Este documento discute a aprendizagem matemática dos ardinas de Cabo Verde e como eles aprendem na sua prática diária de venda de jornais. Aprender matemática é um processo social que envolve pertencer a uma comunidade. Ao observar os ardinas, tornou-se claro que a aprendizagem envolve fatores como diversidade, responsabilidade, relevância e ligação entre indivíduo e comunidade.
Introdução às Funções 9º ano: Diagrama de flexas, Valor numérico de uma funçã...
A matemática dos ardinas de Cabo Verde e o aprender na escola
1. A matemática dos ardinas de Cabo
Verde e o aprender na escola
Madalena Pinto dos Santos
Centro de Competência CRIE – FCUL
Centro de Investigação em Educação – FCUL
Escola Básica 2-3 Dr. Joaquim de Barros
4. Algumas preocupações
Reflectir sobre a aprendizagem matemática
escolar
Aprofundar a compreensão da abordagem
situada da aprendizagem (Lave e Wenger)
Um desenho e um processo de pesquisa
escolha de um campo empírico para pensar-com
recolha e análise de natureza etnográfica
valorização das interrogações que emergiam
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7. Venda de jornais – um espaço de pesquisa
Estar Falar
presente e ser útil no interior e sobre
a prática
Estar
nos outros lados da vida deles
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8. Um posicionamento no terreno
sensibilidade às pessoas e culturas, em particular
aos ardinas (suas necessidades, interesses, modos de estar e
de saber);
não sabendo o que eles sabiam mas genuinamente
interessada em aprender com eles;
estando com eles no quotidiano da sua prática, de
forma útil, atenta mas não intrusiva
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9. Venda de jornais – um espaço de acção
Públicos
Praça, ruas
Mercados, cafés
Hoteis
Espaços Institucionais De pensar
Repartições públicas Preço, sistema monetário
Assembleia Nacional Jornais (distribuição)
Bancos
Regras (ganho, pagamento)
De organizar Recursos
Jornais
Pessoas Indivíduos Mochila, Bolsa
Filho de… Tabela, calculadora
Vizinho, amigo de…
Grupos
Vizinhança, familiares De comunicar
Colegas de escola Fala, postura
Calculadora
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10. Actividades em que calculavam
• contagem de jornais (em vários momentos mas em particular na
distribuição) e de dinheiro;
• verificação do dinheiro e dos jornais que tinham em mãos (em
diversos momentos ao longo da venda);
• preparação para o pagamento dos jornais vendidos (incluía
contagem de dinheiro e jornais, organização do dinheiro que
antecipavam ter de pagar);
• acompanhamento do processo do pagamento dos outros
(no momento de pagar, observando os valores que eram introduzidos na
calculadora);
• conversar comigo em vários momentos do seu quotidiano de venda
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11. Os modos de explicitar os cálculos
Djeps
nos primeiros dias de venda
12$50 é um jornal; 2 é 25;… 4 é 50;… 5 é… 62 e quinhentos
algumas semanas mais tarde
8 —> 16 —> 32 —> + 8 —> 40
são 100$ —> 200$ —> 400$ —> + 100$ —> 500$
‘naturalidade’ do uso de:
- múltiplos de 8 para lidar com o valor de 12$50 (em 1998)
- múltiplos de 5 (ou de 10) para lidar com o valor de 20$ (em 1999)
- valores de quantidades de jornais específicas: 5, 25, 20, 75, 100
- nomear dinheiro ao manusear jornais (ex 100$ por cada 5 jornais) ou
nomear jornais ao manusear dinheiro (ex. 5 jornais dizem 100$)
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12. Uma conversa
Eu — E modi ki bu sabe si ta certu dinhero e jornal?
Manitu — Konta dinheru e konta jornal, depois di kabesa
Eu — Então já vendeu kantu jornal?
Manitu — 63 (enquanto pensa)
Eu — 63, kantu dinhero bu ten de ter aí?
Manitu — Hã?
Eu — Kantu bu deve ter aí? Dos 63 jornal.
Manitu — 800 ... e 160... 960... N devi... 5 contu e... 700 e 40...
pois,... 960... não, di 960... com mais... 5 contu e... 400
não,... 5 contu e 40.
Eu — Cinco conto e 40... Pamodi? Do dinhero p’ra bu pagar ou do dinhero
do jornal?...
Manitu — Não, pa’ pagar...
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13. Revendo (eu esperava 63x100$)
75 – 63
63 jornais
?
800 ... e 160... 960... 12 x 80$ = 960$
N devi... 5 contu e... 700 e 40... pois,... 960... não,
960$ ~ 1000$
?
que tira a 6000$
di 960... com mais... 5 contu e... 400
(75 x 80$)
!
Não,... 5 contu e 40. 6000$ - 960$ = 5040$
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14. Eu — Ah! para pagar.... e assim do dinhero junto, do pagar e do teu ganho...
Manitu — Tudu?
Eu — São 12 jornal que ainda tem... kantu jornal vendeu? (63) Não é do
ganho, nem para pagar, mas kantu dinheru vale... 63 jornal?
Manitu — 63 jornal? Quatro... não, 50 é… 4 contu…
Eu — 50 são 4 conto?
Manitu — Sim... 1300,… não 5 conto e 300.
Eu — Para pagar?...
Manitu — Não, para...
Eu — 50 jornal é 4 conto? (diz que sim) Para pagar... ao Anriki?!...
Manitu — Sim, pa’ pagar, depois o ganhu...
Eu — Sim, depois o ganho...
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15. Ao descrever a matemática dos ardinas e como a
aprendiam foi-se tornando saliente, por exemplo:
- o papel da diversidade (e) das pertenças
- o forte sentido de responsabilidade
- a centralidade da(s) relevância(s)
- a ligação entre legitimidade e visibilidade
- a dinâmica do acesso e da sustentação
- a relação entre indivíduo e comunidade(s)
- a diferença entre o falar ‘dentro’ e o ‘sobre’
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16. esquemas normas histórias
conceptuais
linguagem símbolos critérios
ferramentas
informação
no explícito
prática
relações implícitas e no tácito convenções
modos de fazer pistas subtis
visões partilhadas do mundo
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17. tecido social da aprendizagem
Vontade de...
expôr-se
partilhar ideias
ouvir Respeito e
confiança
Comunidade
Porque aprender envolve tanto o
coração como a cabeça
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18. Competência
espaço para tomar iniciativas
responsabilidade perante os
outros
as ferramentas adequadas
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19. Matemática escolar – o que tem ensinado
• A matemática escolar é um corpo formal de
conhecimentos desligado de problemas do mundo
real
• Os problemas matemáticos resolvem-se em menos
de 10 minutos, se não for possível nesse tempo,
então desiste-se
• Deve-se executar imediatamente qualquer coisa
• Aprender matemática é memorizar regras
(resultados de estudos de A. Schoenfeld, 1989)
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20. Matemática escolar – Aprender e ensinar
Aprender a ser membro de uma comunidade
• adoptar um ponto de vista
• reconhecimento de pertença à comunidade
Ensinar… criar um microcosmos de
prática matemática
(A. Schoenfeld, 1992)
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21. Respostas?... Sim, mas para novas questões
- a aprendizagem na escola
? que espaços de participação possibilitamos
(condições, recursos, estruturas)
? que modos de pertença valorizamos ou inibimos
? que responsabilidades fomentamos que os alunos
assumam
? que legitimidade e relevância reconhecemos às
suas identidades e saberes prévios
? como damos visibilidade aos seus reportórios
construídos na prática escolar
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22. Respostas?... Sim, mas para novas questões
- a aprendizagem matemática escolar
? que espaços de acção promovemos em que a
expressão do pensar matemático (falar-sobre e
falar-com) seja relevante (e não só para a ‘avaliação’)
? que diversidade de modos de pensar e de falar
matematicamente aceitamos e que diálogos
entre eles fomentamos
? que acesso damos aos alunos às regras que
definem o que são modos legítimos de pensar e
falar matematicamente (visibilidade das regras e
papel do aluno na sua legitimação)
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23. Em vez de perguntar...
Que tipos de processos cognitivos e que tipo de
estruturas estão envolvidas na aprendizagem da
Matemática?
…a questão-chave passa a ser
Que tipo de práticas sociais oferecem contextos
que possibilitam uma aprendizagem da Matemática
relevante para a pessoa como indivíduo e como
membro da sociedade?
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25. aprender é
pertencer
comunidade
identidade
aprender é fazer
Aprendizagem
aprender é
prática tornar-se
significado
aprender é
experiência
(Wenger, 1998)
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26. Uma tentativa de organização (em construção)
A partir da identificação de fontes de elementos estruturantes da prática social
dos ardinas
Tempo
Histórico-cultural
Participação/Reificação
(acção, ligação, mediação)
Modos de Pertença
Mundo social Actividades-
em-contexto
Estruturação Aprendizagem Organização
Significados (produção e reprodução) Recursos
História
Pessoas-em-acção
Comunidades de prática
Identidades e Saberes
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27. Prática – fonte de coerência da CoP
diversidade engajada sustentar
a prática
engajamento mútuo
fazer coisas juntos
responsabilidade
empreendimento
histórias artefactos conjunto
ritmos negociação
reportório partilhado
estilos conceitos
discursos
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28. Modos de pertença (e de aprender)
histórias partilhadas de aprendizagem
Engajamento
complexidade relações interacções
discursos cumplicidades
Alinhamento
actuações coordenadas
imagens de possibilidades
imagens de si
Imaginação próprio
imagens do mundo e do passado/futuro
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29. Condições de
engajamento
competência
mutualidade
continuidade
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30. mutualidade
Interacção
Definição de tarefas conjuntas
Possibilidade de
periferalidade
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