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1
Os habitantes da Aldeia das Amoreiras e a iniciativa de Transição do
Centro de Convergência: percepções, experiências e oportunidades
Relatório para o Centro de Convergência produzido pela equipa do projecto
COMPOLIS – Comunicação e Envolvimento Político com Questões Ambientais
Anabela Carvalho, Maria Fernandes-Jesus, Eunice Seixas, Lúcia Fernandes e Sofia
Bento
Outubro 2013
2
Nota introdutória
Entre 5 e 20 de Setembro de 2013, os membros da equipa do projecto COMPOLIS
desenvolveram trabalho de campo na Aldeia das Amoreiras, concelho de Odemira, com o
objectivo de analisar o processo de implementação da iniciativa de Transição liderada pelo
Centro de Convergência, aí sediado desde 2007 (data que é anterior à junção ao movimento
internacional de Transição). Entre outras actividades, esse trabalho incluiu a realização de
entrevistas com habitantes da aldeia. No decurso da estada na aldeia, foi acordado com o
Centro de Convergência que a equipa do COMPOLIS prepararia um documento em que se
daria conta das percepções dos habitantes sobre o Centro e as actividades que tem
desenvolvido na aldeia. O presente relatório concretiza o compromisso assumido,
apresentando a análise feita pelo COMPOLIS expressamente para dar resposta ao interesse
do Centro de Convergência em conhecer as visões e perspectivas dos habitantes sobre a sua
acção e projectos.
i) Caracterização geral dos inquiridos
Entre os 22 entrevistados, encontram-se 12 homens e 10 mulheres. As idades dos
entrevistados vão desde a faixa etária dos 20 até à dos 90 anos, com uma incidência
predominante nas faixas mais avançadas, em conformidade com a distribuição da
população. Apesar de estarem presentes outras situações profissionais, há uma grande
representação de reformados entre os entrevistados que têm, na maior parte dos casos,
níveis bastante baixos de educação formal havendo, inclusive, pessoas que não sabem ler
nem escrever.
Os participantes estão identificados apenas por uma letra que lhes foi atribuída
aleatoriamente, não correspondendo esta às iniciais do seu nome. Omitiram-se também
algumas partes do discurso de modo a evitar a identificação dos habitantes.
ii) Observações sobre aspectos metodológicos
A maior parte da população da Aldeia encontra-se numa faixa etária bastante elevada e
tem baixos níveis de literacia o que dificultou, em alguns momentos, a condução das
3
entrevistas. Procurou-se adequar a linguagem para esta fosse perceptível pelos habitantes e
ajustar as entrevistas aos ritmos dos entrevistados.
Devido às características da Aldeia e dos espaços de socialização existentes, nalguns
casos realizámos entrevistas em locais onde estavam outras pessoas, que interferiram no
discurso do entrevistado. Este facto poderia eventualmente influenciar as respostas dos
participantes no sentido do “socialmente desejável”; no entanto, não nos pareceu que tal
tenha acontecido. Na maior parte dos casos, as entrevistas foram realizadas com o mínimo
de condições exigidas para a sua realização.
iii) Estrutura do relatório
Os resultados/dados são apresentados por tópicos, que representam temas abordados
nas entrevistas e que se subdividem em tópicos mais específicos. O primeiro tema intitula-se
“percepções sobre o Centro de Convergência” e inclui as opiniões e visões dos habitantes
sobre o Centro de Convergência em termos de objectivos; impactos e contributos para a
aldeia; avaliação de estratégias, métodos e actividades; percepções sobre o modo de
funcionamento; e por fim opiniões sobre a evolução do próprio Centro ao longo do tempo.
O segundo tema refere-se a “experiências de participação” e inclui quer as experiências de
envolvimento individuais, quer as referências ao (não)envolvimento da comunidade. O
terceiro tema intitula-se “avaliação de oportunidades de envolvimento e factores inibidores”
e inclui propostas de actuação, bem como referências aos factores que obstaculizam o
envolvimento das pessoas. O quarto tema, “aspectos emocionais e relacionais”, aborda as
referências feitas aos relacionamentos interpessoais entre os elementos do Centro de
Convergência, bem como as emoções associadas quer a estas relações quer à própria
actividade e projectos do Centro de Convergência. O último tema “aspirações e anseios”
abarca os desejos expressos pelos entrevistados. O relatório termina com a apresentação de
conclusões gerais a que se chegou com a análise das entrevistas e com a apresentação de
algumas recomendações.
Importa referir que os resultados apresentados não são generalizáveis à população e,
como tal, devem ser interpretados tendo este aspecto em consideração.
4
1. Percepções sobre o Centro de Convergência
Ao longo de toda a entrevista, foram abordadas as percepções e visões dos habitantes sobre
o Centro de Convergência a vários níveis, tais como: percepções sobre os
objectivos/finalidade do Centro; impactos ou contributos do Centro de Convergência para a
aldeia; avaliação das estratégias, métodos e actividades; avaliação do modo de
funcionamento do Centro de Convergência; percepções da evolução do Centro de
Convergência. De seguida, apresentamos a análise das percepções dos habitantes sobre
estas temáticas.
i) Percepções sobre os objectivos do Centro
No que se refere aos objectivos do Centro de Convergência, no decorrer das entrevistas
foram feitas referências que sugerem desconhecimento e incompreensão dos seus
objectivos e finalidades por parte de várias pessoas. Este desconhecimento é mais
enfatizado por pessoas que nunca se envolveram nas actividades do Centro, no entanto é
também referido por pessoas que participaram em algumas das suas actividades e projectos
(Aldeia Sustentável, caiação, intercâmbio de jovens). As afirmações seguintes demonstram
esse desconhecimento e incompreensão:
Habitante A. “Eu tenho a minha ideia e as outras pessoas têm a deles, mas
compreender bem, se calhar não sei”.
Habitante D. “Eu queria explicar (…) onde estava e não sabia, disse que estavam cá a
fazer umas coisas, mas não sabia o que é que era”.
Habitante E. “Conheço essa gente que tem andado por aí, ora uns ora outros, não
percebo nada dessa coisa”.
Habitante L. “O objectivo não sei o que é que eles fazem que eu não, não vejo isso
praticamente objectivos nenhuns, não sei o que é que fazem”.
Habitante O. “Pois não, não. Eles é que sabem lá o que fazem, portanto, eu não
percebo nada daquilo, então eu não percebo nada daquilo, nem sequer sei ler”.
5
Habitante Q. “Acho que alguns objectivos eu ainda nunca percebi bem. Até esta
altura, sinceramente alguns objectivos deles, algumas ideias deles que eu ainda não
consegui meter bem dentro da cabeça”.1
Habitante T. “Olhe se quer que lhe diga, ainda não percebi bem, falam da Aldeia
Sustentável, mas não sei como é que isso vai ser possível, porque cada vez há menos
pessoas a trabalharem na agricultura. E depois as pessoas estão cada vez mais
idosas, e já não têm saúde para trabalhar no campo”.
Sendo o Centro de Convergência uma iniciativa de Transição, importa saber se os habitantes
da aldeia conhecem e compreendem os princípios e finalidades desse movimento.
Questionados sobre o conceito de transição, quase todos os entrevistados dizem não saber
defini-lo e inclusivamente nunca ter ouvido falar da questão. As poucas pessoas que ouviram
falar de transição dizem que foi através do Centro de Convergência, mas não foram capazes
de explicar o seu significado. As afirmações dos seguintes habitantes representam esse
desconhecimento, que é visível ao longo das entrevistas:
Habitante A. “Já, há muitas coisas que eu já ouvi falar aqui, mas também como eu não
participo, e às vezes também não pergunto, não (.)”
Habitante D. “Transição... não me lembro nada disso.”
No que diz respeito a alterações climáticas e pico do petróleo, a maior parte das pessoas
refere nunca ter ouvido falar destas questões. O conceito de alterações climáticas parece ser
mais reconhecido, já que várias pessoas mencionam que já ouviram falar quer através do
Centro de Convergência quer através dos meios de comunicação (a televisão, sobretudo).
Habitante B. “Alterações climáticas, pois isso infelizmente tem sido para pior, tem havido
umas grandes secas, que está a atrofiar desde o clima agressivo e as plantas não se
aguentam. Infelizmente no Norte, está a ser mais castigado do que nós aqui (….)”
Habitante T. “Sim, isso sim. As pessoas falam das alterações climáticas, do aquecimento
global.”
Um dos habitantes destaca os ciclos de cinema organizados pelo Centro de Convergência
como relevantes para o seu conhecimento sobre o pico do petróleo e as alterações
climáticas. Os mais jovens parecem ser aqueles que mais ouviram falar de alterações
climáticas e referem a escola como a principal fonte de informação nestes aspectos.
1
O sublinhado indica alguma forma de acentuação, enfatização.
6
Apesar de alguma incompreensão, vários habitantes identificam objectivos concretos do
Centro de Convergência. De forma geral, encontra-se referência a três objectivos: mudanças
nas práticas na agricultura; suporte e ajuda à população; e desenvolvimento/melhoramento
da aldeia. No que diz respeito à agricultura, alguns habitantes percepcionam que o Centro
de Convergência tem como objectivo influenciar as práticas da agricultura local. Este
objectivo é avaliado como desadequado e desapropriado:
Habitante B. “eu estou convencido que o Centro está aí para indicar qualquer coisa
perante a agricultura (….) o que é que eles vêm aqui ensinar, ensinar batatas,
cebolas ou coisas assim do género? Não, não. Eles que têm a cultura”.
Habitante M. “Está relacionado com alguma produção agrícola com (.)”.2
Contrariamente, o objectivo de ter uma função social, ser um apoio/suporte local - que é
enfatizada por vários habitantes - é avaliado de forma positiva e percepcionado como
adequado às necessidades da aldeia.
Habitante P. “qualquer coisa que se sintam mal isso é do mais pronto para socorrer
as pessoas”.
Habitante V. “eu acho que eles têm uma certa função social de apoio”.
Habitante C. “Pois, eu agora não posso explicar. Eu só percebi do assunto que eles
vinham para cá para ajudarem, ajudarem, pessoas que fosse preciso, essas coisas.
Nós ajudamos todos uns aos outros. É muito bonito, pois”.
Por último, o objectivo de melhoramento e desenvolvimento da aldeia surge expresso por
alguns dos participantes em dois sentidos. Em primeiro lugar, é referido que o Centro tem
como objectivo o desenvolvimento da aldeia em termos culturais e sociais, isto é, pretende
mostrar formas de pensar, viver e de estar diferentes. Em segundo lugar, este objectivo é
percepcionado por um lado como positivo, tal como é sugerido na afirmação do habitante A,
e por outro lado parece ser visto como uma tentativa de imposição de formas de estar e
viver que são desadequadas à vida na aldeia.
Habitante A. “acho que é desenvolver um bocadinho também mais, por exemplo
certas pessoas por terem sempre estado aqui, pensam de certa maneira e só
pensam aquilo e acho que eles vieram tentar desenvolver as pessoas, para um
caminho diferente, para maneiras diferentes (.) sei lá, acho que sim, novas
2
Um ponto entre parêntesis indica uma pequena pausa, provavelmente não mais do que um décimo.
7
actividades, a conhecer novas coisas, novas maneiras de ser, de cidade, de outro
lado, e ao mesmo tempo tentarem também sentirem integrados aqui, com as coisas
que fazem, a maneira de fazerem”.
Habitante Q. “Tentaram-nos incentivar a praticar essa vida também, de maneira,
quando havia algum, convidam-nos para uma festa, criada por eles, um evento, para
nós irmos jantar todos e houve muita gente que foi e pronto”.
Por fim, alguns habitantes fazem uma certa associação/sobreposição entre aquilo que
percepcionam como os objectivos do Centro de Convergência e o projecto da Aldeia
Sustentável, o que sugere um impacto significativo deste projecto nas visões das pessoas
sobre o Centro.
Habitante M. “O Centro de Convergência apareceu na aldeia com um projecto de
uma aldeia sustentável (.)”
Habitante F. “Olhe, eles explicavam os objectivos do projecto com boa finalidade.
Eram fazer a Aldeia Sustentável, por exemplo nós semeávamos e tudo o que
sobrasse fazia-se o mercado".
ii) Impactos ou contributos do Centro de Convergência
Uma das questões colocadas na entrevista pretendia compreender as percepções dos
habitantes sobre as mudanças na aldeia desde que o Centro aí iniciou as suas actividades.
De forma geral, os participantes identificam algumas mudanças, no entanto essas mudanças
são tendencialmente vistas como pequenas e pouco substanciais.
Habitante A. “Assim diferente, diferente, diferente em si, eu não vejo assim uma
diferença muito grande”.
Habitante D. “Eles fazerem alguma coisa fazem de certeza. Que eu tenha visto
grande mudança não posso dizer que eu tenha visto”.
Habitante C. “(.) Acho que é a mesma coisa (.)”
Habitante E. “não! Oh* senhora isto está tudo na mesma”.3
Habitante G. “Bom, não se sente impacto nenhum. Mas isto sou eu a falar (…)”
Habitante H. “Eu acho igual”.
3
O sinal * indica sons vocais tais como “hum...”
8
Habitante L. “É capaz de terem feito umas coisas eu (.) que eu veja assim mudado
qualquer coisa não vejo nada”.
As poucas mudanças são avaliadas como expectáveis por alguns habitantes tendo em conta
a dificuldade e a lentidão inerente a qualquer processo de mudança social, e por outro lado
às próprias limitações do Centro da Convergência.
Habitante K. “O que é que eles hão-de fazer? Tomara eles lhes darem para eles,
antes que eles tenham opinião disso, também não devem ter, têm casas de aluguer”
Habitante M. “Não, não vejo alteração significativa mas também julgo que era
impossível que isso acontecesse. Isto não é fácil, isto é difícil. Leva muito tempo”
Outras pessoas entrevistadas enfatizam várias melhorias/mudanças na aldeia que têm vindo
a ser proporcionadas pelo Centro de Convergência. Esta identificação é espontaneamente
feita por algumas pessoas, e também por outros que inicialmente referiam que não se
apercebiam de mudanças nenhumas mas que, no decorrer da entrevista, identificaram
vários aspectos associados à presença do Centro de Convergência.
Desde logo, o contributo do Centro para o aumento da população é visto como algo
positivo. Esta é aliás, como iremos ver, uma preocupação geral na aldeia e por isso é tida
como algo globalmente positivo e com impactos concretos na composição da aldeia.
Habitante D. “Para a pouca população, porque eles são muitos (risos). Mas é
verdade, havia muito poucas crianças na escola e agora com eles cá há mais”.
Habitante O. “Atão, diferente de quê? Só se for que tá aí mais gente, que eles
vieram para ali”.
A divulgação da aldeia no exterior é outro aspecto mencionado como muito positivo. De
facto, várias pessoas atribuem ao Centro de Convergência uma maior visibilidade da aldeia
no exterior. A utilização dos meios de comunicação, a televisão sobretudo, é avaliada como
algo positivo e muito relevante para o conhecimento da aldeia.
Habitante D. “É verdade. E digamos que Aldeia começou a ser mais falada assim,
através do Centro de Convergência, serviu para sermos mais conhecidos. (...) É
positivo. Bastante positivo. Se a SIC já veio cá mais algumas vezes foi através deles
(…) sim, as únicas vezes que a aldeia foi falada na televisão foram através do Centro
de Convergência”.
Directamente relacionado com este crescente reconhecimento da aldeia no exterior, o
aumento do comércio local é também apontado como um contributo bastante positivo.
9
Habitante B. “Especialmente o comércio, quem beneficiou mais foi o comércio na
minha maneira de ver. Vende-se mais um cafezinho, vêm outras pessoas mais, veio a
SIC e tudo mais, é por intermédio deles”.
Habitante D. “Sim, porque a essa entrevista, essa reportagem, houve bastantes
visitantes a virem porque tinham ouvido na televisão.”
Algumas mudanças em termos de vida social na aldeia e do próprio aspecto “visual” da
aldeia são também destacadas por alguns habitantes.
Habitante F. “E pronto e como tudo, há pessoas que gostam, que não gostam, que
vêm as coisas de uma maneira diferente, mas que deu muita vida e que tem sido
bom eles tarem aí tem sido.”
Habitante N. “tem mais pessoal né, a saírem para aqui e para ali, moveu, esta muito”
Habitante P. “A gente às vezes acha que eles que não fazem mas eles fazem certas
coisas, são feitas aí às vezes mais é por causa do Centro (….) Olha aí das ruas,
limpeza e, e isso”.
Para além disso, a mudança de mentalidade das pessoas é considera relevante e positiva.
Habitante A. “mas acho que as pessoas, a mente das pessoas se calhar está um
bocadinho diferente, se calhar já estão mais abertas a pessoas diferentes”
Habitante B. “sim, o Centro de Convergência veio dar, abrir mais uma culturazinha”
Habitante N. “Sim, tá mais aberto”.
Por fim, o suporte social e ajuda proporcionada pelo Centro de Convergência aos habitantes
da aldeia é vista como algo adequado às necessidades locais, e avaliado de forma muito
positiva.
Habitante Q. “é a ajuda à população mais idosa (….) E eles nesse aspecto tentaram
ajudar, tentaram criar consultas de enfermagem (…)”
Habitante S. “Mas quando tenho falta de alguma coisa digo (…). Acho que é tudo
muito bom porque por exemplo, eu tenho falta (..) tenho falta de qualquer coisa, eu
digo (…). E a W vai lá. Tem sido muito bom, acho que é muito bom, para a nossa
aldeia acho que é muito bom (...).”
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iii) Avaliação das estratégias, métodos e actividades
No que se refere às actividades, é transversal a todas as entrevistas a enunciação de
actividades e projectos que têm sido desenvolvidos pelo Centro de Convergência na aldeia.
Actividades como a caiação, a limpeza da aldeia, as explicações às crianças, as aulas para
estrangeiros, o serviço de enfermagem, ciclos de cinema, o intercâmbio, os frescos, festas na
aldeia e os Sonhos da Aldeia foram enunciadas várias vezes. Além disso, alguns habitantes
atribuem também ao Centro de Convergência a construção do parque infantil na aldeia
(habitantes H e J) ou então o papel de intermediário entre o poder local e municipal e a
aldeia (habitante P).
Habitante H. “Agora estão ali fazendo aquele parque, foram eles que pediram. Já
pediram não sei o que era aí mais, mas isso não foi ainda aprovado. O parque eles é
que pediram para fazer, o parque para os meninos brincarem”.
Habitante J. “Eles fizeram aí uma coisa para os miúdos brincarem”.
Habitante P. “ O que é que eles têm feito? Isso obras que eles tenham feito aqui
não. Não sei, não. Acho que eles têm feito pedidos à Câmara e que a Câmara já tem
feito aí algumas coisas por causa deles.”
A estas actividades são atribuídas apreciações essencialmente positivas, tal como
poderemos verificar através das seguintes afirmações:
Habitante C. “Actividades eles têm aqui resolvido, há muitas coisas que eles
anunciavam e nós vimos que era necessário (...) Pois, e faziam essas coisas todas. E
isso era importante”.
Habitante F. “também foi muito bom que teve aqui um professor (…) dava
explicações aos miúdos, as crianças vinham da escola e se quisessem eles davam
explicações”.
Habitante G. “No intercâmbio gostei, da atitude, souberam receber”.
As práticas de divulgação das actividades foram também abordadas ao longo das
entrevistas, e verifica-se que a perspectiva geral é que o Centro tem utilizado métodos
eficazes de divulgar as suas actividades. Os entrevistados enfatizam a divulgação boca-a-
boca, o passa-palavra, como a estratégia mais eficaz - estratégia que reconhecem ser
utilizada pelo Centro.
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Habitante A. “Ah*, de ouvir as pessoas dizerem, de coisinhas que eles deixavam no
café, ou uns cartazes, ou mesmo eles quando me encontravam na rua diziam olha
vai haver isto e isto, aqui também é fácil fazer”.
Habitante B. “sim, ele gostava da gente participar, e ia as pessoas, e ia a nossa casa e
a gente colaboramos, pois.”
Habitante J. “Foi, aquele que mais tempo está, que está aí à frente”
Habitante J. “Às vezes fazem aí reuniões, agora há tempos que nãh fazem”
Habitante H. “Como é que fizeram, para as pessoas falarem juntavam todos numa
rua, isto tinha mais gente, isto não tem quase gente nenhuma que tem morrido
tudo.”
Habitante M. “Eu percebi que eles faziam tudo isso ((reuniões, workshops, lanches,
convívio com discussões)) e acho que fazem bem assim porque tem de ser tudo isso.
Tem de ser reuniões, tem de ser lanches, tem de ser bailes. E eu percebi que eles
faziam assim e achava, no meu entender acho que fazem bem (…)”4
Habitante N. “Sim, quem sabia ler lia, quem não sabia eles explicavam de outra
maneira.”
É também feita alguma crítica aos formatos de reuniões, apesar de os entrevistados não
conseguirem identificar que formatos seriam mais eficazes.
Habitante T. “Não, eu não vejo que as pessoas não estão muito disponíveis para
participar nesse tipo de encontros. Mas, água mole em pedra dura tanto bate que
até fura e às vezes pode ser que consigam alguma coisa.”
Habitante A. “ah não sei, eu já vi fazerem tantas coisas.”
No entanto, são também apontadas algumas críticas essencialmente relacionadas com o
modo como as pessoas do Centro de Convergência se apresentam/apresentaram na aldeia,
e a forma como os objectivos das actividades são comunicados/expressos à população:
Habitante G. “eles têm que fazer precisamente o exemplo, mostrar as pessoas que é
precisamente ao contrário que eles querem fazer, tem que haver mais comunicação
com a população, conseguir conquistá-las pouco a pouco, penso eu que isso falta,
falta e muito”.
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Parêntesis duplo contém descrições do autor em vez de transcrições.
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Habitante I. “nunca na vida poderiam vir aqui (…) com uma proposta, com uma
missão, com um ensino, como nós é que vamos mostrar-vos como é que vamos
fazer”.
Habitante E. “Eles lá na minha coisa vão para aqui para a horta cavar um bocado, e
aquilo parece. E a gente diz devia fazer isto, fazer aquilo, não, eu não, isso não
presta.”
Habitante Q. “Explicam, mas as pessoas não perceberam. As pessoas mais novas
talvez percebam, agora os mais velhos acham esquisito, as necessidades deles de
terem um pote, depois é despejado, e tapado com a serradura. (…) acho que o
ponto de alguns deles é mesmo esse, tentarem poupar visto que os rendimentos são
poucos, e visto que mesmo para as pessoas daqui não há tantas reformas altas e
isso, e tentam implantar essas ideias também para (.)”
Um dos habitantes refere sentir um desligamento por parte do Centro de Convergência em
relação às questões agrícolas, algo que não compreende, uma vez que percepcionam a
intervenção nessa área como sendo um dos objectivos do Centro. Ora, se por um lado
acham que este é um objectivo do Centro, como vimos anteriormente, por outro lado,
avaliam que a concretização do objectivo não é bem conseguida, essencialmente pelo
desinteresse e desligamento das pessoas do Centro em relação às suas hortas. Este aspecto
é avaliado negativamente pelo habitante C.
Habitante C. “Quer dizer o desprezo abandonava, e depois aquilo perdia-se tudo. E
digam-me para que é que aquilo servia?”
Da mesma forma, verifica-se uma incompreensão dos métodos utilizados pelo Centro, por
exemplo em relação a formas de cultivar. Atribuem às pessoas do Centro uma cultura
diferente, formas de fazer às quais não estão habituados e cujos significados não
compreendem.
Habitante N. “Ela semeava à maneira dela, (…) semeia duma outra maneira, que a
gente não semeia cá”
Habitante Q. “a maneira deles, que eles têm, é assim eu tanto concordo, a maneira
que eles utilizam para cozinhar como para viverem é a maneira deles, é a cultura
deles neste caso. E nós aqui sempre nos habituamos a coisas diferentes, e eles vêm
para cá tentarem implantar ideias deles aqui na nossa terra. E algumas pessoas,
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neste caso, pessoa mais idosas sempre trabalharam da mesma maneira, e às vezes
implantar essas ideias, às vezes não”.
iv) Modo de funcionamento do Centro de Convergência
Foram também expressas algumas opiniões sobre a organização e funcionamento do
Centro. Um dos aspectos mencionados foi a utilização do método de consenso para a
tomada de decisão. Na perspectiva de A, esta forma de tomada de decisão é positiva mas há
dificuldades em implementá-la na aldeia.
Habitante A. “O Centro, o método acho que eles sim, eles falam muito, de reunir, de
cada um dar a sua opinião e chegarem a um consenso, acho que é uma boa ideia.
Mas as pessoas aqui não ((fazem)) muito isso. Acho que não.”
Por outro lado, a estrutura de organização mais horizontal é incompreendida por um dos
habitantes:
Habitante Q. “Isso é outra parte que eu também não percebo muito, porque eu
acho que a direcção do Centro altera ou muda frequentemente. Não tem bem a
noção (…) mas pelo que percebi, um ou dois, há um que é o responsável, no ano a
seguir já é outro e dentro da organização acho que há vários chefes, foi o que me
apercebi.”
Para outros, a perspectiva geral é de que o modo de funcionamento do Centro revela
desorganização e pouca funcionalidade:
Habitante G. “Mas vejo também muita desorganização.”
Habitante V. “Mas lá está essa tal parte que eu vi que funcionalmente não
funcionava ou seja em termos funcionais (.)”
v) Percepções sobre a evolução do Centro de Convergência
Por fim, foi visível ao longo das entrevistas uma comparação e uma avaliação da evolução do
próprio Centro de Convergência ao longo dos anos. Alguns habitantes percepcionam uma
perda do rumo e desestruturação do grupo.
Habitante B. “eu sou sincero, a princípio vi isto com mais, com mais rumo que não
tem hoje. Tem passado diversas pessoas e então nem todos têm aguentado aí”.
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Habitante C. “Pessoas que não convivem, senão numa certa maneira. E isto quando
começaram, isto, o pessoal levantou-se, eram todos um, e qual foi a razão que
deram em desaparecer?”
Da mesma forma, ao longo das entrevistas constatou-se uma percepção de que no passado
as pessoas participavam mais, envolviam-se e frequentavam muito mais o Centro de
Convergência, justificando esta mudança de comportamento das pessoas com a mudança de
instalações. Esta perspectiva é expressa pela maioria dos entrevistados.
Habitante H. “Agora quem é que tem tado aí? Ninguém”
Habitante L. “Ah, isso vinha ((ao Centro)) quando eles estavam ali”
Habitante P. “Agora essas pessoas novas que estão aí, desde que eles se mudaram aí
para esse lado eu pouca convivência tenho com eles. Desde que eles se mudaram
aqui para a escola (...) Não é muito longe e depois eu não posso andar, nunca mais
vim para aí. Eu tive muita convivência com eles aqui ((na antiga sede))”
Habitante C. “Era sim, era uma convivência muita grande. E a gente tarmos aqui,
todos, não era todos mas, há sempre quem goste e há sempre quem não goste, pois.
E então nãh sei o que é que aconteceu, o que é que não aconteceu que isto está só”
Habitante T. “e depois de ele estar do outro lado, não sei, porque quando ele estava
aqui ainda via, agora não sei como é que aquilo funciona, porque eu nem sequer
nunca lá fui, não sei se tem muita gente, se não tem. Não faço ideia.”
2. Experiências de participação
Neste tema são apresentadas as visões dos entrevistados sobre experiências de
participação, a avaliação que fazem dessa participação e as percepções do envolvimento da
comunidade e de pessoas de fora da comunidade.
i) Pessoais
Quase todos os habitantes entrevistados referem conhecer o Centro de Convergência e ter
participado esporadicamente ou pelo menos numa das actividades. As experiências de
participação são descritas de forma geral pela positiva, embora por vezes de modo vago. As
actividades em que os habitantes referem ter participado são o intercâmbio, a caiação, os
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jantares, os convívios, as festas, o mercado, palestras sobre permacultura, os Sonhos da
Aldeia e ida ao Centro de Convergência apenas para conversar e passar o tempo. A maior
parte das pessoas refere-se todavia a experiências de participação passadas e que
ocorreram antes da mudança de instalações.
Existem também habitantes que nunca foram ao Centro de Convergência, como é o caso do
Habitante E:
Habitante E. “vão (.) Sei lá, eu cá não fui”
Vários habitantes referem as suas experiências de participação de forma positiva e em
termos da “ajuda” que deram:
Habitante B. “Eu colaborei aí em coisas com eles, eu ajudava no que pudesse”.
Habitante N. “É assim, eu tou, agora. Se me dessem uma coisa para fazer, olha
vamos fazer, eu ajudava.”
Habitante S. “E a capela também ajudei (...)Tenho feito tudo.”
Um dos habitantes salienta orgulhosamente o facto de a participação na actividade da
caiação ter envolvido ensinar a caiar às pessoas que vinham do Norte:
Habitante N. “E a pintura que eles vieram fazer, eu gostei de andar lá com a malta
(...). A gente que vinha de cima não sabia caiar nem nada, e a gente ensinámo-los
todos contentes.”
Outros participantes afastaram-se do Centro de Convergência por várias divergências e/ou
conflitos e deixaram de querer participar.
ii) Da comunidade
Os entrevistados consideram que as pessoas da aldeia participam apenas esporadicamente
nas actividades do Centro de Convergência, mais umas do que outras pessoas, e mais em
actividades lúdicas, como festas e convívios.
Habitante G. “Esporadicamente. É mais a (.) e poucas mais”
Habitante V. “As pessoas aqui vão ao bar ou vão ao café nunca foram ao Centro, não
é. Nunca vi as pessoas a irem ao Centro”
Habitante T. “Acho que daqui da aldeia não vejo assim grande envolvimento,
sinceramente não vejo.”
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O habitante M é mais cauteloso a expressar a sua opinião, que depois valida pela sua idade e
experiência de vida:
Habitante M. “Não sei se há muita gente envolvida no projecto. Acho que não deve
haver, acho, mas não sei. Porque deve ser muito difícil envolver muita gente num
projecto destes. Portanto, mas eu não sei. Digo que acho, porque, conheço. Já nasci
há ((muitos)) anos.”
Alguns dos participantes associam a falta de participação às características das pessoas, que
“não aderem”, “não colaboram”.
Habitante A. “As pessoas às vezes também não querem muito colaborar, não sei se
já estão habituadas aquele ritmo, não colaboram muito, é muito difícil chegar às
pessoas daqui, é um bocadinho difícil, algumas, e pedir aquilo, pedir isto, pedir a
ajuda para isto, algumas não se interessam muito.”
O habitante B contrasta a boa vontade do Centro de Convergência com a falta de adesão das
pessoas:
Habitante B. “O Centro de Convergência dá um parecer, mas claro quando não há
ovos, não se pode fazer omeletes e eles coitados, têm a boa vontade, mas parte das
pessoas não aderem, mas que eles têm a boa vontade de ajudar, têm, mas o que é
que a maior parte das pessoas não aderem”
No mesmo sentido, o habitante F, referindo-se ao mercado e à importância do mesmo diz
não saber se este ainda existe:
Habitante F. “Se calhar ainda fazem, só que a pessoas não aderem”.
O habitante C expressa até a sua admiração quando as pessoas da aldeia participam:
Habitante C. “Pois, estou achar estranho, admira-me tantas pessoas, não são muitos
que as pessoas daqui são poucochinhas, daqui, vir a convivência.”
Alguns dos habitantes mencionam actividades específicas em que houve mais participação
como festas, almoços, a caiação, o intercâmbio, o mercado e as pequenas ajudas que davam
no Centro de Convergência.
Habitante T. “Quando às vezes há almoços ou isso, as pessoas lá participam, caso
contrário não vejo assim muita participação.”
Habitante Q. “Acho que a atividade que se pode dizer que foi mais vista e mais
utilizada pela população foi mesmo o intercâmbio.”
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Habitante A. “E mesmo fazer algumas coisas que o Centro, dava para carregar os
telemóveis, dava para fazer essas coisinhas, houve um dia em que mediam a tensão,
os diabetes, portanto eles aproveitavam e nisso as pessoas participavam, as pessoas
mais velhas, e eram umas quantas.”
Quando questionados sobre isso, alguns dos habitantes recordam tempos antigos em que o
convívio na aldeia era muito maior:
Habitante L. “Oh, isso antes era bom a aldeia. Fazia-se festas e coisa isto era (.) a
aldeia aqui antigamente aqui há uns 40 anos, 50 anos, a aldeia era, para festas era a
aldeia melhor. Quando faziam aqui bailes ou coisas isto enchia-se aqui tudo.”
iii) De pessoas de fora
Sobre a questão de quem são as pessoas que estão mais envolvidas no projecto do Centro
de Convergência, se são da aldeia ou de fora, os participantes expressam diferentes
opiniões. A expressão “pessoas de fora” é entendida quer como significando as pessoas do
Centro de Convergência que não eram da aldeia mas estão aí há bastante tempo, quer como
respeitante a estrangeiros.
Habitante B. “Eu tou convencido que aderem mais essas pessoas que estão aí, mais
alemães, ingleses, pessoas estrangeiras que vêm mais aqui, dessas comunidades,
que têm aí, em Lameiros”.
Habitante P. “É. De fora não vem aqui praticamente quase ninguém. De fora quer
dizer, a não ser as que pertencem ali.”
O habitante A considera que são as pessoas de fora que participam mais porque se sentem
mais à vontade com as actividades, enquanto que as pessoas da aldeia têm alguma
vergonha:
Habitante A. “Não. São as pessoas de fora. Talvez pelas pessoas de fora se sentirem
à vontade porque não são de cá, deixaram um bocadinho a vergonha de lado.”
Alguns dos participantes associam a gente de fora à ideia de que estas pessoas vinham
ensinar:
Habitante N. “Era mais de fora, tinham aquela maneira né, de ensinar lá a malta.
Ensinar, vamos fazer isto de determinada maneira, aquela é melhor, esta é melhor.”
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Habitante O. “E ensinar aí, eu gosto, vem muita gente é de fora, sei lá (...) foram uns
é coisa lá deles, que um gajo não sabe nada disso.”
3. Avaliação de oportunidades de envolvimento e factores inibidores
i) Factores Inibidores
Os factores inibidores do envolvimento da população nas atividades do Centro de
Convergência mais referidos pelos participantes são a idade, a falta de gente, a falta de
união, a falta de estudos e a distância em relação às novas instalações do Centro. A
referência à idade avançada como inibidor do envolvimento é transversal às entrevistas. São
por isso variados os exemplos de afirmações que veiculam esta ideia:
Habitante L. “As pessoas que estão aqui já é tudo pessoas de idade praticamente.
Não têm coisa nenhuma para fazer essas coisas nem, para se juntar, fazer reuniões,
nada disso. As pessoas já todas de idade, não ligam, deixa andar.”
Habitante O. “Eu já não ligo nada a isso, isso é para gente nova.”
Esta ideia leva à percepção da falta de agência política, de que as pessoas de idade já nada
podem fazer de relevante para resolver os problemas da aldeia e potenciar mudanças na
mesma, como se constata no exemplo seguinte do habitante U:
Habitante U. “Ai, coitadas, isto é quase só velhos. Aí novos têm poucos. Isto é quase
tudo gente velha.”
O habitante M associa a questão da idade a uma certa inactividade (a ideia de que “os
velhotes” preferem passar o dia sentados no café do que envolver-se em actividades) mas
racionaliza esta opção, legitimando-a pela vida dura que estas pessoas tiveram.
Habitante M. “Sim, mas eu não estou a criticar. Faz parte das pessoas (...) Mas, mas
eles tiveram uma vida produtiva e esforçada que eu sei a história de alguns e agora
entendem que devem estar aqui sentados. Acho legítimo. A maior parte destes
velhotes trabalharam muito e passam dificuldades muito grandes nestes (.) Cinquenta
anos atrás a situação do país era completamente diferente. Portanto eu não estou a
fazer nenhuma crítica, estou a constatar.”
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A falta de união e a “falta de gente” são também factores apontados pelos participantes. O
habitante K por exemplo salienta a falta de união e contrasta as aldeias aos “centros
grandes”.
Habitante K. “Olhe uns estão melhores, outros estão (graiados) (risos) atão, é em
todos os lugares, nessas aldeias pequenas onde se conhecem todos, não é como
nesses centros grandes. Uns convivem bem outros não convivem. Uma pessoa é a
vontade de todos, outra já não é. Ah* a gente vai passando a vida, e mai nada.”
Habitante J. “Não. Isso não. As pessoas não se unem, não é assim”
O habitante L refere tanto a falta de gente como a falta de união como factores inibidores
do envolvimento das pessoas da aldeia.
Habitante L. “Tinha que ser mais gente. E agora não é 15 ou 20 que vão fazer qualquer
coisa. Tinha que ser mais gente, juntarem-se (.) juntarem-se todos e (.)”
A falta de estudos por parte desta população envelhecida é também apontada como factor
inibidor da participação em actividades do Centro de Convergência:
Habitante O. “Atão a gente nem sequer sabe ler (...) como é que um gajo há-de falar
com certa gente se nem sequer sabe ler as palavras”
Habitante P. “Pois. Eu não sei ler e parte das coisas, não sei”
A referência à distância das novas instalações do Centro de Convergência surge de forma
transversal aos discursos dos participantes e frequentemente associada a problemas de
locomoção e/ou doença.
Habitante J. “Às vezes fazia aí, há uns tempos que fazia. Às vezes fazem, eu também
eu não posso ir, também sou doente, as vezes ando aí, uns dias melhores, uns dias
piores (.)”
Habitante E. “não, eu não sou amigo de andar”
Habitante P. “Aquilo agora está é para aqui e depois eu não posso andar.”
Alguns dos participantes mencionam também factores inibidores mais ligados às
caraterísticas culturais e à mentalidade das pessoas da aldeia, como o facto de as pessoas da
aldeia serem “reservadas” e terem uma certa desconfiança face a pessoas que vêm de fora,
o que se liga por sua vez a uma crítica à desadequação e ineficiência das estratégias de
comunicação do Centro de Convergência com a população; a falta de habituação das
pessoas da aldeia a certos métodos utilizados pelo Centro de Convergência; a falta de
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espírito reivindicativo das mesmas; e mesmo a ideia de que as pessoas da aldeia “não sabem
aproveitar as oportunidades”. A ideia de que as pessoas são reservadas é veiculada pelo
habitante G que refere também os estereótipos da população face a determinadas questões
como o vegetarianismo. O mesmo habitante sugere, durante a entrevista, que o Centro de
Convergência não soube conquistar a confiança das pessoas.
Habitante G. “As pessoas na aldeia são muito reservadas, são pessoas que primeiro
que confiem têm de ter provas disso, e depois são pessoas que não convivem muito
bem com a questão (...) Conversas assim, e discriminam muito e ao fim e ao cabo a
população não confia muito.”
A presença de “gente de fora” é mesmo por vezes referida explicitamente como um
impedimento à participação, como no caso do habitante R:
Habitante R. “Eu nunca cheguei a ir ali muito, tava ali muita família de fora”
Também o habitante B salienta a questão da percepção negativa das pessoas do Centro de
Convergência:
Habitante B. “ e sou sincero, muitos não vêm as pessoas com bons olhos (...)”
Uma outra ideia veiculada é de que as pessoas não aproveitam as oportunidades, o que
representa mais uma crítica pessoal:
Habitante F. “Não, é mais porque as pessoas aqui também não sei (.) deviam
aproveitar melhor as oportunidades”
O habitante A refere a dificuldade de chegar às pessoas da aldeia, o que põe a tónica
novamente nas caraterísticas das mesmas.
Habitante A. “Mas é um bocadinho difícil, chegar às pessoas daqui.”
Outros factores inibidores do envolvimento das pessoas prendem-se com uma crítica aos
objectivos do Centro de Convergência e à percepção de que estes são desajustados; à
existência de diferentes perspectivas daquelas que são as perspectivas e tomadas de decisão
do Centro de Convergência; o facto de algumas actividades interessantes terem acabado e
também, de um ponto de vista mais conceptual e ideológico, a dificuldade em motivar as
pessoas para aderirem a um determinado estilo de vida que supõe quebrar com a ideologia
mainstream e romper com um projecto de vida normativo e confortável.
Um outro fator apontado como desmotivador da participação é a referência a atividades ou
convivências que esmoreceram ou acabaram mesmo.
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Habitante C. “Há um outro ou outro, mas (pocajinho), mas o X teve muito tempo com o
pessoal da aldeia, que o pessoal da aldeia saem todos da casa deles para acompanharem
todos. E hoje parece que não nada.”
Um dos participantes, o habitante I, argumenta que a dificuldade em motivar as pessoas
para aderirem às atividades do Centro de Convergência, e principalmente os jovens, reside
na dificuldade em romper com um estilo de vida normativo e confortável, uma espécie de
sacrifício necessário:
Habitante I. “Mas não é fácil hoje em dia convencer alguém de sair do conforto, de ter o
banho quente, de ter eventualmente a loja, o jogo de computador, o automóvel, pá.
Esse conforto, é difícil tirá-lo (...) Isto de facto exige que se suporte o frio e exige que se
utilize roupa prática, ufff quando for preciso quentes e se se conseguir arranjar. E por
vezes há dificuldade na alimentação e mesmo no dinheiro e tudo isso. Mas é preciso
optar por isso, senão... ”
ii) Oportunidades de envolvimento
As propostas de atuação dos habitantes da aldeia no sentido de potenciar o envolvimento
são diversas, desde apelos à união e colaboração de todos à ideia de dar o exemplo e passar
a palavra, “bater às portas”, mobilizar, propostas de melhoria das estratégias de
comunicação com a aldeia.
Por exemplo, o habitante A refere a importância de se dar o exemplo e da colaboração de
todas as partes:
Habitante A: “Talvez verem alguma... como as pessoas já estão habituadas a
ninguém, de algumas partes, contribuir para aqui, ninguém fazer nada para aqui, se
aparecessem coisas feitas, talvez as pessoas tomavam ânimo, tomavam ânimo. Se
tivessem força de algum lado, talvez iam fazendo mais, diziam olha afinal está
bonito assim, olha vamos fazer com que haja mais coisas. Penso que se houver
alguma coisa feita de outra parte, eles também contribuem. Agora se quisermos
fazer, nós também não conseguimos fazer nada (...) sem autorização de outros
lados. Acho que se tivermos contributo do outro lado, nós também conseguimos
contribuir. Acho que assim (.)”
Já o habitante V sugere que se crie uma interajuda prática com as pessoas da aldeia, de
ajuda no trabalho nas hortas por exemplo:
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Habitante V. “criar algum tipo de interajuda com as pessoas que são daqui, que para
elas é muito mais claro isso, é muito mais claro acho que as coisas funcionam bem
naturalmente.”
O mesmo habitante sugere que as pessoas do Centro de Convergência podiam aprender
com as pessoas da aldeia sobre alguns dos conceitos que pretendem desenvolver, criticando
a falta de diálogo e de co-construção genuína neste projecto de desenvolvimento
comunitário e apontando a necessidade de valorização das pessoas da aldeia e das suas
experiências de vida.
As restantes propostas são mais concretas e bastante variadas. O habitante I sugere que
sejam “os velhotes” a ensinarem as crianças, aproveitando assim os recursos da
comunidade.
Habitante I. “Se conseguirmos, isto é muito difícil de fazer, convencer as pessoas a
educarem os miúdos de uma forma diferente, entregar à educação tradicional por
parte dos velhotes daqui na prática, mostrar-lhes (...). E aqui os velhotes darem
instrução aos miúdos. Para os preparar para. Para aproveitar os recursos que aqui
existem.”
Um outro participante sugere a realização de cursos de agricultura para jovens
desempregados, o que, segundo ouviu, se faz noutros sítios.
Habitante B: “Podia haver e já, juventude, já há cursos para isso, podiam incentivá-
los, nesta zona não mas já tenho ouvido na TV que em certa zonas, a juventude de
não apanhar emprego depois das universidades e isso já se estão dedicando mais à
agricultura.”
O mesmo habitante sugere a realização de atividades lúdicas uma vez que estas têm sempre
“casa cheia”, apesar da crise:
Habitante B. “Aqui há a tradição que vocês vêm, se há futebol tá sempre o estádio
cheio, as pessoas aqui aderem de outro sítio, se há uma festinha, há um baile e para
aí não há crise, casa cheia”.
O habitante F refere explicitamente a importância de lembrar o que eram os Sonhos da
Aldeia e de os continuar.
Habitante F. “Eu, na minha opinião, era os Sonhos da Aldeia, foi por isso que
começou, foi por aí que começou. Os projetos eram os Sonhos da Aldeia, porque a
aldeia hoje não tem um mini-mercado, não tem nada, não há médico, apenas o que
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tem é os cafés agora, não tem mais nada. Mas começou os Sonhos por aí, cada rua
juntava-se e fazia uma mesa e cada um sentava-se ai e dizia o que é que queria que
aldeia tivesse.”
Outros participantes salientam a importância de estratégias de lobbying para fazer pressão
junto das instituições de poder local para que estas construissem as estruturas de apoio
necessárias por exemplo ao nível da saúde:
Habitante T. “Pois, sei lá, talvez formar comissões para ver se fazia pressão junto da
Câmara, para que isto não acontecesse assim. Não há médicos, não há uma
farmácia, não coisa nenhuma, daqui a pouco não temos nada.”
Esta é também a sugestão do habitante G que considera que devia ser o Centro a fazer essa
pressão com as instituições de poder local e central:
Habitante G. “Eu penso que poderia se tentasse fazer pressing com as autarquias e
com o Estado (...)”
O participante G considera que o mais importante a mudar é a mentalidade das pessoas,
referindo-se especificamente à sua autenticidade:
Habitante G. “A mentalidade das pessoas. Mostrarem realmente às pessoas quem
são, e ao que vêm.”
E finalmente, existem também participantes que referem não saber responder a esta
questão.
4. Aspectos emocionais e relacionais
Esta secção apresenta as referências feitas aos relacionamentos interpessoais entre os
elementos do Centro de Convergência, bem como as emoções associadas quer a estas
relações quer à própria actividade e projectos do Centro.
Em geral, os habitantes descrevem um bom relacionamento com as pessoas do Centro de
Convergência e a importância do mesmo em termos de convívio, comunicação com pessoas
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diferentes e entreajuda. Muitos dos entrevistados nomeiam algumas das pessoas mais
importantes e mais próximas, algumas das quais já saíram do Centro.
A relação com as pessoas do Centro de Convergência é mesmo descrita por várias vezes em
termos de ligação pessoal e de amizade:
Habitante C. “Eu agora só, só, o X, é um amigalhaço, é muito meu amigo aliás, da
boa confidência, as vezes vinha para eu ir acompanhar.”
Habitante G. “Vi-os chegar, vi-os começar, fiz amizade, sempre dialoguei muito com
eles.”
Habitante R. “Ai eu gostava dessa gente toda, gostava e gosto de toda a gente
deles.”
O habitante A refere mesmo que algumas pessoas iam ao Centro para conviver com as
pessoas de lá, que “iam à procura de certas pessoas”, às quais já estavam habituadas.
O habitante F refere especificamente algumas atividades de convívio com gente de fora e de
como conhecer essas pessoas lhe dá alegria e o faz sentir vivo e tem pena de as mesmas se
irem embora:
Habitante F. “Esteve aí gente de todas as partes do mundo, parte delas com quem
tenho-me dado muito bem e depois quando se vão embora eu fico com pena.”
Noutra afirmação reconhece a existência de pessoas que não gostam do “pessoal do Centro”
das quais se diferencia totalmente:
Habitante F. “Há pessoas que não gostam, mas eu gosto muito muito, adoro, gosto
do pessoal do Centro de Convergência, dei-me bem com eles todos”.
A ideia de que as pessoas do Centro de Convergência estão prontas a ajudar surge, por
exemplo, expressa das seguintes formas:
Habitante F. “Sim, são tudo pessoas comunicativas, são pessoas que estão sempre
prontas a qualquer coisa, dizem sempre, olhe se as pessoas não pedem eles não,
agora aqueles que disse qualquer coisa que precisem contem com a gente.”
Habitante Q. “E depois a maneira de eles serem que eles são muito dados, à
maneira deles mas são muito dados.”
Surge mesmo um sentimento de agradecimento e de uma necessidade de agradecer ou
retribuir por alguma situação concreta em que alguém do Centro (usualmente referido pelo
nome próprio) prestou ajuda quando a pessoa necessitou:
Habitante P. “Mas eu devo-lhes muitas obrigações, ao Z (…). É muito meu amigo.
Esse uma noite foi lá comigo para o hospital, logo, pronto. Depois queria-lhe pagar e
(.) queria-lhe pagar não queria receber dinheiro. Mas eu dei-lhe dinheiro. Pronto.
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Que eu graças a Deus não preciso, não é? Preciso é de me socorreram quando eu
tiver preciso, isso é que eu tenho falta é que eu vivo sozinho.”
Essa ajuda é muitas vezes apresentada como recíproca:
Habitante F. “Em mim, o que só que mudou foi conhecer mais gente, não me sinto
assim com mais, sinto que contribuí para alguma coisa e que em tudo o que posso
tenho ajudado e eles também são muito prontos, qualquer coisa o X, todos, não
sei.”
Habitante Q. “sempre me dei muito bem com eles, as pessoas que conheci primeiro
foi a Y e o X (...) sempre me dei muito bem com o X. Ah, agora a pessoas com quem
eu partilhava algumas ideias e acho que é uma pessoa muito culta, e ensinou-me
algumas coisas, mesmo a maneira de pensar e agir na vida, ajudou-me em alguns
pontos (...) sempre que ((a Y)) tinha alguma atividade e me ligava eu ia ajudá-la.”
Por outro lado, alguns dos entrevistados relatam situações concretas de mal-estar e conflito
(frequentemente relacionadas com projetos pessoais para os quais esperavam ter algum
apoio do Centro e não tiveram) que os levaram a afastar-se do Centro de Convergência,
permanecendo alguns sentimentos negativos de mágoa e até de injustiça.
Em algumas situações, contudo, nota-se que as frustrações e amarguras expressas não estão
apenas relacionadas com o Centro e são mais gerais, relacionando-se quer com experiências
pessoais prévias com outros movimentos ou com a situação de crise e dificuldades
económicas.5
5. Aspirações e anseios
Enunciam-se aqui as questões que os entrevistados gostariam de ver alteradas/melhoradas
e o que desejam ter na aldeia, ou seja as suas aspirações e anseios para a comunidade onde
vivem.
O sentimento de abandono pelos poderes públicos é transversal a praticamente todas as
entrevistas. Os habitantes sentem que foram esquecidos ou mesmo discriminados
negativamente em relação a outras localidades:
5
Não apresentamos extratos dessas entrevistas para evitar a possibilidade de identificação das
pessoas.
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Habitante Q. “Porque a gente aqui sempre foi um bocado abandonado, tanto que
muita gente chama isto aqui o fim do mundo.”
Como tal, os habitantes gostariam de ter mais atenção e apoio das autoridades municipais e,
frequentemente, há uma transferência de expectativas para o Centro de Convergência, ou
seja, é depositado neste a esperança de resolução de questões e problemas que são
normalmente do foro das autoridades municipais. No entanto, as aspirações aqui indicadas
não foram elicitadas especificamente em relação ao Centro mas sim de forma geral e
abstracta.
A perda demográfica da aldeia nas últimas décadas é percebida negativamente e muitos dos
habitantes entrevistados referem o desejo de ver mais gente na aldeia:
Habitante C. “Eu gostava de ver diferente, eu gostava de ver mais pessoal dentro da
aldeia, porque se houvesse mais pessoal havia mais convivência (...) se houvesse
mais pessoal, havia mais gastos dentro da nossa aldeia, e nessa altura também podia
haver mais explorações, e qualquer coisa, podia haver mais trabalho, podia aparecer
mais trabalho ou de uma coisa ou de outra, podia aparecer, mais trabalho.”
Habitante R. “Não há aí crianças, tá aí 4 ou 5 crianças, numa aldeia destas que havia
aí uns 50. E as pessoas mais velhotas vão morrendo, e isto (.) as pessoas
desaparecem e as aldeias acabam, não é assim?”
A necessidade de se criarem empregos para fixar as pessoas na aldeia é mencionada
frequentemente.
Habitante J. “Era mais gente, mais pessoas, mas isto nãh ai trabalho, não há nada
onde as pessoas ganhem.”
Habitante T. “Gostava que houvesse assim qualquer coisa que incentivasse a vinda
de pessoas para aqui. Sei lá, a criação de emprego, mesmo que fosse em Ourique ou
Odemira, que pudesse fixar as pessoas nestes meios mais pequenos.”
Entre os anseios concretos para a aldeia expressos pelos habitantes encontram-se os
seguintes: uma casa mortuária, uma casa/lar para terceira idade, um médico, um
supermercado-mercearia, melhores meios de transporte, a construção de uma estação de
tratamento de águas sanitárias, um parque infantil, a colocação de números nas portas das
casas e a limpeza das ruas.
Vários habitantes referem o anseio de ter uma casa mortuária na aldeia.
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Habitante K. “gostava que fizessem aqui uma casa mortuária para as pessoas serem
veladas isso, sem ser na Igreja e isso”
Habitante F. “E uma casa mortuária, também faz muita falta porque morrem as
pessoas e vão para igreja, e, falta fazer um batizo, a igreja é pequenina, mas já tem
feito ali casamentos, está ocupada por muita das vezes os funerais… não faz
sentido.”
Habitante N. “O que gostava que fosse diferente era, vá, uma casa mortuária,
porque se os velhotes morressem, é lá e cima na igreja, uma igreja muito fria, no
inverno no verão ainda vai lá.”
O habitante F sugere a construção de uma casa para as pessoas idosas da aldeia:
Habitante F. “Eu como penso nos velhos também, nas pessoas de idade, eu disse
que a aldeia precisava muito de uma casa onde recolhesse as pessoas idosas da
aldeia, onde a próprias pessoas de família, pudesse ir trabalhar e ficassem na
aldeia.”
Uma outra aspiração comum para a aldeia é a de um médico:
Habitante K. “Que tivesse além um posto médico, que viesse um médico uma vez
por semana.”
Habitante U. “Gostava que tivesse aí um médico para atender a gente e a gente
sente falta, temos que ir lá longe.”
O habitante C gostaria de ver na aldeia uma merceria ou um pequeno supermercado:
Habitante C. “Podia haver uma mercearia, se houvesse mais pessoal, podia haver
uma mercearia, um supermercadizinho, aqui, onde fosse.”
A necessidade de transportes, por exemplo para Odemira, é uma preocupação frequente.
Habitante T. “Sim, eu achava que se houvesse, sei lá, como aqui a população é muito
idosa, houvesse uma interajuda as pessoas idosas ou qualquer coisa. Arranjarem um
transporte para as pessoas irem a Odemira, poderem vir, por exemplo umas 5 ou 6,
mesmo que as pessoas pagassem aquilo a meias, e que houvesse disponibilidade as
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pessoas estarem lá a resolveram os seus assuntos. Eu acho que isso era bom, porque
as pessoas nem todas têm carro, nem todas têm, as pessoas trabalham, precisam de
ir a Odemira resolver os seus assuntos e os horários das camionetas nem sempre
coincidem. Eu acho que era uma boa maneira de poderem ajudar aqui em alguma
coisa.”
Habitante K. “Nem temos transportes nenhuns”.
Alguns dos habitantes queixam-se da falta de tratamento dos esgostos como é o caso dos
habitantes L e O:
Habitante L. “Tá mal por exemplo o cano de esgotos que está quase há uns 40 ou 50
anos ali e não mais limparam aquilo é nada. Se for ali para baixo é um cheiro a podre
e mosquitos”.
Habitante O. “Por exemplo tem ali uma fossa, que cheira muita mal, lá em baixo,
que todos os esgotos tá lá, e era para ter uma estação de tratamento para aquilo
não cheirar mal, e não tem jeito”.
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Conclusões e recomendações
Os dados do nosso estudo revelam alguns aspetos positivos do envolvimento das pessoas
da aldeia com o Centro de Convergência e dos contributos do mesmo, mas também
apontam para problemas de comunicação dos objectivos e estratégias do Centro e de
ajustamento dos mesmos às necessidades, aspirações e recursos da comunidade.
Obviamente, os resultados não são homogéneos e, como pudemos verificar, os dados
revelam uma grande diversidade de opiniões, percepções e experiências. Esta diversidade
deve ser considerada como um factor relevante para a compreensão dos resultados. Por
outro lado, verificam-se alguns aspectos mais transversais que traduzem algumas
percepções gerais que são também pertinentes. Nesta conclusão, procuraremos atender a
estes dois aspectos. Sugerimos também alguns caminhos para o desenvolvimento deste
projecto, de modo a que este se possa tornar mais inclusivo, mais participativo e mais
potenciador dos recursos da comunidade.
Em relação aos objectivos do Centro de Convergência, é visível uma dificuldade em
compreender a sua finalidade e os seus objectivos concretos por parte de grande parte dos
entrevistados. Esta incompreensão parece estar relacionada com o modo como algumas
actividades são apresentadas e com os métodos e abordagens utilizadas pelo Centro. Por
exemplo, parece-nos que alguns habitantes não compreendem os princípios da
permacultura, do vegetarianismo, da sustentabilidade das casas, da importância da redução
dos gastos energéticos, da pegada ecológica, etc. Como não conhecem estas ideias torna-se
difícil compreender alguns métodos utilizados pelo Centro. Da mesma forma, alguns
habitantes consideram que houve uma tentativa de influenciar os habitantes da aldeia para
formas de ser e estar que eram pouco vivenciadas na aldeia, como é caso do
vegetarianismo. Este aspecto parece ter criado algumas resistências, que novamente
parecem estar associadas à incompreensão de valores e ideias subjacentes à acção do
Centro.
Por outro lado, alguns objectivos são claramente identificados pela maioria dos
habitantes tais como: mudanças nas práticas na agricultura; suporte e ajuda à população; e
desenvolvimento/melhoramento da aldeia. Os dois últimos são vistos como adequados e
necessários à Aldeia, enquanto o primeiro é considerado desadequado por algumas pessoas,
uma vez que não é visto como uma necessidade efectiva da aldeia. Este dado sugere que a
avaliação feita pelos habitantes é influenciada por aquilo que eles percepcionam como
necessidade local e quotidiana.
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Em termos de impactos e contributos do Centro de Convergência são vários os aspectos
enunciados pelos habitantes: aumento da população; divulgação da aldeia no exterior;
aumento do comércio local; mudanças na vida social da aldeia; melhoria do aspecto visual
da aldeia; mudança na mentalidade das pessoas (nomeadamente na tolerância à diferença);
suporte social e prestação de ajuda na comunidade. Este último aspecto é visto como o mais
positivo e também o mais necessário. Por outro lado, as mudanças na aldeia proporcionadas
pelo Centro são por vários consideradas pouco visíveis e substanciais. Parece-nos que esta
percepção deve ser analisada tendo em conta as expectativas da população em relação ao
Centro de Convergência. Como é sugerido por alguns comentários, os habitantes esperariam
mais “obras” na aldeia, e comparam o Centro de Convergência às instituições do poder local,
e como tal criam expectativas muito específicas (número nas portas, médico na aldeia,
esgotos, etc.) e que nos parece que estarão fora do âmbito de actuação do Centro.
No que diz respeito especificamente às actividades desenvolvidas pelo Centro há uma
tendência para a valorização destas, e para uma avaliação positiva. Os habitantes
consideram na generalidade importantes e gratificantes actividades como o intercâmbio de
jovens, a caiação, o mercado, os filmes, os Sonhos da Aldeia e práticas informais de convívio,
como almoços e conversas. As práticas de divulgação das actividades são consideradas
também adequadas e neste aspecto os relacionamentos interpessoais dos elementos do
Centro com as pessoas originárias da aldeia parecem favorecer o próprio envolvimento nas
actividades. As atividades com um formato mais formal (como reuniões e discussões) foram
objecto de crítica por alguns dos habitantes na medida em que as pessoas não estão
habituadas a tal. Alguns habitantes salientaram a sua falta de estudos e o facto de não
saberem ler como obstáculo à sua participação nestas atividades. No entanto, há uma
dificuldade em identificar formatos mais eficazes de mobilização da comunidade. As
situações de convívio, os espaços de socialização locais e naturais são algumas pistas dadas
pelos entrevistados no sentido de adequar as metodologias usadas à comunidade.
Na generalidade, as experiências de participação parecem ser esporádicas e/ou
momentâneas (com algumas excepções). Apesar disso, são avaliadas positivamente e com
benefícios individuais e também colectivos. É comum a perspectiva de que as pessoas da
aldeia envolvem-se pouco nas actividades e projectos, e que são as pessoas de fora (pessoas
do Centro e estrangeiros que vivem no concelho de Odemira) as mais activas. Dois tipos de
motivos para este fraco envolvimento da comunidade são identificados: por um lado,
factores relacionados com o Centro de Convergência, e, por outro lado, factores mais
individuais relacionados com as características das próprias pessoas. Em relação ao Centro
31
de Convergência, é sugerido que a distância das novas instalações é um bloqueio à
convivência com a comunidade. Por outro lado, as características da população que é
descrita como pouco reivindicativa, a apatia generalizada, as baixas percepções de poder e
de influência nas decisões, a idade avançada e alguns bloqueios sociais (vergonha, receio da
crítica social) são factores descritos como explicativos do baixo envolvimento das pessoas.
Há um sentimento, que parece ser transversal, de incompreensão da fase actual do
Centro. É referida uma perda de rumo e objectivos do projecto, bem como uma
desestruturação do grupo. Por parte de algumas pessoas, é visível alguma nostalgia em
relação ao passado e várias expressam o desejo de mais actividades similares às realizadas
nas fases mais iniciais do projecto (cinema, cursos, Sonhos da Aldeia, etc.). Seria importante
continuar estas atividades em cooperação com os habitantes e também conceber-se, em
conjunto com os mesmos, o desenho e implementação de outras atividades que fossem
importantes para a comunidade. É recomendável que estas atividades sejam de facto co-
construídas com os habitantes de modo a que sejam valorizadas pelos mesmos e que
conduzam ao envolvimento de mais pessoas.
O relacionamento pessoal com as pessoas do Centro de Convergência é, na globalidade,
sentido como positivo, principalmente com algumas das que estão na aldeia há mais tempo.
Os habitantes referem também, com pena, a saída de algumas das pessoas do Centro com
quem tinham um bom relacionamento. Este aspeto do relacionamento é fundamental para
a comunicação com as pessoas de aldeia que valorizam uma forma de comunicação oral,
mais informal e personalizada. Sugere-se deste modo uma atenção particular para que este
bom relacionamento não se perca agora que o Centro mudou de instalações e está mais
longe dos habitantes. Os habitantes parecem valorizar quando as pessoas do Centro vão ao
seu encontro em vez de serem apenas os habitantes a irem ao Centro. Um bom
relacionamento e a construção de uma relação de abertura e confiança com a comunidade
constitui a base de um projeto comunitário e este é também um recurso social fundamental
para melhorar alguns aspetos que se revelaram deficientes ao nível da comunicação dos
objetivos e estratégias/métodos do Centro.
No que diz respeito à comunicação, há aspectos a melhorar quer a nível interpessoal
quer organizacional. Alguns entrevistados formularam críticas ao que entendem ser uma
postura de superioridade das pessoas do Centro, que vêm “para ensinar” e não estão
também elas dispostas a aprender com os habitantes da aldeia. Outros habitantes criticam a
falta de abertura e autenticidade das pessoas do Centro, criticando a sua falta de ligação
genuína à terra. E, por outro lado, há claramente habitantes que parecem ter expectativas
32
em relação ao Centro que não se adequam aos objetivos do mesmo. Sugere-se assim que se
faça uma avaliação das necessidades da comunidade e se reformulem/adequem os
objectivos do Centro a estas necessidades e aspirações em conjunto com a população. Tal
pode significar continuar, por exemplo, a atividade dos Sonhos da Aldeia que alguns dos
habitantes referiram ou utilizar outras estratégias decididas em conjunto com a
comunidade, contribuindo para o empoderamento individual e comunitário.
Um outro aspecto positivo que ressalta da nossa análise é a ideia da interajuda que
alguns dos habitantes salientam em relação à sua participação em determinadas atividades
promovidas pelo Centro: a percepção de que o Centro constitui um forma de suporte
social/ajuda para questões concretas e quotidianas e que essa ajuda é também recíproca
quando as pessoas enquadram a sua participação em algumas atividades como uma forma
de ajuda. É importante que se fomente o sentimento de que os habitantes da aldeia podem
também “ensinar” (como um dos habitantes refere em relação à actividade da caiação e
outro em relação a actividades agrícolas) e não sejam apenas as pessoas que vêm de fora a
fazê-lo. Este aspeto de interajuda é portanto um recurso a ser potenciado pois possibilita a
valorização das pessoas da aldeia e fomenta a união e solidariedade que são salientados
como importantes por vários habitantes.

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COMPOLIS - Relatório

  • 1. 1 Os habitantes da Aldeia das Amoreiras e a iniciativa de Transição do Centro de Convergência: percepções, experiências e oportunidades Relatório para o Centro de Convergência produzido pela equipa do projecto COMPOLIS – Comunicação e Envolvimento Político com Questões Ambientais Anabela Carvalho, Maria Fernandes-Jesus, Eunice Seixas, Lúcia Fernandes e Sofia Bento Outubro 2013
  • 2. 2 Nota introdutória Entre 5 e 20 de Setembro de 2013, os membros da equipa do projecto COMPOLIS desenvolveram trabalho de campo na Aldeia das Amoreiras, concelho de Odemira, com o objectivo de analisar o processo de implementação da iniciativa de Transição liderada pelo Centro de Convergência, aí sediado desde 2007 (data que é anterior à junção ao movimento internacional de Transição). Entre outras actividades, esse trabalho incluiu a realização de entrevistas com habitantes da aldeia. No decurso da estada na aldeia, foi acordado com o Centro de Convergência que a equipa do COMPOLIS prepararia um documento em que se daria conta das percepções dos habitantes sobre o Centro e as actividades que tem desenvolvido na aldeia. O presente relatório concretiza o compromisso assumido, apresentando a análise feita pelo COMPOLIS expressamente para dar resposta ao interesse do Centro de Convergência em conhecer as visões e perspectivas dos habitantes sobre a sua acção e projectos. i) Caracterização geral dos inquiridos Entre os 22 entrevistados, encontram-se 12 homens e 10 mulheres. As idades dos entrevistados vão desde a faixa etária dos 20 até à dos 90 anos, com uma incidência predominante nas faixas mais avançadas, em conformidade com a distribuição da população. Apesar de estarem presentes outras situações profissionais, há uma grande representação de reformados entre os entrevistados que têm, na maior parte dos casos, níveis bastante baixos de educação formal havendo, inclusive, pessoas que não sabem ler nem escrever. Os participantes estão identificados apenas por uma letra que lhes foi atribuída aleatoriamente, não correspondendo esta às iniciais do seu nome. Omitiram-se também algumas partes do discurso de modo a evitar a identificação dos habitantes. ii) Observações sobre aspectos metodológicos A maior parte da população da Aldeia encontra-se numa faixa etária bastante elevada e tem baixos níveis de literacia o que dificultou, em alguns momentos, a condução das
  • 3. 3 entrevistas. Procurou-se adequar a linguagem para esta fosse perceptível pelos habitantes e ajustar as entrevistas aos ritmos dos entrevistados. Devido às características da Aldeia e dos espaços de socialização existentes, nalguns casos realizámos entrevistas em locais onde estavam outras pessoas, que interferiram no discurso do entrevistado. Este facto poderia eventualmente influenciar as respostas dos participantes no sentido do “socialmente desejável”; no entanto, não nos pareceu que tal tenha acontecido. Na maior parte dos casos, as entrevistas foram realizadas com o mínimo de condições exigidas para a sua realização. iii) Estrutura do relatório Os resultados/dados são apresentados por tópicos, que representam temas abordados nas entrevistas e que se subdividem em tópicos mais específicos. O primeiro tema intitula-se “percepções sobre o Centro de Convergência” e inclui as opiniões e visões dos habitantes sobre o Centro de Convergência em termos de objectivos; impactos e contributos para a aldeia; avaliação de estratégias, métodos e actividades; percepções sobre o modo de funcionamento; e por fim opiniões sobre a evolução do próprio Centro ao longo do tempo. O segundo tema refere-se a “experiências de participação” e inclui quer as experiências de envolvimento individuais, quer as referências ao (não)envolvimento da comunidade. O terceiro tema intitula-se “avaliação de oportunidades de envolvimento e factores inibidores” e inclui propostas de actuação, bem como referências aos factores que obstaculizam o envolvimento das pessoas. O quarto tema, “aspectos emocionais e relacionais”, aborda as referências feitas aos relacionamentos interpessoais entre os elementos do Centro de Convergência, bem como as emoções associadas quer a estas relações quer à própria actividade e projectos do Centro de Convergência. O último tema “aspirações e anseios” abarca os desejos expressos pelos entrevistados. O relatório termina com a apresentação de conclusões gerais a que se chegou com a análise das entrevistas e com a apresentação de algumas recomendações. Importa referir que os resultados apresentados não são generalizáveis à população e, como tal, devem ser interpretados tendo este aspecto em consideração.
  • 4. 4 1. Percepções sobre o Centro de Convergência Ao longo de toda a entrevista, foram abordadas as percepções e visões dos habitantes sobre o Centro de Convergência a vários níveis, tais como: percepções sobre os objectivos/finalidade do Centro; impactos ou contributos do Centro de Convergência para a aldeia; avaliação das estratégias, métodos e actividades; avaliação do modo de funcionamento do Centro de Convergência; percepções da evolução do Centro de Convergência. De seguida, apresentamos a análise das percepções dos habitantes sobre estas temáticas. i) Percepções sobre os objectivos do Centro No que se refere aos objectivos do Centro de Convergência, no decorrer das entrevistas foram feitas referências que sugerem desconhecimento e incompreensão dos seus objectivos e finalidades por parte de várias pessoas. Este desconhecimento é mais enfatizado por pessoas que nunca se envolveram nas actividades do Centro, no entanto é também referido por pessoas que participaram em algumas das suas actividades e projectos (Aldeia Sustentável, caiação, intercâmbio de jovens). As afirmações seguintes demonstram esse desconhecimento e incompreensão: Habitante A. “Eu tenho a minha ideia e as outras pessoas têm a deles, mas compreender bem, se calhar não sei”. Habitante D. “Eu queria explicar (…) onde estava e não sabia, disse que estavam cá a fazer umas coisas, mas não sabia o que é que era”. Habitante E. “Conheço essa gente que tem andado por aí, ora uns ora outros, não percebo nada dessa coisa”. Habitante L. “O objectivo não sei o que é que eles fazem que eu não, não vejo isso praticamente objectivos nenhuns, não sei o que é que fazem”. Habitante O. “Pois não, não. Eles é que sabem lá o que fazem, portanto, eu não percebo nada daquilo, então eu não percebo nada daquilo, nem sequer sei ler”.
  • 5. 5 Habitante Q. “Acho que alguns objectivos eu ainda nunca percebi bem. Até esta altura, sinceramente alguns objectivos deles, algumas ideias deles que eu ainda não consegui meter bem dentro da cabeça”.1 Habitante T. “Olhe se quer que lhe diga, ainda não percebi bem, falam da Aldeia Sustentável, mas não sei como é que isso vai ser possível, porque cada vez há menos pessoas a trabalharem na agricultura. E depois as pessoas estão cada vez mais idosas, e já não têm saúde para trabalhar no campo”. Sendo o Centro de Convergência uma iniciativa de Transição, importa saber se os habitantes da aldeia conhecem e compreendem os princípios e finalidades desse movimento. Questionados sobre o conceito de transição, quase todos os entrevistados dizem não saber defini-lo e inclusivamente nunca ter ouvido falar da questão. As poucas pessoas que ouviram falar de transição dizem que foi através do Centro de Convergência, mas não foram capazes de explicar o seu significado. As afirmações dos seguintes habitantes representam esse desconhecimento, que é visível ao longo das entrevistas: Habitante A. “Já, há muitas coisas que eu já ouvi falar aqui, mas também como eu não participo, e às vezes também não pergunto, não (.)” Habitante D. “Transição... não me lembro nada disso.” No que diz respeito a alterações climáticas e pico do petróleo, a maior parte das pessoas refere nunca ter ouvido falar destas questões. O conceito de alterações climáticas parece ser mais reconhecido, já que várias pessoas mencionam que já ouviram falar quer através do Centro de Convergência quer através dos meios de comunicação (a televisão, sobretudo). Habitante B. “Alterações climáticas, pois isso infelizmente tem sido para pior, tem havido umas grandes secas, que está a atrofiar desde o clima agressivo e as plantas não se aguentam. Infelizmente no Norte, está a ser mais castigado do que nós aqui (….)” Habitante T. “Sim, isso sim. As pessoas falam das alterações climáticas, do aquecimento global.” Um dos habitantes destaca os ciclos de cinema organizados pelo Centro de Convergência como relevantes para o seu conhecimento sobre o pico do petróleo e as alterações climáticas. Os mais jovens parecem ser aqueles que mais ouviram falar de alterações climáticas e referem a escola como a principal fonte de informação nestes aspectos. 1 O sublinhado indica alguma forma de acentuação, enfatização.
  • 6. 6 Apesar de alguma incompreensão, vários habitantes identificam objectivos concretos do Centro de Convergência. De forma geral, encontra-se referência a três objectivos: mudanças nas práticas na agricultura; suporte e ajuda à população; e desenvolvimento/melhoramento da aldeia. No que diz respeito à agricultura, alguns habitantes percepcionam que o Centro de Convergência tem como objectivo influenciar as práticas da agricultura local. Este objectivo é avaliado como desadequado e desapropriado: Habitante B. “eu estou convencido que o Centro está aí para indicar qualquer coisa perante a agricultura (….) o que é que eles vêm aqui ensinar, ensinar batatas, cebolas ou coisas assim do género? Não, não. Eles que têm a cultura”. Habitante M. “Está relacionado com alguma produção agrícola com (.)”.2 Contrariamente, o objectivo de ter uma função social, ser um apoio/suporte local - que é enfatizada por vários habitantes - é avaliado de forma positiva e percepcionado como adequado às necessidades da aldeia. Habitante P. “qualquer coisa que se sintam mal isso é do mais pronto para socorrer as pessoas”. Habitante V. “eu acho que eles têm uma certa função social de apoio”. Habitante C. “Pois, eu agora não posso explicar. Eu só percebi do assunto que eles vinham para cá para ajudarem, ajudarem, pessoas que fosse preciso, essas coisas. Nós ajudamos todos uns aos outros. É muito bonito, pois”. Por último, o objectivo de melhoramento e desenvolvimento da aldeia surge expresso por alguns dos participantes em dois sentidos. Em primeiro lugar, é referido que o Centro tem como objectivo o desenvolvimento da aldeia em termos culturais e sociais, isto é, pretende mostrar formas de pensar, viver e de estar diferentes. Em segundo lugar, este objectivo é percepcionado por um lado como positivo, tal como é sugerido na afirmação do habitante A, e por outro lado parece ser visto como uma tentativa de imposição de formas de estar e viver que são desadequadas à vida na aldeia. Habitante A. “acho que é desenvolver um bocadinho também mais, por exemplo certas pessoas por terem sempre estado aqui, pensam de certa maneira e só pensam aquilo e acho que eles vieram tentar desenvolver as pessoas, para um caminho diferente, para maneiras diferentes (.) sei lá, acho que sim, novas 2 Um ponto entre parêntesis indica uma pequena pausa, provavelmente não mais do que um décimo.
  • 7. 7 actividades, a conhecer novas coisas, novas maneiras de ser, de cidade, de outro lado, e ao mesmo tempo tentarem também sentirem integrados aqui, com as coisas que fazem, a maneira de fazerem”. Habitante Q. “Tentaram-nos incentivar a praticar essa vida também, de maneira, quando havia algum, convidam-nos para uma festa, criada por eles, um evento, para nós irmos jantar todos e houve muita gente que foi e pronto”. Por fim, alguns habitantes fazem uma certa associação/sobreposição entre aquilo que percepcionam como os objectivos do Centro de Convergência e o projecto da Aldeia Sustentável, o que sugere um impacto significativo deste projecto nas visões das pessoas sobre o Centro. Habitante M. “O Centro de Convergência apareceu na aldeia com um projecto de uma aldeia sustentável (.)” Habitante F. “Olhe, eles explicavam os objectivos do projecto com boa finalidade. Eram fazer a Aldeia Sustentável, por exemplo nós semeávamos e tudo o que sobrasse fazia-se o mercado". ii) Impactos ou contributos do Centro de Convergência Uma das questões colocadas na entrevista pretendia compreender as percepções dos habitantes sobre as mudanças na aldeia desde que o Centro aí iniciou as suas actividades. De forma geral, os participantes identificam algumas mudanças, no entanto essas mudanças são tendencialmente vistas como pequenas e pouco substanciais. Habitante A. “Assim diferente, diferente, diferente em si, eu não vejo assim uma diferença muito grande”. Habitante D. “Eles fazerem alguma coisa fazem de certeza. Que eu tenha visto grande mudança não posso dizer que eu tenha visto”. Habitante C. “(.) Acho que é a mesma coisa (.)” Habitante E. “não! Oh* senhora isto está tudo na mesma”.3 Habitante G. “Bom, não se sente impacto nenhum. Mas isto sou eu a falar (…)” Habitante H. “Eu acho igual”. 3 O sinal * indica sons vocais tais como “hum...”
  • 8. 8 Habitante L. “É capaz de terem feito umas coisas eu (.) que eu veja assim mudado qualquer coisa não vejo nada”. As poucas mudanças são avaliadas como expectáveis por alguns habitantes tendo em conta a dificuldade e a lentidão inerente a qualquer processo de mudança social, e por outro lado às próprias limitações do Centro da Convergência. Habitante K. “O que é que eles hão-de fazer? Tomara eles lhes darem para eles, antes que eles tenham opinião disso, também não devem ter, têm casas de aluguer” Habitante M. “Não, não vejo alteração significativa mas também julgo que era impossível que isso acontecesse. Isto não é fácil, isto é difícil. Leva muito tempo” Outras pessoas entrevistadas enfatizam várias melhorias/mudanças na aldeia que têm vindo a ser proporcionadas pelo Centro de Convergência. Esta identificação é espontaneamente feita por algumas pessoas, e também por outros que inicialmente referiam que não se apercebiam de mudanças nenhumas mas que, no decorrer da entrevista, identificaram vários aspectos associados à presença do Centro de Convergência. Desde logo, o contributo do Centro para o aumento da população é visto como algo positivo. Esta é aliás, como iremos ver, uma preocupação geral na aldeia e por isso é tida como algo globalmente positivo e com impactos concretos na composição da aldeia. Habitante D. “Para a pouca população, porque eles são muitos (risos). Mas é verdade, havia muito poucas crianças na escola e agora com eles cá há mais”. Habitante O. “Atão, diferente de quê? Só se for que tá aí mais gente, que eles vieram para ali”. A divulgação da aldeia no exterior é outro aspecto mencionado como muito positivo. De facto, várias pessoas atribuem ao Centro de Convergência uma maior visibilidade da aldeia no exterior. A utilização dos meios de comunicação, a televisão sobretudo, é avaliada como algo positivo e muito relevante para o conhecimento da aldeia. Habitante D. “É verdade. E digamos que Aldeia começou a ser mais falada assim, através do Centro de Convergência, serviu para sermos mais conhecidos. (...) É positivo. Bastante positivo. Se a SIC já veio cá mais algumas vezes foi através deles (…) sim, as únicas vezes que a aldeia foi falada na televisão foram através do Centro de Convergência”. Directamente relacionado com este crescente reconhecimento da aldeia no exterior, o aumento do comércio local é também apontado como um contributo bastante positivo.
  • 9. 9 Habitante B. “Especialmente o comércio, quem beneficiou mais foi o comércio na minha maneira de ver. Vende-se mais um cafezinho, vêm outras pessoas mais, veio a SIC e tudo mais, é por intermédio deles”. Habitante D. “Sim, porque a essa entrevista, essa reportagem, houve bastantes visitantes a virem porque tinham ouvido na televisão.” Algumas mudanças em termos de vida social na aldeia e do próprio aspecto “visual” da aldeia são também destacadas por alguns habitantes. Habitante F. “E pronto e como tudo, há pessoas que gostam, que não gostam, que vêm as coisas de uma maneira diferente, mas que deu muita vida e que tem sido bom eles tarem aí tem sido.” Habitante N. “tem mais pessoal né, a saírem para aqui e para ali, moveu, esta muito” Habitante P. “A gente às vezes acha que eles que não fazem mas eles fazem certas coisas, são feitas aí às vezes mais é por causa do Centro (….) Olha aí das ruas, limpeza e, e isso”. Para além disso, a mudança de mentalidade das pessoas é considera relevante e positiva. Habitante A. “mas acho que as pessoas, a mente das pessoas se calhar está um bocadinho diferente, se calhar já estão mais abertas a pessoas diferentes” Habitante B. “sim, o Centro de Convergência veio dar, abrir mais uma culturazinha” Habitante N. “Sim, tá mais aberto”. Por fim, o suporte social e ajuda proporcionada pelo Centro de Convergência aos habitantes da aldeia é vista como algo adequado às necessidades locais, e avaliado de forma muito positiva. Habitante Q. “é a ajuda à população mais idosa (….) E eles nesse aspecto tentaram ajudar, tentaram criar consultas de enfermagem (…)” Habitante S. “Mas quando tenho falta de alguma coisa digo (…). Acho que é tudo muito bom porque por exemplo, eu tenho falta (..) tenho falta de qualquer coisa, eu digo (…). E a W vai lá. Tem sido muito bom, acho que é muito bom, para a nossa aldeia acho que é muito bom (...).”
  • 10. 10 iii) Avaliação das estratégias, métodos e actividades No que se refere às actividades, é transversal a todas as entrevistas a enunciação de actividades e projectos que têm sido desenvolvidos pelo Centro de Convergência na aldeia. Actividades como a caiação, a limpeza da aldeia, as explicações às crianças, as aulas para estrangeiros, o serviço de enfermagem, ciclos de cinema, o intercâmbio, os frescos, festas na aldeia e os Sonhos da Aldeia foram enunciadas várias vezes. Além disso, alguns habitantes atribuem também ao Centro de Convergência a construção do parque infantil na aldeia (habitantes H e J) ou então o papel de intermediário entre o poder local e municipal e a aldeia (habitante P). Habitante H. “Agora estão ali fazendo aquele parque, foram eles que pediram. Já pediram não sei o que era aí mais, mas isso não foi ainda aprovado. O parque eles é que pediram para fazer, o parque para os meninos brincarem”. Habitante J. “Eles fizeram aí uma coisa para os miúdos brincarem”. Habitante P. “ O que é que eles têm feito? Isso obras que eles tenham feito aqui não. Não sei, não. Acho que eles têm feito pedidos à Câmara e que a Câmara já tem feito aí algumas coisas por causa deles.” A estas actividades são atribuídas apreciações essencialmente positivas, tal como poderemos verificar através das seguintes afirmações: Habitante C. “Actividades eles têm aqui resolvido, há muitas coisas que eles anunciavam e nós vimos que era necessário (...) Pois, e faziam essas coisas todas. E isso era importante”. Habitante F. “também foi muito bom que teve aqui um professor (…) dava explicações aos miúdos, as crianças vinham da escola e se quisessem eles davam explicações”. Habitante G. “No intercâmbio gostei, da atitude, souberam receber”. As práticas de divulgação das actividades foram também abordadas ao longo das entrevistas, e verifica-se que a perspectiva geral é que o Centro tem utilizado métodos eficazes de divulgar as suas actividades. Os entrevistados enfatizam a divulgação boca-a- boca, o passa-palavra, como a estratégia mais eficaz - estratégia que reconhecem ser utilizada pelo Centro.
  • 11. 11 Habitante A. “Ah*, de ouvir as pessoas dizerem, de coisinhas que eles deixavam no café, ou uns cartazes, ou mesmo eles quando me encontravam na rua diziam olha vai haver isto e isto, aqui também é fácil fazer”. Habitante B. “sim, ele gostava da gente participar, e ia as pessoas, e ia a nossa casa e a gente colaboramos, pois.” Habitante J. “Foi, aquele que mais tempo está, que está aí à frente” Habitante J. “Às vezes fazem aí reuniões, agora há tempos que nãh fazem” Habitante H. “Como é que fizeram, para as pessoas falarem juntavam todos numa rua, isto tinha mais gente, isto não tem quase gente nenhuma que tem morrido tudo.” Habitante M. “Eu percebi que eles faziam tudo isso ((reuniões, workshops, lanches, convívio com discussões)) e acho que fazem bem assim porque tem de ser tudo isso. Tem de ser reuniões, tem de ser lanches, tem de ser bailes. E eu percebi que eles faziam assim e achava, no meu entender acho que fazem bem (…)”4 Habitante N. “Sim, quem sabia ler lia, quem não sabia eles explicavam de outra maneira.” É também feita alguma crítica aos formatos de reuniões, apesar de os entrevistados não conseguirem identificar que formatos seriam mais eficazes. Habitante T. “Não, eu não vejo que as pessoas não estão muito disponíveis para participar nesse tipo de encontros. Mas, água mole em pedra dura tanto bate que até fura e às vezes pode ser que consigam alguma coisa.” Habitante A. “ah não sei, eu já vi fazerem tantas coisas.” No entanto, são também apontadas algumas críticas essencialmente relacionadas com o modo como as pessoas do Centro de Convergência se apresentam/apresentaram na aldeia, e a forma como os objectivos das actividades são comunicados/expressos à população: Habitante G. “eles têm que fazer precisamente o exemplo, mostrar as pessoas que é precisamente ao contrário que eles querem fazer, tem que haver mais comunicação com a população, conseguir conquistá-las pouco a pouco, penso eu que isso falta, falta e muito”. 4 Parêntesis duplo contém descrições do autor em vez de transcrições.
  • 12. 12 Habitante I. “nunca na vida poderiam vir aqui (…) com uma proposta, com uma missão, com um ensino, como nós é que vamos mostrar-vos como é que vamos fazer”. Habitante E. “Eles lá na minha coisa vão para aqui para a horta cavar um bocado, e aquilo parece. E a gente diz devia fazer isto, fazer aquilo, não, eu não, isso não presta.” Habitante Q. “Explicam, mas as pessoas não perceberam. As pessoas mais novas talvez percebam, agora os mais velhos acham esquisito, as necessidades deles de terem um pote, depois é despejado, e tapado com a serradura. (…) acho que o ponto de alguns deles é mesmo esse, tentarem poupar visto que os rendimentos são poucos, e visto que mesmo para as pessoas daqui não há tantas reformas altas e isso, e tentam implantar essas ideias também para (.)” Um dos habitantes refere sentir um desligamento por parte do Centro de Convergência em relação às questões agrícolas, algo que não compreende, uma vez que percepcionam a intervenção nessa área como sendo um dos objectivos do Centro. Ora, se por um lado acham que este é um objectivo do Centro, como vimos anteriormente, por outro lado, avaliam que a concretização do objectivo não é bem conseguida, essencialmente pelo desinteresse e desligamento das pessoas do Centro em relação às suas hortas. Este aspecto é avaliado negativamente pelo habitante C. Habitante C. “Quer dizer o desprezo abandonava, e depois aquilo perdia-se tudo. E digam-me para que é que aquilo servia?” Da mesma forma, verifica-se uma incompreensão dos métodos utilizados pelo Centro, por exemplo em relação a formas de cultivar. Atribuem às pessoas do Centro uma cultura diferente, formas de fazer às quais não estão habituados e cujos significados não compreendem. Habitante N. “Ela semeava à maneira dela, (…) semeia duma outra maneira, que a gente não semeia cá” Habitante Q. “a maneira deles, que eles têm, é assim eu tanto concordo, a maneira que eles utilizam para cozinhar como para viverem é a maneira deles, é a cultura deles neste caso. E nós aqui sempre nos habituamos a coisas diferentes, e eles vêm para cá tentarem implantar ideias deles aqui na nossa terra. E algumas pessoas,
  • 13. 13 neste caso, pessoa mais idosas sempre trabalharam da mesma maneira, e às vezes implantar essas ideias, às vezes não”. iv) Modo de funcionamento do Centro de Convergência Foram também expressas algumas opiniões sobre a organização e funcionamento do Centro. Um dos aspectos mencionados foi a utilização do método de consenso para a tomada de decisão. Na perspectiva de A, esta forma de tomada de decisão é positiva mas há dificuldades em implementá-la na aldeia. Habitante A. “O Centro, o método acho que eles sim, eles falam muito, de reunir, de cada um dar a sua opinião e chegarem a um consenso, acho que é uma boa ideia. Mas as pessoas aqui não ((fazem)) muito isso. Acho que não.” Por outro lado, a estrutura de organização mais horizontal é incompreendida por um dos habitantes: Habitante Q. “Isso é outra parte que eu também não percebo muito, porque eu acho que a direcção do Centro altera ou muda frequentemente. Não tem bem a noção (…) mas pelo que percebi, um ou dois, há um que é o responsável, no ano a seguir já é outro e dentro da organização acho que há vários chefes, foi o que me apercebi.” Para outros, a perspectiva geral é de que o modo de funcionamento do Centro revela desorganização e pouca funcionalidade: Habitante G. “Mas vejo também muita desorganização.” Habitante V. “Mas lá está essa tal parte que eu vi que funcionalmente não funcionava ou seja em termos funcionais (.)” v) Percepções sobre a evolução do Centro de Convergência Por fim, foi visível ao longo das entrevistas uma comparação e uma avaliação da evolução do próprio Centro de Convergência ao longo dos anos. Alguns habitantes percepcionam uma perda do rumo e desestruturação do grupo. Habitante B. “eu sou sincero, a princípio vi isto com mais, com mais rumo que não tem hoje. Tem passado diversas pessoas e então nem todos têm aguentado aí”.
  • 14. 14 Habitante C. “Pessoas que não convivem, senão numa certa maneira. E isto quando começaram, isto, o pessoal levantou-se, eram todos um, e qual foi a razão que deram em desaparecer?” Da mesma forma, ao longo das entrevistas constatou-se uma percepção de que no passado as pessoas participavam mais, envolviam-se e frequentavam muito mais o Centro de Convergência, justificando esta mudança de comportamento das pessoas com a mudança de instalações. Esta perspectiva é expressa pela maioria dos entrevistados. Habitante H. “Agora quem é que tem tado aí? Ninguém” Habitante L. “Ah, isso vinha ((ao Centro)) quando eles estavam ali” Habitante P. “Agora essas pessoas novas que estão aí, desde que eles se mudaram aí para esse lado eu pouca convivência tenho com eles. Desde que eles se mudaram aqui para a escola (...) Não é muito longe e depois eu não posso andar, nunca mais vim para aí. Eu tive muita convivência com eles aqui ((na antiga sede))” Habitante C. “Era sim, era uma convivência muita grande. E a gente tarmos aqui, todos, não era todos mas, há sempre quem goste e há sempre quem não goste, pois. E então nãh sei o que é que aconteceu, o que é que não aconteceu que isto está só” Habitante T. “e depois de ele estar do outro lado, não sei, porque quando ele estava aqui ainda via, agora não sei como é que aquilo funciona, porque eu nem sequer nunca lá fui, não sei se tem muita gente, se não tem. Não faço ideia.” 2. Experiências de participação Neste tema são apresentadas as visões dos entrevistados sobre experiências de participação, a avaliação que fazem dessa participação e as percepções do envolvimento da comunidade e de pessoas de fora da comunidade. i) Pessoais Quase todos os habitantes entrevistados referem conhecer o Centro de Convergência e ter participado esporadicamente ou pelo menos numa das actividades. As experiências de participação são descritas de forma geral pela positiva, embora por vezes de modo vago. As actividades em que os habitantes referem ter participado são o intercâmbio, a caiação, os
  • 15. 15 jantares, os convívios, as festas, o mercado, palestras sobre permacultura, os Sonhos da Aldeia e ida ao Centro de Convergência apenas para conversar e passar o tempo. A maior parte das pessoas refere-se todavia a experiências de participação passadas e que ocorreram antes da mudança de instalações. Existem também habitantes que nunca foram ao Centro de Convergência, como é o caso do Habitante E: Habitante E. “vão (.) Sei lá, eu cá não fui” Vários habitantes referem as suas experiências de participação de forma positiva e em termos da “ajuda” que deram: Habitante B. “Eu colaborei aí em coisas com eles, eu ajudava no que pudesse”. Habitante N. “É assim, eu tou, agora. Se me dessem uma coisa para fazer, olha vamos fazer, eu ajudava.” Habitante S. “E a capela também ajudei (...)Tenho feito tudo.” Um dos habitantes salienta orgulhosamente o facto de a participação na actividade da caiação ter envolvido ensinar a caiar às pessoas que vinham do Norte: Habitante N. “E a pintura que eles vieram fazer, eu gostei de andar lá com a malta (...). A gente que vinha de cima não sabia caiar nem nada, e a gente ensinámo-los todos contentes.” Outros participantes afastaram-se do Centro de Convergência por várias divergências e/ou conflitos e deixaram de querer participar. ii) Da comunidade Os entrevistados consideram que as pessoas da aldeia participam apenas esporadicamente nas actividades do Centro de Convergência, mais umas do que outras pessoas, e mais em actividades lúdicas, como festas e convívios. Habitante G. “Esporadicamente. É mais a (.) e poucas mais” Habitante V. “As pessoas aqui vão ao bar ou vão ao café nunca foram ao Centro, não é. Nunca vi as pessoas a irem ao Centro” Habitante T. “Acho que daqui da aldeia não vejo assim grande envolvimento, sinceramente não vejo.”
  • 16. 16 O habitante M é mais cauteloso a expressar a sua opinião, que depois valida pela sua idade e experiência de vida: Habitante M. “Não sei se há muita gente envolvida no projecto. Acho que não deve haver, acho, mas não sei. Porque deve ser muito difícil envolver muita gente num projecto destes. Portanto, mas eu não sei. Digo que acho, porque, conheço. Já nasci há ((muitos)) anos.” Alguns dos participantes associam a falta de participação às características das pessoas, que “não aderem”, “não colaboram”. Habitante A. “As pessoas às vezes também não querem muito colaborar, não sei se já estão habituadas aquele ritmo, não colaboram muito, é muito difícil chegar às pessoas daqui, é um bocadinho difícil, algumas, e pedir aquilo, pedir isto, pedir a ajuda para isto, algumas não se interessam muito.” O habitante B contrasta a boa vontade do Centro de Convergência com a falta de adesão das pessoas: Habitante B. “O Centro de Convergência dá um parecer, mas claro quando não há ovos, não se pode fazer omeletes e eles coitados, têm a boa vontade, mas parte das pessoas não aderem, mas que eles têm a boa vontade de ajudar, têm, mas o que é que a maior parte das pessoas não aderem” No mesmo sentido, o habitante F, referindo-se ao mercado e à importância do mesmo diz não saber se este ainda existe: Habitante F. “Se calhar ainda fazem, só que a pessoas não aderem”. O habitante C expressa até a sua admiração quando as pessoas da aldeia participam: Habitante C. “Pois, estou achar estranho, admira-me tantas pessoas, não são muitos que as pessoas daqui são poucochinhas, daqui, vir a convivência.” Alguns dos habitantes mencionam actividades específicas em que houve mais participação como festas, almoços, a caiação, o intercâmbio, o mercado e as pequenas ajudas que davam no Centro de Convergência. Habitante T. “Quando às vezes há almoços ou isso, as pessoas lá participam, caso contrário não vejo assim muita participação.” Habitante Q. “Acho que a atividade que se pode dizer que foi mais vista e mais utilizada pela população foi mesmo o intercâmbio.”
  • 17. 17 Habitante A. “E mesmo fazer algumas coisas que o Centro, dava para carregar os telemóveis, dava para fazer essas coisinhas, houve um dia em que mediam a tensão, os diabetes, portanto eles aproveitavam e nisso as pessoas participavam, as pessoas mais velhas, e eram umas quantas.” Quando questionados sobre isso, alguns dos habitantes recordam tempos antigos em que o convívio na aldeia era muito maior: Habitante L. “Oh, isso antes era bom a aldeia. Fazia-se festas e coisa isto era (.) a aldeia aqui antigamente aqui há uns 40 anos, 50 anos, a aldeia era, para festas era a aldeia melhor. Quando faziam aqui bailes ou coisas isto enchia-se aqui tudo.” iii) De pessoas de fora Sobre a questão de quem são as pessoas que estão mais envolvidas no projecto do Centro de Convergência, se são da aldeia ou de fora, os participantes expressam diferentes opiniões. A expressão “pessoas de fora” é entendida quer como significando as pessoas do Centro de Convergência que não eram da aldeia mas estão aí há bastante tempo, quer como respeitante a estrangeiros. Habitante B. “Eu tou convencido que aderem mais essas pessoas que estão aí, mais alemães, ingleses, pessoas estrangeiras que vêm mais aqui, dessas comunidades, que têm aí, em Lameiros”. Habitante P. “É. De fora não vem aqui praticamente quase ninguém. De fora quer dizer, a não ser as que pertencem ali.” O habitante A considera que são as pessoas de fora que participam mais porque se sentem mais à vontade com as actividades, enquanto que as pessoas da aldeia têm alguma vergonha: Habitante A. “Não. São as pessoas de fora. Talvez pelas pessoas de fora se sentirem à vontade porque não são de cá, deixaram um bocadinho a vergonha de lado.” Alguns dos participantes associam a gente de fora à ideia de que estas pessoas vinham ensinar: Habitante N. “Era mais de fora, tinham aquela maneira né, de ensinar lá a malta. Ensinar, vamos fazer isto de determinada maneira, aquela é melhor, esta é melhor.”
  • 18. 18 Habitante O. “E ensinar aí, eu gosto, vem muita gente é de fora, sei lá (...) foram uns é coisa lá deles, que um gajo não sabe nada disso.” 3. Avaliação de oportunidades de envolvimento e factores inibidores i) Factores Inibidores Os factores inibidores do envolvimento da população nas atividades do Centro de Convergência mais referidos pelos participantes são a idade, a falta de gente, a falta de união, a falta de estudos e a distância em relação às novas instalações do Centro. A referência à idade avançada como inibidor do envolvimento é transversal às entrevistas. São por isso variados os exemplos de afirmações que veiculam esta ideia: Habitante L. “As pessoas que estão aqui já é tudo pessoas de idade praticamente. Não têm coisa nenhuma para fazer essas coisas nem, para se juntar, fazer reuniões, nada disso. As pessoas já todas de idade, não ligam, deixa andar.” Habitante O. “Eu já não ligo nada a isso, isso é para gente nova.” Esta ideia leva à percepção da falta de agência política, de que as pessoas de idade já nada podem fazer de relevante para resolver os problemas da aldeia e potenciar mudanças na mesma, como se constata no exemplo seguinte do habitante U: Habitante U. “Ai, coitadas, isto é quase só velhos. Aí novos têm poucos. Isto é quase tudo gente velha.” O habitante M associa a questão da idade a uma certa inactividade (a ideia de que “os velhotes” preferem passar o dia sentados no café do que envolver-se em actividades) mas racionaliza esta opção, legitimando-a pela vida dura que estas pessoas tiveram. Habitante M. “Sim, mas eu não estou a criticar. Faz parte das pessoas (...) Mas, mas eles tiveram uma vida produtiva e esforçada que eu sei a história de alguns e agora entendem que devem estar aqui sentados. Acho legítimo. A maior parte destes velhotes trabalharam muito e passam dificuldades muito grandes nestes (.) Cinquenta anos atrás a situação do país era completamente diferente. Portanto eu não estou a fazer nenhuma crítica, estou a constatar.”
  • 19. 19 A falta de união e a “falta de gente” são também factores apontados pelos participantes. O habitante K por exemplo salienta a falta de união e contrasta as aldeias aos “centros grandes”. Habitante K. “Olhe uns estão melhores, outros estão (graiados) (risos) atão, é em todos os lugares, nessas aldeias pequenas onde se conhecem todos, não é como nesses centros grandes. Uns convivem bem outros não convivem. Uma pessoa é a vontade de todos, outra já não é. Ah* a gente vai passando a vida, e mai nada.” Habitante J. “Não. Isso não. As pessoas não se unem, não é assim” O habitante L refere tanto a falta de gente como a falta de união como factores inibidores do envolvimento das pessoas da aldeia. Habitante L. “Tinha que ser mais gente. E agora não é 15 ou 20 que vão fazer qualquer coisa. Tinha que ser mais gente, juntarem-se (.) juntarem-se todos e (.)” A falta de estudos por parte desta população envelhecida é também apontada como factor inibidor da participação em actividades do Centro de Convergência: Habitante O. “Atão a gente nem sequer sabe ler (...) como é que um gajo há-de falar com certa gente se nem sequer sabe ler as palavras” Habitante P. “Pois. Eu não sei ler e parte das coisas, não sei” A referência à distância das novas instalações do Centro de Convergência surge de forma transversal aos discursos dos participantes e frequentemente associada a problemas de locomoção e/ou doença. Habitante J. “Às vezes fazia aí, há uns tempos que fazia. Às vezes fazem, eu também eu não posso ir, também sou doente, as vezes ando aí, uns dias melhores, uns dias piores (.)” Habitante E. “não, eu não sou amigo de andar” Habitante P. “Aquilo agora está é para aqui e depois eu não posso andar.” Alguns dos participantes mencionam também factores inibidores mais ligados às caraterísticas culturais e à mentalidade das pessoas da aldeia, como o facto de as pessoas da aldeia serem “reservadas” e terem uma certa desconfiança face a pessoas que vêm de fora, o que se liga por sua vez a uma crítica à desadequação e ineficiência das estratégias de comunicação do Centro de Convergência com a população; a falta de habituação das pessoas da aldeia a certos métodos utilizados pelo Centro de Convergência; a falta de
  • 20. 20 espírito reivindicativo das mesmas; e mesmo a ideia de que as pessoas da aldeia “não sabem aproveitar as oportunidades”. A ideia de que as pessoas são reservadas é veiculada pelo habitante G que refere também os estereótipos da população face a determinadas questões como o vegetarianismo. O mesmo habitante sugere, durante a entrevista, que o Centro de Convergência não soube conquistar a confiança das pessoas. Habitante G. “As pessoas na aldeia são muito reservadas, são pessoas que primeiro que confiem têm de ter provas disso, e depois são pessoas que não convivem muito bem com a questão (...) Conversas assim, e discriminam muito e ao fim e ao cabo a população não confia muito.” A presença de “gente de fora” é mesmo por vezes referida explicitamente como um impedimento à participação, como no caso do habitante R: Habitante R. “Eu nunca cheguei a ir ali muito, tava ali muita família de fora” Também o habitante B salienta a questão da percepção negativa das pessoas do Centro de Convergência: Habitante B. “ e sou sincero, muitos não vêm as pessoas com bons olhos (...)” Uma outra ideia veiculada é de que as pessoas não aproveitam as oportunidades, o que representa mais uma crítica pessoal: Habitante F. “Não, é mais porque as pessoas aqui também não sei (.) deviam aproveitar melhor as oportunidades” O habitante A refere a dificuldade de chegar às pessoas da aldeia, o que põe a tónica novamente nas caraterísticas das mesmas. Habitante A. “Mas é um bocadinho difícil, chegar às pessoas daqui.” Outros factores inibidores do envolvimento das pessoas prendem-se com uma crítica aos objectivos do Centro de Convergência e à percepção de que estes são desajustados; à existência de diferentes perspectivas daquelas que são as perspectivas e tomadas de decisão do Centro de Convergência; o facto de algumas actividades interessantes terem acabado e também, de um ponto de vista mais conceptual e ideológico, a dificuldade em motivar as pessoas para aderirem a um determinado estilo de vida que supõe quebrar com a ideologia mainstream e romper com um projecto de vida normativo e confortável. Um outro fator apontado como desmotivador da participação é a referência a atividades ou convivências que esmoreceram ou acabaram mesmo.
  • 21. 21 Habitante C. “Há um outro ou outro, mas (pocajinho), mas o X teve muito tempo com o pessoal da aldeia, que o pessoal da aldeia saem todos da casa deles para acompanharem todos. E hoje parece que não nada.” Um dos participantes, o habitante I, argumenta que a dificuldade em motivar as pessoas para aderirem às atividades do Centro de Convergência, e principalmente os jovens, reside na dificuldade em romper com um estilo de vida normativo e confortável, uma espécie de sacrifício necessário: Habitante I. “Mas não é fácil hoje em dia convencer alguém de sair do conforto, de ter o banho quente, de ter eventualmente a loja, o jogo de computador, o automóvel, pá. Esse conforto, é difícil tirá-lo (...) Isto de facto exige que se suporte o frio e exige que se utilize roupa prática, ufff quando for preciso quentes e se se conseguir arranjar. E por vezes há dificuldade na alimentação e mesmo no dinheiro e tudo isso. Mas é preciso optar por isso, senão... ” ii) Oportunidades de envolvimento As propostas de atuação dos habitantes da aldeia no sentido de potenciar o envolvimento são diversas, desde apelos à união e colaboração de todos à ideia de dar o exemplo e passar a palavra, “bater às portas”, mobilizar, propostas de melhoria das estratégias de comunicação com a aldeia. Por exemplo, o habitante A refere a importância de se dar o exemplo e da colaboração de todas as partes: Habitante A: “Talvez verem alguma... como as pessoas já estão habituadas a ninguém, de algumas partes, contribuir para aqui, ninguém fazer nada para aqui, se aparecessem coisas feitas, talvez as pessoas tomavam ânimo, tomavam ânimo. Se tivessem força de algum lado, talvez iam fazendo mais, diziam olha afinal está bonito assim, olha vamos fazer com que haja mais coisas. Penso que se houver alguma coisa feita de outra parte, eles também contribuem. Agora se quisermos fazer, nós também não conseguimos fazer nada (...) sem autorização de outros lados. Acho que se tivermos contributo do outro lado, nós também conseguimos contribuir. Acho que assim (.)” Já o habitante V sugere que se crie uma interajuda prática com as pessoas da aldeia, de ajuda no trabalho nas hortas por exemplo:
  • 22. 22 Habitante V. “criar algum tipo de interajuda com as pessoas que são daqui, que para elas é muito mais claro isso, é muito mais claro acho que as coisas funcionam bem naturalmente.” O mesmo habitante sugere que as pessoas do Centro de Convergência podiam aprender com as pessoas da aldeia sobre alguns dos conceitos que pretendem desenvolver, criticando a falta de diálogo e de co-construção genuína neste projecto de desenvolvimento comunitário e apontando a necessidade de valorização das pessoas da aldeia e das suas experiências de vida. As restantes propostas são mais concretas e bastante variadas. O habitante I sugere que sejam “os velhotes” a ensinarem as crianças, aproveitando assim os recursos da comunidade. Habitante I. “Se conseguirmos, isto é muito difícil de fazer, convencer as pessoas a educarem os miúdos de uma forma diferente, entregar à educação tradicional por parte dos velhotes daqui na prática, mostrar-lhes (...). E aqui os velhotes darem instrução aos miúdos. Para os preparar para. Para aproveitar os recursos que aqui existem.” Um outro participante sugere a realização de cursos de agricultura para jovens desempregados, o que, segundo ouviu, se faz noutros sítios. Habitante B: “Podia haver e já, juventude, já há cursos para isso, podiam incentivá- los, nesta zona não mas já tenho ouvido na TV que em certa zonas, a juventude de não apanhar emprego depois das universidades e isso já se estão dedicando mais à agricultura.” O mesmo habitante sugere a realização de atividades lúdicas uma vez que estas têm sempre “casa cheia”, apesar da crise: Habitante B. “Aqui há a tradição que vocês vêm, se há futebol tá sempre o estádio cheio, as pessoas aqui aderem de outro sítio, se há uma festinha, há um baile e para aí não há crise, casa cheia”. O habitante F refere explicitamente a importância de lembrar o que eram os Sonhos da Aldeia e de os continuar. Habitante F. “Eu, na minha opinião, era os Sonhos da Aldeia, foi por isso que começou, foi por aí que começou. Os projetos eram os Sonhos da Aldeia, porque a aldeia hoje não tem um mini-mercado, não tem nada, não há médico, apenas o que
  • 23. 23 tem é os cafés agora, não tem mais nada. Mas começou os Sonhos por aí, cada rua juntava-se e fazia uma mesa e cada um sentava-se ai e dizia o que é que queria que aldeia tivesse.” Outros participantes salientam a importância de estratégias de lobbying para fazer pressão junto das instituições de poder local para que estas construissem as estruturas de apoio necessárias por exemplo ao nível da saúde: Habitante T. “Pois, sei lá, talvez formar comissões para ver se fazia pressão junto da Câmara, para que isto não acontecesse assim. Não há médicos, não há uma farmácia, não coisa nenhuma, daqui a pouco não temos nada.” Esta é também a sugestão do habitante G que considera que devia ser o Centro a fazer essa pressão com as instituições de poder local e central: Habitante G. “Eu penso que poderia se tentasse fazer pressing com as autarquias e com o Estado (...)” O participante G considera que o mais importante a mudar é a mentalidade das pessoas, referindo-se especificamente à sua autenticidade: Habitante G. “A mentalidade das pessoas. Mostrarem realmente às pessoas quem são, e ao que vêm.” E finalmente, existem também participantes que referem não saber responder a esta questão. 4. Aspectos emocionais e relacionais Esta secção apresenta as referências feitas aos relacionamentos interpessoais entre os elementos do Centro de Convergência, bem como as emoções associadas quer a estas relações quer à própria actividade e projectos do Centro. Em geral, os habitantes descrevem um bom relacionamento com as pessoas do Centro de Convergência e a importância do mesmo em termos de convívio, comunicação com pessoas
  • 24. 24 diferentes e entreajuda. Muitos dos entrevistados nomeiam algumas das pessoas mais importantes e mais próximas, algumas das quais já saíram do Centro. A relação com as pessoas do Centro de Convergência é mesmo descrita por várias vezes em termos de ligação pessoal e de amizade: Habitante C. “Eu agora só, só, o X, é um amigalhaço, é muito meu amigo aliás, da boa confidência, as vezes vinha para eu ir acompanhar.” Habitante G. “Vi-os chegar, vi-os começar, fiz amizade, sempre dialoguei muito com eles.” Habitante R. “Ai eu gostava dessa gente toda, gostava e gosto de toda a gente deles.” O habitante A refere mesmo que algumas pessoas iam ao Centro para conviver com as pessoas de lá, que “iam à procura de certas pessoas”, às quais já estavam habituadas. O habitante F refere especificamente algumas atividades de convívio com gente de fora e de como conhecer essas pessoas lhe dá alegria e o faz sentir vivo e tem pena de as mesmas se irem embora: Habitante F. “Esteve aí gente de todas as partes do mundo, parte delas com quem tenho-me dado muito bem e depois quando se vão embora eu fico com pena.” Noutra afirmação reconhece a existência de pessoas que não gostam do “pessoal do Centro” das quais se diferencia totalmente: Habitante F. “Há pessoas que não gostam, mas eu gosto muito muito, adoro, gosto do pessoal do Centro de Convergência, dei-me bem com eles todos”. A ideia de que as pessoas do Centro de Convergência estão prontas a ajudar surge, por exemplo, expressa das seguintes formas: Habitante F. “Sim, são tudo pessoas comunicativas, são pessoas que estão sempre prontas a qualquer coisa, dizem sempre, olhe se as pessoas não pedem eles não, agora aqueles que disse qualquer coisa que precisem contem com a gente.” Habitante Q. “E depois a maneira de eles serem que eles são muito dados, à maneira deles mas são muito dados.” Surge mesmo um sentimento de agradecimento e de uma necessidade de agradecer ou retribuir por alguma situação concreta em que alguém do Centro (usualmente referido pelo nome próprio) prestou ajuda quando a pessoa necessitou: Habitante P. “Mas eu devo-lhes muitas obrigações, ao Z (…). É muito meu amigo. Esse uma noite foi lá comigo para o hospital, logo, pronto. Depois queria-lhe pagar e (.) queria-lhe pagar não queria receber dinheiro. Mas eu dei-lhe dinheiro. Pronto.
  • 25. 25 Que eu graças a Deus não preciso, não é? Preciso é de me socorreram quando eu tiver preciso, isso é que eu tenho falta é que eu vivo sozinho.” Essa ajuda é muitas vezes apresentada como recíproca: Habitante F. “Em mim, o que só que mudou foi conhecer mais gente, não me sinto assim com mais, sinto que contribuí para alguma coisa e que em tudo o que posso tenho ajudado e eles também são muito prontos, qualquer coisa o X, todos, não sei.” Habitante Q. “sempre me dei muito bem com eles, as pessoas que conheci primeiro foi a Y e o X (...) sempre me dei muito bem com o X. Ah, agora a pessoas com quem eu partilhava algumas ideias e acho que é uma pessoa muito culta, e ensinou-me algumas coisas, mesmo a maneira de pensar e agir na vida, ajudou-me em alguns pontos (...) sempre que ((a Y)) tinha alguma atividade e me ligava eu ia ajudá-la.” Por outro lado, alguns dos entrevistados relatam situações concretas de mal-estar e conflito (frequentemente relacionadas com projetos pessoais para os quais esperavam ter algum apoio do Centro e não tiveram) que os levaram a afastar-se do Centro de Convergência, permanecendo alguns sentimentos negativos de mágoa e até de injustiça. Em algumas situações, contudo, nota-se que as frustrações e amarguras expressas não estão apenas relacionadas com o Centro e são mais gerais, relacionando-se quer com experiências pessoais prévias com outros movimentos ou com a situação de crise e dificuldades económicas.5 5. Aspirações e anseios Enunciam-se aqui as questões que os entrevistados gostariam de ver alteradas/melhoradas e o que desejam ter na aldeia, ou seja as suas aspirações e anseios para a comunidade onde vivem. O sentimento de abandono pelos poderes públicos é transversal a praticamente todas as entrevistas. Os habitantes sentem que foram esquecidos ou mesmo discriminados negativamente em relação a outras localidades: 5 Não apresentamos extratos dessas entrevistas para evitar a possibilidade de identificação das pessoas.
  • 26. 26 Habitante Q. “Porque a gente aqui sempre foi um bocado abandonado, tanto que muita gente chama isto aqui o fim do mundo.” Como tal, os habitantes gostariam de ter mais atenção e apoio das autoridades municipais e, frequentemente, há uma transferência de expectativas para o Centro de Convergência, ou seja, é depositado neste a esperança de resolução de questões e problemas que são normalmente do foro das autoridades municipais. No entanto, as aspirações aqui indicadas não foram elicitadas especificamente em relação ao Centro mas sim de forma geral e abstracta. A perda demográfica da aldeia nas últimas décadas é percebida negativamente e muitos dos habitantes entrevistados referem o desejo de ver mais gente na aldeia: Habitante C. “Eu gostava de ver diferente, eu gostava de ver mais pessoal dentro da aldeia, porque se houvesse mais pessoal havia mais convivência (...) se houvesse mais pessoal, havia mais gastos dentro da nossa aldeia, e nessa altura também podia haver mais explorações, e qualquer coisa, podia haver mais trabalho, podia aparecer mais trabalho ou de uma coisa ou de outra, podia aparecer, mais trabalho.” Habitante R. “Não há aí crianças, tá aí 4 ou 5 crianças, numa aldeia destas que havia aí uns 50. E as pessoas mais velhotas vão morrendo, e isto (.) as pessoas desaparecem e as aldeias acabam, não é assim?” A necessidade de se criarem empregos para fixar as pessoas na aldeia é mencionada frequentemente. Habitante J. “Era mais gente, mais pessoas, mas isto nãh ai trabalho, não há nada onde as pessoas ganhem.” Habitante T. “Gostava que houvesse assim qualquer coisa que incentivasse a vinda de pessoas para aqui. Sei lá, a criação de emprego, mesmo que fosse em Ourique ou Odemira, que pudesse fixar as pessoas nestes meios mais pequenos.” Entre os anseios concretos para a aldeia expressos pelos habitantes encontram-se os seguintes: uma casa mortuária, uma casa/lar para terceira idade, um médico, um supermercado-mercearia, melhores meios de transporte, a construção de uma estação de tratamento de águas sanitárias, um parque infantil, a colocação de números nas portas das casas e a limpeza das ruas. Vários habitantes referem o anseio de ter uma casa mortuária na aldeia.
  • 27. 27 Habitante K. “gostava que fizessem aqui uma casa mortuária para as pessoas serem veladas isso, sem ser na Igreja e isso” Habitante F. “E uma casa mortuária, também faz muita falta porque morrem as pessoas e vão para igreja, e, falta fazer um batizo, a igreja é pequenina, mas já tem feito ali casamentos, está ocupada por muita das vezes os funerais… não faz sentido.” Habitante N. “O que gostava que fosse diferente era, vá, uma casa mortuária, porque se os velhotes morressem, é lá e cima na igreja, uma igreja muito fria, no inverno no verão ainda vai lá.” O habitante F sugere a construção de uma casa para as pessoas idosas da aldeia: Habitante F. “Eu como penso nos velhos também, nas pessoas de idade, eu disse que a aldeia precisava muito de uma casa onde recolhesse as pessoas idosas da aldeia, onde a próprias pessoas de família, pudesse ir trabalhar e ficassem na aldeia.” Uma outra aspiração comum para a aldeia é a de um médico: Habitante K. “Que tivesse além um posto médico, que viesse um médico uma vez por semana.” Habitante U. “Gostava que tivesse aí um médico para atender a gente e a gente sente falta, temos que ir lá longe.” O habitante C gostaria de ver na aldeia uma merceria ou um pequeno supermercado: Habitante C. “Podia haver uma mercearia, se houvesse mais pessoal, podia haver uma mercearia, um supermercadizinho, aqui, onde fosse.” A necessidade de transportes, por exemplo para Odemira, é uma preocupação frequente. Habitante T. “Sim, eu achava que se houvesse, sei lá, como aqui a população é muito idosa, houvesse uma interajuda as pessoas idosas ou qualquer coisa. Arranjarem um transporte para as pessoas irem a Odemira, poderem vir, por exemplo umas 5 ou 6, mesmo que as pessoas pagassem aquilo a meias, e que houvesse disponibilidade as
  • 28. 28 pessoas estarem lá a resolveram os seus assuntos. Eu acho que isso era bom, porque as pessoas nem todas têm carro, nem todas têm, as pessoas trabalham, precisam de ir a Odemira resolver os seus assuntos e os horários das camionetas nem sempre coincidem. Eu acho que era uma boa maneira de poderem ajudar aqui em alguma coisa.” Habitante K. “Nem temos transportes nenhuns”. Alguns dos habitantes queixam-se da falta de tratamento dos esgostos como é o caso dos habitantes L e O: Habitante L. “Tá mal por exemplo o cano de esgotos que está quase há uns 40 ou 50 anos ali e não mais limparam aquilo é nada. Se for ali para baixo é um cheiro a podre e mosquitos”. Habitante O. “Por exemplo tem ali uma fossa, que cheira muita mal, lá em baixo, que todos os esgotos tá lá, e era para ter uma estação de tratamento para aquilo não cheirar mal, e não tem jeito”.
  • 29. 29 Conclusões e recomendações Os dados do nosso estudo revelam alguns aspetos positivos do envolvimento das pessoas da aldeia com o Centro de Convergência e dos contributos do mesmo, mas também apontam para problemas de comunicação dos objectivos e estratégias do Centro e de ajustamento dos mesmos às necessidades, aspirações e recursos da comunidade. Obviamente, os resultados não são homogéneos e, como pudemos verificar, os dados revelam uma grande diversidade de opiniões, percepções e experiências. Esta diversidade deve ser considerada como um factor relevante para a compreensão dos resultados. Por outro lado, verificam-se alguns aspectos mais transversais que traduzem algumas percepções gerais que são também pertinentes. Nesta conclusão, procuraremos atender a estes dois aspectos. Sugerimos também alguns caminhos para o desenvolvimento deste projecto, de modo a que este se possa tornar mais inclusivo, mais participativo e mais potenciador dos recursos da comunidade. Em relação aos objectivos do Centro de Convergência, é visível uma dificuldade em compreender a sua finalidade e os seus objectivos concretos por parte de grande parte dos entrevistados. Esta incompreensão parece estar relacionada com o modo como algumas actividades são apresentadas e com os métodos e abordagens utilizadas pelo Centro. Por exemplo, parece-nos que alguns habitantes não compreendem os princípios da permacultura, do vegetarianismo, da sustentabilidade das casas, da importância da redução dos gastos energéticos, da pegada ecológica, etc. Como não conhecem estas ideias torna-se difícil compreender alguns métodos utilizados pelo Centro. Da mesma forma, alguns habitantes consideram que houve uma tentativa de influenciar os habitantes da aldeia para formas de ser e estar que eram pouco vivenciadas na aldeia, como é caso do vegetarianismo. Este aspecto parece ter criado algumas resistências, que novamente parecem estar associadas à incompreensão de valores e ideias subjacentes à acção do Centro. Por outro lado, alguns objectivos são claramente identificados pela maioria dos habitantes tais como: mudanças nas práticas na agricultura; suporte e ajuda à população; e desenvolvimento/melhoramento da aldeia. Os dois últimos são vistos como adequados e necessários à Aldeia, enquanto o primeiro é considerado desadequado por algumas pessoas, uma vez que não é visto como uma necessidade efectiva da aldeia. Este dado sugere que a avaliação feita pelos habitantes é influenciada por aquilo que eles percepcionam como necessidade local e quotidiana.
  • 30. 30 Em termos de impactos e contributos do Centro de Convergência são vários os aspectos enunciados pelos habitantes: aumento da população; divulgação da aldeia no exterior; aumento do comércio local; mudanças na vida social da aldeia; melhoria do aspecto visual da aldeia; mudança na mentalidade das pessoas (nomeadamente na tolerância à diferença); suporte social e prestação de ajuda na comunidade. Este último aspecto é visto como o mais positivo e também o mais necessário. Por outro lado, as mudanças na aldeia proporcionadas pelo Centro são por vários consideradas pouco visíveis e substanciais. Parece-nos que esta percepção deve ser analisada tendo em conta as expectativas da população em relação ao Centro de Convergência. Como é sugerido por alguns comentários, os habitantes esperariam mais “obras” na aldeia, e comparam o Centro de Convergência às instituições do poder local, e como tal criam expectativas muito específicas (número nas portas, médico na aldeia, esgotos, etc.) e que nos parece que estarão fora do âmbito de actuação do Centro. No que diz respeito especificamente às actividades desenvolvidas pelo Centro há uma tendência para a valorização destas, e para uma avaliação positiva. Os habitantes consideram na generalidade importantes e gratificantes actividades como o intercâmbio de jovens, a caiação, o mercado, os filmes, os Sonhos da Aldeia e práticas informais de convívio, como almoços e conversas. As práticas de divulgação das actividades são consideradas também adequadas e neste aspecto os relacionamentos interpessoais dos elementos do Centro com as pessoas originárias da aldeia parecem favorecer o próprio envolvimento nas actividades. As atividades com um formato mais formal (como reuniões e discussões) foram objecto de crítica por alguns dos habitantes na medida em que as pessoas não estão habituadas a tal. Alguns habitantes salientaram a sua falta de estudos e o facto de não saberem ler como obstáculo à sua participação nestas atividades. No entanto, há uma dificuldade em identificar formatos mais eficazes de mobilização da comunidade. As situações de convívio, os espaços de socialização locais e naturais são algumas pistas dadas pelos entrevistados no sentido de adequar as metodologias usadas à comunidade. Na generalidade, as experiências de participação parecem ser esporádicas e/ou momentâneas (com algumas excepções). Apesar disso, são avaliadas positivamente e com benefícios individuais e também colectivos. É comum a perspectiva de que as pessoas da aldeia envolvem-se pouco nas actividades e projectos, e que são as pessoas de fora (pessoas do Centro e estrangeiros que vivem no concelho de Odemira) as mais activas. Dois tipos de motivos para este fraco envolvimento da comunidade são identificados: por um lado, factores relacionados com o Centro de Convergência, e, por outro lado, factores mais individuais relacionados com as características das próprias pessoas. Em relação ao Centro
  • 31. 31 de Convergência, é sugerido que a distância das novas instalações é um bloqueio à convivência com a comunidade. Por outro lado, as características da população que é descrita como pouco reivindicativa, a apatia generalizada, as baixas percepções de poder e de influência nas decisões, a idade avançada e alguns bloqueios sociais (vergonha, receio da crítica social) são factores descritos como explicativos do baixo envolvimento das pessoas. Há um sentimento, que parece ser transversal, de incompreensão da fase actual do Centro. É referida uma perda de rumo e objectivos do projecto, bem como uma desestruturação do grupo. Por parte de algumas pessoas, é visível alguma nostalgia em relação ao passado e várias expressam o desejo de mais actividades similares às realizadas nas fases mais iniciais do projecto (cinema, cursos, Sonhos da Aldeia, etc.). Seria importante continuar estas atividades em cooperação com os habitantes e também conceber-se, em conjunto com os mesmos, o desenho e implementação de outras atividades que fossem importantes para a comunidade. É recomendável que estas atividades sejam de facto co- construídas com os habitantes de modo a que sejam valorizadas pelos mesmos e que conduzam ao envolvimento de mais pessoas. O relacionamento pessoal com as pessoas do Centro de Convergência é, na globalidade, sentido como positivo, principalmente com algumas das que estão na aldeia há mais tempo. Os habitantes referem também, com pena, a saída de algumas das pessoas do Centro com quem tinham um bom relacionamento. Este aspeto do relacionamento é fundamental para a comunicação com as pessoas de aldeia que valorizam uma forma de comunicação oral, mais informal e personalizada. Sugere-se deste modo uma atenção particular para que este bom relacionamento não se perca agora que o Centro mudou de instalações e está mais longe dos habitantes. Os habitantes parecem valorizar quando as pessoas do Centro vão ao seu encontro em vez de serem apenas os habitantes a irem ao Centro. Um bom relacionamento e a construção de uma relação de abertura e confiança com a comunidade constitui a base de um projeto comunitário e este é também um recurso social fundamental para melhorar alguns aspetos que se revelaram deficientes ao nível da comunicação dos objetivos e estratégias/métodos do Centro. No que diz respeito à comunicação, há aspectos a melhorar quer a nível interpessoal quer organizacional. Alguns entrevistados formularam críticas ao que entendem ser uma postura de superioridade das pessoas do Centro, que vêm “para ensinar” e não estão também elas dispostas a aprender com os habitantes da aldeia. Outros habitantes criticam a falta de abertura e autenticidade das pessoas do Centro, criticando a sua falta de ligação genuína à terra. E, por outro lado, há claramente habitantes que parecem ter expectativas
  • 32. 32 em relação ao Centro que não se adequam aos objetivos do mesmo. Sugere-se assim que se faça uma avaliação das necessidades da comunidade e se reformulem/adequem os objectivos do Centro a estas necessidades e aspirações em conjunto com a população. Tal pode significar continuar, por exemplo, a atividade dos Sonhos da Aldeia que alguns dos habitantes referiram ou utilizar outras estratégias decididas em conjunto com a comunidade, contribuindo para o empoderamento individual e comunitário. Um outro aspecto positivo que ressalta da nossa análise é a ideia da interajuda que alguns dos habitantes salientam em relação à sua participação em determinadas atividades promovidas pelo Centro: a percepção de que o Centro constitui um forma de suporte social/ajuda para questões concretas e quotidianas e que essa ajuda é também recíproca quando as pessoas enquadram a sua participação em algumas atividades como uma forma de ajuda. É importante que se fomente o sentimento de que os habitantes da aldeia podem também “ensinar” (como um dos habitantes refere em relação à actividade da caiação e outro em relação a actividades agrícolas) e não sejam apenas as pessoas que vêm de fora a fazê-lo. Este aspeto de interajuda é portanto um recurso a ser potenciado pois possibilita a valorização das pessoas da aldeia e fomenta a união e solidariedade que são salientados como importantes por vários habitantes.