É preciso ensinar análise sintática_ – Conversa de Português.pdf
LIÇAO 2 10 MANDAMENTOS
1. EPARTAMENTODE LETRAS SOLETRAS,AnoIV,N° 08. São Gonçalo:UERJ, jul./dez.200476
VERBOSLEVES OBSERVAÇÕESSOBREO PORTUGUÊS DO BRASIL3 Nataniel dosSantosGomes
(UFRJ,UNISUAM) INTRODUÇÃOO presente trabalhotemaintençãode trazeruma reflexão
para os estudantesdoCursode Letras,que simpatizaramcomos pressupostosteóricosda
Gramática Gerativa,sobre ostiposde conhecimentoque sãonecessáriosparaa sua formação.
Este trabalhoirá não só descrevercertosfatoslingüísticos,mastambémtentarexplicá-los
atravésde uma teoriaque valorizaoconhecimentolingüísticointernalizadopelofalante.
Acreditamosque paraos estudantesdoCursode Letras,sobretudoparaaquelesinteressados
emLingüística,se faz necessárioconheceraanálise de certosfenômenosgramaticais,que tem
como base a abordagemgerativa.Um conceitoimportante dagramáticaé o da predicação,
que se constituína atribuiçãode propriedadesapessoasoucoisas.Todopredicadoconsiste de
scripts,onde atuamcertos participantes.Esses participantessãoosargumentosdopredicado
aos quaisse atribui umpapel semântico/temático.SegundoCançado,2003: 95, os papéis
temáticossãodefinidoscomo“umgrupo de papéisatribuídosaum determinadoargumentoa
partir dosacarretamentos,estabelecidosportodaa proposiçãoemque esse argumento
encontra-se”.Algunsverbosselecionamsemanticamenteosseusargumentos,aopassoque
outrosnão. Estesúltimossãochamadosverboslevese serãootemadestaapresentação.Tais
verbosadquiremsignificaçõesdistintas,dependendodasconfiguraçõessintáticasemque
ocorrem.3 Textoresultante dotrabalhoapresentadono2° CongressodaPós-Graduaçãoem
Língua PortuguesadaUERJ – São Gonçalo,no dia 18 de outubrode 2004, sob o tí- tulode
“Observaçõessobre osverboslevesdoportuguês”FACULDADEDE FORMAÇÃODE
PROFESSORES(SUPLEMENTO) 77 Uma questãoaser levantadaé se este tipode verbotem
diversasentradaslexicais,cadaumadelasexpressandoumarealizaçãosemânticadiferente,ou
se ele temapenasuma entradalexical comleque semânticomaisamplo.Pararespondera
estaquestão,é precisobuscaruma explicaçãoformal sobre arelaçãosintaxe /léxico.Neste
artigo,veremosque osverboslevessãosemanticamente vazios,privadosde recursosde
predicaçãoe sema possibilidade de atribuirpapéistemáticosaosseusargumentos.Asfrases
com verboslevesvãoapresentarumsignificadodotododasentençaa partirdo significadode
suas partes(PARTEE1995: 313 apudVIOTTI,2003: 223). A ESTRUTURA ARGUMENTAL DOS
PREDICADOSNossaidéiaprincipal é de que agramática é um sistemaque estáinternalizado
na mente dofalante,sistemaeste contendoPrincí- piose Parâmetros,comseusvalores
fixadosque determinamaformaçãodassentençasna língua.Parece-nosóbvioque sóé
possível dominarumalínguase conhecermosasregras de formaçãodas sentenças,assim
como o seuléxico.Veremosque esteléxicodeveterváriasinformaçõesparaaformação das
sentenças.Sabersóo que significauma“palavra”nãoé o suficiente,se nãosoubermosasua
categorialexical,se é umNome,umAdjetivoouumVerbo,e asua seleçãosemântica.Sem
estasinformaçõesaconstruçãoda frase fica impossível.(1) (a) A aluna[V formou] frases
difíceisnaaula.(b) * A aluna [N formação] frases difíceisnaaula.Naconfiguração(1),o núcleo
lexical dasentençasópode serumverbo.Se o núcleoforum Nome,geraa agramaticalidade
da sentença,conforme indica(1b).Portanto,precisamossabertantoasinformações
categoriaisdaspalavrasquantoa sua estruturaargumental.DEPARTAMENTODELETRAS
SOLETRAS,AnoIV,N° 08. São Gonçalo:UERJ, jul./dez.200478 Os núcleossãochamadosde
predicadose oselementosselecionadosporestesnúcleossãochamadosde argumentos.Em
(2) o verboencontrarrelaciona Joãoe amigo,estabelecendoumarelaçãoentre eles.
Tecnicamente,chamamosesteselementosde argumentosdoverbo.Nãopodemosconstruir
uma senten- çacom este verboencontrar,porexemplo,semoselementosque vãocompletar
o seuo sentido.Emoutraspalavras,o verbocitadoselecionadoisargumentosque precisam
serpreenchidossintaticamente.(2) Joãoencontrouoamigo[nosupermercado].Observe-se
2. que o sintagmano supermercadonãofazparte da estruturaargumental doverboe por isso,
não é uma informaçãoobrigatórianasentença(daía colocação entre colchetesnoexemplo).
Trata-se de um adjuntoque fornece informaçãoadicional.Nãosóoverbo,mas também
outrosnúcleoslexicaispossuemumaestruturaargumental,conformeilustraoexemplo
abaixo:(3) [A fuga do preso].Em(3) a fugaé o núcleodoSN que pede osintagma
preposicionadodopresocomoargumento.Fugaé um Nome deverbal,ouseja,é umnome
derivadode umverbotransitivoe porisso,exige umcomplemento.Nocasode um verbo
como comer,o sujeitoagente deveterotraço [+animado].A agramaticalidade de (5) vemda
violaçãodarestriçãode seleçãosemânticadosujeito.OSN o sanduíche é [- animado] e não
satisfazasexigênciasde restriçãosemânticadoverbo.(4) O Fernandocomeuosanduíche.(5)
* O sanduíche comeuo Fernando.Oléxicoé adquiridodurantetodaa nossavida,todaviaa
no- ção de categoriassintáticasé inata.O léxicoé guardadonamemória,que iráusá-loem
conformidade comummodelode gramáticaque existe emnossamente.FACULDADEDE
FORMAÇÃODE PROFESSORES(SUPLEMENTO) 79 OS VERBOSLEVES EM PORTUGUÊS Os
chamadosverboslevessãoaquelessemanticamente vazios,que,emgeral se associamaum
elementonominal,responsável pelosignificadoprincipaldasentença.Tal estruturapode ser
consideradacomoumcompostoverbal intransitivo,segundoPoutsma(1926) (apudSCHER,
2003:205). (5) Angeladeuumaolhadano bolo.(=olhar) (6) Adrianadeuumavarridana casa.
(=varreu) (7) Ana Cristinafezcomprasnoshopping.(=comprou) (8) Marianafezbagunça na
aula.(=bagunçou) Asestruturascom verboslevespossuemasseguintescaracterísticas,de
acordo com Scher:(i) o verboprincipal é semanticamentevago;(ii) ocomplementonominal
temcomo núcleoumnome de ação, em geral deverbal,que realmente predicasobre os
eventos;(iii) háumaparáfrase entre a construçãocom verboleve seguidode umNome e um
verbosimples.A partirde (ii) podemosconcluirque oelementonominal destasconstruçõesé
responsável peladenotaçãodaeventualidade (eventos,estadose atividades) relevantesda
oração. Encontramostaiscaracterísticas emalgunsverbosdoportuguêsbrasileiro,taiscomo:
dar, levar,tomar,fazere pôr. Neste trabalho,nosfixaremosnadescriçãoe análise dosverbos
dar, fazere ter, seguindoScher(2003).Verbodar (9) Robertodeuumbeijonamãe.(10)
Humbertodeuumapauladano bandido.(11) Nataniel deuumbootno
computador.DEPARTAMENTODELETRAS SOLETRAS,AnoIV,N° 08. São Gonçalo:UERJ,
jul./dez.2004 80 (12) Esmeraldadeuumpresente aomarido.(13) Elza deua vassouraao
Murilo.(14) Ricardodeuuma varrida na casa. Comoos verboslevesnãotêmumaestrutura
argumental,elesnãopodematribuirpapel temático.De acordocom Scher,o elemento
nominal parece terumpapel muitoimportante nocomplexoformadoporele maisoverbo
leve,jáque funcionacomonúcleolexical,seguindoomodelolexicalista.Tal conclusãosurge a
partir da atribuiçãode papéistemáticosaosargumentosdocomplexo,porqueé onúcleo
nominal que temestafun- ção.Em (9) é o SN beijoque exige e dáumainterpretaçãoaoSN a
mãe.O mesmoocorre em (5) e (14). Asassociaçõestemáticassãofeitasapartir doselementos
nominaisolhadae varrida,derivadosdosrespectivosverbos,formandoumcompostono
predicado.Nosexemplos(12) e (13) ospapéistemáticossãodeterminadospeloverbodar,que
é o núcleodopredicado.Neste casodarnão atua comoverboleve,mascomoum verbolexical
regular.Aschamadas expressõesidiomáticastêmumaestruturadiferente dosverbosleves
sendo,portanto,poucoprodutivasnalíngua,com muitasrestriçõesemsuascomposições.A
significaçãonãose dá simplesmente pelauniãode significadodostermos.Naverdade,elas
não têmnada a ver com o sentidoliteral daspalavrasenvolvidas.Vejamososexemplosabaixo
extraídosde Scher(2003:209): (15) nãodar a mínimanão se importar,serindiferente (16) dar
emnada não ter conseqüências(17) dar com osburros n’águasair-se mal emalgumacoisa
(18) dar pano pra manga sermotivode comentários Osexemplosacima(15) – (18) revelam
3. que o verbodar nas construçõesdotipoleve exercemumafunçãodistintade darnas
expressõesidiomáticas.FACULDADEDEFORMAÇÃODE PROFESSORES(SUPLEMENTO) 81 Pelos
dadosaté agora observados,parece-nosque overbodarpode ter trêsusosdistintos:(i) uso
idiomático;(ii)verboleve;e (iii) verbolexical regular.VerboterOutroverbosobre oqual
gostaríamosde refletiré overboter.Ele é capaz de criar diversassentenças,que são
semanticamentediferentes.Viotti(2003: 222) noslembraque “a origemhistóricadoverboter
tinhaum sentidopróximoaode segurar,manter,sendo,portanto,umverboagentivo.”Os
exemplosabaixoilustramosusosdoverboter noPortuguêsdoBrasil:(19) Tem muitagente
na sala.(=existencial)(20) Márcia temparticipadode muitasbancasde mestrado.(usoauxiliar)
(21) Sérgiogostade teras pessoasemsuasmãos. (=manter) (22) Pedroteve doreshorríveis.
(=sentir) Parece-nosque osignificadodasentençasurge apartir dosignificado doselementos
que a compõeme de sua combinaçãosintática.Assim, osentidodasfrasesacimacom o verbo
ter é dado a partir da composiçãodeste comosoutros elementosoracionais,ouseja,o
complexoformadopossibilitaváriasinterpretações.Verbofazer Ooutroverboque pode ser
classificadocomoleve emPortuguêsé overbofazer.Vejamosalgunsexemplos:(23) Biancafez
aniversáriosemanapassada.(=aniversariou)DEPARTAMENTODELETRAS SOLETRAS,AnoIV,N°
08. São Gonçalo:UERJ, jul./dez.200482 (24) Eliane fezumvestido.(=confeccionou) (25)
Márcio fezum pratão no almoço.(=preparou) (26) Lucianafezcomprasno sábado.(=comprou)
Nosexemplosacima,podemosentender(23) comoaniversariououcompletouanos,(24)
como confeccionou,(25) comocoloc