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Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS



          A ESQUERDA CATÓLICA: HISTÓRIA E MEMÓRIA DA AÇÃO POPULAR


                                                                Lucília de Almeida Neves Delgado ∗
                                                                    Farley da Conceição Bertolino ∗∗
RESUMO: Análise sobre memória e testemunhos de militantes da Ação Popular Marxista
Lenista (APML) no Brasil.

ABSTRACT: A cultural and political analysis of brazilian marxist-leninist moviment called “AP-
Ação Popular – testimonyo and memory reports”.

Palavras-chave: Esquerda católica – Ação Popular – Marxismo.

Introdução
         Nos anos de 1960, parte da Juventude Universitária Católica (JUC) se aliou a jovens
marxistas com objetivo de derrotar estudantes de direita em eleições para as entidades estudantis
nas mais diferentes cidades do Brasil. Essa orientação não foi aceita pelo clero conservador e
hierarquia da Igreja Católica. Diante da dificuldade de conciliar militância política com
orientações tradicionais do catolicismo, surgiu uma idéia, entre esses estudantes de constituir
nova organização que pudesse atuar de forma independente em relação ao catolicismo. Nascia a
Ação Popular (AP), e na seqüência a Ação Popular Marxista Leninista (APML).
          Reveste-se de especial relevância a análise da trajetória desses militantes, que fizeram de
sua juventude um tempo de resistência ao arbítrio do regime militar. Depoimentos orais, que
traduzem diferentes expressões da memória social e política de muitos desses militantes
encontram-se registrados no Centro de Memória e Pesquisa Histórica da PUC Minas. Recorremos
a alguns deles para analisar a integração de jovens de AP (transformada em Ação Popular
Marxista Leninista, APML) às mobilizações políticas e sociais peculiares ao contexto em foco.
Foram selecionados depoimentos dos seguintes ex-militantes da organização – Antônio Augusto
Pereira Prates, Beatriz Gonçalves, Eunice Novaes de Godói, Fausto Brito, José de Anchieta
Correa, Gilse Maria Westin Cosenza e Ricardo Prata Soares.
         Através da metodologia da história oral, tais sujeitos históricos tiveram oportunidade de
registrar suas lembranças e assim contribuir para a recuperação da memória social. Consideramos
que a oralidade, em determinadas conjunturas, é importante fonte para o desenvolvimento da

∗
    Professora Titular – PUC Minas e UFMG
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pesquisa histórica. Em decorrência, optamos por trabalhar com fragmentos das entrevistas
citadas, de uma forma mais fluida, deixando fluir a fala dos entrevistados. Os depoimentos
abordam os seguintes temas: alianças realizadas, razões de adesão dos jovens de AP ao
marxismo, reação de diferentes setores do catolicismo à sua opção marxista, disputas internas,
repercussão de suas ações, e razões para dissolução da APML. A análise do conteúdo desses
depoimentos possibilita uma peculiar incursão histórica na realidade das décadas de 1960 e 1970
no Brasil.


Ação Popular: memórias e história


          O presente texto foi redigido tomando como principal referência a memória de pessoas
integrantes da ala mais progressista da Igreja Católica, no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970.
Importantes líderes do movimento estudantil (ME), que à época marcaram a política nacional
com sua militância, eram originários da AP, organização que atraiu jovens estudantes católicos,
universitários e secundaristas.
          Na política brasileira, nas conjunturas históricas dos anos de 1960 e 1970, o impacto de
uma nova forma de prática religiosa participante e ecumênica, pode ser percebido através do
envolvimento de expressivos membros do catolicismo brasileiro com a realidade social e política
do país. Além disso, dedicaram-se também a intensa integração à luta por direitos sociais e
humanos. A AP alcançou projeção porque, além de ter sido o único grupo político que se
manteve na direção da União Nacional dos Estudantes (UNE), de 1961 até 1969, teve também
expressiva atuação em diferentes cidades do Brasil. Uma delas foi a capital de Minas Gerais.
Nessa cidade estudantes da AP integraram Diretórios Estudantis (DCE’s) e Centros Acadêmicos
(CA’s e DA’s) das Universidades Federal e Católica. Todavia, após a edição, pelo governo
federal, do o Ato Institucional Nº5 (AI-5), em 1968, essa organização teve seus principais
quadros deslocados para a clandestinidade ou refugiados no exílio.
          Para compreender os depoimentos sobre a organização e atuação da AP foi necessário
examinar e definir alguns marcos fundamentais da história deste grupo político, como por
exemplo: suas raízes no cristianismo da Juventude Universitária Católica (JUC) no final da
década de 1950 e início de 1960; sua fundação, em 1963, no I Congresso da AP no qual foi

∗∗
     Mestrando em História e Culturas Políticas – UFMG
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aprovado o Documento-Base que orientou a atuação da entidade, até aproximadamente 1968; a
adesão ao Marxismo-Leninismo em 1968; a posterior integração da maioria dos apistas ao
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e a dissolução do que restou da organização no final da
década de 1970.


Do Cristianismo da JUC ao Marxismo da AP


       A Ação Católica foi fundada em 1935. Tratou-se de uma estratégia da Igreja Católica para
melhor penetração junto à sua comunidade leiga. Nas suas origens a organização também foi
orientada por marcante caráter anticomunista. Mas a partir da década de 1950 os movimentos
leigos de Ação Católica passaram a ter uma nova orientação, através de expressivo compromisso
social e da inserção dos seus militantes na realidade material. Nessa época, a organização da
Ação Católica foi dividida em setores especializados que atingiam principalmente a juventude,
em seções definidas como Juventude Agrária Católica (JAC); Juventude Estudantil Católica
(JEC); Juventude Independente Católica (JIC); Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude
Universitária Católica (JUC).
       Podemos observar, que entre as décadas de 1950 e 1960, estabeleceu-se um novo tipo de
relação da Igreja com o mundo social e político, sendo que foi nesse período que se apresentaram
as etapas de organização, expansão e consolidação da JEC, da JOC, e da JUC. Martins Filho
informa que:
                          Em seus primórdios, a Juventude Católica nasceu voltada basicamente para as tarefas
                          “espirituais” e de “evangelização”. No início da década de cinqüenta este grupo se
                          definia como “apolítico” e alguns de seus setores orientavam-se por um acentuado
                          anticomunismo e relações, ainda não de todo definidas, com o integralismo. Entretanto,
                          tendo em vista as intensas mudanças vividas naqueles tempos, não demorou para que
                          grupos jucistas começassem a se colocar o problema do enfrentamento dos grandes
                          temas sociais externos à Universidade. Assim, em 1953-54, marcados ainda pela
                          perspectiva da “evangelização”, os jucistas de São Paulo e Belo Horizonte já registraram
                          forte marca das idéias do influente padre Lebret, que em sua vinda ao Brasil insistiu para
                          que se realizassem pesquisas sociológicas a fim de fundamentar uma visão católica da
                          “questão social” (MARTINS FILHO, 1987, p. 44).


       Com efeito, a teoria do padre Lebret contribuiu muito para o método de análise sócio-
religiosa dos jovens católicos, principalmente dos integrantes da JEC e da JUC, cujo diagnóstico
dos problemas sociais se daria através da tríade ver, julgar e agir: “Era preciso ver bem a
realidade, julgá-la e partir para uma ação” (José de Anchieta Corrêa). Nesse período, a JUC ainda
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não atuava de forma organizada ou centralizada na política estudantil. No entanto, com o passar
do tempo os universitários católicos passaram a discutir “aspectos das idéias dominantes da
Igreja, como a passividade política diante da ordem estabelecida, num contexto de convivência
universitária com outras correntes de pensamento” (RIDENTI, 2006, p. 73).
       Em função do engajamento da JUC no movimento estudantil, surgiu a necessidade de
definir objetivos políticos mais gerais para os cristãos. Assim, a JUC realizou em 1960, no Rio de
Janeiro, o seu “Congresso dos 10 anos”. Nesse evento foi aprovado o documento que recebeu a
denominação de: Diretrizes Mínimas Para o Ideal Histórico do Povo Brasileiro. O conteúdo do
referido texto explicitava a opção dos jucistas pelo “socialismo democrático” e pela “revolução
brasileira”. Esse congresso representou expressiva vitória da corrente mais progressista da JUC,
que também ampliava de maneira crescente sua influência no movimento estudantil em diferentes
estados de federação brasileira.
       No mesmo ano foi realizado o XXIII Congresso Nacional dos Estudantes, no qual a JUC
apareceu pela primeira vez como força política organizada, aliando-se politicamente a grupos
comunistas, e conseqüentemente provocando forte reação da alta hierarquia da Igreja. Conforme
Beatriz Gonçalves, “enquanto os católicos estavam numa ação muito ligada à própria
espiritualidade, eles eram muito diferentes dos marxistas. Na hora que cresceu a dimensão social
do catolicismo, as diferenças foram ficando muito pequenas...”. Nesse sentido, as alianças
realizadas entre os estudantes católicos, sobretudo com os estudantes comunistas, adquiriam um
objetivo comum:
                        A gente fazia muita aliança nas eleições dos DA’s, dos DCE’s, com os comunistas.
                        Fazíamos muito. Nós sempre fizemos aliança contra a direita. A direita, naquela época,
                        era uma direita mais ou menos organizada (...) Num determinado momento esse
                        movimento foi amadurecendo, e exatamente a hegemonia no movimento estudantil já
                        estava tão grande que se pensou então que não fazia muito sentido um movimento de
                        natureza confessional, religiosa, a gente queria um movimento que tivesse nome e cara
                        para atuar diretamente no movimento estudantil, na sociedade, em nome da justiça, de
                        maneira revolucionária. Aí surgiu a idéia da Ação Popular. Porque a gente não queria
                        atuar com religioso, porque aí seria discriminatório. O outro, não, seria um movimento
                        que teria uma ideologia própria. (Antônio Augusto Pereira Prates).

       Não há dúvida de que a proibição, pela alta hierarquia eclesiástica de que os dirigentes
jucistas viessem a concorrer aos cargos eletivos do movimento estudantil, provocou forte
descontentamento e foi importante fator da ruptura de quadros da JUC com a Igreja. Diante das
crescentes reivindicações de autonomia, como já informado, surgiu então a idéia, sobretudo entre
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os estudantes católicos de Belo Horizonte, de se constituir uma nova organização que pudesse
atuar independentemente da Igreja. Em decorrência, formou-se o “embrião” da Ação Popular.
                       A Ação Católica, de maneira geral, a JUC e a JEC eram os dois movimentos mais
                       organizados na política estudantil (...) A Igreja queria de nós um movimento
                       fundamentalmente confessional. Queria um movimento que voltasse às suas origens.
                       Porque, na verdade, a Ação Católica, nas suas origens, era até mesmo um movimento
                       conservador. E como a Igreja se ajustava, se plastificava em função da nova realidade
                       política que o Brasil vivia, e se comprometia enormemente com isso, ela obviamente não
                       queria ter entre os seus uma presença de pessoas, ou mais ainda, de uma instituição que
                       tivesse o peso e a importância política à esquerda que nós tínhamos (...) A nossa
                       militância católica era essencialmente a militância política. Quer dizer, a luta pela justiça
                       social, a luta contra a pobreza. Isso que era a essência da religiosidade e, portanto, a
                       essência da nossa militância (...) E essa militância política não tinha jeito de ser feita
                       pela Igreja, tinha que ser feita na Ação Popular. (Fausto Brito)

                       À medida que a JUC sentia a necessidade de uma intervenção política organizada, de
                       definições políticas sociais claras e de ação política clara, a organização começou a ter
                       problemas com a estrutura, com a hierarquia da Igreja. A JUC começou a ter uma
                       maioria de esquerda. E isso correspondia a um enfrentamento da hierarquia da Igreja,
                       que não topava isso. Dentro da Igreja, por sua vez, se desenvolvia também essa
                       diferenciação. Quer dizer, havia a hierarquia, que não admitia que se fosse tão longe,
                       mas havia a parte progressista da Igreja que dava todo apoio e estava totalmente
                       integrada com a esquerda de JUC. E que também ajudou, inclusive, essa parte da Igreja,
                       setores de Igreja, ajudavam a elaborar as coisas políticas de AP, ajudavam a programar a
                       ação. E mesmo depois da ditadura, quando começa a perseguição, esses setores da Igreja
                       continuavam participando dos nossos debates, das nossas elaborações, inclusive eles
                       também, esses setores de Igreja que estavam muito ligados a nós, agiam junto conosco
                       contra a ditadura. Agiam junto, não é só que nos protegiam e escondiam, agiam junto.
                       (Gilse Cosenza)

       A JUC procurou orientar-se pelo pensamento dos católicos mais progressistas e participou
da movimentação política estudantil, convivendo com jovens não católicos, e sim marxistas. Em
Minas Gerais, essa inclinação à esquerda foi bastante expressiva. A ela se integraram militantes
que se destacavam e davam sustentação teórica ao grupo, tais como Herbert José de Souza (o
Betinho), Vinícius Caldeira Brant, Henrique Novais e Wilmar Faria.

                       Dentro da própria Ação Católica eu acho que a descoberta do marxismo foi um negócio
                       que explodiu dentro da gente. Eu me lembro bem dos papas do movimento, que tinham
                       estudado o marxismo, vamos dizer assim, que era o Antônio Otávio Cintra, o Vinícius
                       Caldeira Brant, o Betinho (...) aquela turma que estudava o dia inteiro, um pessoal muito
                       inteligente. Estudava o dia inteiro, teve acesso ao marxismo e babou com o marxismo. E
                       começou então a entrar com as teorias marxistas dentro das análises que a gente fazia no
                       entorno da Ação Católica (Beatriz Gonçalves).

       Na literatura que influenciava a esquerda católica destacavam-se, sobretudo, intelectuais
franceses (Emmanuel Mounier, Teillard de Chardin, Jacques Maritain e Sartre) e alguns
brasileiros como Caio Prado Junior, Josué de Castro, Celso Furtado e Alceu Amoroso Lima.
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Dentre os religiosos que continuaram orientando os jovens apistas na cidade de Belo Horizonte,
destacaram-se os padres Henrique de Lima Vaz (responsável pela criação do estatuto ideológico
da organização), alguns frades dominicanos, além dos padres Lage e Luís Viegas. As discussões
mais importantes nas pautas das reuniões da AP envolviam questões sociais e políticas, sobretudo
a questão da justiça social: “como você analisa a sociedade, como você se insere na sociedade,
como a ação política do católico vai se inserir numa sociedade (...) como você trabalha com
conflitos, mas dentro dessa perspectiva de uma análise marxista da sociedade” (Beatriz
Gonçalves).
                         Nós tínhamos a preocupação, partíamos da convicção de que os católicos, que qualquer
                         cidadão decente tinha que se preocupar com a situação social, e que os católicos não
                         podiam ficar ignorando isso num idealismo acima da situação social, e deviam ter uma
                         intervenção concreta na sociedade. Então, nós líamos, discutíamos. Na realidade, o que
                         se formulava ali é que era preciso ser construída uma terceira via. Uma terceira via, uma
                         via humanista. O personalismo de Mounier tinha uma influência muito grande para a
                         gente. Lembro-me disso. Uma terceira via, nem capitalista nem comunista, mas
                         socialista. Mas um socialismo humanista. (Gilse Cosenza).

       Em junho de 1962 ocorreu em Belo Horizonte a segunda reunião de fundação da AP, que
contou com a presença de delegados de quatorze estados da federação. Essas delegações eram
formadas por líderes estudantis, alguns padres e intelectuais: “O grande investimento nosso nessa
transição do movimento da Ação Católica para Ação Popular, movimento que seria secular, não
seria confessional, era fazer um estatuto ideológico” (Antônio Augusto Pereira Prates). Depois de
exaltadas discussões diante das divergências existentes, foi aprovado o Esboço do Estatuto
Ideológico e eleita a nova coordenação nacional da organização. Decidiu-se também que o grupo
devia assumir o nome Ação Popular e a sigla AP. No mês seguinte, a AP lançou a candidatura do
mineiro Vinícius Caldeira Brant à presidência da UNE, cuja vitória fortaleceu a posição da
organização no movimento estudantil.
                         Quem realmente foi recrutado para preparar esse estatuto ideológico foi o padre
                         Henrique de Lima Vaz, que se destacava por sua concepção de forte idéia de consciência
                         histórica. Era uma coisa diferente do marxismo, mas muitíssimo influenciada pelo
                         marxismo. Evidentemente, a única coisa que ele negava do marxismo era o
                         materialismo, porque tinha aquele ranço religioso (...) o que a gente não aceitava no
                         marxismo exclusivamente era a questão do materialismo (Antônio Augusto Pereira
                         Prates).

       O debate em torno de uma esquerda cristã avançava “para a construção de um movimento
de esquerda não excludente, onde os cristãos também participassem” (STARLING, 1986, p. 204).
Era esse um motivo especial para o surgimento da AP, que em fevereiro de 1963, em Salvador,
realizava a reunião mais importante da sua etapa de fundação, o seu I Congresso, ou Congresso
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de Fundação, no qual foi aprovado e publicado o seu “Documento-Base”. Esse documento
definia que os quadros da AP deveriam, prioritariamente, concentrar sua militância no
movimento operário e no movimento camponês, deixando o movimento estudantil de lado. Desse
modo, era mais fácil entender porque na UNE a militância da Ação Popular praticamente
abandonou as lutas pela reforma universitária, passando a se preocupar com as lutas populares,
sobretudo o movimento pela reforma agrária. Nesse contexto a AP passou a se organizar de
baixo para cima, por meio de diretorias setoriais (estudantil, operário, camponês e profissional),
coordenações e células.


                          No início, a AP era uma organização democrática legal, legalizada, uma organização
                          democrática com base principalmente no setor médio, na pequena burguesia, e
                          principalmente universitário. Apesar de que a AP, também aí, através do Movimento de
                          Educação de Base (MEB), já tinha se organizado bastante entre os camponeses,
                          estabelecendo contato da JOC que já tinha se organizado entre os operários, apesar de
                          que a organização camponesa de AP sempre foi muito mais forte do que a operária. Por
                          causa do MEB, do método Paulo Freire, movimento de educação de base, aquela coisa
                          toda (Gilse Cosenza).

       A necessidade de se aproximar de diferentes setores da sociedade além do movimento
estudantil, sobretudo dos operários e camponeses, possibilitou uma maior inserção social da
organização, em especial pela participação de sua militância no Movimento de Educação de
Base. “O MEB constitui-se num espaço de atuação para católicos de esquerda, que procuravam
conscientizar e politizar especialmente o povo do campo durante o processo de aprendizagem”
(RIDENTI, 2002, p.233).
                          O MEB nacional tinha esse movimento de alfabetização de adulto, através das escolas
                          radiofônicas. E aí, nós iniciamos esse trabalho em Minas Gerais (...) eram programas na
                          Rádio Inconfidência. A gente escrevia programas de rádio, de alfabetização de adulto,
                          dentro dessa linha do Paulo Freire, de se aproximar mais da realidade do povo. A partir
                          dessa realidade tirar as palavras geradoras, que daí, iam permitir com mais facilidade a
                          sua alfabetização, sua integração no mundo letrado, através da sua própria ambiência,
                          das palavras mais comuns na vida deles (Eunice Novaes de Godoy).

                          Era basicamente voltado para a área rural. O MEB começou na Igreja, mas foi capturado
                          pela gente, da Ação Popular. Então, os diretores do MEB eram da Ação Popular, embora
                          fossem organizações diferentes. O Paulo Freire era muito ligado ao pessoal da Ação
                          Popular, era católico (Antônio Augusto Pereira Prates).

                          Paulo Freire, por exemplo, foi outro guru da minha vida, da minha juventude. Porque a
                          gente achava que seria realmente a solução para o Brasil, a alfabetização através do
                          método dele. Isso foi muito difundido dentro da Ação Católica (...) O que mais seduzia
                          no método Paulo Freire era o método propriamente dito ou era essa relação do método
                          com a questão social, questão da consciência (...) a relação do método com o problema
                          da consciência e com o problema da cultura (Beatriz Gonçalves).
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Da adesão ao maoísmo à dissolução da APML


       Com o golpe civil-militar em março de 1964, a AP e os outros grupos de esquerda
vinculados a ela, – através do movimento estudantil – participaram intensamente de todo o
processo de radicalização das lutas populares nesse período, configurando alianças para se opor à
ditadura. Dentre as organizações e partidos aos quais a AP se aliou destacam, o Partido
Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PC do B), a Organização
Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP) e as Ligas Camponesas. Após o golpe de
1964, mas principalmente após a edição do AI-5, em 1968, em função de perseguições a seus
membros e de prisões de muitos deles, a AP teve seus principais quadros deslocados para a
clandestinidade ou refugiados no Uruguai. Alguns militantes foram enviados para Cuba e para a
China que, naquele momento, vivia seu processo de revolução cultural proletária.
       Como conseqüência, foram-se formando duas alas no interior da AP: “a Corrente 1, que
propunha para o Brasil uma revolução inspirada no modelo chinês; (...) e a Corrente 2, liderada
por Vinícius Caldeira Brant e Altino Dantas, resistente à maoização da AP e considerada foquista
por seus adversários” (RIDENTI, 2002, p.238). No entanto, antes mesmo de se definirem pelo
maoísmo, os militantes da AP de origem pequeno-burguesa, que constituíam a maioria dos seus
quadros, foram transferidos para diferentes regiões do país, assumindo novas atividades políticas
e profissionais, dando início assim à uma política de integração na produção, ou movimento de
proletarização, através da inserção de muitos de seus militantes no trabalho produtivo nas
fábricas ou no campo.
                        Nós, os estudantes, lideranças estudantis, já estávamos todos sendo procurados. Então
                        não tínhamos condições, aquela quantidade, centenas de pessoas, não tinham mais
                        condição de atuar publicamente contra a ditadura enquanto membro de Ação Popular, se
                        mantendo na sua profissão.(...). Eu me lembro, por exemplo, nós nos integrando na
                        produção, aí já na clandestinidade e tudo, e procurando descobrir a realidade dos
                        operários, a realidade dos favelados, a realidade dos camponeses, a sua realidade
                        cultural, econômica, social, e buscando trabalhar o seguinte: a partir da realidade deles é
                        que nós vamos ajudar que eles elaborem, se organizem, pensem. Vamos à luta e vamos
                        junto com eles organizar a resistência (...) tinha a proposta de integração, com objetivo
                        ideológico, tinha a proposta, a necessidade de organizar os operários camponeses, que
                        batia com isso aqui também, e tinha a perseguição. Quer dizer, um número cada vez
                        maior de dirigentes de quadros de AP já não podia ficar mais na sua profissão, na sua
                        família etc. Já estava com prisão preventiva decretada (...) Em maio de 68, saiu a
                        decretação da minha prisão preventiva. Imediatamente, eu tinha que sumir mesmo. A
                        primeira etapa, por exemplo, da minha clandestinidade era sumiço total, porque eu já
                        vivia numa semi-clandestinidade, trabalhar como operária na fábrica Renascença com
                        outro nome, com a minha primeira identidade fria. Quer dizer, aí já surge a Márcia. A
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                       Márcia era moradora da periferia e operária têxtil na Renascença (...) Foi muito pouco
                       tempo, porque isso foi um movimento feito por muitos outros universitários que tinham
                       de fugir e logo a polícia descobriu, a repressão descobriu que a gente estava indo para as
                       fábricas. Então, a gente estava com nome frio, mas eles passaram a levar fotografias para
                       nos procurar nas fábricas. Então já não adiantava o nome frio mais (...) a gente concluiu
                       que não tinha condições de segurança mais, de ficar, que era preciso eu partir para outra
                       etapa. Era sair daqui... E também nós estávamos precisando aprofundar nosso trabalho
                       camponês mesmo, e já não tinha condições de segurança na fábrica, eles estavam indo
                       com a nossa fotografia na mão, foi aí então que deixei a fábrica e fui me integrar como
                       trabalhadora rural sem terra, como meeira, sistema de parceria, lá perto de Coronel
                       Fabriciano. Eu tinha que mudar radicalmente, parar de usar mini-saia, parar de me
                       pintar, parar de depilar perna e por aí. Para não chamar atenção. (Gilse Cosenza).

       A partir de 1967, a linha da Corrente 1 começou a predominar na direção da AP, e em
1968, pela primeira vez, a organização se assumiu como marxista-leninista (APML), definindo
sua adesão ao maoísmo como conseqüência da expulsão dos adeptos da Corrente 2. Ademais,
muitos militantes da AP foram presos entre 1969 e 1971, e por reconhecer o PC do B (Partido
Comunista do Brasil) como o verdadeiro partido revolucionário, a maioria dos apistas decidiu por
se incorporar ao mesmo.
                       A maior parte do grupo a que nós pertencíamos, fez uma opção marxista-leninista laica.
                       Viraram revolucionários, dentro da clandestinidade (...) Os nossos amigos, o nosso
                       grupo fez uma opção desse tipo, nós não fizemos. Não fizemos, ficamos. Vários amigos
                       nossos também ficaram (...) São pessoas que não foram para a clandestinidade, não
                       fizeram a opção marxista-leninista e, principalmente, não optaram pela clandestinidade.
                       Esse pessoal ficou meio solto. Ficou muito difícil participar. Porque você não tinha
                       espaço de discussão, a não ser com seus amigos, fechado dentro de sua casa (Beatriz
                       Gonçalves).


                       Os debates ficaram extremamente empobrecidos, porque a tendência da Ação Popular
                       era pela proximidade com do PC do B. Discutia-se exclusivamente pelo lado militar. E
                       do ponto de vista teórico, fomos assumindo um verniz europeu muito ruim, de muita má
                       qualidade. E a gente propondo alguma coisa diferente (...) Talvez a gente fizesse uma
                       proposta até inviável para a época, que era de pensar a revolução de uma maneira
                       diferente. Resgatar os clássicos, fazer as teses de abril novamente, aqui no Brasil. Isso
                       foi muito mal sucedido e foi interpretado como indisciplina. Nós achávamos que
                       poderíamos conduzir essa questão fora da Ação Popular, num contexto diferente, com
                       outras orientações, etc. O que acabou não sendo possível, porque todas as outras
                       organizações políticas estavam já sendo tão confrontadas, tão afrontadas, e muitas delas
                       tão massacradas pela repressão, que a questão da discussão teórica passou a ser
                       absolutamente secundária. (...) Teve um condicionante muito curioso, que duas
                       influências passam a ser muito importantes dentro desse debate. Uma influência chinesa
                       e uma influência francesa.(...) Os chineses foram muito importantes no treinamento
                       militar (...) Então começou a chegar para nós uma série de textos de alguns teóricos
                       vietnamitas, que nos davam diretrizes, ou faziam a gente pensar sobre quais seriam os
                       caminhos militares para realizar a revolução (...) Na verdade, nós achávamos que era
                       muito melhor a gente fazer uma visita aos clássicos do que ficar aprendendo um
                       marxismo de segunda mão, que vinha pela intelectualidade francesa, cuja experiência
                       com a revolução era estritamente acadêmica e dos cafés parisienses. Estritamente
                       burguesa (...) Aí, nós começamos a pedir ao comando que nos propusesse alternativas
                       teóricas melhores. Mas, na verdade, o comando na época já estava muito próximo, muito
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                       ligado e fazendo contatos diretos com o PC do B, numa perspectiva de que pudesse
                       haver uma grande fusão entre a Ação Popular e o PC do B, o que acabou acontecendo
                       posteriormente. E a gente achava que esse não era um bom caminho. Não que a gente
                       tivesse críticas tão radicais ao PC do B, para que achasse que não fosse bom para nós.
                       Não era isso (...) Os textos militares eram úteis se a gente tivesse a perspectiva de fazer
                       desse país um novo Vietnã, que era a idéia cubana (...) nem acreditávamos que a teoria
                       do Althusser, a concepção dele pudesse ajudar alguma coisa na visão revolucionária da
                       sociedade brasileira, a gente queria uma coisa melhor. Aí começamos um confronto
                       teórico, discutir, debater. O que começou a surgir em grande quantidade, e cada vez que
                       surgia havia uma dissidência política, eram pessoas que propunham táticas ou caminhos,
                       práticas diferentes. Ênfase maior ou menor no que se refere a uma ação armada, se você
                       fazia seqüestro ou não, se você devia caminhar no sentido de conseguir envolvimento
                       dos operários dentro de ações clandestinas (...) no caso do PC do B particularmente, que
                       passou a exercer sobre a Ação Popular um grande fascínio, ele não só tinha uma
                       estratégia, como tinha um vínculo internacional com a China que dava a ele o suporte.
                       Nós não tínhamos essa referência e também achávamos que esse não seria o caminho
                       (Fausto Brito).


                       Com o decorrer do tempo, o PC do B vai crescendo e a AP e PC do B, no movimento
                       universitário, vão tendo cada vez mais identidade política em relação à luta contra a
                       ditadura, à defesa do trabalho de massas, da necessidade, a não aceitação, vamos dizer
                       assim. Tinha a Revolução Cubana, a proposta do foco guerrilheiro. E a AP no início
                       chegou a ter uma fase que a tendência era a opção pelo foquismo. Mas logo, isso foi
                       muito rápido e logo passou a não aceitar mais. Então, o PC do B defendia a guerra
                       popular, mobilização de massas. Ou seja, defendia que o processo revolucionário, a luta
                       contra a ditadura e o processo revolucionário obrigatoriamente teriam de ser feitos
                       levando por base a criação de condições, de envolvimento, de amplos setores da
                       população, e de acordo com o amadurecimento da consciência e das condições reais de
                       massas, de setores da população. A AP também passa a ter essa visão. E isso, no próprio
                       movimento estudantil, vai fazendo um caminho de aproximação entre AP e PC do B (...)
                       A AP era confusa, passou muito tempo confuso, sobre qual o caminho concreto dessa
                       revolução. Você tinha uma série de influências. Você tinha a influência da revolução
                       cubana, que para nós era um exemplo. Você tinha a proposta do foco guerrilheiro. A
                       gente discutia a proposta. Um deste caminho seria a realização de ações armadas por um
                       grupo treinado, e que essas ações armadas que levariam a buscar o apoio popular. (...)
                       Quer dizer, nós não tínhamos também uma definição clara pela guerra popular, sendo
                       que já vinha da China, e a gente já lia muito e já recebia tudo isso, a proposta do cerco
                       da cidade pelo campo através da guerra popular. Então, nós concordávamos (Gilse
                       Cosenza).

       Por fim, estes depoimentos que compõem parte da memória da esquerda brasileira, seja
através do movimento estudantil, da atuação clandestina na esquerda ou da opção extremada
pelas armas, representam uma riqueza ilimitada de assuntos e questões que merecem ter
continuidade, afinal, como bem diz Frei Beto, foi para muitos jovens, um batismo de sangue.




       REFERÊNCIAS:
Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS    11




Depoimentos: Antônio Augusto Pereira Prates, Beatriz Gonçalves, Eunice Novaes de Godói,
Fausto Brito, José de Anchieta Correa e Gilse Maria Westin Cosenza. Acervo disponível no
Centro de Memória e Pesquisa Históricas da PUC Minas, organizado pela Dr.ª Lucília de
Almeida Neves Delgado – Fundo: Catolicismo no Brasil Contemporâneo: da política dos anos
sessenta à espiritualização dos anos Noventa; Série: Entrevista.


LIMA, Haroldo; ARANTES, Aldo. História da Ação Popular: da JUC ao PC do B. São Paulo:
Editora Alfa-Omega, 2 ed., 1984.

MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar: 1964-1968. São
Paulo: Papirus, 1987.

MATA, Sérgio Ricardo da. A fortaleza do Catolicismo: identidades católicas e políticas na Belo
Horizonte dos anos 60. Dissertação (Mestrado). UFMG. 1996. Orientadora: Profª. Drª. Lucília de
Almeida Neves Delgado.

RIDENTI, Marcelo. Ação Popular: Cristianismo e Marxismo. In: REIS FILHO, Daniel Aarão;
RIDENTI, Marcelo (Orgs.). História do Marxismo no Brasil: partidos e organizações dos anos
20 aos anos 60. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002.

RIDENTI, Marcelo. Cristianismo político no Brasil. História Viva Temas Brasileiros, São
Paulo, Duetto Editorial, n.05, 2006, p.72-77.

STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os senhores das Gerais: os Novos Inconfidentes e o golpe
militar de 1964. 4. ed. Petropolis: Vozes, 1986.

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Memórias da Ação Popular no Brasil dos anos 1960-1970

  • 1. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS A ESQUERDA CATÓLICA: HISTÓRIA E MEMÓRIA DA AÇÃO POPULAR Lucília de Almeida Neves Delgado ∗ Farley da Conceição Bertolino ∗∗ RESUMO: Análise sobre memória e testemunhos de militantes da Ação Popular Marxista Lenista (APML) no Brasil. ABSTRACT: A cultural and political analysis of brazilian marxist-leninist moviment called “AP- Ação Popular – testimonyo and memory reports”. Palavras-chave: Esquerda católica – Ação Popular – Marxismo. Introdução Nos anos de 1960, parte da Juventude Universitária Católica (JUC) se aliou a jovens marxistas com objetivo de derrotar estudantes de direita em eleições para as entidades estudantis nas mais diferentes cidades do Brasil. Essa orientação não foi aceita pelo clero conservador e hierarquia da Igreja Católica. Diante da dificuldade de conciliar militância política com orientações tradicionais do catolicismo, surgiu uma idéia, entre esses estudantes de constituir nova organização que pudesse atuar de forma independente em relação ao catolicismo. Nascia a Ação Popular (AP), e na seqüência a Ação Popular Marxista Leninista (APML). Reveste-se de especial relevância a análise da trajetória desses militantes, que fizeram de sua juventude um tempo de resistência ao arbítrio do regime militar. Depoimentos orais, que traduzem diferentes expressões da memória social e política de muitos desses militantes encontram-se registrados no Centro de Memória e Pesquisa Histórica da PUC Minas. Recorremos a alguns deles para analisar a integração de jovens de AP (transformada em Ação Popular Marxista Leninista, APML) às mobilizações políticas e sociais peculiares ao contexto em foco. Foram selecionados depoimentos dos seguintes ex-militantes da organização – Antônio Augusto Pereira Prates, Beatriz Gonçalves, Eunice Novaes de Godói, Fausto Brito, José de Anchieta Correa, Gilse Maria Westin Cosenza e Ricardo Prata Soares. Através da metodologia da história oral, tais sujeitos históricos tiveram oportunidade de registrar suas lembranças e assim contribuir para a recuperação da memória social. Consideramos que a oralidade, em determinadas conjunturas, é importante fonte para o desenvolvimento da ∗ Professora Titular – PUC Minas e UFMG
  • 2. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 2 pesquisa histórica. Em decorrência, optamos por trabalhar com fragmentos das entrevistas citadas, de uma forma mais fluida, deixando fluir a fala dos entrevistados. Os depoimentos abordam os seguintes temas: alianças realizadas, razões de adesão dos jovens de AP ao marxismo, reação de diferentes setores do catolicismo à sua opção marxista, disputas internas, repercussão de suas ações, e razões para dissolução da APML. A análise do conteúdo desses depoimentos possibilita uma peculiar incursão histórica na realidade das décadas de 1960 e 1970 no Brasil. Ação Popular: memórias e história O presente texto foi redigido tomando como principal referência a memória de pessoas integrantes da ala mais progressista da Igreja Católica, no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970. Importantes líderes do movimento estudantil (ME), que à época marcaram a política nacional com sua militância, eram originários da AP, organização que atraiu jovens estudantes católicos, universitários e secundaristas. Na política brasileira, nas conjunturas históricas dos anos de 1960 e 1970, o impacto de uma nova forma de prática religiosa participante e ecumênica, pode ser percebido através do envolvimento de expressivos membros do catolicismo brasileiro com a realidade social e política do país. Além disso, dedicaram-se também a intensa integração à luta por direitos sociais e humanos. A AP alcançou projeção porque, além de ter sido o único grupo político que se manteve na direção da União Nacional dos Estudantes (UNE), de 1961 até 1969, teve também expressiva atuação em diferentes cidades do Brasil. Uma delas foi a capital de Minas Gerais. Nessa cidade estudantes da AP integraram Diretórios Estudantis (DCE’s) e Centros Acadêmicos (CA’s e DA’s) das Universidades Federal e Católica. Todavia, após a edição, pelo governo federal, do o Ato Institucional Nº5 (AI-5), em 1968, essa organização teve seus principais quadros deslocados para a clandestinidade ou refugiados no exílio. Para compreender os depoimentos sobre a organização e atuação da AP foi necessário examinar e definir alguns marcos fundamentais da história deste grupo político, como por exemplo: suas raízes no cristianismo da Juventude Universitária Católica (JUC) no final da década de 1950 e início de 1960; sua fundação, em 1963, no I Congresso da AP no qual foi ∗∗ Mestrando em História e Culturas Políticas – UFMG
  • 3. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 3 aprovado o Documento-Base que orientou a atuação da entidade, até aproximadamente 1968; a adesão ao Marxismo-Leninismo em 1968; a posterior integração da maioria dos apistas ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e a dissolução do que restou da organização no final da década de 1970. Do Cristianismo da JUC ao Marxismo da AP A Ação Católica foi fundada em 1935. Tratou-se de uma estratégia da Igreja Católica para melhor penetração junto à sua comunidade leiga. Nas suas origens a organização também foi orientada por marcante caráter anticomunista. Mas a partir da década de 1950 os movimentos leigos de Ação Católica passaram a ter uma nova orientação, através de expressivo compromisso social e da inserção dos seus militantes na realidade material. Nessa época, a organização da Ação Católica foi dividida em setores especializados que atingiam principalmente a juventude, em seções definidas como Juventude Agrária Católica (JAC); Juventude Estudantil Católica (JEC); Juventude Independente Católica (JIC); Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude Universitária Católica (JUC). Podemos observar, que entre as décadas de 1950 e 1960, estabeleceu-se um novo tipo de relação da Igreja com o mundo social e político, sendo que foi nesse período que se apresentaram as etapas de organização, expansão e consolidação da JEC, da JOC, e da JUC. Martins Filho informa que: Em seus primórdios, a Juventude Católica nasceu voltada basicamente para as tarefas “espirituais” e de “evangelização”. No início da década de cinqüenta este grupo se definia como “apolítico” e alguns de seus setores orientavam-se por um acentuado anticomunismo e relações, ainda não de todo definidas, com o integralismo. Entretanto, tendo em vista as intensas mudanças vividas naqueles tempos, não demorou para que grupos jucistas começassem a se colocar o problema do enfrentamento dos grandes temas sociais externos à Universidade. Assim, em 1953-54, marcados ainda pela perspectiva da “evangelização”, os jucistas de São Paulo e Belo Horizonte já registraram forte marca das idéias do influente padre Lebret, que em sua vinda ao Brasil insistiu para que se realizassem pesquisas sociológicas a fim de fundamentar uma visão católica da “questão social” (MARTINS FILHO, 1987, p. 44). Com efeito, a teoria do padre Lebret contribuiu muito para o método de análise sócio- religiosa dos jovens católicos, principalmente dos integrantes da JEC e da JUC, cujo diagnóstico dos problemas sociais se daria através da tríade ver, julgar e agir: “Era preciso ver bem a realidade, julgá-la e partir para uma ação” (José de Anchieta Corrêa). Nesse período, a JUC ainda
  • 4. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 4 não atuava de forma organizada ou centralizada na política estudantil. No entanto, com o passar do tempo os universitários católicos passaram a discutir “aspectos das idéias dominantes da Igreja, como a passividade política diante da ordem estabelecida, num contexto de convivência universitária com outras correntes de pensamento” (RIDENTI, 2006, p. 73). Em função do engajamento da JUC no movimento estudantil, surgiu a necessidade de definir objetivos políticos mais gerais para os cristãos. Assim, a JUC realizou em 1960, no Rio de Janeiro, o seu “Congresso dos 10 anos”. Nesse evento foi aprovado o documento que recebeu a denominação de: Diretrizes Mínimas Para o Ideal Histórico do Povo Brasileiro. O conteúdo do referido texto explicitava a opção dos jucistas pelo “socialismo democrático” e pela “revolução brasileira”. Esse congresso representou expressiva vitória da corrente mais progressista da JUC, que também ampliava de maneira crescente sua influência no movimento estudantil em diferentes estados de federação brasileira. No mesmo ano foi realizado o XXIII Congresso Nacional dos Estudantes, no qual a JUC apareceu pela primeira vez como força política organizada, aliando-se politicamente a grupos comunistas, e conseqüentemente provocando forte reação da alta hierarquia da Igreja. Conforme Beatriz Gonçalves, “enquanto os católicos estavam numa ação muito ligada à própria espiritualidade, eles eram muito diferentes dos marxistas. Na hora que cresceu a dimensão social do catolicismo, as diferenças foram ficando muito pequenas...”. Nesse sentido, as alianças realizadas entre os estudantes católicos, sobretudo com os estudantes comunistas, adquiriam um objetivo comum: A gente fazia muita aliança nas eleições dos DA’s, dos DCE’s, com os comunistas. Fazíamos muito. Nós sempre fizemos aliança contra a direita. A direita, naquela época, era uma direita mais ou menos organizada (...) Num determinado momento esse movimento foi amadurecendo, e exatamente a hegemonia no movimento estudantil já estava tão grande que se pensou então que não fazia muito sentido um movimento de natureza confessional, religiosa, a gente queria um movimento que tivesse nome e cara para atuar diretamente no movimento estudantil, na sociedade, em nome da justiça, de maneira revolucionária. Aí surgiu a idéia da Ação Popular. Porque a gente não queria atuar com religioso, porque aí seria discriminatório. O outro, não, seria um movimento que teria uma ideologia própria. (Antônio Augusto Pereira Prates). Não há dúvida de que a proibição, pela alta hierarquia eclesiástica de que os dirigentes jucistas viessem a concorrer aos cargos eletivos do movimento estudantil, provocou forte descontentamento e foi importante fator da ruptura de quadros da JUC com a Igreja. Diante das crescentes reivindicações de autonomia, como já informado, surgiu então a idéia, sobretudo entre
  • 5. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 5 os estudantes católicos de Belo Horizonte, de se constituir uma nova organização que pudesse atuar independentemente da Igreja. Em decorrência, formou-se o “embrião” da Ação Popular. A Ação Católica, de maneira geral, a JUC e a JEC eram os dois movimentos mais organizados na política estudantil (...) A Igreja queria de nós um movimento fundamentalmente confessional. Queria um movimento que voltasse às suas origens. Porque, na verdade, a Ação Católica, nas suas origens, era até mesmo um movimento conservador. E como a Igreja se ajustava, se plastificava em função da nova realidade política que o Brasil vivia, e se comprometia enormemente com isso, ela obviamente não queria ter entre os seus uma presença de pessoas, ou mais ainda, de uma instituição que tivesse o peso e a importância política à esquerda que nós tínhamos (...) A nossa militância católica era essencialmente a militância política. Quer dizer, a luta pela justiça social, a luta contra a pobreza. Isso que era a essência da religiosidade e, portanto, a essência da nossa militância (...) E essa militância política não tinha jeito de ser feita pela Igreja, tinha que ser feita na Ação Popular. (Fausto Brito) À medida que a JUC sentia a necessidade de uma intervenção política organizada, de definições políticas sociais claras e de ação política clara, a organização começou a ter problemas com a estrutura, com a hierarquia da Igreja. A JUC começou a ter uma maioria de esquerda. E isso correspondia a um enfrentamento da hierarquia da Igreja, que não topava isso. Dentro da Igreja, por sua vez, se desenvolvia também essa diferenciação. Quer dizer, havia a hierarquia, que não admitia que se fosse tão longe, mas havia a parte progressista da Igreja que dava todo apoio e estava totalmente integrada com a esquerda de JUC. E que também ajudou, inclusive, essa parte da Igreja, setores de Igreja, ajudavam a elaborar as coisas políticas de AP, ajudavam a programar a ação. E mesmo depois da ditadura, quando começa a perseguição, esses setores da Igreja continuavam participando dos nossos debates, das nossas elaborações, inclusive eles também, esses setores de Igreja que estavam muito ligados a nós, agiam junto conosco contra a ditadura. Agiam junto, não é só que nos protegiam e escondiam, agiam junto. (Gilse Cosenza) A JUC procurou orientar-se pelo pensamento dos católicos mais progressistas e participou da movimentação política estudantil, convivendo com jovens não católicos, e sim marxistas. Em Minas Gerais, essa inclinação à esquerda foi bastante expressiva. A ela se integraram militantes que se destacavam e davam sustentação teórica ao grupo, tais como Herbert José de Souza (o Betinho), Vinícius Caldeira Brant, Henrique Novais e Wilmar Faria. Dentro da própria Ação Católica eu acho que a descoberta do marxismo foi um negócio que explodiu dentro da gente. Eu me lembro bem dos papas do movimento, que tinham estudado o marxismo, vamos dizer assim, que era o Antônio Otávio Cintra, o Vinícius Caldeira Brant, o Betinho (...) aquela turma que estudava o dia inteiro, um pessoal muito inteligente. Estudava o dia inteiro, teve acesso ao marxismo e babou com o marxismo. E começou então a entrar com as teorias marxistas dentro das análises que a gente fazia no entorno da Ação Católica (Beatriz Gonçalves). Na literatura que influenciava a esquerda católica destacavam-se, sobretudo, intelectuais franceses (Emmanuel Mounier, Teillard de Chardin, Jacques Maritain e Sartre) e alguns brasileiros como Caio Prado Junior, Josué de Castro, Celso Furtado e Alceu Amoroso Lima.
  • 6. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 6 Dentre os religiosos que continuaram orientando os jovens apistas na cidade de Belo Horizonte, destacaram-se os padres Henrique de Lima Vaz (responsável pela criação do estatuto ideológico da organização), alguns frades dominicanos, além dos padres Lage e Luís Viegas. As discussões mais importantes nas pautas das reuniões da AP envolviam questões sociais e políticas, sobretudo a questão da justiça social: “como você analisa a sociedade, como você se insere na sociedade, como a ação política do católico vai se inserir numa sociedade (...) como você trabalha com conflitos, mas dentro dessa perspectiva de uma análise marxista da sociedade” (Beatriz Gonçalves). Nós tínhamos a preocupação, partíamos da convicção de que os católicos, que qualquer cidadão decente tinha que se preocupar com a situação social, e que os católicos não podiam ficar ignorando isso num idealismo acima da situação social, e deviam ter uma intervenção concreta na sociedade. Então, nós líamos, discutíamos. Na realidade, o que se formulava ali é que era preciso ser construída uma terceira via. Uma terceira via, uma via humanista. O personalismo de Mounier tinha uma influência muito grande para a gente. Lembro-me disso. Uma terceira via, nem capitalista nem comunista, mas socialista. Mas um socialismo humanista. (Gilse Cosenza). Em junho de 1962 ocorreu em Belo Horizonte a segunda reunião de fundação da AP, que contou com a presença de delegados de quatorze estados da federação. Essas delegações eram formadas por líderes estudantis, alguns padres e intelectuais: “O grande investimento nosso nessa transição do movimento da Ação Católica para Ação Popular, movimento que seria secular, não seria confessional, era fazer um estatuto ideológico” (Antônio Augusto Pereira Prates). Depois de exaltadas discussões diante das divergências existentes, foi aprovado o Esboço do Estatuto Ideológico e eleita a nova coordenação nacional da organização. Decidiu-se também que o grupo devia assumir o nome Ação Popular e a sigla AP. No mês seguinte, a AP lançou a candidatura do mineiro Vinícius Caldeira Brant à presidência da UNE, cuja vitória fortaleceu a posição da organização no movimento estudantil. Quem realmente foi recrutado para preparar esse estatuto ideológico foi o padre Henrique de Lima Vaz, que se destacava por sua concepção de forte idéia de consciência histórica. Era uma coisa diferente do marxismo, mas muitíssimo influenciada pelo marxismo. Evidentemente, a única coisa que ele negava do marxismo era o materialismo, porque tinha aquele ranço religioso (...) o que a gente não aceitava no marxismo exclusivamente era a questão do materialismo (Antônio Augusto Pereira Prates). O debate em torno de uma esquerda cristã avançava “para a construção de um movimento de esquerda não excludente, onde os cristãos também participassem” (STARLING, 1986, p. 204). Era esse um motivo especial para o surgimento da AP, que em fevereiro de 1963, em Salvador, realizava a reunião mais importante da sua etapa de fundação, o seu I Congresso, ou Congresso
  • 7. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 7 de Fundação, no qual foi aprovado e publicado o seu “Documento-Base”. Esse documento definia que os quadros da AP deveriam, prioritariamente, concentrar sua militância no movimento operário e no movimento camponês, deixando o movimento estudantil de lado. Desse modo, era mais fácil entender porque na UNE a militância da Ação Popular praticamente abandonou as lutas pela reforma universitária, passando a se preocupar com as lutas populares, sobretudo o movimento pela reforma agrária. Nesse contexto a AP passou a se organizar de baixo para cima, por meio de diretorias setoriais (estudantil, operário, camponês e profissional), coordenações e células. No início, a AP era uma organização democrática legal, legalizada, uma organização democrática com base principalmente no setor médio, na pequena burguesia, e principalmente universitário. Apesar de que a AP, também aí, através do Movimento de Educação de Base (MEB), já tinha se organizado bastante entre os camponeses, estabelecendo contato da JOC que já tinha se organizado entre os operários, apesar de que a organização camponesa de AP sempre foi muito mais forte do que a operária. Por causa do MEB, do método Paulo Freire, movimento de educação de base, aquela coisa toda (Gilse Cosenza). A necessidade de se aproximar de diferentes setores da sociedade além do movimento estudantil, sobretudo dos operários e camponeses, possibilitou uma maior inserção social da organização, em especial pela participação de sua militância no Movimento de Educação de Base. “O MEB constitui-se num espaço de atuação para católicos de esquerda, que procuravam conscientizar e politizar especialmente o povo do campo durante o processo de aprendizagem” (RIDENTI, 2002, p.233). O MEB nacional tinha esse movimento de alfabetização de adulto, através das escolas radiofônicas. E aí, nós iniciamos esse trabalho em Minas Gerais (...) eram programas na Rádio Inconfidência. A gente escrevia programas de rádio, de alfabetização de adulto, dentro dessa linha do Paulo Freire, de se aproximar mais da realidade do povo. A partir dessa realidade tirar as palavras geradoras, que daí, iam permitir com mais facilidade a sua alfabetização, sua integração no mundo letrado, através da sua própria ambiência, das palavras mais comuns na vida deles (Eunice Novaes de Godoy). Era basicamente voltado para a área rural. O MEB começou na Igreja, mas foi capturado pela gente, da Ação Popular. Então, os diretores do MEB eram da Ação Popular, embora fossem organizações diferentes. O Paulo Freire era muito ligado ao pessoal da Ação Popular, era católico (Antônio Augusto Pereira Prates). Paulo Freire, por exemplo, foi outro guru da minha vida, da minha juventude. Porque a gente achava que seria realmente a solução para o Brasil, a alfabetização através do método dele. Isso foi muito difundido dentro da Ação Católica (...) O que mais seduzia no método Paulo Freire era o método propriamente dito ou era essa relação do método com a questão social, questão da consciência (...) a relação do método com o problema da consciência e com o problema da cultura (Beatriz Gonçalves).
  • 8. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 8 Da adesão ao maoísmo à dissolução da APML Com o golpe civil-militar em março de 1964, a AP e os outros grupos de esquerda vinculados a ela, – através do movimento estudantil – participaram intensamente de todo o processo de radicalização das lutas populares nesse período, configurando alianças para se opor à ditadura. Dentre as organizações e partidos aos quais a AP se aliou destacam, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PC do B), a Organização Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP) e as Ligas Camponesas. Após o golpe de 1964, mas principalmente após a edição do AI-5, em 1968, em função de perseguições a seus membros e de prisões de muitos deles, a AP teve seus principais quadros deslocados para a clandestinidade ou refugiados no Uruguai. Alguns militantes foram enviados para Cuba e para a China que, naquele momento, vivia seu processo de revolução cultural proletária. Como conseqüência, foram-se formando duas alas no interior da AP: “a Corrente 1, que propunha para o Brasil uma revolução inspirada no modelo chinês; (...) e a Corrente 2, liderada por Vinícius Caldeira Brant e Altino Dantas, resistente à maoização da AP e considerada foquista por seus adversários” (RIDENTI, 2002, p.238). No entanto, antes mesmo de se definirem pelo maoísmo, os militantes da AP de origem pequeno-burguesa, que constituíam a maioria dos seus quadros, foram transferidos para diferentes regiões do país, assumindo novas atividades políticas e profissionais, dando início assim à uma política de integração na produção, ou movimento de proletarização, através da inserção de muitos de seus militantes no trabalho produtivo nas fábricas ou no campo. Nós, os estudantes, lideranças estudantis, já estávamos todos sendo procurados. Então não tínhamos condições, aquela quantidade, centenas de pessoas, não tinham mais condição de atuar publicamente contra a ditadura enquanto membro de Ação Popular, se mantendo na sua profissão.(...). Eu me lembro, por exemplo, nós nos integrando na produção, aí já na clandestinidade e tudo, e procurando descobrir a realidade dos operários, a realidade dos favelados, a realidade dos camponeses, a sua realidade cultural, econômica, social, e buscando trabalhar o seguinte: a partir da realidade deles é que nós vamos ajudar que eles elaborem, se organizem, pensem. Vamos à luta e vamos junto com eles organizar a resistência (...) tinha a proposta de integração, com objetivo ideológico, tinha a proposta, a necessidade de organizar os operários camponeses, que batia com isso aqui também, e tinha a perseguição. Quer dizer, um número cada vez maior de dirigentes de quadros de AP já não podia ficar mais na sua profissão, na sua família etc. Já estava com prisão preventiva decretada (...) Em maio de 68, saiu a decretação da minha prisão preventiva. Imediatamente, eu tinha que sumir mesmo. A primeira etapa, por exemplo, da minha clandestinidade era sumiço total, porque eu já vivia numa semi-clandestinidade, trabalhar como operária na fábrica Renascença com outro nome, com a minha primeira identidade fria. Quer dizer, aí já surge a Márcia. A
  • 9. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 9 Márcia era moradora da periferia e operária têxtil na Renascença (...) Foi muito pouco tempo, porque isso foi um movimento feito por muitos outros universitários que tinham de fugir e logo a polícia descobriu, a repressão descobriu que a gente estava indo para as fábricas. Então, a gente estava com nome frio, mas eles passaram a levar fotografias para nos procurar nas fábricas. Então já não adiantava o nome frio mais (...) a gente concluiu que não tinha condições de segurança mais, de ficar, que era preciso eu partir para outra etapa. Era sair daqui... E também nós estávamos precisando aprofundar nosso trabalho camponês mesmo, e já não tinha condições de segurança na fábrica, eles estavam indo com a nossa fotografia na mão, foi aí então que deixei a fábrica e fui me integrar como trabalhadora rural sem terra, como meeira, sistema de parceria, lá perto de Coronel Fabriciano. Eu tinha que mudar radicalmente, parar de usar mini-saia, parar de me pintar, parar de depilar perna e por aí. Para não chamar atenção. (Gilse Cosenza). A partir de 1967, a linha da Corrente 1 começou a predominar na direção da AP, e em 1968, pela primeira vez, a organização se assumiu como marxista-leninista (APML), definindo sua adesão ao maoísmo como conseqüência da expulsão dos adeptos da Corrente 2. Ademais, muitos militantes da AP foram presos entre 1969 e 1971, e por reconhecer o PC do B (Partido Comunista do Brasil) como o verdadeiro partido revolucionário, a maioria dos apistas decidiu por se incorporar ao mesmo. A maior parte do grupo a que nós pertencíamos, fez uma opção marxista-leninista laica. Viraram revolucionários, dentro da clandestinidade (...) Os nossos amigos, o nosso grupo fez uma opção desse tipo, nós não fizemos. Não fizemos, ficamos. Vários amigos nossos também ficaram (...) São pessoas que não foram para a clandestinidade, não fizeram a opção marxista-leninista e, principalmente, não optaram pela clandestinidade. Esse pessoal ficou meio solto. Ficou muito difícil participar. Porque você não tinha espaço de discussão, a não ser com seus amigos, fechado dentro de sua casa (Beatriz Gonçalves). Os debates ficaram extremamente empobrecidos, porque a tendência da Ação Popular era pela proximidade com do PC do B. Discutia-se exclusivamente pelo lado militar. E do ponto de vista teórico, fomos assumindo um verniz europeu muito ruim, de muita má qualidade. E a gente propondo alguma coisa diferente (...) Talvez a gente fizesse uma proposta até inviável para a época, que era de pensar a revolução de uma maneira diferente. Resgatar os clássicos, fazer as teses de abril novamente, aqui no Brasil. Isso foi muito mal sucedido e foi interpretado como indisciplina. Nós achávamos que poderíamos conduzir essa questão fora da Ação Popular, num contexto diferente, com outras orientações, etc. O que acabou não sendo possível, porque todas as outras organizações políticas estavam já sendo tão confrontadas, tão afrontadas, e muitas delas tão massacradas pela repressão, que a questão da discussão teórica passou a ser absolutamente secundária. (...) Teve um condicionante muito curioso, que duas influências passam a ser muito importantes dentro desse debate. Uma influência chinesa e uma influência francesa.(...) Os chineses foram muito importantes no treinamento militar (...) Então começou a chegar para nós uma série de textos de alguns teóricos vietnamitas, que nos davam diretrizes, ou faziam a gente pensar sobre quais seriam os caminhos militares para realizar a revolução (...) Na verdade, nós achávamos que era muito melhor a gente fazer uma visita aos clássicos do que ficar aprendendo um marxismo de segunda mão, que vinha pela intelectualidade francesa, cuja experiência com a revolução era estritamente acadêmica e dos cafés parisienses. Estritamente burguesa (...) Aí, nós começamos a pedir ao comando que nos propusesse alternativas teóricas melhores. Mas, na verdade, o comando na época já estava muito próximo, muito
  • 10. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 10 ligado e fazendo contatos diretos com o PC do B, numa perspectiva de que pudesse haver uma grande fusão entre a Ação Popular e o PC do B, o que acabou acontecendo posteriormente. E a gente achava que esse não era um bom caminho. Não que a gente tivesse críticas tão radicais ao PC do B, para que achasse que não fosse bom para nós. Não era isso (...) Os textos militares eram úteis se a gente tivesse a perspectiva de fazer desse país um novo Vietnã, que era a idéia cubana (...) nem acreditávamos que a teoria do Althusser, a concepção dele pudesse ajudar alguma coisa na visão revolucionária da sociedade brasileira, a gente queria uma coisa melhor. Aí começamos um confronto teórico, discutir, debater. O que começou a surgir em grande quantidade, e cada vez que surgia havia uma dissidência política, eram pessoas que propunham táticas ou caminhos, práticas diferentes. Ênfase maior ou menor no que se refere a uma ação armada, se você fazia seqüestro ou não, se você devia caminhar no sentido de conseguir envolvimento dos operários dentro de ações clandestinas (...) no caso do PC do B particularmente, que passou a exercer sobre a Ação Popular um grande fascínio, ele não só tinha uma estratégia, como tinha um vínculo internacional com a China que dava a ele o suporte. Nós não tínhamos essa referência e também achávamos que esse não seria o caminho (Fausto Brito). Com o decorrer do tempo, o PC do B vai crescendo e a AP e PC do B, no movimento universitário, vão tendo cada vez mais identidade política em relação à luta contra a ditadura, à defesa do trabalho de massas, da necessidade, a não aceitação, vamos dizer assim. Tinha a Revolução Cubana, a proposta do foco guerrilheiro. E a AP no início chegou a ter uma fase que a tendência era a opção pelo foquismo. Mas logo, isso foi muito rápido e logo passou a não aceitar mais. Então, o PC do B defendia a guerra popular, mobilização de massas. Ou seja, defendia que o processo revolucionário, a luta contra a ditadura e o processo revolucionário obrigatoriamente teriam de ser feitos levando por base a criação de condições, de envolvimento, de amplos setores da população, e de acordo com o amadurecimento da consciência e das condições reais de massas, de setores da população. A AP também passa a ter essa visão. E isso, no próprio movimento estudantil, vai fazendo um caminho de aproximação entre AP e PC do B (...) A AP era confusa, passou muito tempo confuso, sobre qual o caminho concreto dessa revolução. Você tinha uma série de influências. Você tinha a influência da revolução cubana, que para nós era um exemplo. Você tinha a proposta do foco guerrilheiro. A gente discutia a proposta. Um deste caminho seria a realização de ações armadas por um grupo treinado, e que essas ações armadas que levariam a buscar o apoio popular. (...) Quer dizer, nós não tínhamos também uma definição clara pela guerra popular, sendo que já vinha da China, e a gente já lia muito e já recebia tudo isso, a proposta do cerco da cidade pelo campo através da guerra popular. Então, nós concordávamos (Gilse Cosenza). Por fim, estes depoimentos que compõem parte da memória da esquerda brasileira, seja através do movimento estudantil, da atuação clandestina na esquerda ou da opção extremada pelas armas, representam uma riqueza ilimitada de assuntos e questões que merecem ter continuidade, afinal, como bem diz Frei Beto, foi para muitos jovens, um batismo de sangue. REFERÊNCIAS:
  • 11. Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS 11 Depoimentos: Antônio Augusto Pereira Prates, Beatriz Gonçalves, Eunice Novaes de Godói, Fausto Brito, José de Anchieta Correa e Gilse Maria Westin Cosenza. Acervo disponível no Centro de Memória e Pesquisa Históricas da PUC Minas, organizado pela Dr.ª Lucília de Almeida Neves Delgado – Fundo: Catolicismo no Brasil Contemporâneo: da política dos anos sessenta à espiritualização dos anos Noventa; Série: Entrevista. LIMA, Haroldo; ARANTES, Aldo. História da Ação Popular: da JUC ao PC do B. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 2 ed., 1984. MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar: 1964-1968. São Paulo: Papirus, 1987. MATA, Sérgio Ricardo da. A fortaleza do Catolicismo: identidades católicas e políticas na Belo Horizonte dos anos 60. Dissertação (Mestrado). UFMG. 1996. Orientadora: Profª. Drª. Lucília de Almeida Neves Delgado. RIDENTI, Marcelo. Ação Popular: Cristianismo e Marxismo. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo (Orgs.). História do Marxismo no Brasil: partidos e organizações dos anos 20 aos anos 60. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002. RIDENTI, Marcelo. Cristianismo político no Brasil. História Viva Temas Brasileiros, São Paulo, Duetto Editorial, n.05, 2006, p.72-77. STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os senhores das Gerais: os Novos Inconfidentes e o golpe militar de 1964. 4. ed. Petropolis: Vozes, 1986.