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Capítulo 9
Ergonomia Cognitiva
Paulo Victor Rodrigues de Carvalho D.Sc., IEN/CNEN
Conceitos apresentados
Este capítulo trata de um importante aspecto da Ergonomia, que é o capítulo da
Ergonomia Cognitiva, ou seja, dos aspectos mentais da atividade de trabalho de homens
e mulheres, jovens e idosos, operadores e gerentes, sob o olhar da Ergonomia. O
capítulo inicia com uma discussão a respeito da necessidade de estudarmos a Ergonomia
Cognitiva, a partir de um breve histórico da evolução da Ergonomia até a chegada da
revolução cognitiva, mostrando porque a Ergonomia Cognitiva é necessária ao estudo
de sistemas complexos. A seguir apresentamos dois tipos de modelagens usadas na
Ergonomia Cognitiva, uma centrada na pessoa e outra na situação de trabalho. O
capítulo se encerra com exemplos de aplicações da Ergonomia Cognitiva no projeto de
sistemas.
9.1 Cognição e ação ergonômica
E por que – e em que – a cognição seria um conteúdo necessário para uma ação
ergonômica? Afinal, não se fala tanto que os problemas mais graves e lesionantes do
trabalho não seriam fundamentalmente biomecânicos?
Antes de responder a essa pergunta precisamos entender o alcance de uma
Ergonomia que não considerasse a cognição. De fato, a Ergonomia surgiu para dar
conta dos problemas físicos dos trabalhadores. Ela é descrita como a busca do ajuste dos
sistemas para o uso humano, procurando com isso significar que equipamentos,
ferramentas, ambientes e tarefas poderiam ser selecionados ou projetados de forma a
serem compatíveis com habilidades e limitações humanas. Por exemplo, podemos tratar
ergonomicamente o projeto de uma situação de trabalho onde uma ação de içamento
(levantamento manual de carga) esteja prevista para acontecer próximo à cintura do
operador, para o que estaríamos selecionando um tipo de dispositivo que não apenas
reduza posturas forçadas como também reduza movimentos desnecessários, o que irá
também contribuir para a melhoria de produtividade. A Ergonomia Cognitiva também
enfoca o ajuste entre habilidades e limitações humanas às máquinas, à tarefa, ao
ambiente, mas também observa o uso de certas faculdades mentais, aquelas que nos
permitem operar, ou seja, raciocinar e tomar decisões no trabalho. Aqui estaremos nos
restringindo ao raciocínio operatório no trabalho, seus determinantes e suas
propriedades, ainda que nossa mente seja capaz de muitas outras coisas: criação
artística, transmitir emoções, capacidade ficcional, construir histórias.
São exemplos de aplicações da Ergonomia Cognitiva:
• o projeto de uma interface de software para ser facilmente usada por todos;
• o projeto de um alarme de forma que a maioria das pessoas o entenda e aja da
maneira planejada;
• o projeto de uma cabine do piloto de avião ou sala de controle de geração de
energia nuclear de forma que evite que os operadores cometam erros catastróficos.
Os três exemplos nos remetem a situações do cotidiano normal (uso de telas de
computador), anormal (sinalização de emergência), ou mediado por uma forte aplicação
de tecnologia (o caso de aviões e centrais nucleares).
9.2 Necessidade da Ergonomia Cognitiva
Mas para que serve a Ergonomia Cognitiva? De acordo com Vidal (2002),
responder com propriedade essa pergunta requer considerações em ao menos três
planos: filosófico, social e tecnológico.
No plano filosófico a importância de reconhecer a dimensão cognitiva em uma
situação profissional advém do fato de que o ergonomista não pode se contentar com o
entendimento dos processos de trabalho apenas em seus aspectos físicos, dado que isso
tornaria sua análise incompleta e insuficiente. Por exemplo, um operador em sala de
controle, em certas circunstâncias, realiza poucos movimentos físicos, o que não nos
permite dizer que seu trabalho esteja sendo reduzido ou irrelevante. Muito pelo
contrário, mais preocupante seria observar uma intensa atividade no controle de um
sistema complexo e perigoso!
No plano social o estudo cognitivo se insere numa superação da concepção
clássica que propõe a divisão entre trabalho manual e trabalho mental. Na verdade, é
possível demonstrar que os trabalhadores com qualquer nível de formação realizam no
seu escopo de atividade muitas das funções “científicas” da gerência a que se
referenciava Taylor: planejamento, análise, controle, gestão, diagnóstico e coordenação,
que são funções cognitivas por excelência. Os exemplos são muitos: uma operadora de
linha de montagem eletrônica modifica a disposição de escaninhos de peças para tornar-
se mais ágil (replaneja seu trabalho); um pedreiro para um minuto antes de começar a
quebrar uma parede (análise do objeto de trabalho); uma comerciária ajuda a cliente a
escolher um vestido, passando em revista mental o que existe no estoque (controle de
estoques); a empregada doméstica “inventa” uma refeição com a disponibilidade da
despensa no dia (gestão da penúria); o mecânico observa sinais do veículo e examina
algumas partes do motor (ele faz um diagnóstico do problema); uma equipe portuária se
distribui entre o convés e o cais para ajudar o manobrista do guindaste na movimentação
de cargas (existe uma coordenação para o sucesso da empreitada coletiva) etc. A
Ergonomia Cognitiva nos permite identificar, com bastante efetividade, em que consiste
a qualificação requerida para ocupar uma posição de trabalho numa empresa.
No plano tecnológico, a necessidade de estudos de cognição se explica pela
transformação das tarefas profissionais. Com o advento da automação industrial e
comercial e a incorporação da programação nos objetos de uso cotidiano nos
arriscaríamos a dizer que nos tornamos programadores de alguma coisa na execução de
muitos atos básicos da vida, tais como esquentar um prato de comida no forno de micro-
ondas (tempo? potência?), falar com a pessoa amada e distante (código da operadora?
código da cidade? número do telefone? conexão por computador) ou produzir este texto
(escrito em um computador…). A tecnologia incorporada à vida moderna faz muitas
suposições acerca da forma como pensamos e agimos, e isso precisa ser bem entendido
para que possamos alcançar bons resultados. Aí está a contribuição da Ergonomia:
ajudar a entender como “funcionamos” e, principalmente, como funcionamos em
situação de trabalho, de modo a poder projetar os artefatos e sistemas a partir dessas
características funcionais.
9.3 A evolução da Ergonomia e a revolução cognitiva
Os antigos manuais norte-americanos de Ergonomia clássica destinados aos
construtores de máquinas e equipamentos abordam as informações que o operador deve
perceber para realizar sua tarefa unicamente do ponto de vista da forma de apresentação
(visual, auditiva, pictórica, – What you see is what you get etc.), ou seja, de um ponto de
vista físico. A suposição (equivocada) é a de que basta que uma coisa aconteça e esteja
devidamente assinalada e o operador saberá o que fazer. A vida moderna não mais
comporta esse paradigma: quem já não presenciou a hilariante cena de um único
aparelho de telefonia celular tocando e várias pessoas achando que era o seu? Ou os
grandes acidentes industriais que continuam ocorrendo apesar dos equipamentos
“ergonomicamente” projetados?
A aplicação de conceitos ergonômicos se tornou intensa a partir dos estudos de
aviação militar na Segunda Grande Guerra, onde os ergonomistas estavam preocupados
em evitar os erros dos pilotos, cada vez mais submersos em milhares de códigos e
informações codificadas. Mas igualmente não esqueçamos de que o cockpit dos
engenhos militares daquela época era muitíssimo mais simplificado do que o das atuais
aeronaves. Com um cockpit simplificado – o que supõe uma pilotagem restrita a umas
poucas funções – infere-se que as questões cognitivas mobilizadas seriam de menor
expressão e, consequentemente, requerendo uma cognição simplificada. Sem dúvida
alguma, esse comentário não se aplica aos engenhos de guerra atuais, alguns dos quais
prescindem até de contato visual. Da aviação militar, o bastão foi passado aos
ergonomistas envolvidos na concepção de salas de controle de processos químicos
(instalações químicas, refinarias, produção energética, termonuclear), sistemas de
controle de tráfego aéreo que requerem das pessoas atividades cognitivas cada vez mais
complexas.
Nos casos clássicos de correção ergonômica de situações de trabalho, nos
contentávamos com uma adequação higiênica do posto de trabalho – ambiente bem
ajustado – boa forma de apresentação de informações por meio de mostradores, e
disposição correta dos controles, manivelas, teclados, e manoplas de forma que os
operadores pudessem visualizá-los corretamente e acioná-los sem constrangimentos
posturais. Essas situações foram as mais estudadas em Ergonomia em seus primórdios e
continuam sendo essenciais. O engajamento do corpo no trabalho é e continua sendo um
aspecto tão visível, observável e quantificável, quanto penoso, dramático e, em alguns
momentos, de aspecto revoltante.
Tudo isso, porém, não basta, e essa é a razão da Ergonomia ter assumido de
forma irreversível o campo da cognição, baseando suas recomendações em modelagens
do pensamento humano (operacional, operatório e operativo).1
É redundante dizer que a
cognição está presente em toda e qualquer atividade humana, seja em quebrar uma
parede, fritar um ovo ou controlar um refino de petróleo, mas é bem menos evidente a
constatação e aceitação da existência de problemas cognitivos no mundo do trabalho. A
verdade é que a dimensão cognitiva se tornou um elemento central na compreensão da
atividade de trabalho de homens e mulheres, jovens e idosos, novatos e veteranos.
9.4 A Ergonomia Cognitiva em sistemas complexos
A base material da produção moderna se compõe de um espectro amplo, desde a
manutenção de formas arcaicas e absurdas, como o posto de trabalho da caixa em
muitas das padarias de bairro, local onde a pessoa sequer pode abrir os braços, até o
surgimento de postos de trabalho em ambientes sofisticados, as salas de controle, o
arquétipo e o constructo dessa modernidade,2
que visam operar e controlar sistemas
complexos que lidam com enormes quantidades de operações, massa e energia. Isso
significa dizer que, do ponto de vista cognitivo, aos problemas clássicos existentes se
adicionaram aos problemas contemporâneos de instrumentação, controle, supervisão,
cooperação, coordenação necessários ao funcionamento desses sistemas. Mais trabalho
para o ergonomista, que vem a ser o profissional engajado no aporte de soluções que
garantam a eficácia sem prejuízo do bem-estar do operador. A necessidade de
Ergonomia Cognitiva se tornou ainda mais intensa e crucial. Sendo o ergonomista um
agente de mudanças na empresa, o que requer propostas de transformação, ele precisa
compreender a importância dos atos de pensamento do trabalhador na consecução de
sua atividade. Com isso, apreendemos que os trabalhadores não são meros executantes
de tarefas, mas sim pessoas capazes de detectar sinais e indícios importantes, são
operadores competentes e organizados entre si para trabalhar. E que é nesse contexto
complexo que falhas ou acidentes podem acontecer, falhas estas que muitas vezes e de
forma açodada são atribuídas a “erros humanos”.
Errar é humano! Mas… de quem é o erro? Que erro é esse? Como é que se
produziu e como evitá-lo? Eliminar a pessoa que o cometeu irá resolver o problema da
segurança do sistema? E mais: se pessoas podem “errar”, como conceber sistemas
resilientes3
que possam conviver com erros sem prejudicar as pessoas, as instalações e o
negócio? São questões para as quais a Ergonomia Cognitiva busca produzir respostas
tecnológicas e gerenciais precisas, por meio do desenvolvimento de sistemas que se
fundamentam em três premissas básicas:
1) Premissa técnica, a partir da rejeição do absurdo que é projetar um sistema
de produção a custos vultosos onde as decisões operacionais estejam na dependência de
operadores colocados diante de um quadro complexo, diante do qual não eles têm nem a
autonomia, nem os elementos necessários para tomar decisões, isto é, encontram-se num
contexto de elevada solicitação e carga de trabalho acima de suas capacidades e para
além de suas limitações. Tão mais complexo e perigoso seja o sistema, tanto mais o
sistema de trabalho precisa ser concebido de modo a permitir que os operadores possam
tomar boas decisões nos bons momentos. Essa aptidão deve estar nas pessoas
(formação), nos sistemas (tecnologia), mas, sobretudo, nas interfaces entre uns e outros
(Ergonomia, organização do sistema de trabalho), materializadas no projeto do sistema;
2) Premissa ética,4
de que os trabalhadores nem se caracterizem como insanos
suicidas capazes de realizar atos absurdos que lhes custem a própria integridade física,
mental e espiritual e tampouco como sórdidos sabotadores dos engenhos físicos e
sociais que constituem uma dada tecnologia de produção, que lhes custe o emprego e os
meios de sobrevivência digna;
3) Premissa moral, a crença de que as pessoas tentam cumprir seu contrato de
trabalho nas situações de trabalho em que se encontram e, exatamente por isso, cabe aos
projetistas e gestores da organização assegurar uma situação de trabalho correta, ou seja,
confortável, segura e bem estruturada.
9.5 Modelos em Ergonomia Cognitiva
Em Ergonomia Cognitiva estaremos modelando o raciocínio no trabalho, ou
seja, desde a esquematização do ambiente perceptivo do trabalhador até a construção de
uma imagem teórica da atividade cognitiva. A seguir apresentaremos alguns exemplos
dos dois tipos modelos que têm sido usados por praticantes da Ergonomia Cognitiva:
modelos baseados no funcionamento cognitivo das pessoas e modelos baseados na
cognição em situação de trabalho.
9.5.1 Modelos lineares5
de percepção e interpretação
A Figura 9.1 apresenta um modelo que esquematiza o processo cognitivo dos
seres humanos. Segundo esse modelo, o ser humano transforma as informações de
natureza física percebidas pelos sentidos em informações de natureza simbólica
armazenadas na memória e a partir dessas, em ações sobre os artefatos. Esse modelo
utiliza a metáfora do funcionamento dos computadores digitais para explicar o
processamento da informação pelos seres humanos, ou seja, foca o conjunto das
condições estruturais e funcionais mínimas que permitem perceber, representar,
recuperar e usar a informação do ambiente.
Figura 9.1 Processo perceptivo, cognitivo e motor Fonte: Gagné (1985).
Card, Moran e Newell (1983) propuseram um modelo de processador humano
segundo o qual a pessoa dispõe de processadores perceptivos, cognitivos e motores em
interação com as memórias em longo prazo e as operativas (Figura 9.2).
Figura 9.2 O modelo de processador humano Fonte: Card, Moran e Newell
(1983).
Os processadores têm capacidade de resposta numa faixa de 50 a 90 m/seg, o
tempo de deslocamento de um cursor na tela do micro, de uma lembrança ou de um
gesto reflexo. As memórias de curto e longo prazos são hierarquizadas e feitas
distinções nas memórias operativas em memórias sensoriais (visuais, acústicas, táteis,
olfativas, gustativas) e as demais memorizações em curto prazo (um movimento do
braço ou da perna, um passo de dança…). Já as memórias em longo prazo se
subdividem em memórias semânticas (de significados), episódicas (de momentos e
passagens da vida), declarativas (capazes de repetir uma definição de Ergonomia) e
procedurais (capazes de reproduzir um procedimento).
9.5.2 Modelos complexos situados
Além de modelos que tratam do funcionamento cognitivo das pessoas, como os
descritos acima, a Ergonomia Cognitiva possui modelagens sobre o funcionamento das
pessoas nos sistemas de trabalho, como o modelo de regulação e compensação que será
descrito a seguir.
O modelo de regulação e compensação se constitui em um dos modelos mais
elementares usados na Ergonomia Cognitiva, e é oriundo da Análise da Atividade
(Vidal; Carvalho, 2008). De um modo geral, Regulações são as ações corretivas que as
pessoas realizam para tentar manter sob controle o sistema no qual estão trabalhando. A
regulação na modelagem proposta na Figura 9.3 é metaforizada como um iceberg
compósito, no sentido de que um sistema complexo necessita de diversos tipos de
regulação para que ele seja mantido sob controle. Esses diversos tipos de regulação se
compõem de elementos distintos, portanto, diferenciáveis, e que engendram processos
autônomos não necessariamente em oposição ou conflito, mas uma composição em
fases. Assim, em certos casos, teremos de trabalhar bastante o lado regulamentar e os
encargos de cada tarefa ou procedimento para compreendermos os processos
formalizados de regulação e, em outros, pesquisar a atividade de trabalho de forma
cuidadosa para colocar em evidência elementos da regulação estrutural. A Figura 9.3
ilustra essas diversas formas de regulação que podem ser de duas naturezas: formais e
estruturais. As regulações formais são as possibilidades de correção previstas desde a
concepção do sistema para lidar com as perturbações que os projetistas do sistema
puderam antecipar. Exemplos de regulações formais são as antecipações realizadas por
meio de cálculo de tendências, procedimentos para lidar com acidentes, rotas de fuga
para evacuação de instalações, auditorias internas e externas etc. Essas regulações estão
inseridas no escopo do funcionamento nominal do sistema e requerem um primeiro
nível de análise, a análise da tarefa. Já os componentes da regulação estrutural aparecem
na análise da atividade de trabalho em decorrência das adaptações ad hoc que as pessoas
fazem para lidar com as variabilidades externas e internas ao sistema.
Figura 9.3 Formas de regulação em sistemas Fonte: Vidal (1997).
Regulações formais. A Figura 9.3 apresenta cinco formas de regulações formais
concebidas no momento do projeto do sistema de trabalho: por coordenação, por
controle de recepção, por inspeção sistemática, por retroação negativa (feedback) e por
redundâncias.
Uma regulação por coordenação geralmente ocorre por uma sucessão de
comunicações formais, seguindo um fluxo hierárquico, até que estas atinjam o
responsável de uma operação, que atuará sobre alguns comandos para o retorno do
sistema à normalidade. Essas regulações são mais frequentes em sistemas fortemente
hierarquizados e que lidam com funções de segurança, como transporte aéreo, usinas
nucleares, refinarias de petróleo etc.
As regulações por inspeção sistemática se estabelecem como rotinas que
visam a identificação de disfunções ativas. Elas podem ser inspeções de campo para
checar o bom andamento dos processos.
As regulações por controle de recepção são muito comuns no domínio das
comunicações críticas. Nesses casos, um agente buscará certificar-se de que sua
mensagem foi bem recebida por seu interlocutor. Na aviação, esse procedimento é
comum: o piloto deverá repetir a instrução transmitida pela torre de controle e
comunicar a ação correspondente que deve ser executada.
As regulações por retroação negativa (feedback) acontecem quando o
resultado de uma ação, conversa ou acordo retorna a um dos agentes. O exemplo mais
simples é o recibo de uma compra, entendido como o feedback do pagamento. Essa
regulação formal somente é possível em casos onde um processamento desconforme
pode ser percebido, e assimilado ou rejeitado. Por outro lado, a regulação formal tem
como pressupostos estados binários e lineares dos componentes do sistema: qualquer
situação nebulosa na qual não existam parâmetros bem definidos para a tomada de
decisão, falseia as hipóteses de controle paramétrico e o sistema de controle acusa uma
não conformidade.
As redundâncias são um recurso amplamente empregado para melhorar a
confiabilidade de sistemas, por meio de construções de estruturas que executam as
mesmas funções em paralelo (se una falhar, a outra pode manter o sistema
funcionando).
Regulações estruturais. As regulações estruturais têm como principal objetivo
manter o funcionamento do sistema mesmo que ocorram perturbações não previstas,
mesmo quando a própria estrutura interna do sistema tenha sido modificada, ou ainda
visando a modificar a estrutura do sistema para mantê-lo funcionando (é nesse sentido
que se chamam de estruturais). Tais formas de regulação têm um caráter oportunista em
face dos contextos em que surgem (situações não previstas, emergência) e por isso
mesmo decorrem de uma antecipação, do desdobramento de disfunções nem sempre
previstas ou inscritas nos cálculos de tendências. As regulações estruturais se
constituem no principal resultado da análise ergonômica da atividade no plano
cognitivo. A rigor, podemos dizer que é impossível evidenciá-las por outra forma, em
que pesem os avanços da simulação como metodologia de estudos cognitivos. As
regulações estruturais se diferenciam quanto ao conteúdo em:
• regulações vicariantes6
e de registro compensatório;
• cooperação e repartição dinâmica (mutual);
• compartilhamento e distribuição tática (sharing).
As regulações vicariantes, (Figura 9.4), ocorrem quando existe o emprego de
algum caminho alternativo para recuperar, corrigir ou compensar imprevistos. Uma
aplicação desse conceito em análise do trabalho é a variação de modo operatório na
atividade de um operador, que pode significar uma regulação estrutural em ocorrência
naquele momento. Essa regulação será vicariante se implicar na realização de atividades
colaterais, atalhos para resolver problemas, conforme esquematizado na Figura 9.4.
Figura 9.4 Regulações por atividades vicariantes Fonte: Vidal M.C. (1997)
Legenda: OP i = Operação em modo normal; Inc i = Incidente ocorrendo em modo
normal; Recup i = ATOs ou tentativas de recuperação do incidente imediatamente
anterior. À esquerda, um caso simples: incidente, recuperação e resgate de normalidade.
À direita, um caso complicado: encadeamento de incidentes sucessivos.
As regulações cooperantes ocorrem quando um componente do sistema vem
acrescentar seus recursos a outro em pane ou dificuldade. O uso dessas regulações
ocorre em praticamente todas as atividades de trabalho coletivas, quando um
trabalhador percebe que pode cooperar, ou recebe um pedido de cooperação de outro
trabalhador. As aplicações em Ergonomia são muitas e diversos estudos sobre os
mecanismos cooperativos estão disponíveis na literatura (ver Vidal et al., 2009). Um
exemplo concreto de regulação cooperante nos é dado pelo modelo de atividade coletiva
na construção civil (Vidal, 1985).
Regulações por compartilhamentos são recursos largamente empregados
quando lidamos com sistemas informatizados. Em termos cognitivos, significam a
distribuição de recursos entre vários agentes do sistema e sua recuperação/integração
em situações de disfunção. Geralmente as informações necessárias para realizar uma
tarefa são armazenadas sob diferentes formas para que sempre possam ser consultadas.
Um exemplo corrente em um escritório é a ligação para um colega para solicitar um
telefone, ou uma posição de caixa, que é conferida com os registros e os dados
disponíveis na rede da empresa. Uma recomendação decorrente da constatação da
existência de regulações por compartilhamentos é a recomendação formal de gravar
dados em mais de um lugar e sob mais de uma forma, para evitar perdas.
9.6 Conclusão
Neste capítulo nos propusemos a apresentar do modo mais simples possível, os
conceitos básicos, teorias e modelos da Ergonomia Cognitiva. Concluímos o capítulo
apresentando algumas aplicações da Ergonomia Cognitiva.
9.6.1 Ergonomia Cognitiva no projeto de sistemas
Tradicionalmente, o objetivo preliminar de um projeto que envolve
pessoas/tecnologia/organização é a interação direta com, ou o uso de, determinados
artefatos. Essa abordagem vem do paradigma da cognição não situada e segue o ponto
de vista estrutural/analítico da engenharia de sistemas tradicional que procura separar os
sistemas nos termos de suas partes e nas conexões entre elas. Contudo, essa abordagem
tem pelo menos dois problemas fundamentais no projeto de sistemas complexos. O
primeiro é que considera ser possível decompor um sistema complexo projetando cada
parte separadamente, assumindo como premissa básica que a reunião dessas partes ao
término do projeto irá determinar o seu modo de funcionamento, o que, segundo o
ponto de vista da teoria dos sistemas complexos, não é possível. O segundo problema,
decorrente do primeiro, é que a abordagem se concentra em como os artefatos deveriam
ser usados, a partir do pressuposto de que tarefa e atividade seriam a mesma coisa e,
consequentemente, prestando pouquíssima atenção às regulações, ao planejamento e
organização da atividade de trabalho, aos mecanismos cooperativos postos em prática,
enfim, à transformação da atividade de trabalho em face das restrições e variabilidades
do contexto, o que, na maioria dos casos é um pré-requisito para o uso apropriado
desses artefatos. Isto é, a abordagem tradicional da engenharia não abre espaço para que
se possa, pelo menos, tentar entender como o sistema vai funcionar. Assim, o projeto de
sistemas sem considerar o paradigma situado da Ergonomia Cognitiva ignora o fato de
que o uso de um artefato e o seu funcionamento eficiente e seguro envolve a cognição e
a organização do trabalho tanto – ou até mesmo mais – quanto os artefatos tecnológicos,
como, por exemplo, a interface homem/máquina.
9.6.2 Ergonomia Cognitiva tornando o trabalho mais fácil
O projeto de sistemas de trabalho foi concebido segundo os preceitos da
“Organização Científica do Trabalho” de Taylor, cujo objetivo era melhorar a eficiência
do trabalho físico. Os objetivos da Ergonomia clássica têm sido de uma natureza
bastante tangível, por exemplo, como reduzir acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais, como melhorar a qualidade do trabalho, ou como reduzir o absenteísmo.
Mais recentemente, a usabilidade de interfaces foi considerada uma ponte essencial a
ser construída para encurtar a distância entre o humano e o computador (Nielsen, 1993).
Considerando que a Ergonomia Cognitiva, em sua abordagem situada, trata do
funcionamento/controle dos sistemas que envolvem tecnologia, pessoas e organização,
duas perspectivas emergem. Uma está ligada a tornar o trabalho mais fácil, no sentido
de permitir que as pessoas envolvidas compreendam o que está acontecendo e possam
agir de modo a controlar o sistema. A segunda está ligada a como tornar o trabalho mais
seguro, no sentido de minimizar as possibilidades de saídas inesperadas, assim como
minimizar os efeitos ou consequências dessas saídas.
Como exemplo de como facilitar o trabalho, apresentamos o caso do projeto de
interfaces e da interação homem-computador. Nesse contexto, facilitar o trabalho
significa fazer com que seja mais fácil para os usuários entender e utilizar o sistema,
proporcionado ao usuário a possibilidade de realizar transformações positivas na sua
atividade cognitiva de trabalho. De modo geral, algumas perspectivas básicas devem ser
consideradas:
• Um bom projeto da interface. Observar os princípios básicos da Ergonomia e
engenharia de fatores humanos (aspectos como visão, percepção, atenção etc.) no que
diz respeito à apresentação da informação e na ação (controle) sobre a interface. É
importante notar que mesmo sendo um princípio básico, há diversos estudos em
diferentes contextos industriais, indicando que esses princípios não têm sido aplicados
(Carvalho et al., 2007).
• Simplicidade de funcionamento. Ao tentar usar uma interface
computadorizada, a regra mais importante talvez seja: o que você vê é o que você faz.
Ou seja, as pessoas tendem a seguir os aspectos que conseguem perceber na tela, ou
seja, a funcionalidade não percebida, obscura ou mascarada provavelmente não será
usada. Como consequência, torna-se fundamental evitar conflitos entre a funcionalidade
percebida na tela e a funcionalidade real do sistema.
• Indique claramente o estado operacional do sistema. Esse é um princípio que é
frequentemente violado, principalmente quando a automação entra em jogo. É crucial
para o uso da automação e dos sistemas que têm modalidades múltiplas de
funcionamento, que o modo corrente de funcionamento seja indicado e percebido pelos
operadores. Falhas nesse aspecto contribuíram para diversos acidentes e continuam
contribuindo, como pudemos observar no recente acidente de pouso no Aeroporto de
Congonhas, São Paulo, onde os pilotos não conseguiram saber qual o modo de operação
adotado pelo sistema de controle do Airbus A320 no momento da aterrissagem.
• Instruções claras e precisas. As instruções podem ser explícitas, como no caso
dos procedimentos operacionais (regras SE-ENTÃO) ou implícitas como no caso da
maioria das interfaces computadorizadas. As instruções contidas nesses procedimentos
ou regras implícitas podem ser muito úteis se forem precisas, porém, mais
frequentemente do se desejaria, uma combinação inadequada entre as instruções, o
artefato e o contexto da operação cria complicações desnecessárias (Carvalho; Vidal;
Santos, 2005 e 2006).
9.6.3 Ergonomia Cognitiva tornando o trabalho mais seguro
Tornar o trabalho mais seguro compreende três dimensões: prevenção, tolerância
e proteção.
Inicialmente podemos tornar o trabalho mais seguro diminuindo a possibilidade
de que as falhas ocorram e, se possível, eliminando as oportunidades para a falha, ou
para que as tarefas sejam feitas incorretamente. Isso pode ser feito diretamente,
concebendo artefatos (barreiras físicas) que impossibilitem fazer coisas erradamente, ou
indiretamente, por meio do projeto de restrições cognitivas que tornem o trabalho mais
difícil se ele for feito de modo inadequado, ou sistemas de ajuda que facilitem o
trabalho quando ele for feito na direção da segurança. Numa segunda dimensão, os
sistemas devem ser robustos o suficiente para tolerar a ocorrência de falhas e erros,
permitindo ações corretivas antes que acidentes mais graves ocorram. A Ergonomia
Cognitiva pode ser usada para desenvolver sistemas de suporte a operação que
permitam aos agentes perceber que erros ou falhas podem estar acontecendo.
Finalmente, é preciso proteger as pessoas, tecnologia, organização e meio ambiente das
consequências das falhas, quando acidentes acontecerem.
Em Ergonomia Cognitiva, como em qualquer abordagem de segurança, a
prevenção é obviamente melhor do que a cura. Cabe ao projetista identificar (imaginar)
o que poderia dar errado, considerando as várias maneiras nas quais o desempenho pode
falhar. Do ponto de vista da atividade cognitiva, as ações podem dar errado no que diz
respeito a: temporalidade (muito cedo, muito tarde, tudo junto); duração (muito longo,
muito curto); velocidade (muito rápido, muito lento); sentido, posição (muito distante,
muito perto, sentido errado); valor (muito grande, muito pequeno); força (muita força,
pouca força); sequência (omissão, saltos); tipo (tipo incorreto de ação); objeto (objeto
errado); posição (o objeto está no lugar errado).
Saber antecipadamente o que pode dar errado é fundamental para o projeto de
sistemas que lidam com tecnologias perigosas. A Ergonomia Cognitiva pode ajudar
nesse processo de busca do que pode acontecer, desenvolvendo perguntas relacionadas
sobre como uma ação ou atividade cognitiva pode falhar no que diz respeito ao
sincronismo, à duração, velocidade etc., numa maneira análoga ao que é feito para uma
análise do risco dos sistemas técnicos. Na engenharia, diversos métodos foram
desenvolvidos para identificar os riscos das falhas tecnológicas, como árvores de falha,
árvores de evento, análise de barreiras etc. Entretanto, a partir das análises dos
catastróficos acidentes em sistemas industriais no final do século passado, que
apontaram para fatores causais humanos e organizacionais, esses métodos têm sido
modificados para considerar também falhas atribuídas às ações humanas e até mesmo a
questões organizacionais (Wreathfall, 2004).
Infelizmente, saber que algo pode dar errado não é o mesmo que saber por que
(ou como) pode dar errado. Num sistema complexo, cada modalidade de falha pode ter
um número infinito de causas possíveis. Mesmo quando consideramos sistemas mais
simples, como o controle remoto de um televisor ou o teclado de um celular, existe um
enorme número de razões diferentes para um erro de digitação, algumas vezes erramos,
na maioria das vezes acertamos; seria um problema do artefato, da pessoa, do projeto,
ou da situação? Especular porque ações poderiam falhar, ou mais especificamente
porque as pessoas erraram levou ao desenvolvimento das teorias sobre a gênese do erro
humano, que não resolveram o problema das falhas em sistemas complexos (ver
Dekker, 2005).
Lembramos aqui que essas teorias foram baseadas na suposição de que os seres
humanos poderiam ser descritos como os sistemas de processamento de informação, os
quais às vezes poderiam falhar, configurando um ponto de vista endógeno do erro
humano, com uma série de conotações projetuais, organizacionais, culturais e sociais
-”humanos são a parte fraca do sistema, a culpa é das pessoas”, que deixam um enorme
espaço para melhorias do ponto de vista da Ergonomia Cognitiva.
A Ergonomia Cognitiva, que visa à compreensão da atividade cognitiva das
pessoas em situação de trabalho, pretende fornecer os aportes teóricos e metodológicos
para suprir essa lacuna. A atividade cognitiva de trabalho e o processo de transformação
do trabalho que é construído durante essa atividade sugerem que nós não podemos
compreender o que acontece (por que e como) quando as coisas dão errado sem
compreender o que acontece quando as coisas dão certo. Para isso, nós necessitamos das
teorias, modelos, e métodos da Ergonomia Cognitiva para a análise da atividade. Para a
Ergonomia Cognitiva, tanto o desempenho correto quanto as falhas devem ser
explicados nos termos de como as pessoas ajustam suas ações – criam regulações -para
conseguir um balanço aceitável entre os recursos disponíveis e as demandas do sistema.
9.7 Revisão dos conceitos apresentados
Neste capitulo apresentamos a necessidade da Ergonomia Cognitiva em função
da evolução da Ergonomia e da complexidade das nossas organizações. A seguir
apresentamos dois tipos de modelagens usadas na Ergonomia Cognitiva: modelagens
lineares de percepção e interpretação baseadas no funcionamento cognitivo das pessoas,
vistas como processadores de informação e modelagens complexas baseadas na situação
de trabalho, isto é, nas regulações feitas pelas pessoas para lidar com as variabilidades
do sistema no seu dia a dia de trabalho. Procuramos transpor a necessidade da
Ergonomia Cognitiva para o plano da prática mostrando algumas aplicações e
ressaltando que a prática da Ergonomia Cognitiva tem sua dificuldade relacionada ao
caráter abstrato e não diretamente observável das funções cognitivas. Em outros termos,
isso vai requerer do ergonomista uma capacidade de abstração, de simbolização para
poder lidar com o fato de que as pessoas têm um pensamento, uma capacidade de
raciocinar e tomar decisões na situação de trabalho em função das informações
disponíveis no ambiente. Cabe ao ergonomista cognitivo reconceber as situações de
trabalho, a partir das funções cognitivas do sistema, concebendo ferramentas de ajuda à
cognição que nos levem aos céus da modernidade ao invés de nos atirar no inferno
tecnológico, como parece estar acontecendo…
9.8 Página escolar
Questões
1) Defina Ergonomia Cognitiva de forma simples e intuitiva para um
adolescente.
2) Que motivações sociais e filosóficas existem para justificar a preocupação
com o campo cognitivo da Ergonomia?
3) Como a Ergonomia pode tornar o trabalho mais fácil? E mais seguro?
4) Descrever uma atividade do cotidiano, aplicando os conceitos e modelos
apresentados. Por exemplo: escolher um horário de voo; gravar uma fita para escutar no
carro; programar o vídeo para gravar um programa de televisão; enviar um e-mail etc.
(sugira uma!). Em cada atividade escolhida o aluno deverá descrever a sequência de
ações e assinalar seus conteúdos cognitivos.
5) A partir de sua experiência na utilização de ferramentas computacionais
(Word, Explorer, PowerPoint etc.), indique como a Ergonomia Cognitiva pode ser
usada na melhoria dos auxílios das tarefas disponibilizadas por essas ferramentas.
6) Apresente exemplos concretos para cada um dos tipos de regulação
apresentados na Figura 9.3.
Referências
1. Carvalho PVR, Vidal M, Santos IL. Safety implications of some cultural and
cognitive issues in nuclear power plant operation. Applied Ergonomics,.
2006;37(2):211–223.
2. Carvalho PVR, Vidal M, Santos IL. Nuclear power plant shift supervisor’s
decision-making during micro incidents. International Journal of Industrial
Ergonomics,. 2005;35(7):619–644.
3. Carvalho PVR, et al. Human factors approach for evaluation and redesign of
human-system interfaces of a nuclear power plant simulator. Displays, 2007;(n.
29):273–284.
4. Card S, Moran T, Newell A. The psychology of human computer interaction.
Hillsdale: Lawrence Erlbaum; 1983.
5. Dekker S. Ten questions about human error. Hillsdale: Lawrence Erlbaum;
2005.
6. Gagné R. The conditions of learning and the theory of instruction. New York:
Holt, Rine-hart & Winston; 1985.
7. Vidal MC. Abordagem antropotecnológica na Prevenção de acidentes Anais
do V Congresso Latino-Americano de Ergonomia. Florianópolis: ABERGO; 1997.
8. VIDAL, M. C. Le travail des maçons en France et au Brésil: sources et
gestion des différences et des variations. 1985. Tese (Doutorado em Engenharia) –
Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), Paris.
9. Vidal MC, Carvalho PVR. Ergonomia cognitiva. Rio de Janeiro: EVC; 2008.
10. Vidal MC, et al. Collective work and resilience of complex systems. Journal
of Loss Prevention in the Process Industries, 2009;(n. 22):537–548.
11. Woods DD. Essential characteristics of resilience for organizations. In:
Hollnagel E, Woods DD, Leveson N, eds. Resilience engineering: concepts and
precepts.

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Capítulo 9

  • 1. Capítulo 9 Ergonomia Cognitiva Paulo Victor Rodrigues de Carvalho D.Sc., IEN/CNEN Conceitos apresentados Este capítulo trata de um importante aspecto da Ergonomia, que é o capítulo da Ergonomia Cognitiva, ou seja, dos aspectos mentais da atividade de trabalho de homens e mulheres, jovens e idosos, operadores e gerentes, sob o olhar da Ergonomia. O capítulo inicia com uma discussão a respeito da necessidade de estudarmos a Ergonomia Cognitiva, a partir de um breve histórico da evolução da Ergonomia até a chegada da revolução cognitiva, mostrando porque a Ergonomia Cognitiva é necessária ao estudo de sistemas complexos. A seguir apresentamos dois tipos de modelagens usadas na Ergonomia Cognitiva, uma centrada na pessoa e outra na situação de trabalho. O capítulo se encerra com exemplos de aplicações da Ergonomia Cognitiva no projeto de sistemas. 9.1 Cognição e ação ergonômica E por que – e em que – a cognição seria um conteúdo necessário para uma ação ergonômica? Afinal, não se fala tanto que os problemas mais graves e lesionantes do trabalho não seriam fundamentalmente biomecânicos? Antes de responder a essa pergunta precisamos entender o alcance de uma Ergonomia que não considerasse a cognição. De fato, a Ergonomia surgiu para dar conta dos problemas físicos dos trabalhadores. Ela é descrita como a busca do ajuste dos sistemas para o uso humano, procurando com isso significar que equipamentos, ferramentas, ambientes e tarefas poderiam ser selecionados ou projetados de forma a serem compatíveis com habilidades e limitações humanas. Por exemplo, podemos tratar ergonomicamente o projeto de uma situação de trabalho onde uma ação de içamento (levantamento manual de carga) esteja prevista para acontecer próximo à cintura do operador, para o que estaríamos selecionando um tipo de dispositivo que não apenas reduza posturas forçadas como também reduza movimentos desnecessários, o que irá
  • 2. também contribuir para a melhoria de produtividade. A Ergonomia Cognitiva também enfoca o ajuste entre habilidades e limitações humanas às máquinas, à tarefa, ao ambiente, mas também observa o uso de certas faculdades mentais, aquelas que nos permitem operar, ou seja, raciocinar e tomar decisões no trabalho. Aqui estaremos nos restringindo ao raciocínio operatório no trabalho, seus determinantes e suas propriedades, ainda que nossa mente seja capaz de muitas outras coisas: criação artística, transmitir emoções, capacidade ficcional, construir histórias. São exemplos de aplicações da Ergonomia Cognitiva: • o projeto de uma interface de software para ser facilmente usada por todos; • o projeto de um alarme de forma que a maioria das pessoas o entenda e aja da maneira planejada; • o projeto de uma cabine do piloto de avião ou sala de controle de geração de energia nuclear de forma que evite que os operadores cometam erros catastróficos. Os três exemplos nos remetem a situações do cotidiano normal (uso de telas de computador), anormal (sinalização de emergência), ou mediado por uma forte aplicação de tecnologia (o caso de aviões e centrais nucleares). 9.2 Necessidade da Ergonomia Cognitiva Mas para que serve a Ergonomia Cognitiva? De acordo com Vidal (2002), responder com propriedade essa pergunta requer considerações em ao menos três planos: filosófico, social e tecnológico. No plano filosófico a importância de reconhecer a dimensão cognitiva em uma situação profissional advém do fato de que o ergonomista não pode se contentar com o entendimento dos processos de trabalho apenas em seus aspectos físicos, dado que isso tornaria sua análise incompleta e insuficiente. Por exemplo, um operador em sala de controle, em certas circunstâncias, realiza poucos movimentos físicos, o que não nos permite dizer que seu trabalho esteja sendo reduzido ou irrelevante. Muito pelo contrário, mais preocupante seria observar uma intensa atividade no controle de um sistema complexo e perigoso! No plano social o estudo cognitivo se insere numa superação da concepção clássica que propõe a divisão entre trabalho manual e trabalho mental. Na verdade, é possível demonstrar que os trabalhadores com qualquer nível de formação realizam no
  • 3. seu escopo de atividade muitas das funções “científicas” da gerência a que se referenciava Taylor: planejamento, análise, controle, gestão, diagnóstico e coordenação, que são funções cognitivas por excelência. Os exemplos são muitos: uma operadora de linha de montagem eletrônica modifica a disposição de escaninhos de peças para tornar- se mais ágil (replaneja seu trabalho); um pedreiro para um minuto antes de começar a quebrar uma parede (análise do objeto de trabalho); uma comerciária ajuda a cliente a escolher um vestido, passando em revista mental o que existe no estoque (controle de estoques); a empregada doméstica “inventa” uma refeição com a disponibilidade da despensa no dia (gestão da penúria); o mecânico observa sinais do veículo e examina algumas partes do motor (ele faz um diagnóstico do problema); uma equipe portuária se distribui entre o convés e o cais para ajudar o manobrista do guindaste na movimentação de cargas (existe uma coordenação para o sucesso da empreitada coletiva) etc. A Ergonomia Cognitiva nos permite identificar, com bastante efetividade, em que consiste a qualificação requerida para ocupar uma posição de trabalho numa empresa. No plano tecnológico, a necessidade de estudos de cognição se explica pela transformação das tarefas profissionais. Com o advento da automação industrial e comercial e a incorporação da programação nos objetos de uso cotidiano nos arriscaríamos a dizer que nos tornamos programadores de alguma coisa na execução de muitos atos básicos da vida, tais como esquentar um prato de comida no forno de micro- ondas (tempo? potência?), falar com a pessoa amada e distante (código da operadora? código da cidade? número do telefone? conexão por computador) ou produzir este texto (escrito em um computador…). A tecnologia incorporada à vida moderna faz muitas suposições acerca da forma como pensamos e agimos, e isso precisa ser bem entendido para que possamos alcançar bons resultados. Aí está a contribuição da Ergonomia: ajudar a entender como “funcionamos” e, principalmente, como funcionamos em situação de trabalho, de modo a poder projetar os artefatos e sistemas a partir dessas características funcionais. 9.3 A evolução da Ergonomia e a revolução cognitiva Os antigos manuais norte-americanos de Ergonomia clássica destinados aos construtores de máquinas e equipamentos abordam as informações que o operador deve perceber para realizar sua tarefa unicamente do ponto de vista da forma de apresentação
  • 4. (visual, auditiva, pictórica, – What you see is what you get etc.), ou seja, de um ponto de vista físico. A suposição (equivocada) é a de que basta que uma coisa aconteça e esteja devidamente assinalada e o operador saberá o que fazer. A vida moderna não mais comporta esse paradigma: quem já não presenciou a hilariante cena de um único aparelho de telefonia celular tocando e várias pessoas achando que era o seu? Ou os grandes acidentes industriais que continuam ocorrendo apesar dos equipamentos “ergonomicamente” projetados? A aplicação de conceitos ergonômicos se tornou intensa a partir dos estudos de aviação militar na Segunda Grande Guerra, onde os ergonomistas estavam preocupados em evitar os erros dos pilotos, cada vez mais submersos em milhares de códigos e informações codificadas. Mas igualmente não esqueçamos de que o cockpit dos engenhos militares daquela época era muitíssimo mais simplificado do que o das atuais aeronaves. Com um cockpit simplificado – o que supõe uma pilotagem restrita a umas poucas funções – infere-se que as questões cognitivas mobilizadas seriam de menor expressão e, consequentemente, requerendo uma cognição simplificada. Sem dúvida alguma, esse comentário não se aplica aos engenhos de guerra atuais, alguns dos quais prescindem até de contato visual. Da aviação militar, o bastão foi passado aos ergonomistas envolvidos na concepção de salas de controle de processos químicos (instalações químicas, refinarias, produção energética, termonuclear), sistemas de controle de tráfego aéreo que requerem das pessoas atividades cognitivas cada vez mais complexas. Nos casos clássicos de correção ergonômica de situações de trabalho, nos contentávamos com uma adequação higiênica do posto de trabalho – ambiente bem ajustado – boa forma de apresentação de informações por meio de mostradores, e disposição correta dos controles, manivelas, teclados, e manoplas de forma que os operadores pudessem visualizá-los corretamente e acioná-los sem constrangimentos posturais. Essas situações foram as mais estudadas em Ergonomia em seus primórdios e continuam sendo essenciais. O engajamento do corpo no trabalho é e continua sendo um aspecto tão visível, observável e quantificável, quanto penoso, dramático e, em alguns momentos, de aspecto revoltante. Tudo isso, porém, não basta, e essa é a razão da Ergonomia ter assumido de forma irreversível o campo da cognição, baseando suas recomendações em modelagens do pensamento humano (operacional, operatório e operativo).1 É redundante dizer que a cognição está presente em toda e qualquer atividade humana, seja em quebrar uma
  • 5. parede, fritar um ovo ou controlar um refino de petróleo, mas é bem menos evidente a constatação e aceitação da existência de problemas cognitivos no mundo do trabalho. A verdade é que a dimensão cognitiva se tornou um elemento central na compreensão da atividade de trabalho de homens e mulheres, jovens e idosos, novatos e veteranos. 9.4 A Ergonomia Cognitiva em sistemas complexos A base material da produção moderna se compõe de um espectro amplo, desde a manutenção de formas arcaicas e absurdas, como o posto de trabalho da caixa em muitas das padarias de bairro, local onde a pessoa sequer pode abrir os braços, até o surgimento de postos de trabalho em ambientes sofisticados, as salas de controle, o arquétipo e o constructo dessa modernidade,2 que visam operar e controlar sistemas complexos que lidam com enormes quantidades de operações, massa e energia. Isso significa dizer que, do ponto de vista cognitivo, aos problemas clássicos existentes se adicionaram aos problemas contemporâneos de instrumentação, controle, supervisão, cooperação, coordenação necessários ao funcionamento desses sistemas. Mais trabalho para o ergonomista, que vem a ser o profissional engajado no aporte de soluções que garantam a eficácia sem prejuízo do bem-estar do operador. A necessidade de Ergonomia Cognitiva se tornou ainda mais intensa e crucial. Sendo o ergonomista um agente de mudanças na empresa, o que requer propostas de transformação, ele precisa compreender a importância dos atos de pensamento do trabalhador na consecução de sua atividade. Com isso, apreendemos que os trabalhadores não são meros executantes de tarefas, mas sim pessoas capazes de detectar sinais e indícios importantes, são operadores competentes e organizados entre si para trabalhar. E que é nesse contexto complexo que falhas ou acidentes podem acontecer, falhas estas que muitas vezes e de forma açodada são atribuídas a “erros humanos”. Errar é humano! Mas… de quem é o erro? Que erro é esse? Como é que se produziu e como evitá-lo? Eliminar a pessoa que o cometeu irá resolver o problema da segurança do sistema? E mais: se pessoas podem “errar”, como conceber sistemas resilientes3 que possam conviver com erros sem prejudicar as pessoas, as instalações e o negócio? São questões para as quais a Ergonomia Cognitiva busca produzir respostas tecnológicas e gerenciais precisas, por meio do desenvolvimento de sistemas que se fundamentam em três premissas básicas:
  • 6. 1) Premissa técnica, a partir da rejeição do absurdo que é projetar um sistema de produção a custos vultosos onde as decisões operacionais estejam na dependência de operadores colocados diante de um quadro complexo, diante do qual não eles têm nem a autonomia, nem os elementos necessários para tomar decisões, isto é, encontram-se num contexto de elevada solicitação e carga de trabalho acima de suas capacidades e para além de suas limitações. Tão mais complexo e perigoso seja o sistema, tanto mais o sistema de trabalho precisa ser concebido de modo a permitir que os operadores possam tomar boas decisões nos bons momentos. Essa aptidão deve estar nas pessoas (formação), nos sistemas (tecnologia), mas, sobretudo, nas interfaces entre uns e outros (Ergonomia, organização do sistema de trabalho), materializadas no projeto do sistema; 2) Premissa ética,4 de que os trabalhadores nem se caracterizem como insanos suicidas capazes de realizar atos absurdos que lhes custem a própria integridade física, mental e espiritual e tampouco como sórdidos sabotadores dos engenhos físicos e sociais que constituem uma dada tecnologia de produção, que lhes custe o emprego e os meios de sobrevivência digna; 3) Premissa moral, a crença de que as pessoas tentam cumprir seu contrato de trabalho nas situações de trabalho em que se encontram e, exatamente por isso, cabe aos projetistas e gestores da organização assegurar uma situação de trabalho correta, ou seja, confortável, segura e bem estruturada. 9.5 Modelos em Ergonomia Cognitiva Em Ergonomia Cognitiva estaremos modelando o raciocínio no trabalho, ou seja, desde a esquematização do ambiente perceptivo do trabalhador até a construção de uma imagem teórica da atividade cognitiva. A seguir apresentaremos alguns exemplos dos dois tipos modelos que têm sido usados por praticantes da Ergonomia Cognitiva: modelos baseados no funcionamento cognitivo das pessoas e modelos baseados na cognição em situação de trabalho. 9.5.1 Modelos lineares5 de percepção e interpretação A Figura 9.1 apresenta um modelo que esquematiza o processo cognitivo dos seres humanos. Segundo esse modelo, o ser humano transforma as informações de
  • 7. natureza física percebidas pelos sentidos em informações de natureza simbólica armazenadas na memória e a partir dessas, em ações sobre os artefatos. Esse modelo utiliza a metáfora do funcionamento dos computadores digitais para explicar o processamento da informação pelos seres humanos, ou seja, foca o conjunto das condições estruturais e funcionais mínimas que permitem perceber, representar, recuperar e usar a informação do ambiente. Figura 9.1 Processo perceptivo, cognitivo e motor Fonte: Gagné (1985). Card, Moran e Newell (1983) propuseram um modelo de processador humano segundo o qual a pessoa dispõe de processadores perceptivos, cognitivos e motores em interação com as memórias em longo prazo e as operativas (Figura 9.2). Figura 9.2 O modelo de processador humano Fonte: Card, Moran e Newell (1983). Os processadores têm capacidade de resposta numa faixa de 50 a 90 m/seg, o tempo de deslocamento de um cursor na tela do micro, de uma lembrança ou de um
  • 8. gesto reflexo. As memórias de curto e longo prazos são hierarquizadas e feitas distinções nas memórias operativas em memórias sensoriais (visuais, acústicas, táteis, olfativas, gustativas) e as demais memorizações em curto prazo (um movimento do braço ou da perna, um passo de dança…). Já as memórias em longo prazo se subdividem em memórias semânticas (de significados), episódicas (de momentos e passagens da vida), declarativas (capazes de repetir uma definição de Ergonomia) e procedurais (capazes de reproduzir um procedimento). 9.5.2 Modelos complexos situados Além de modelos que tratam do funcionamento cognitivo das pessoas, como os descritos acima, a Ergonomia Cognitiva possui modelagens sobre o funcionamento das pessoas nos sistemas de trabalho, como o modelo de regulação e compensação que será descrito a seguir. O modelo de regulação e compensação se constitui em um dos modelos mais elementares usados na Ergonomia Cognitiva, e é oriundo da Análise da Atividade (Vidal; Carvalho, 2008). De um modo geral, Regulações são as ações corretivas que as pessoas realizam para tentar manter sob controle o sistema no qual estão trabalhando. A regulação na modelagem proposta na Figura 9.3 é metaforizada como um iceberg compósito, no sentido de que um sistema complexo necessita de diversos tipos de regulação para que ele seja mantido sob controle. Esses diversos tipos de regulação se compõem de elementos distintos, portanto, diferenciáveis, e que engendram processos autônomos não necessariamente em oposição ou conflito, mas uma composição em fases. Assim, em certos casos, teremos de trabalhar bastante o lado regulamentar e os encargos de cada tarefa ou procedimento para compreendermos os processos formalizados de regulação e, em outros, pesquisar a atividade de trabalho de forma cuidadosa para colocar em evidência elementos da regulação estrutural. A Figura 9.3 ilustra essas diversas formas de regulação que podem ser de duas naturezas: formais e estruturais. As regulações formais são as possibilidades de correção previstas desde a concepção do sistema para lidar com as perturbações que os projetistas do sistema puderam antecipar. Exemplos de regulações formais são as antecipações realizadas por meio de cálculo de tendências, procedimentos para lidar com acidentes, rotas de fuga para evacuação de instalações, auditorias internas e externas etc. Essas regulações estão
  • 9. inseridas no escopo do funcionamento nominal do sistema e requerem um primeiro nível de análise, a análise da tarefa. Já os componentes da regulação estrutural aparecem na análise da atividade de trabalho em decorrência das adaptações ad hoc que as pessoas fazem para lidar com as variabilidades externas e internas ao sistema. Figura 9.3 Formas de regulação em sistemas Fonte: Vidal (1997). Regulações formais. A Figura 9.3 apresenta cinco formas de regulações formais concebidas no momento do projeto do sistema de trabalho: por coordenação, por controle de recepção, por inspeção sistemática, por retroação negativa (feedback) e por redundâncias. Uma regulação por coordenação geralmente ocorre por uma sucessão de comunicações formais, seguindo um fluxo hierárquico, até que estas atinjam o responsável de uma operação, que atuará sobre alguns comandos para o retorno do sistema à normalidade. Essas regulações são mais frequentes em sistemas fortemente hierarquizados e que lidam com funções de segurança, como transporte aéreo, usinas nucleares, refinarias de petróleo etc. As regulações por inspeção sistemática se estabelecem como rotinas que visam a identificação de disfunções ativas. Elas podem ser inspeções de campo para checar o bom andamento dos processos. As regulações por controle de recepção são muito comuns no domínio das comunicações críticas. Nesses casos, um agente buscará certificar-se de que sua mensagem foi bem recebida por seu interlocutor. Na aviação, esse procedimento é comum: o piloto deverá repetir a instrução transmitida pela torre de controle e
  • 10. comunicar a ação correspondente que deve ser executada. As regulações por retroação negativa (feedback) acontecem quando o resultado de uma ação, conversa ou acordo retorna a um dos agentes. O exemplo mais simples é o recibo de uma compra, entendido como o feedback do pagamento. Essa regulação formal somente é possível em casos onde um processamento desconforme pode ser percebido, e assimilado ou rejeitado. Por outro lado, a regulação formal tem como pressupostos estados binários e lineares dos componentes do sistema: qualquer situação nebulosa na qual não existam parâmetros bem definidos para a tomada de decisão, falseia as hipóteses de controle paramétrico e o sistema de controle acusa uma não conformidade. As redundâncias são um recurso amplamente empregado para melhorar a confiabilidade de sistemas, por meio de construções de estruturas que executam as mesmas funções em paralelo (se una falhar, a outra pode manter o sistema funcionando). Regulações estruturais. As regulações estruturais têm como principal objetivo manter o funcionamento do sistema mesmo que ocorram perturbações não previstas, mesmo quando a própria estrutura interna do sistema tenha sido modificada, ou ainda visando a modificar a estrutura do sistema para mantê-lo funcionando (é nesse sentido que se chamam de estruturais). Tais formas de regulação têm um caráter oportunista em face dos contextos em que surgem (situações não previstas, emergência) e por isso mesmo decorrem de uma antecipação, do desdobramento de disfunções nem sempre previstas ou inscritas nos cálculos de tendências. As regulações estruturais se constituem no principal resultado da análise ergonômica da atividade no plano cognitivo. A rigor, podemos dizer que é impossível evidenciá-las por outra forma, em que pesem os avanços da simulação como metodologia de estudos cognitivos. As regulações estruturais se diferenciam quanto ao conteúdo em: • regulações vicariantes6 e de registro compensatório; • cooperação e repartição dinâmica (mutual); • compartilhamento e distribuição tática (sharing). As regulações vicariantes, (Figura 9.4), ocorrem quando existe o emprego de algum caminho alternativo para recuperar, corrigir ou compensar imprevistos. Uma aplicação desse conceito em análise do trabalho é a variação de modo operatório na atividade de um operador, que pode significar uma regulação estrutural em ocorrência naquele momento. Essa regulação será vicariante se implicar na realização de atividades
  • 11. colaterais, atalhos para resolver problemas, conforme esquematizado na Figura 9.4. Figura 9.4 Regulações por atividades vicariantes Fonte: Vidal M.C. (1997) Legenda: OP i = Operação em modo normal; Inc i = Incidente ocorrendo em modo normal; Recup i = ATOs ou tentativas de recuperação do incidente imediatamente anterior. À esquerda, um caso simples: incidente, recuperação e resgate de normalidade. À direita, um caso complicado: encadeamento de incidentes sucessivos. As regulações cooperantes ocorrem quando um componente do sistema vem acrescentar seus recursos a outro em pane ou dificuldade. O uso dessas regulações ocorre em praticamente todas as atividades de trabalho coletivas, quando um trabalhador percebe que pode cooperar, ou recebe um pedido de cooperação de outro trabalhador. As aplicações em Ergonomia são muitas e diversos estudos sobre os mecanismos cooperativos estão disponíveis na literatura (ver Vidal et al., 2009). Um exemplo concreto de regulação cooperante nos é dado pelo modelo de atividade coletiva na construção civil (Vidal, 1985). Regulações por compartilhamentos são recursos largamente empregados quando lidamos com sistemas informatizados. Em termos cognitivos, significam a distribuição de recursos entre vários agentes do sistema e sua recuperação/integração em situações de disfunção. Geralmente as informações necessárias para realizar uma tarefa são armazenadas sob diferentes formas para que sempre possam ser consultadas. Um exemplo corrente em um escritório é a ligação para um colega para solicitar um telefone, ou uma posição de caixa, que é conferida com os registros e os dados disponíveis na rede da empresa. Uma recomendação decorrente da constatação da existência de regulações por compartilhamentos é a recomendação formal de gravar dados em mais de um lugar e sob mais de uma forma, para evitar perdas.
  • 12. 9.6 Conclusão Neste capítulo nos propusemos a apresentar do modo mais simples possível, os conceitos básicos, teorias e modelos da Ergonomia Cognitiva. Concluímos o capítulo apresentando algumas aplicações da Ergonomia Cognitiva. 9.6.1 Ergonomia Cognitiva no projeto de sistemas Tradicionalmente, o objetivo preliminar de um projeto que envolve pessoas/tecnologia/organização é a interação direta com, ou o uso de, determinados artefatos. Essa abordagem vem do paradigma da cognição não situada e segue o ponto de vista estrutural/analítico da engenharia de sistemas tradicional que procura separar os sistemas nos termos de suas partes e nas conexões entre elas. Contudo, essa abordagem tem pelo menos dois problemas fundamentais no projeto de sistemas complexos. O primeiro é que considera ser possível decompor um sistema complexo projetando cada parte separadamente, assumindo como premissa básica que a reunião dessas partes ao término do projeto irá determinar o seu modo de funcionamento, o que, segundo o ponto de vista da teoria dos sistemas complexos, não é possível. O segundo problema, decorrente do primeiro, é que a abordagem se concentra em como os artefatos deveriam ser usados, a partir do pressuposto de que tarefa e atividade seriam a mesma coisa e, consequentemente, prestando pouquíssima atenção às regulações, ao planejamento e organização da atividade de trabalho, aos mecanismos cooperativos postos em prática, enfim, à transformação da atividade de trabalho em face das restrições e variabilidades do contexto, o que, na maioria dos casos é um pré-requisito para o uso apropriado desses artefatos. Isto é, a abordagem tradicional da engenharia não abre espaço para que se possa, pelo menos, tentar entender como o sistema vai funcionar. Assim, o projeto de sistemas sem considerar o paradigma situado da Ergonomia Cognitiva ignora o fato de que o uso de um artefato e o seu funcionamento eficiente e seguro envolve a cognição e a organização do trabalho tanto – ou até mesmo mais – quanto os artefatos tecnológicos, como, por exemplo, a interface homem/máquina. 9.6.2 Ergonomia Cognitiva tornando o trabalho mais fácil
  • 13. O projeto de sistemas de trabalho foi concebido segundo os preceitos da “Organização Científica do Trabalho” de Taylor, cujo objetivo era melhorar a eficiência do trabalho físico. Os objetivos da Ergonomia clássica têm sido de uma natureza bastante tangível, por exemplo, como reduzir acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, como melhorar a qualidade do trabalho, ou como reduzir o absenteísmo. Mais recentemente, a usabilidade de interfaces foi considerada uma ponte essencial a ser construída para encurtar a distância entre o humano e o computador (Nielsen, 1993). Considerando que a Ergonomia Cognitiva, em sua abordagem situada, trata do funcionamento/controle dos sistemas que envolvem tecnologia, pessoas e organização, duas perspectivas emergem. Uma está ligada a tornar o trabalho mais fácil, no sentido de permitir que as pessoas envolvidas compreendam o que está acontecendo e possam agir de modo a controlar o sistema. A segunda está ligada a como tornar o trabalho mais seguro, no sentido de minimizar as possibilidades de saídas inesperadas, assim como minimizar os efeitos ou consequências dessas saídas. Como exemplo de como facilitar o trabalho, apresentamos o caso do projeto de interfaces e da interação homem-computador. Nesse contexto, facilitar o trabalho significa fazer com que seja mais fácil para os usuários entender e utilizar o sistema, proporcionado ao usuário a possibilidade de realizar transformações positivas na sua atividade cognitiva de trabalho. De modo geral, algumas perspectivas básicas devem ser consideradas: • Um bom projeto da interface. Observar os princípios básicos da Ergonomia e engenharia de fatores humanos (aspectos como visão, percepção, atenção etc.) no que diz respeito à apresentação da informação e na ação (controle) sobre a interface. É importante notar que mesmo sendo um princípio básico, há diversos estudos em diferentes contextos industriais, indicando que esses princípios não têm sido aplicados (Carvalho et al., 2007). • Simplicidade de funcionamento. Ao tentar usar uma interface computadorizada, a regra mais importante talvez seja: o que você vê é o que você faz. Ou seja, as pessoas tendem a seguir os aspectos que conseguem perceber na tela, ou seja, a funcionalidade não percebida, obscura ou mascarada provavelmente não será usada. Como consequência, torna-se fundamental evitar conflitos entre a funcionalidade percebida na tela e a funcionalidade real do sistema. • Indique claramente o estado operacional do sistema. Esse é um princípio que é frequentemente violado, principalmente quando a automação entra em jogo. É crucial
  • 14. para o uso da automação e dos sistemas que têm modalidades múltiplas de funcionamento, que o modo corrente de funcionamento seja indicado e percebido pelos operadores. Falhas nesse aspecto contribuíram para diversos acidentes e continuam contribuindo, como pudemos observar no recente acidente de pouso no Aeroporto de Congonhas, São Paulo, onde os pilotos não conseguiram saber qual o modo de operação adotado pelo sistema de controle do Airbus A320 no momento da aterrissagem. • Instruções claras e precisas. As instruções podem ser explícitas, como no caso dos procedimentos operacionais (regras SE-ENTÃO) ou implícitas como no caso da maioria das interfaces computadorizadas. As instruções contidas nesses procedimentos ou regras implícitas podem ser muito úteis se forem precisas, porém, mais frequentemente do se desejaria, uma combinação inadequada entre as instruções, o artefato e o contexto da operação cria complicações desnecessárias (Carvalho; Vidal; Santos, 2005 e 2006). 9.6.3 Ergonomia Cognitiva tornando o trabalho mais seguro Tornar o trabalho mais seguro compreende três dimensões: prevenção, tolerância e proteção. Inicialmente podemos tornar o trabalho mais seguro diminuindo a possibilidade de que as falhas ocorram e, se possível, eliminando as oportunidades para a falha, ou para que as tarefas sejam feitas incorretamente. Isso pode ser feito diretamente, concebendo artefatos (barreiras físicas) que impossibilitem fazer coisas erradamente, ou indiretamente, por meio do projeto de restrições cognitivas que tornem o trabalho mais difícil se ele for feito de modo inadequado, ou sistemas de ajuda que facilitem o trabalho quando ele for feito na direção da segurança. Numa segunda dimensão, os sistemas devem ser robustos o suficiente para tolerar a ocorrência de falhas e erros, permitindo ações corretivas antes que acidentes mais graves ocorram. A Ergonomia Cognitiva pode ser usada para desenvolver sistemas de suporte a operação que permitam aos agentes perceber que erros ou falhas podem estar acontecendo. Finalmente, é preciso proteger as pessoas, tecnologia, organização e meio ambiente das consequências das falhas, quando acidentes acontecerem. Em Ergonomia Cognitiva, como em qualquer abordagem de segurança, a prevenção é obviamente melhor do que a cura. Cabe ao projetista identificar (imaginar)
  • 15. o que poderia dar errado, considerando as várias maneiras nas quais o desempenho pode falhar. Do ponto de vista da atividade cognitiva, as ações podem dar errado no que diz respeito a: temporalidade (muito cedo, muito tarde, tudo junto); duração (muito longo, muito curto); velocidade (muito rápido, muito lento); sentido, posição (muito distante, muito perto, sentido errado); valor (muito grande, muito pequeno); força (muita força, pouca força); sequência (omissão, saltos); tipo (tipo incorreto de ação); objeto (objeto errado); posição (o objeto está no lugar errado). Saber antecipadamente o que pode dar errado é fundamental para o projeto de sistemas que lidam com tecnologias perigosas. A Ergonomia Cognitiva pode ajudar nesse processo de busca do que pode acontecer, desenvolvendo perguntas relacionadas sobre como uma ação ou atividade cognitiva pode falhar no que diz respeito ao sincronismo, à duração, velocidade etc., numa maneira análoga ao que é feito para uma análise do risco dos sistemas técnicos. Na engenharia, diversos métodos foram desenvolvidos para identificar os riscos das falhas tecnológicas, como árvores de falha, árvores de evento, análise de barreiras etc. Entretanto, a partir das análises dos catastróficos acidentes em sistemas industriais no final do século passado, que apontaram para fatores causais humanos e organizacionais, esses métodos têm sido modificados para considerar também falhas atribuídas às ações humanas e até mesmo a questões organizacionais (Wreathfall, 2004). Infelizmente, saber que algo pode dar errado não é o mesmo que saber por que (ou como) pode dar errado. Num sistema complexo, cada modalidade de falha pode ter um número infinito de causas possíveis. Mesmo quando consideramos sistemas mais simples, como o controle remoto de um televisor ou o teclado de um celular, existe um enorme número de razões diferentes para um erro de digitação, algumas vezes erramos, na maioria das vezes acertamos; seria um problema do artefato, da pessoa, do projeto, ou da situação? Especular porque ações poderiam falhar, ou mais especificamente porque as pessoas erraram levou ao desenvolvimento das teorias sobre a gênese do erro humano, que não resolveram o problema das falhas em sistemas complexos (ver Dekker, 2005). Lembramos aqui que essas teorias foram baseadas na suposição de que os seres humanos poderiam ser descritos como os sistemas de processamento de informação, os quais às vezes poderiam falhar, configurando um ponto de vista endógeno do erro humano, com uma série de conotações projetuais, organizacionais, culturais e sociais -”humanos são a parte fraca do sistema, a culpa é das pessoas”, que deixam um enorme
  • 16. espaço para melhorias do ponto de vista da Ergonomia Cognitiva. A Ergonomia Cognitiva, que visa à compreensão da atividade cognitiva das pessoas em situação de trabalho, pretende fornecer os aportes teóricos e metodológicos para suprir essa lacuna. A atividade cognitiva de trabalho e o processo de transformação do trabalho que é construído durante essa atividade sugerem que nós não podemos compreender o que acontece (por que e como) quando as coisas dão errado sem compreender o que acontece quando as coisas dão certo. Para isso, nós necessitamos das teorias, modelos, e métodos da Ergonomia Cognitiva para a análise da atividade. Para a Ergonomia Cognitiva, tanto o desempenho correto quanto as falhas devem ser explicados nos termos de como as pessoas ajustam suas ações – criam regulações -para conseguir um balanço aceitável entre os recursos disponíveis e as demandas do sistema. 9.7 Revisão dos conceitos apresentados Neste capitulo apresentamos a necessidade da Ergonomia Cognitiva em função da evolução da Ergonomia e da complexidade das nossas organizações. A seguir apresentamos dois tipos de modelagens usadas na Ergonomia Cognitiva: modelagens lineares de percepção e interpretação baseadas no funcionamento cognitivo das pessoas, vistas como processadores de informação e modelagens complexas baseadas na situação de trabalho, isto é, nas regulações feitas pelas pessoas para lidar com as variabilidades do sistema no seu dia a dia de trabalho. Procuramos transpor a necessidade da Ergonomia Cognitiva para o plano da prática mostrando algumas aplicações e ressaltando que a prática da Ergonomia Cognitiva tem sua dificuldade relacionada ao caráter abstrato e não diretamente observável das funções cognitivas. Em outros termos, isso vai requerer do ergonomista uma capacidade de abstração, de simbolização para poder lidar com o fato de que as pessoas têm um pensamento, uma capacidade de raciocinar e tomar decisões na situação de trabalho em função das informações disponíveis no ambiente. Cabe ao ergonomista cognitivo reconceber as situações de trabalho, a partir das funções cognitivas do sistema, concebendo ferramentas de ajuda à cognição que nos levem aos céus da modernidade ao invés de nos atirar no inferno tecnológico, como parece estar acontecendo… 9.8 Página escolar
  • 17. Questões 1) Defina Ergonomia Cognitiva de forma simples e intuitiva para um adolescente. 2) Que motivações sociais e filosóficas existem para justificar a preocupação com o campo cognitivo da Ergonomia? 3) Como a Ergonomia pode tornar o trabalho mais fácil? E mais seguro? 4) Descrever uma atividade do cotidiano, aplicando os conceitos e modelos apresentados. Por exemplo: escolher um horário de voo; gravar uma fita para escutar no carro; programar o vídeo para gravar um programa de televisão; enviar um e-mail etc. (sugira uma!). Em cada atividade escolhida o aluno deverá descrever a sequência de ações e assinalar seus conteúdos cognitivos. 5) A partir de sua experiência na utilização de ferramentas computacionais (Word, Explorer, PowerPoint etc.), indique como a Ergonomia Cognitiva pode ser usada na melhoria dos auxílios das tarefas disponibilizadas por essas ferramentas. 6) Apresente exemplos concretos para cada um dos tipos de regulação apresentados na Figura 9.3. Referências 1. Carvalho PVR, Vidal M, Santos IL. Safety implications of some cultural and cognitive issues in nuclear power plant operation. Applied Ergonomics,. 2006;37(2):211–223. 2. Carvalho PVR, Vidal M, Santos IL. Nuclear power plant shift supervisor’s decision-making during micro incidents. International Journal of Industrial Ergonomics,. 2005;35(7):619–644. 3. Carvalho PVR, et al. Human factors approach for evaluation and redesign of human-system interfaces of a nuclear power plant simulator. Displays, 2007;(n. 29):273–284. 4. Card S, Moran T, Newell A. The psychology of human computer interaction. Hillsdale: Lawrence Erlbaum; 1983. 5. Dekker S. Ten questions about human error. Hillsdale: Lawrence Erlbaum;
  • 18. 2005. 6. Gagné R. The conditions of learning and the theory of instruction. New York: Holt, Rine-hart & Winston; 1985. 7. Vidal MC. Abordagem antropotecnológica na Prevenção de acidentes Anais do V Congresso Latino-Americano de Ergonomia. Florianópolis: ABERGO; 1997. 8. VIDAL, M. C. Le travail des maçons en France et au Brésil: sources et gestion des différences et des variations. 1985. Tese (Doutorado em Engenharia) – Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), Paris. 9. Vidal MC, Carvalho PVR. Ergonomia cognitiva. Rio de Janeiro: EVC; 2008. 10. Vidal MC, et al. Collective work and resilience of complex systems. Journal of Loss Prevention in the Process Industries, 2009;(n. 22):537–548. 11. Woods DD. Essential characteristics of resilience for organizations. In: Hollnagel E, Woods DD, Leveson N, eds. Resilience engineering: concepts and precepts.