verdade, minha desconfiança em relação ao seu relacionamento com Leonardo só veio- me a cabeça por causa do comentário que ele fizera em relação à beleza dela e o L dentro do coração. No mais, não tinha porque eu desconfiar que os dois estavam ficando. Nunca percebi nenhuma troca de olhares ou um afeto entre eles. Além disso, seria de estranhar se Júlia realmente estivesse apaixonada por Leonardo. Afinal ele não é uma pessoa, digamos, das mais agradáveis. Seus pais são bem ricos e ele faz questão de demonstrar isso usando e exibindo tênis, relógios e outros objetos caríssimos. Não só os exibia, como fazia comentários irônicos sobre os objetos mais “ultrapassados” de outros colegas. Pelo que eu conheço da Ju, este não deve ser o tipo de cara por quem ela poderia se apaixonar. Porém, as evidências eram de se considerar. Afinal, na nossa sala, o único aluno que tinha como inicial a letra L era o Leonardo e ele não deixou de demonstrar certo interesse na Ju da última vez em que conversamos.
  • 56. 56
  • 57. 57 12. Gênesis Sim! Nós sabíamos o que fazer! Abrimos o Enigma de Santo Antônio do Paraibuna, no capítulo intitulado Aqui, e deciframos o segundo código deixado por Antônio Joaquim: “Gênesis: Capítulo um, Versículo três.” — Uma Bíblia! – gritei. – Precisamos de uma Bíblia. Gênesis é o primeiro livro do Antigo Testamento, onde é narrada a criação do mundo e da humanidade! Precisamos achar o trecho a que Antônio Joaquim se refere... — É, Paulão! Você realmente presta atenção nas aulas de Religião! – disse Renato. Fiquei sem saber se este comentário de meu amigo havia sido um elogio ou uma ironia. Afinal, sem dúvida, ele sabia exatamente o que significa Gênesis. Júlia levantou-se rapidamente e, sem perder tempo, disse que iria ao andar inferior procurar por uma Bíblia. — Uma coisa me intriga, Paulo. Qual será o objetivo do escritor em lançar esses enigmas? — Você não lembra, Renato? Ele escreveu que poderia nos dar bem mais que um simples abraço, se soubermos decifrar seus códigos. – falei. Ele deve estar nos levando a uma espécie de tesouro ou a alguma preciosidade antiga, eu acho.
  • 58. 58 — Isso eu sei. O que me intriga é o porquê disso. Por que ele simplesmente não informou em seu livro onde está tal preciosidade? Pra que fazer esse jogo todo? Não estou dizendo que não gosto desta busca. Pelo contrário! Estou me divertindo muito, achando tudo o máximo! Mas algum motivo deve haver pra todo esse suspense... — Vai ver ele fez isso só por diversão. – respondi. — Pode ser... – resmungou com a mão direita apoiando o queixo. – Mas não estou convencido disso... Aqueles minutos de espera pareciam uma eternidade. Esperávamos ansiosamente pela chegada de Júlia para que, finalmente, desvendássemos mais um enigma. — Nossa! A Ju está demorando demais... – falei distraidamente. — Paulo, quero te fazer uma pergunta. — Sobre o enigma? — Não... Sobre você e a Júlia. Sei que vocês sempre demonstraram um carinho muito grande um pelo outro. Sei também que sempre afirmaram ser muito amigos e eu nunca duvidei disso. — Ahn? – resmunguei. — Mas de uns tempos pra cá tenho notado uma mudança nessa amizade. Tenho que confessar que algumas vezes percebi uma troca de olhares entre
  • 59. 59 vocês que, ao que me parece, revela mais do que uma simples amizade. Estou certo? — Pois é, Renato. Não dá pra esconder nada de você... – falei, rindo. – Porém, o interesse parte apenas do seu amigo aqui! Por parte da Júlia, nada. Ela está interessada em outra pessoa. — Como é que você sabe? Ela contou quem é ele? – indagou. — Isso é uma longa história, cara... — Bem... Já que a Júlia está demorando, acho que temos tempo pra conversar. Vamos lá, conte-me. Então relatei toda a história pra Renato. Desde como percebi que estava apaixonado até minha suposta descoberta de quem seria a paixão da Ju. Assim como eu, meu amigo espantou-se com a possibilidade do relacionamento entre Júlia e Leonardo. — Logo ele? Não é possível... Contei também que eu acredito que ela não saiba da minha paixão, nem percebe que estou interessado. Renato disse que não acredita nisso, afinal Júlia é muito esperta e percebe as coisas facilmente. — Não sei... – falei. – Continuo achando que ela nunca percebeu. — Falando nela, você não acha que esta ida ao andar de baixo esteja demorando mais do que o normal? – advertiu-me. Preocupado, levantei-me e desci a rampa que leva ao setor de empréstimos. Nada. A Ju não estava
  • 60. 60 lá. Resolvi, então, descer mais um andar, ver se ela estava na parte de estudos. Assim que cheguei, levei um choque com a cena que presenciei. Júlia estava na porta da Biblioteca, divertidamente conversando... Logo com quem? Leonardo! Num acesso de fúria incontrolável, fui andando em passos firmes até os dois e, de forma brutal, ataquei: — Qual é, Júlia? Estamos te esperando há um bom tempo e você aí, de papo pro ar? Percebendo minha irritação e, com certeza, querendo que ela aumentasse ainda mais, Leonardo alfinetou: — Ih! O cara tá todo nervosinho, aí! — Não se mete, cara. – retruquei rispidamente. – Meu assunto não é contigo. Espantada ao ver-me nervoso dessa maneira, afinal eu sempre fui tranqüilo (até demais), Júlia pediu para que eu me acalmasse e disse que, por acaso, encontrara com Leonardo e esquecera do tempo. — Legal! – exclamei ironicamente. – E eu e Renato te esperando, como dois babacas! Pelo menos achou a Bíblia? — Pois é... Era exatamente isso que eu estava perguntando ao Léo. Onde é que eu poderia encontrar uma Bíblia aqui na Biblioteca. Que intimidade era aquela? A Júlia chamando aquele infeliz de Léo? Isso me deixou a ponto de explodir.
  • 61. 61 Então, num ato estúpido e impensado, do qual eu iria me arrepender amargamente mais tarde, falei: — Só faltava essa, Júlia! Você contou sobre o enigma do santo pra ele? Não combinamos que isso ficaria em segredo? Ela nem precisou responder. Só pela expressão de raiva em seu rosto, percebi que eu havia falado besteira. — Enigma? Como assim? Agora estou curioso... Me contem tudo! — Esquece, Leonardo. Não é nada demais... – tentei consertar a porcaria, pra não dizer outra palavra, que eu havia feito. Porém, não adiantou. Quando acabei de falar, ele já se encaminhava para os andares de cima, pois eu também havia dito que o Renato estava lá. Lançando-me um olhar de extrema desaprovação, Júlia passou por mim esbarrando com força em meu ombro esquerdo pra continuar sua busca por uma Bíblia. Que burrada! Acabei fazendo com que Leonardo, além de saber de nosso segredo, possivelmente conseguisse uma “vaga” no nosso grupo, pois agora ele também iria saber de toda a história. Conseqüentemente, ele ficaria mais perto da Ju. Pra passar minha raiva e colocar a cabeça e os pensamentos no lugar, saí da Biblioteca e fui até a parte do Espaço Mascarenhas onde ficam algumas lanchonetes e mercadinhos.
  • 62. 62 Sentei-me em uma das lanchonetes, pedi um refrigerante e fiquei observando o movimento. Ao terminar de tomar o refri, minha raiva havia passado e, então, pude colocar os pensamentos no lugar. Respirei fundo e percebi como eu havia sido estúpido e grosso com Júlia. Confesso que não arrependi nem um pouco por ter agido rispidamente com Leonardo, afinal, seu jeito irônico vinha me incomodando há algum tempo. Mas com a Ju... Ela não merecia isso, mesmo que estivesse apaixonada pelo cara, eu não tinha o direito de tratá-la daquela maneira. Paguei ao atendente e resolvi procurá-la na Biblioteca. Antes de entrar, vi Júlia conversando com uma senhora. Então, fui até elas. Percebi que a senhora saiu de perto da Ju, pedindo que a esperasse. — Quem é ela? – perguntei. — Uma funcionária do Espaço Mascarenhas. Ela soube que eu estava procurando uma Bíblia e veio se oferecer para nos emprestar uma que sempre carrega em sua bolsa. A senhora voltou, entregou a Bíblia pra Ju, que agradeceu imensamente e disse que dentro de alguns minutos a devolveria. — Pronto. Consegui a Bíblia. Satisfeito? – perguntou. — Olha, Ju... Não sei o que deu em mim. Pensei que você tivesse contado o segredo pro Leonardo e... — Eu nunca faria isso. – interrompeu-me. – Quem acabou fazendo isso foi você...
  • 63. 63 — Pois é... Que idiotice! Mas, olha, me desculpe, tá? Fui um idiota, grosseiro. Eu não tinha o direito de... Nesse momento Júlia colocou seus dedos levemente nos meus lábios. Senti meu coração disparar e então, depois de alguns segundos, ela disse com uma voz delicada: — Ei! Tudo bem... Não precisa se explicar! – e como se num estalo, tivesse acordado, falou com voz alta: – Vamos logo! Temos que descobrir o que Antônio Joaquim quer nos mostrar! Então, mais do que depressa, fomos nos encontrar com Renato no terceiro andar da Biblioteca. Assim que o vimos, ele levantou as mãos ao céu como quem dissesse: “Até que enfim...!”. Percebi que Leonardo não estava lá e, antes que perguntasse sobre ele, Renato questionou: — O que vocês arrumaram? Como é que foram contar o segredo pro Léo? — É uma grande história... – falei rindo. Para nossa sorte, Renato havia percebido que apenas mencionamos “O enigma de Santo Antônio do Paraibuna” para Leonardo e, assim, nos disse que nada contou sobre “A Luneta de Ouro”, nem sobre o que descobrimos no capítulo “Aqui!” do primeiro livro. — O que você contou, então? – perguntou Júlia. — Mostrei o código e a frase: “Vá até o Santo e veja como ele...” Falei que o Santo estava na Catedral, mas não contei nada sobre São Francisco, porém, tenho
  • 64. 64 certeza de que ele viu o crânio humano desenhado final do capítulo. — Você não devia ter revelado nada! – Ju advertiu. — Como? Era o único modo de fazer com que ele fosse embora, ou pelo menos o que me veio primeiro à cabeça. Fui pego desprevenido! Desse modo fiz com que ele saísse daqui. Sem dúvida ele foi correndo pra Catedral, mas sinceramente, duvido que ele consiga descobrir o que nós descobrimos. — Tomara que não! – exclamei. As dúvidas que eu tinha sobre ser Leonardo a paixão de Júlia aumentaram ainda mais. Na verdade, tive quase certeza de que eles nunca tiveram um romance. Afinal, ela havia ficado uma fera quando bobeei e mencionei sobre o enigma perto dele. Abrimos a Bíblia no livro Gênesis. Corremos os olhos até o Versículo três do Capítulo um e lemos: “Deus disse: ‘Que exista a luz!’. E a luz começou a existir.” — Caramba! Agora ficou difícil... O tio Toninho apelou! – brinquei. — Que tio Toninho? – perguntou Renato. — Antônio Joaquim! – respondi. Nós três demos uma gargalhada que fez com que todos na sala fizessem: “Shhhhhh...”.
  • 65. 65 Envergonhados, tentamos ficar em silêncio, segurando o riso, até que Júlia disse: — Desta vez não tem nenhum desenho ao final do capítulo? — Bem lembrado, Ju. – respondeu Renato. Abrimos o livro no final do capítulo “Aqui!” e percebemos que sim, havia um desenho. Desta vez era uma estrela de cinco pontas. Tive a nítida sensação de já ter visto aquela imagem. Em algum lugar eu havia me deparado com ela. Não é qualquer tipo de estrela, esta tinha traços que a deixavam meio tridimensional. Pensei por alguns instantes, mas não consegui me lembrar. Ficamos ali bastante tempo refletindo e num determinado momento dei um suspiro longo... Foi quando Júlia me pediu o celular emprestado e, depois de alguns segundos, disse: — Eu sabia! Olhem! As estrelas são idênticas. Então nos mostrou a foto que eu havia tirado do monumento encomendado por Francisco Mariano Halfeld, em homenagem ao povo de Juiz de Fora, datado de 1902. A estrela na parte superior do monumento é realmente idêntica à desenhada por Antônio Joaquim. Mas o que ele queria dizer com isso? — Sem dúvida a estrela tem relação com a luz citada na Bíblia. Só não estou entendendo qual o sentido dessa relação... – disse Renato, pensativo. Ficamos alguns minutos em silêncio, pensando e tentando encontrar uma solução para este enigma. — Este está difícil! – confessou Renato.
  • 66. 66 — Gente! – emendou Júlia. – Vocês se lembram do que lemos no computador da casa do Renato? Se não me engano, na parte em que o texto descreve um trecho de um jornal antigo, falava-se alguma coisa sobre um foco de luz elétrica. — Isso! Boa, Ju! – exclamei. – É a estrela que representa um foco de luz elétrica! Mas, e agora? Onde procuramos pela próxima pista? Depois de alguns instantes, Renato declarou: — Meus amigos, podemos procurar em dois lugares. — Quais? – perguntamos juntos. — Sem dúvida alguma, a luz elétrica remete ao pioneirismo de nossa cidade em relação à energia. Vocês sabiam que a primeira Usina Hidrelétrica da América Latina foi construída aqui em Juiz de Fora? — A Usina de Marmelos, não é? Meu pai sempre contava essa história quando passávamos em frente daquele lugar! – disse Júlia. — Exatamente, Ju. Esse é um dos lugares em que devemos procurar a próxima pista. — E o outro? – perguntei. — O outro fica no centro da cidade! Na Rua Espírito Santo existe um castelinho que é o centro de atendimento da Cemig. Aquele prédio foi construído para ser a primeira sede da Companhia de Energia. — Então é melhor irmos pra Espírito Santo. É bem mais perto que a Usina, que fica na saída da cidade. – falei.
  • 67. 67 — Então temos que correr, porque, se não me engano, o Castelinho fecha às cinco horas e já são quatro e meia. – lembrou Renato. Devolvemos a “Luneta de Ouro” pra atendente, sem esquecer de agradecê-la, e descemos até a saída do Espaço Mascarenhas. Assim que nos preparávamos para atravessar a rua, um carro luxuoso preto parou na nossa frente. Da porta de trás saíram Leonardo e dois alunos do Ensino Médio: Pedro e Felipe. — Onde está a Luneta de Ouro? Está com vocês? – Leonardo perguntou. — Que Luneta de Ouro? Do que você está falando? – tentei ser convincente. — Não se faça de desentendido, moleque. Pensou que não iríamos descobrir o primeiro enigma? – disse Pedro com uma voz ameaçadora. – Vamos, falem! Não sairemos daqui até sabermos onde está a luneta. Olhando preocupadamente para o relógio, Renato colocou a mão no queixo e, depois de alguns segundos, para nosso espanto, declarou: — A “Luneta de Ouro” é um livro. Na verdade, ele não está com a gente, está no terceiro andar da Biblioteca, Leonardo. Onde você me encontrou. Aliás, não descobrimos nada de relevante nele. — Duvido! – disse Leonardo que, logo depois, ordenou de modo grosseiro a seu motorista que o esperasse ali.
  • 68. 68 Agora foi a vez de Júlia ter um ataque de nervos. Assim que os três foram em direção à Biblioteca e sumirem de nossas vistas, falou: — Por que você não vai com eles, Renato? Afinal, parece que eles são seus amigunhos... — Acalme-se, Ju. Eu apenas dei a eles o que queriam, não o que precisam. — Como assim? – perguntei. — Meus caros, de que adiante ter a “Luneta” sem ter o “Enigma”? Não há como decifrar a seqüência de números sem o capítulo “Aqui” do “Enigma de Santo Antônio do Paraibuna”... que, se não me engano, está na sua bolsa, certo Paulo? — Certo... Mais aliviada, Ju falou: — Ok... Tenho que admitir, foi muito bem pensado, Renato... Mas e então? Vamos, gente... Precisamos chegar ao Castelinho antes que ele feche.
  • 69. 69 13. O Castelinho Enquanto caminhávamos em direção à Rua Espírito Santo, eu ia pensando sobre o repentino aparecimento de Leonardo e cheguei à conclusão de que, sem dúvida, ele havia chamado Pedro e Felipe porque não conseguiu decifrar os enigmas sozinho. Além disso, seus dois comparsas são extremamente inteligentes, e ambiciosos o suficiente para serem “comprados”. — Não podemos bobear... – falei. – Pedro e Felipe são muito espertos... — Relaxe, Paulo. – disse Júlia. - Sem o primeiro livro eles não podem decifrar mais nada. Mais do que depressa, abri minha mochila pra me certificar de que o livro estava realmente lá. Ufa! Para meu alívio eu não o havia esquecido na Biblioteca. Assim, me senti menos culpado por ter revelado o segredo para Leonardo. Ao chegarmos no Castelinho da CEMIG, vimos que havia uma placa muito parecida com a que fica na entrada da Catedral, pregada na parede. Soubemos ali que o Castelinho também é tombado pelo Patrimônio Histórico pelo valor de sua arquitetura e por ser a primeira sede da Companhia Mineira de Eletricidade. Entramos e fomos direto ao atendente. — Existe alguma biblioteca aqui? – perguntei. — Biblioteca? - estranhou. - Não! — Você sabe se encontramos algum registro histórico, bem antigo, sobre o Castelinho ou sobre a
  • 70. 70 Companhia Mineira de Eletricidade? – indagou Renato. — Sim! Lá atrás existem algumas fotos antigas e alguns documentos da época em que a Companhia ainda existia. — Podemos vê-los? — Só um minuto, vou chamar meu chefe. O responsável pelo Castelinho chegou e, gentilmente, nos convidou a ver as fotos e os documentos que ficam em uma sala afastada do salão principal de atendimento. Apesar de termos visto algumas fotos interessantes, não encontramos nada relacionado ao escritor Antônio Joaquim Torres de Carvalho. — O senhor sabe onde podemos encontrar mais informações sobre a energia de Juiz de Fora? – Júlia perguntou. — Bem... Hoje em dia existe o Museu de Marmelos, que fica na antiga Usina. Lá vocês vão encontrar muitos registros históricos sobre a chegada da energia elétrica em nossa cidade. — Muitíssimo obrigada! – Ju agradeceu com um sorriso no rosto. Saímos do Castelinho e não tivemos dúvidas. Tínhamos que ir até o tal Museu. Enfiamos a mão no bolso e juntamos uma quantia em dinheiro que dava exatamente para ir e voltar de táxi até antiga Usina. Quando estávamos procurando um táxi, Júlia lembrou-se de que havia ficado com a Bíblia da funcionária do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas
  • 71. 71 e, mesmo com nossos protestos, resolveu voltar até lá para devolver o livro, afinal, ela havia prometido à senhora. Fomos andando o mais rápido possível. Ao chegarmos na entrada do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, que na verdade funcionou como uma fábrica há tempos atrás, vimos que o carro de Leonardo ainda estava lá parado, com o motorista, sonolento, à espera dos três. — Eles devem estar quebrando a cabeça! Nunca irão descobrir onde devem ir! – diverti-me.
  • 72. 72 14. A Usina de Marmelos Conversando animadamente após Ju ter devolvido a Bíblia à sua dona, fomos até ao ponto de táxi mais próximo, felizes com a possibilidade de desvendarmos mais um enigma. Assim que entramos no carro, Renato deu a orientação ao taxista e nos perguntou: — Algum de vocês já foi até o Museu de Marmelos? Confesso que nunca fui até lá. — Apesar de ter passado muitas vezes na frente de carro com meu pai, nunca entrei na Usina. – declarou Júlia. — Nem eu... – completei. Aquilo nos deixou mais ansiosos ainda, pois seria uma novidade para nós três. Assim que chegamos ao nosso destino, saímos do carro e, com uma cara de desconfiada, Júlia disse: — Estranho... Durante todo o trajeto tive a nítida sensação de que estávamos sendo seguidos. Olhamos à nossa volta e, como não vimos ninguém, comentei: — É impressão sua, Ju. — Sei não... – respondeu, ainda com um ar de desconfiança. – Meu sexto sentido feminino nunca falha... Sem perder a oportunidade de brincar com Renato e para descontrair um pouco o ambiente, emendei, num tom de brincadeira:
  • 73. 73 — O seu já falhou, Renato? — Engraçadinho... – respondeu. Descemos as escadas para chegar até ao Museu, que fica em uma casa muito antiga com a fachada feita de tijolos e grandes janelas pintadas de vermelho. Envolta por uma grande área verde, com bastante mato, atrás da casa avistamos uma cachoeira. Na porta havia um homem que aparentava ter uns quarenta anos de idade, barba bem feita e de cabelos prateados. Era um funcionário do Museu. Ao nos ver, perguntou se estávamos fazendo alguma pesquisa para a escola, afinal, ainda estávamos de uniforme. “Sim!”, respondemos e então ele nos convidou a entrar. — Quase que vocês não chegam a tempo! Eu já ia fechar o museu, o movimento geralmente é fraco. Meu nome é Antônio, se precisarem de mim, podem me chamar! — Obrigado! – respondemos meio que assustados com tantas coincidências em relação ao nome Antônio. A primeira coisa que vimos foi a unidade geradora de energia da antiga Usina que, aliás, soubemos que também era chamada de Usina Zero. A unidade é uma máquina imensa e muito bem conservada, se levarmos em conta que tem mais de cem anos. Em uma parede vimos um mapa e Renato chamou nossa atenção para o nome da Rodovia onde fica a Usina: “Estrada União e Indústria”.
  • 74. 74 — Esta estrada – explicou – foi construída após vários anos de arrecadação de verbas. A iniciativa foi tomada por Mariano Procópio. — O mesmo do Museu Mariano Procópio? – indagou Júlia. — Isso! Na verdade, o museu era uma chácara de Mariano Procópio que ficava à disposição da Família Imperial. Dom Pedro II se instalou lá várias vezes, inclusive na inauguração da Estrada União e Indústria. Em seguida, pedimos ao senhor Antônio que nos mostrasse algumas fotos e documentos da época. — Vejam esta foto! – mostrou-nos entusiasmado, apontando o dedo indicador para o homem que está no centro da fotografia. – Este é Bernardo Mascarenhas, o idealizador e fundador desta Usina. — E quem são os outros? – perguntei. — São personalidades da época, pessoas importantes que vieram presenciar a inauguração da primeira Usina Hidrelétrica da América Latina. Na verdade, a cidade toda estava em festa, pois a energia não foi usada apenas em fábricas, serviu também para a iluminação das ruas na área urbana de Juiz de Fora. Enquanto ele falava, percebi que Júlia olhava atentamente para a foto e, em seguida, para o senhor Antônio. Fez isso, discretamente, algumas vezes e, por fim, sussurrou em meu ouvido: — Você não acha que aquele último homem à direita, na foto, se parece muito com ele? – levantou a
  • 75. 75 cabeça em direção ao guia do museu enquanto ele continuava a falar com Renato. Observei e também percebi a semelhança. Era um homem forte, de terno e com um bigode bem cuidado. Apesar de possuir ombros largos, tinha um ar intelectual e, pela sua posição (tinha uma mão por cima da outra, em frente ao corpo), parecia ter muita classe. Sem conseguir prestar atenção em mais nada do que ele falava, resolvi interrompê-lo: — Senhor Antônio, desculpe-me a curiosidade, mas não conseguimos deixar de perceber que o senhor se parece muito com aquele homem da foto. — Olhem só! Vocês perceberam? Ninguém nunca me perguntou sobre isso! Aquele é meu bisavô! — Sério? – perguntou Renato. – Que interessante! — Ele estava ali representando o chefe dele que não pôde ir na inauguração. Ele era uma espécie de secretário particular, o que hoje chamamos de assessor de um dos filhos de Henrique Halfeld, o Coronel Francisco Mariano Halfeld. Olhamo-nos assustados. Não podia ser possível! “Será que estamos na frente do bisneto de Antônio Joaquim?”, pensei. — Seu nome não seria Antônio em homenagem ao seu bisavô, seria? – perguntou Renato. — Sim! É uma tradição de família. Meu pai também se chama Antônio e meu avô também. Mas
  • 76. 76 por que você está me perguntando isso? Vocês já ouviram falar do meu bisavô? — Creio que sim! – Renato respondeu. – Se ele se chamava Antônio Joaquim Torres de Carvalho... — Ele mesmo! – respondeu com os olhos cheios d’água. – Onde vocês souberam algo sobre ele? Sem nem discutir se devíamos ou não contá-lo toda a verdade, afinal ele era bisneto do nosso enigmático escritor, relatamos tudo o que havíamos descoberto, todas as pistas e tudo o que já sabíamos, parte por parte. — Não é possível! – disse Antônio, assustado. – Como é que pode? Eu ouvia de meu pai que ele gostava muito de escrever, mas nunca soubemos desses livros. Vocês devem estar brincando comigo! Assim que ele acabou de falar, tirei da mochila o livro de seu bisavô e ele, emocionado, assentou-se em uma cadeira e folheou as páginas chorando como uma criança. Então disse: — Garotos! Vocês devem estar se empenhando muito para descobrir esses enigmas. Em nome de meu bisavô e minha família, devo agradecer-lhes imensamente! E peço uma coisa a vocês: quando chegarem ao fim de tudo e forem contar pra alguém o que viveram, não se esqueçam de citar o nome de meu bisavô... — Pode deixar! – falei. – Na verdade, nos sentimos muito próximos a ele. Afinal, como já havíamos comentado entre nós, estamos vivendo em função de suas instruções.
  • 77. 77 — Por falar nisso, – emendou Renato. – o senhor não sabe onde pode estar a próxima pista? Antônio pensou por um instante e, com os olhos brilhando, falou: — Gente! Agora eu sei pra que servem aqueles números! Venham comigo! Então, levou-nos até uma antiga escrivaninha, abriu uma gaveta e nos mostrou um papel muito antigo, amarelado pelo tempo, guardado dentro de um plástico transparente. — Quando comecei a trabalhar aqui, – contou- nos. – havia alguns papéis e documentos que fazem parte da história da Usina que não estavam devidamente expostos nem catalogados. Sem muito o que fazer e pra saber mais sobre o meu local de trabalho, comecei a lê-los, um por um. Para minha surpresa e alegria, achei este, assinado pelo meu bisavô. É uma carta escrita por ele, felicitando o Dr. Azarias de Andrade pela brilhante iniciativa de continuar os projetos deixados por Bernardo Mascarenhas depois de sua morte. — Deve ser isso! E os números? Você falou sobre alguns números... – perguntei. — Pois é! Até hoje, nunca tinha entendido essa seqüência de números. Acho que o Dr. Azarias de Andrade deve ter achado meu avô meio maluco, afinal ele também não deve ter entendido nada! Quando ele nos entregou a carta, lemos o seguinte:
  • 78. 78 “ Ao ilustríssimo Sr. Dr. Azarias de Andrade, Sabendo do esforço indizível que, juntamente com o espírito inovador e caráter de homem pioneiro, levou teu sogro à idealização (um tanto quanto utópica para alguns incrédulos) e conseqüente construção da primeira Usina Hidrelétrica da América Latina, venho por esta dar-te minhas humildes, porém sinceras, congratulações pela continuação, liderada pelo senhor, do projeto iniciado pelo falecido Sr. Bernardo Mascarenhas. Entre tantos nomes de respeito, nomes de grandes homens que fizeram com que Juiz de Fora fosse chamada de Princesa de Minas e até mesmo de Manchester Mineira aludindo à famosa e empresarial cidade inglesa, nomes como Henrique Halfeld, Mariano Procópio, Baptista de Oliveira, Bernardo Mascarenhas, Francisco Mariano Halfeld, entre muitos outros, inclui-se agora mais um: Azarias de Andrade(...)” Peguei minha câmera digital e fotografei aqueles escritos. A carta continuava exaltando os projetos realizados na Companhia. No final, como havia dito o bisneto de Antônio Joaquim, estava uma seqüência de números e, embaixo da seqüência, havia uma estrela de oito pontas ou talvez fosse uma rosa- dos-ventos. Já acostumados com o código, rapidamente concluímos que a mensagem era:
  • 79. 79 "Santo Antônio, em nome de Cristo Redentor, norteai-nos" Obviamente a mensagem se referia à Imagem do Cristo Redentor que fica no alto do Morro do Imperador. — Óbvio! — exclamou Renato. — A estátua do Cristo representa mais um ato de pioneirismo de Juiz de Fora! — Como assim? — perguntei. — Você não sabe, Paulo? A construção, erguida no Morro do Imperador, foi a primeira imagem do Cristo Redentor no Brasil! - declarou Renato. — Não! - Júlia exclamou. - O Cristo do Rio de Janeiro é mais antigo... Antônio ergueu o dedo indicador e disse: — Negativo! O Cristo do Rio de Janeiro teve sua inauguração somente em 1931, enquanto o nosso foi inaugurado bem antes, em 1906. — Uau! - exclamei. - Juiz de Fora não foi apenas a primeira a ter eletricidade... Nossa cidade é mais importante do que eu pensava! — Precisamos ir até o Cristo! - disse Ju. — Não os aconselho a ir até lá agora, garotos. - Antônio advertiu. - Já passam das dezoito horas, já anoiteceu. Não é seguro ficas naquelas proximidades à noite. É melhor irem amanhã... — Muito bem! - falei. - Então está marcado! Amanhã, depois da aula, iremos diretamente ao Cristo.
  • 80. 80 Agradecemos imensamente a Antônio e prometemos que tudo o que acontecesse a partir de agora, seria relatado a ele. Logo depois, fomos caminhando até a saída do Museu e subimos em direção à Estrada União Indústria. Antes, porém, eu já havia pedido, por telefone, que um táxi fosse nos buscar. Enquanto estávamos esperando, para nossa surpresa e confirmação da suspeita de Ju de que estávamos sendo seguidos, Leonardo e seus dois “fiéis escudeiros” nos abordaram. — E aí, moçada? Vocês vão nos dizer a próxima pista na boa ou teremos que arrancar a informação a força? — Que pista, Leonardo? - tentei inultimente disfarçar. - Não encontramos nada. Estávamos enganados em relação à Usina... Não há nada aqui. Então, sem pensar, coloquei minha câmera digital, que estava pendurada na minha mão direita, dentro da mochila. Obviamente eles perceberam e deduziram que a pista estava na máquina. Antes que eu pudesse pensar em fazer algo, Felipe já havia me segurado e Pedro, rapidamente, me tomou a mochila. Pegaram minha câmera e jogaram a mochila no meio do mato. Ainda tentei reagir, mas em um segundo eles já haviam entrado no carro de Leonardo e partido. — Idiotas! - gritou Júlia, visivelmente transtornada.
  • 81. 81 Ganhei alguns arranhões quando recuperei minha mochila e, com uma raiva enorme, preferi ficar em silêncio até a chegada do táxi
  • 82. 82 15. O Cristo Redentor Cheguei em casa exausto. Meus pais estavam preocupadíssimos por causa do meu sumiço. Sem conseguir sequer expressar-me devido ao cansaço, contei rapidamente que eu e meus amigos fomos fazer uma pesquisa sobre a História de Juiz de Fora. Tomei um banho e fui descansar, estirado em minha cama. Nem preciso dizer que não consegui dormir direito. Apesar do enorme cansaço, minha mente não parava um instante de pensar em tudo o que havia ocorrido. Parecia que um filme estava passando na minha cabeça. Desde minha primeira ida à Biblioteca Murilo Mendes quando, sem querer, achei o livro “O Enigma de Santo Antônio do Paraibuna” até o roubo da minha câmera digital. Todas essas imagens iam e vinham sem parar. Levantei-me e fui até a cozinha fazer um lanche. Então, nesse momento meu celular tocou e, ao pegá-lo, vi que era Renato quem me ligava. — Fala, Renato! - atendi. — Como é que você está, Paulo? Ainda chateado com a perda da câmera? - perguntou-me. — Perda não, né... Roubo! - falei de maneira irritada. — Pois é, mas amanhã damos um jeito nisso, fica tranqüilo. Depois ligue seu computador. Mandei um e-mail pra você. — Sobre o quê?
  • 83. 83 — É um arquivo sobre o Morro do Imperador. Achei no pc da minha mãe. É um artigo que ela escreveu há vários anos quando fazia pós-graduação na UFJF. — Legal! Isso pode nos ajudar amanhã! - exclamei. — Mas, e aí? Mudando de assunto... Está convencido agora de que o “L” do coração de Júlia não é de Leonardo? — Bem... Se realmente for, acho que ela já deve ter desistido dele. Afinal ele provou ser um imbecil! - repondi. — É verdade! Mas o “L” não é do nome dele. — Como é que você pode ter tanta certeza? - estranhei. — Acho que eu descobri de quem é a letra “L”... - falou com um ar de suspense. — Sério? Quem é? Me conta! — Isso eu não vou te contar... Esse é mais um enigma que você vai ter que decifrar. Só que dessa vez, sem a minha ajuda! - declarou num tom de quem está sorrindo. — Fala sério, Renato! Conta aí... - pedi impaciente. — Não, Paulo... Você vai acabar descobrindo por si só! Tenha paciência! Fiquei chateado por causa do suspense que Renato inventou de fazer. Então despedimo-nos e fui direto ao meu computador conferir o e-mail que meu amigo me mandara.
  • 84. 84 O artigo escrito pela mãe de Renato era enorme e bastante completo. Com ânsia de saber tudo sobre o Morro do Imperador, li o texto inteiro. Uma das coisas mais interessantes que encontrei foi uma história sobre Dom Pedro II e Henrique Halfeld. Diz-se que quando os dois estavam no alto do Morro do Imperador (que tem esse nome justamente em homenagem a Dom Pedro II), Halfeld apontou em direção ao atual Calçadão e disse-lhe que aquela rua teria o nome de Vossa Majestade. “Fico lisonjeado!” - declarou o Imperador. - Mas a partir de agora essa rua chamar-se- á Halfeld! Rua Halfeld!” Naquela época ainda não existia o monumento com a imagem de Cristo Redentor, só havia uma grande cruz de madeira. As obras da imagem começaram em 1905. O idealizador foi Baptista de Oliveira, um grande benfeitor de Juiz de Fora e a construção ficou a cargo de uma importante indústria da época, a Pantaleone Arcuri & Spinelli. Baptista de Oliveira contou com o apoio de alguns nomes importantes da cidade na época, como por exemplo Francisco Mariano Halfeld. Dormi com todas aquelas imagens dos acontecimentos anteriores na minha cabeça. Acho que, por isso, sonhei que eu e Júlia estávamos com umas roupas do início do século XX e ela corria atrás de mim, gritando desesperadamente, mas eu não me virava e não a atendia, pois ao gritar ela dizia: — Lucas! Lucas, olha pra mim!
  • 85. 85 Na verdade eu percebia que era a voz de Júlia, mas enquanto ela corria, eu pensava: “como não me chamo Lucas, vou deixá-la gritando...” Acordei mais cedo do que o habitual. Afinal, estava ansioso com o dia que iria ter. “Primeiro tenho que dar um jeito de recuperar minha câmera digital. Além disso, tenho que pensar em um jeito de confundir a cabeça de Leonardo, pois a essa altura ele já deve ter desvendado o enigma pela foto. Aliás, não ele, mas Felipe e Pedro é que devem ter decifrado o código” - pensei. Antes de sair de casa para ir à aula, uma outra preocupação me veio à cabeça, por isso resolvi ligar para Júlia: — Oi, Ju! Te acordei? — Não! Eu estava me vestindo para ir à aula. Acordei muito cedo. Acho que é a ansiedade pelo dia que teremos! — Pois é! Eu também não dormi muito bem. Tive um sonho estranho com nós dois. - revelei. — Jura? O que você sonhou? - indagou. — Nada de muito importante. Liguei porque eu estava aqui pensando: e se o Leonardo resolver faltar aula e for na nossa frente até o Cristo? Você pensou nisso? — Pensei! Mas não se esqueça de que hoje tem teste de Matemática e o professor não dá segunda chamada de jeito algum. - falou. — Caramba! O teste de Matemática... Esqueci completamente... Nem estudei!
  • 86. 86 — Calma, Paulo. Pelo menos o teste não vai deixar com que Leonardo chegue na nossa frente. Por falar nisso, vê se consegue dinheiro aí, porque teremos que ir de táxi até o Morro do Imperador. — Vou pedir ao meu pai. Beijo pra você. Nos vemos daqui a pouco. - despedi-me. — Beijinho! Antes de sair, fui até o quarto dos meus pais, que estavam se arrumando para ir trabalhar. — Paizão! Descola uma grana pra mim? - pedi. — Pra que? — Preciso ir até o Cristo depois da aula. É parte da pesquisa que eu, Ju e Renato estamos fazendo. Se der tudo certo eu conto em detalhes pra você. — Tudo bem... Toma aqui. Mas olha, cuidado quando estiver lá, hein! - aconselhou-me. — Pode deixar! Valeu, pai... — Falou, Paulito! Assim que cheguei em sala de aula, a primeira coisa que fiz foi procurar por Leonardo. Nunca pensei que ia dizer isso, mas adorei vê-lo ali. Senti um grande alívio. Recuperar minha câmera foi mais fácil do que eu pensei. Quando todos saíram para o intervalo, fiquei em sala. Abri a mochila de Leonardo (sem sentir culpa alguma, afinal só estava tomando o que era meu) e para minha alegria lá estava minha máquina. Como eu já esperava, não me dei muito bem no teste de Matemática. Fiz o que eu sabia e, com um
  • 87. 87 pouco de sorte, pode ser que eu consiga pelo menos a média. Quando finalmente o sinal que indica o fim da aula bateu, mais do que depressa nos reunimos e entramos no primeiro táxi que passou. A subida até a Imagem do Cristo Redentor é bem acentuada e o carro ia bem devagar. Porém, tivemos a sensação de que estávamos na frente do grupo do Leonardo, o que confirmamos assim que chegamos. A primeira coisa que fizemos após pagar ao taxista foi ir até o mirante. Encostamos na grade e ficamos observando aquela paisagem. A visão da cidade é espetacular, tão espetacular que ficamos distraídos tentando encontrar nossos prédios. Vendo também os lugares que conseguíamos distinguir, o que mais me chamou a atenção foi a vista da Academia de Comércio. — Sabiam que, além da imagem do Cristo Redentor, também foi Baptista de Oliveira o responsável pela construção da Academia? - Renato nos revelou. — Então ele realmente merece ter o seu nome em uma rua tão importante como aquela. - falei. Renato nos olhou e disse: — Ele era considerado o comerciante de mais prestígio no Estado de Minas Gerais. Foi por isso que colocaram o nome dele na antiga Rua do Comércio. Continuando nossa “expedição” ao Morro do Imperador que, popularmente, é chamado de Morro do
  • 88. 88 Cristo, ficamos impressionados com a quantidade de torres de rádio e televisão que invadiram o espaço. Júlia disse que, apesar de poluir a visão do lugar, ali, como é um dos pontos mais altos da cidade e seu acesso é relativamente fácil, deveria ser uma das melhores áreas para se instalar as torres. — Mas não deixa de ficar estranho! - afirmei. Caminhamos até o Cristo e vimos sua imagem que fica a 25 metros do chão. Jesus tem o braço direito erguido e ao seu lado esquerdo existe uma cruz. A base que sustenta a imagem é, na verdade, uma pequena capela. Subimos os degraus da escada que nos leva até a porta e entramos. Lá dentro há um pequeno altar com uma cruz de madeira e algumas imagens de santos, incluindo Nossa Senhora Aparecida em cima de um oratório e, dentro dele, uma pequena imagem de Santo Antônio. — Olha aí o Santo Antônio de novo! Não acham que isso deve ser um sinal? Júlia perguntou. Renato e eu concordamos, balançando a cabeça, mas, na verdade, não fazíamos idéia de onde encontrar o que Antônio Joaquim nos indicava. Não sabíamos nem se estava dentro ou fora da capela, no Mirante ou até mesmo na Imagem do Cristo. Sem saber o que fazer, Ju e Renato saíram e ficaram conversando. Também sem saber o que fazer dali pra frente, ajoelhei-me em frente ao pequeno oratório e resolvi fazer uma oração. Assim que acabei de dizer: “Santo Antônio, em nome de Cristo Redentor, norteai-nos!”, vi que o chão da capela é feito com
  • 89. 89 vários pisos quadrados que se parecem com azulejos e, juntos, formam alguns desenhos. Formam, para meu êxtase, várias rosas-dos-ventos ou estrelas de oito pontas. — Gente! Venham aqui! Vejam! - gritei apontando para o chão. — Só pode ser aqui! - disse Júlia. Antes de entrar novamente na capela, Renato ficou olhando fixamente para um ponto, onde, do lugar em que eu estava, não consegui identificar. — Saiam daí... Rápido! - exaltou-se. — Como assim, Renato? Você não viu o que o Paulo acabou de achar? — Saiam! - gritou. - Depois eu explico... Fizemos o que ele pediu e então ele nos empurrou para trás do monumento. Ali, nos sussurou: — Olhem pra lá, mas não se deixem ver. O grupo do Leonardo está ali no mirante. Tirei vocês de dentro da capela porque se eles nos vissem lá, desconfiariam de que achamos outra pista. — Então, o que fazemos? - perguntou Júlia, preocupada. — Vamos esperar e torcer para que eles não entrem lá ou não vejam o detalhe no chão. - falei. Ficamos ali uns dez minutos e, para nossa agonia, os três entraram na capela. Devem ter ficado ali por uns cinco minutos e, pelo que pude escutar, eles não encontraram nada, nem perceberam o desenho no chão.
  • 90. 90 Aliviados, esperamos que eles sumissem de nossas vistas para que pudéssemos novamente entrar na capela. Quase totalmente desanimados, nos sentamos do lado de fora, na escadaria, para refletir um pouco. Resolvi abrir minha mochila pra pegar o antigo livro de Antônio Joaquim e folheá-lo... Foi quando Júlia viu minha câmera digital e perguntou: — Conseguiu a máquina de volta? Ainda bem! — Pois é! - respondi. Resolvi ligá-la pra ver se Leonardo havia apagado alguma foto, mas todas estavam lá. Quando olhei a última fotografia, a da carta de Antônio Joaquim, dei um salto: — Está óbvio! Vejam! Antônio Joaquim disse: “Santo Antônio, em nome de Cristo Redentor, norteai- nos!” — É! - disse Júlia – Mas qual a novidade? — O desenho! Antônio Joaquim disse “norteai- nos” e o desenho é de uma rosa-dos-ventos. Devemos procurar o Norte! — Brilhante, Paulo! - elogiou-me Renato. Mais do que depressa entramos novamente na capela, mas logo Júlia lembrou: — Pra onde fica o Norte? Alguém tem uma bússola? Não. Nós não tínhamos uma bússola. Porém, depois de alguns instantes Renato declarou: — Talvez o norte seja Santo Antônio que fica aqui, dentro da capela do Cristo Redentor! Pode ser!
  • 91. 91 Olhamos para a pequena imagem que deve ter uns vinte centímetros de altura. Chegamos perto e Júlia, imediatamente, segurou-a. Analisou, girou, observou a imagem, mas não encontrou nada de diferente. Pedi para segurá-la, mas também não encontrei nada. Porém, assim que fui entregá-la a Renato, deixa-a escorregar das mãos. — Caramba, Paulo! Quebrou! - disse Renato ao ver a imagem de um lado e, de outro, a base que sustentava Santo Antônio. Envergonhado com meu ato desastrado, fiquei ali paralisado, sem conseguir falar nem fazer coisa alguma. — Não! Vejam! - gritou Júlia. - A imagem não quebrou! A base apenas se desencaixou do santo! Abismado, agachei-me e peguei as duas partes da imagem. Realmente ela não havia se quebrado. Olhamos para dentro da imagem de Santo Antônio e, para nossa surpresa, encontramos um papel enrolado, bem velho e amarelado. — A pista! - exaltei-me. - Até que ser desastrado não é tão ruim assim! Abrimos, ansiosamente, o papel e lemos, numa letra minúscula, mas que sem dúvida era de Antônio Joaquim: “Caro amigo, teu espírito aventureiro te trouxe até aqui, ao Primeiro Cristo Redentor do Brasil e última estação