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FREDERICO CARDIM DE PINHO FREITAS
A RELAÇÃO ENTRE ENSINO DE MÚSICA E OS CONTEXTOS SOCIAIS EM
QUE ELA SE INSERE
MONOGRAFIA DE LICENCIATURA EM MÚSICA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE MÚSICA
Orientandor: Samuel Araújo
Rio de Janeiro, 2013
1
SUMÁRIO
Introdução 03
As práticas locais do ensino de música 04
A concepção de transformação social 16
e a relação com o ensino de música
Ensino de música, escola, sociedade e formalidade 30
Industria da comunicação, produção local e ensino de música 36
Considerações finais 47
Referências Bibliográficas 48
2
INTRODUÇÃO
Não é tão difícil deparar-se com professores que não entendem porque seus
alunos não se interessam por suas aulas, assim como com alunos que são tomados pelo
desinteresse em relação a propostas de ensino e ao tipo de regras que lhes são impostas.
Meu propósito na monografia não será explicar porque isso acontece, até porque cada
caso se insere em um universo diferente, mas, sim, buscar compreender a relação entre
o ensino de música e os contextos sociais desses alunos como um viés de conexão entre
a vida dos alunos e a aula, nem sendo preciso dizer que a comunicação entre educador e
educando exige pelo menos considerar esse universo local no qual se insere tanto quem
aprende quanto quem ensina, para que o conhecimento seja produzido através de um
espiríto de parceria entre os alunos e professores. O conhecimento, quando é construído
na relação humana, rende ao professor e ao aluno o desenvolvimento de uma de tão
elaborado, não é mais matéria prima mas produto útil aos dois. Resta ao professor
entender e utilizar o valor dessa história, e este será proporcional ao valor que seu
ensino terá para seus alunos.
3
AS PRÁTICAS LOCAIS DO ENSINO DE MÚSICA.
É preciso considerar que o processo de ensino e aprendizagem, seja na música
ou em qualquer outra área, não se dá só na escola ou só na faculdade. Sempre quando
alguém aprende, alguém ou algo lhe ensinou, junto com o que a pessoa desenvolveu
diante de uma circunstância, a natureza, o tempo inteiro, nas relações sociais junto as
relações do universo, oferecem um infinito espectro de interação entre os seres humanos
e a maneira como este vai instrumentalizar um fenômeno e torna-lo útil a sua vida. As
práticas locais de ensino e aprendizagem quando incluídas na instituição de ensino
legitimam o conhecimento do estudante, aproximam o universo do aluno à escola.
É possível “desvelar práticas locais de ensino e aprendizagem musical e
a partir da análise e interpretação dessas práticas, ampliar a visão de
processos de ensino e aprendizagem musical”(ARROYO,p.8,2002).
As práticas locais de ensino são constantemente marginalizadas pelas
instituições legitimadas socialmente, ancoradas por uma concepção universalista (visão
de que a música é uma linguagem universal, compreendida por todos da mesma forma)
que vai de encontro às representações sociais construídas na comunicação e
identificação local, pois, quando essas representações não são trabalhadas e
reconstituídas no ambiente escolar fomal, não proporcionam para alunos e professores o
entendimento de suas próprias ações.
"Ao reconstituir as representações sociais, reconstitui-se sentidos de vida
e de compreensão da realidade e entende-se porque determinado grupo
social age como age"(ARROYO,p.3,2002).
4
A relação entre realidade e a difusão de crenças e valores nas relações
interpessoais de um determinado contexto social, é certamente algo que vai se
apresentar em sala de aula. Todos possuem condicionamentos sociais, esses que na
dimensão da representação são elo de comunicação e entendimento seja entre
professores e alunos, ou em qualquer relação interpessoal.
Representações sociais são pensamentos, valores, crenças, códigos criados nas relações
pessoais, com objetivo de garantir e manter a comunicação entre as pessoas de maneira
clara. São também percepções, atribuições, atitudes e expectativas adquiridas nas
relações e interações entre os sujeitos e às vezes mantidas, e quando isto acontece não
leva em conta o processo de mutação, no qual as pessoas estão inseridas. (SILVA;
LIMA; COSTA, 2009, p. 3).
O papel da representação se torna importante na medida em que ajuda a entender como
o ensino precisa dela para dar aos alunos espaço para serem protagonistas na construção
do conhecimento, visto que, quando seus saberes não são citados ou incluídos no ensino
de música se distanciam de suas realidades empobrecendo o sentido em suas vidas.
As projeções que os saberes locais alcançam, assim como o valor que ganham
ante a sociedade se relacionam com a dinâmica econômica e política global na medida
em que grandes corporações acabam promovendo uma dissolução de “identidades”
locais em alegorias vendáveis através de grandes projetos de comunicação.
O sistema de organização política e econômica mundial não mais delimita
monopólios em limites nacionais, visto que as maiores concentrações de capital estão
nas mãos de grandes coorporações multinacionais essas que espalham seus pontos de
produção em diferentes partes do globo (HARDT e NEGRI, 2000).
Na segunda metade do século XX, as corporações industriais e financeiras
multinacionais e transnacionais começaram, realmente, a estruturar territórios globais
biopoliticamente. (HARDT NEGRI, 2000, p. 30). As atividades das corporações (...)
tendem a fazer dos estados-nações meros instrumentos para medir os fluxos de
mercadorias, dinheiro e populações colocando-os em movimento (HARDT e NEGRI,
2000, p. 31).
5
A projeção e superinvestimentos na indústria da comunicação têm o intuito de
legitimar sua imagem de autoridade, promovendo a condução da opinião pública na
direção da aprovação de sua produção. Os valores agregados desses produtos estão
muito mais numa dimensão imaterial, de status, do conceito de sucesso, e outros valores
superdimensionados por seus projetos de marketing(HARDT e NEGRI,2000).
A legitimação da máquina imperial nasce, ao menos em parte, das industrias das
comunicações, ou seja, a transformação do novo modo de produção em uma máquina. É
um sujeito que produz sua própria imagem de autoridade. Está é uma forma de
legitimação que não se baseia em nada externo a si mesma, e se reinventa
incesantemente desenvolvendo suas próprias linguagens de auto-validação (HARDT e
NEGRI,2000,pág32).
Segundo os autores citados, a máquina cria seu próprio sistema de validação por
intermédio da indústria de comunicação através de constante intervenção social de
modo a regular a aceitação de sua estrutura de produção neutralizando os focos de
diferença, diferença essa que surge, por exemplo, através de uma produção local
autônoma em relação aos mecanismos de marketing da indústria.
A máquina é auto-validante, autopoiética – ou seja, sistêmica, constrói tramas sociais
que evacuam ou tornam ineficazes qualquer contradição; cria situações pelas quais
neutraliza coercivamente o diferente (HARDT e NEGRI, 2000, p. 33).
Mesmo que os focos de resistências à globalização e seu poder de
homogeneização continuem surgindo, a indústria se reinventa agregando a sua imagem
citações alegóricas e dissolvidas da produção local, e assim novamente, com o intuito de
promover a identificação de seu público alvo através de uma representação simbólica de
uma suposta “identidade”, comprometendo a fidelidade histórica dos saberes
socialmente construídos com autonomia ante a máquina.
A máquina imperial vive produzindo um contexto de equilíbrio e/ou reduzindo
complexidades, pretendendo por em prática, um projeto de cidadania universal e, por
fim, intensificando a efetividade de sua intervenção sobre cada elemento da interrelação
comunicativa, enquanto dissolve a identidade e a história em um modo completamente
pós-moderno (HARDT e NEGRI, 2009, p. 33).
6
A globalização tem efeitos diretos na opressão dos saberes locais, não
simplesmente por intermédio do avanço tecnológico, que torna a circulação da
informação algo quase banal em quase todas as partes do globo, e potencialmente
homogeneizador cultural, mas também pela maneira como se conduzem projetos de
comunicação de grandes corporações, seduzindo a opinião pública para a adesão de
ferramentas e estilos de vida que rapidamente sobem ao posto de prioridades na vida
dos consumidores em potencial. As ferramentas de tecnologia em rede passam a ser
ferramentas, também para a divulgação desses ideais, que agregam em seu corpo
estrutural hierarquizações culturais eleitas segundo critérios que servem a esses projetos
de sugestão e convencimento através do marketing. Levando em conta que a indústria
também se mantém atualizada ante as produções socioculturais, e o tempo inteiro,
reinventa alegoricamente, essas produções, que passam a se apresentar como
genealogias dissolvendo a “identidade” dos sujeitos.
Em meio a esses contextos, alguns focos de resistência começam a surgir para
fidelizar a produção local sem que sejam distorcidos pela agressividade de imposições
externas, como a pesquisa sociopoética.
A pesquisa sociopoética é um novo método de construção coletiva do conhecimento
que tem como pressupostos básicos que todos os saberes são iguais em direito e que é
possível fazer da pesquisa um acontecimento poiético (do grego poiesis = criação)
(PETIT, ano?, p.1).
Uma das bases teróricas que inspiram a sociopoética é a esquizo-análise que se procede
segundo a passagem do texto de Petit:
Próxima ao referencial institucionalista está a Esquizo-Análise, cuja crítica radical a
toda tendência homogeneizadora combina particularmente bem com a sociopoética.
Nessa perspectiva, um dos conceitos inspiradores da Esquizo-Análise é a noção de
devir. A Esquizo-Análise parte da constatação que nas nossas sociedades modernas
predomina a tendência a serializar e moldar os indivíduos, em todas as dimensões – não
somente econômica, mas também social, tecnológica, semiótica, midiática, corporal,
biológica – e esses agenciamentos maquínicos representam interferências
7
simultaneamente molares e moleculares, isto é, micro e macropolíticas pois, sendo
imanentes, não há como separá-las (PETIT, ano?, p. 9).
Trata-se de uma ferramenta que busca conceber os seres humanos como múltiplos em
sua heterogeneidade, problematizando qualquer busca pela identidade ou
homogeneizações essencialistas.
Propõe ao invés da noção redutora de identidade, o conceito de devir, que sugere a
nossa multiplicidade heterogênea. (PETIT, 2009. p. 10).
Ou seja, você é negro, mas nem por isso precisa ser do jeito como se concebem
os negros entre uma série de estigmas enraizados na sociedade, assim como os rótulos
machistas endereçados as mulheres etc. O fato é que essas tendências de produzir
rótulos socialmente legitimados muitas vezes tornam os sujeitos coagidos por uma auto-
imagem que lhes foi introjetada na dinâmica social por um intenso condicionamento ao
qual são submetidos. Não há como conhecer os valores contidos na própria origem local
sem construir um senso crítico a cerca da produção massificada que chega pela indústria
da comunicação, quando ela de fato chega (me referindo a massificação cultural).
Assim como a pesquisa sócio-poética, outras linhas de pesquisa também buscam
uma relação com os saberes locais sem a relação de pesquisador e objeto, visto que os
“objetos” de pesquisa nesse caso também estarão pesquisando a sua própria história. A
pesquisa participativa (que surgiu na ideia de proporcionar maior participação dos
nativos na pesquisa etnográfica) também procura dar voz e espaço para ação dos
sujeitos inseridos em um determinado contexto social, de forma que eles participem e
construam a pesquisa como protagonistas do trabalho.
A aposta nos processos participativos continua como condição para trilhar os caminhos
do protagonismo dos grupos oprimidos, marginalizados pelos sistemas excludentes das
sociedades, com vistas a conquistar gradativamente mais justiça social em direção a um
desenvolvimento solidário e sustentável. Continuam na sua essência (ADAMS, 2006, p.
3).
8
Segundo Cambria (2004) a pesquisa etnográfica se apresenta como um método
para tentar comprender um determinado contexto sócio-cultural da perspectiva de quem
está inserido no contexto em questão. Porém mesmo com o intuito de proporcionar mais
lastro na relação entre pesquisa e realidade social, pois muitas linhas de pesquisa
etnográfica principalmente antes da década de 80, ainda se encontravam orquestradas
pelo pesquisador acadêmico, ou seja, criava-se uma estrutura em que o nativo apenas se
pronunciava em relação a sua cultura dentro da limitação estabelecida pelo pesquisador,
o nativo não participava da estruturação da pesquisa, nem da reflexão acerca de alguns
conceitos acadêmicos, muito menos tinha espaço para discordar da forma como as
ideias eram aplicadas a sua realidade. Porém, começam a surgir na antropologia alguns
questionamentos em relação as formas como esses estudos etnográficos estavam sendo
realizados, a chamada “crítica pós-moderna” que ganha mais força entre a década de 80
e 90 com autores como Clifford Geertz, que buscam questionar a hegemonia do
pesquisador ante aos pesquisados, esses que estariam muito mais como objetos de
pesquisa do que como colaboradores na construção dessa pesquisa. Com o intuito de
legitimar e promover a participação dos nativos na construção da pesquisa surge a
“pesquisa-ação participativa”.
É justamente o reconhecimento desta posição de subalternidade ou, como diria Paulo
Freire (2000), de “opressão” que levou ao desenvolvimento de uma concepção de
pesquisa que nos interessa discutir, a chamada “Pesquisa Ação Participativa” (ou
participante)(CAMBRIA, 2004, p. 3).
No processo de implementação desse tipo estrutura de pesquisa alguns problemas
começam a surgir, como por exemplo, a relação entre o pesquisador e o sujeito inserido
no contexto X. O pesquisador nada interfere? Apenas se une aos propósitos dos nativos?
É importante a postura sincera de não negar as diferenças culturais mesmo quando se
busca crescer com o conhecimento de outras culturas.
9
“[… ] na síntese cultural”, escreveu este autor, “se resolve – e somente nela – a
contradição entre a visão do mundo da liderança [o pesquisador] e do povo, com o
enriquecimento de ambos. A síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão e
outra, pelo contrário, se funda nelas. O que ela nega é a invasão de uma pela outra. O
que ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá à outra” (FREIRE apud CAMBRIA
2000, p. 181).
O processo que busca legitimar os saberes locais na pesquisa e no ensino e de música
ainda caminha lentamente mas muito já foi feito nessa direção, de fato ainda quando se
pensa nesse concepção de pesquisa, construida e aplicada ao ensino, é comum a
associação com algo extra-acadêmico ou extra-excolar. Pela separação teria e prática,
pesquisa acadêmica ou aplicada, assim como pesquisa ou ensino.
A separação entre “teoria” e “prática” (entre pesquisa “acadêmica” e “aplicada”) que
hoje somos acostumados a pensar no âmbito das ciências sociais e humanas, em boa
parte, é conseqüência da institucionalização e delimitação das disciplinas acadêmicas e
de seus métodos e formas de produção intelectual (CAMBRIA, 2004, p. 2).
Assim como a noção de teoria e prática expõe dicotomias no campo da pesquisa
etnomusicológica as noções de igual e diferente podem ser problematizadas. Muito do
que foi desenvolvido na pesquisa etnomusicológica participativa, partia da noção de
diferença e sua associação com algo positivo, porém esta mesma noção ocultava
relações de poder e suas correspondentes assimetrias, de maneira a homogeneizar e
categorizar o “outro”. Porém Cambria, em um artigo da revista Música e cultura,
problematiza o modo como a diferença foi entendida na pesquisa etnomusicológica, e
quais os novas tendências dessa mesma pesquisa. É dessa problemática que se
desenvolverá esse artigo, mostrando como a etnomusicologia desenhava sua perspectiva
de pesquisa na noção do “outro” como o exótico e que acabava por construir dicotomias
e reforçando estigmas.
Várias dicotomias, centrais em etapas passadas da história intelectual de nosso campo
(mas que, muitas vezes, temos tomado emprestadas de outras áreas) vieram reforçar (e
confirmar) a oposição binária definidora entre “nós” e o “outro”: civilizado/primitivo,
mente/corpo, cultura/natureza, ciência/magia, escrita/oralidade, lógico/pré-lógico,
urbano/rural, ocidental/não ocidental, modernidade/tradição, formal/informal,
familiar/exótico e assim por diante(CAMBRIA, p.2, 2008).
10
Cambria explica que a nova tendência etnomusicológica nas pesquisas aponta para uma
ressignificação da diferença de modo que está não mais significa simplesmente a
diferença entre o pesquisador e o outro, isto é, não mais como se todos os “diferentes”
“exóticos” estivessem categorizados em um mesmo nível de “sistemas” e “estruturas”.
Se, no passado, nossos predecessores tentaram compreendê-las como “estruturas” e
“sistemas” coerentes, isto é, como todos homogêneos (dessa forma, eles falavam sobre
“os” Balineses, “os” Nuer etc.), hoje, tendo consciência das diferenças internas que elas
apresentam em todos seus níveis, preferimos analisar como são relacionalmente
“construídas” e/ou “imaginadas”(CAMBRIA, p.3,2008).
A identidade passa a ser agora mais estudada pela etnomusicologia entendendo-a em
sua dimensão de construção social e processos relacionais(cambria, 2008).
Ao longo do artigo explica como as pesquisas etnomusicológicas se pautavam na
diferença como algo positivo, mas que hoje já se percebe uma necessidade de entende-la
sob uma perspectiva que leve em conta as assimetrias de poder, que tende a taxar em
um nível homogêneo o “outro”.
Se no passado temos buscado a diferença como algo fundamentalmente positivo em si,
como uma riqueza (“diversidade”) a ser descoberta, representada e explicada, hoje
temos cada vez mais a consciência de que, muitas vezes, essas mesmas diferenças são
vinculadas a, quando não resultantes de, relações assimétricas de poder
(“desigualdade”), em vários níveis, desde a dimensão local até aquela global, e que seus
discursos e performances estão envolvidos nas lutas simbólicas para a legitimação ou a
contestação de várias formas de hegemonia(CAMBRIA, p.12,2008).
Um bom exemplo de integração entre pesquisa e ensino de música, de modo que leve
aos nativos a possibilidade de participarem ativamente do processo de construção da
pesquisa em discursos que verdadeiramente sejam leais ao saberes locais descritos pelos
próprios nativos, de maneira a refletir sobre as assimetrias de poder contidos na noção
de diferença, e nos processos relacionais e construções sociais que irão pautar o
conceito de identidade, em parceria com pesquisadores não-nativos, é o grupo
Musicultura, um projeto na Maré cujo objetivo é pesquisar e estudar manifestações
musicais da Maré, uma autopesquisa.
11
O pesquisador Alexandre Dias, em um artigo da ENABET, faz um levantamento
topográfico no bairro da Maré se atendo aos discursos subjacentes contidos no propósito
de projetos, que funcionam na região, que em grande parte dos casos, mostrou em sua
pesquisa, objetivam, através de atividades artístico-musicais, reforçar identidades (de
maneira estigmatizada), recuperar autoestima, construir cidadania, e retirar pessoas da
criminalidade, medidas efetivadas através do chamado terceiro setor, composto por
ONG´s (a pesquisa se atém ao caso das ONG´s), Associações comunitárias, Sindicatos,
e até igrejas, que ante a intensificação de conflitos de classe se transformam em
mecanismos de cooptação e controle social. (DIAS,2011).
É possível, no presente artigo, observar o quanto as ações da mídia e a
institucionalização de ações por intermédio do terceiro setor servem a um ideal de
apaziguar a iminência de conflitos entre favela e “cidade”, levando em conta como a
favela é colocada como um problema a ser solucionado por ações destinadas a
regulação do estado. O terceiro setor seria uma alusão a sociedade organizada de
maneira a unir interesses e investimentos da iniciativa privada e estatal, visto que das
duas partes existe o desejo de responder a demandas sociais mais urgentes(DIAS, 2011).
No caso da mídia, os discursos insuflados com intensidade por intermédio de veículos
de grande projeção e cooptação da opinião pública, se apresentam como instrumentos
que intensificam os estigmas a respeito de algumas localidades, e tornando os próprios
moradores, convencidos de sua periculosidade, ou de sua condição nociva ao bem estar
da cidade, ou como um problema para a cidade. A auto pesquisa, passa a ser então uma
forma de conhecer melhor sua própria realidade, atento as disparidades impostas nas
relações de poder e reforçadas por mecanismos da mídia. Fazer música para manter a
mente ocupada, ante a iminência de virar um traficante? Ou se conhecer no contexto-
social em que se está inserido, para transformar a ideia que se tem de si mesmo, e
12
descobrir uma realidade que se torna até difícil de enxergar quando não se está atento
aos mecanismos de controle da opinião pública projetados pela mídia, que conceitua a
favela como sinônimo de perigo?
Para Cecília Maria Bouças Coimbra (1998), as ações da mídia em geral constroem a
“estrita e definitiva relação entre pobreza e classes perigosas”, na qual o morador de
favela é quase que “determinantemente propenso à vida do crime”. Esse determinismo
geográfico, fortalecido e apropriado por boa parte da mídia, torna ainda mais difícil a
integração do favelizado nas relações sociais formais de cidadania e acesso a bens
materiais e culturais, o que acaba por justificar, de certa forma, a constante descrição do
carente, numa analogia ao “pobre-coitado” – do criminoso, numa relação com o
selvagem – e do inculto, numa identificação com o bárbaro, essas são algumas das
principais adjetivações da favela e do favelizado para o restante da cidade(DIAS apud
COIMBRA, 2011).
As iniciativas de projetos de arte que estigmatizam os moradores e seus saberes locais
na maré são bem numerosos como mostrou Dias:
Oito, num total de dezesseis organizações levantadas, oferecem oficinas ou atividades
culturais ligadas a práticas musicais. Essas oficinas possuem, em grade parte dos casos,
o objetivo de “reforçar identidades”, “recuperar a auto-estima”, “construir cidadania”
e/ou “retirar as pessoas da criminalidade(DIAS,p.31,2011).
Mas não torna menos eficaz uma abordagem etnomusicológica que faz dos nativos
protagonistas de sua própria história e realidade, como o trabalho realizado no grupo
Musicultura. Não só na maré como em qualquer outro lugar, é possível proporcionar o
espaço necessário para a construção de um ensino de música que leve em conta o
contexto sociocultural em que estão inseridos alunos e professores.
A ideia contida no ensino de música muitas vezes agrega em torno de sua aplicação a
separação entre as práticas de ensino ministradas em ambientes tradicionalmente
destinados a esse tipo de atividade de ensino, que foram moldadas ante a parâmetros de
hierarquização do conhecimento, (por exemplo, no caso dos conservatórios, traz em sua
concepção histórica ideais eurocêntricos), o que acaba gerando um distanciamento das
práticas locais de ensino na cultura popular da metodologia utilizada para ensinar
música.
13
A pesquisadora Margarete Arroyo (2000) mostra no artigo “Um olhar antropológico
sobre práticas de ensino e aprendizagem musical” a realidade de um conservatório
fundamentando no conceito de instituição como o que tem como característica analogias
naturalizantes que, no caso dos conservatórios reforçam, dicotomias esquizóides, como
mente/corpo.
Interpretei o Conservat6rio de Música como uma instituição escolar, conceitualizando
"instituição" segundo a antropóloga Mary Douglas (1998). A autora argumenta que as
instituições estão baseadas em analogias naturalizantes, que Ihes conferem legitimidade.
Considerando que a instituição Conservat6rio está fundada em analogias constitutivas
da cultura ocidental, legitimadas em oposições, tais como espiritual versus material,
esquerdo versus direito, corpo versus mente (ARROYO apud DOUGLAS,2000,p.2).
E em contraposição a instituição conservatório, analisa as práticas locais de ensino de
música presente no congado mineiro, estabelecendo como viés de análise comparativa a
noção de representação social.
As representações sociais são uma forma de saber conceitual e prático, construído e
compartilhado coletivamente a partir das interações sociais. As representações sociais
edificam a realidade, sendo compreendidas no senso comum como formas, naturalizadas
de significado. Em outras palavras, estruturadas socialmente, quando naturalizadas,
acabam por estruturar a pr6pria sociedade, ou seja, reproduzimos concepções, crenças,
valores e práticas como se elas fossem inquestionáveis, quando na verdade são resultado
da elaboração de grupos humanos, em determinadas situações
históricas(ARROYO,2000,p.2)
Usando o conceito de cultura segundo o antropólogo Clifford Gertz, que a define como
“uma teia de significados construídos nas relações sociais” (ARROYO apud
GERTZ,1989,p.15). Arroyo conclui que as representações sociais estão diretamente
relacionadas a maneira como a cultura irá se construir e se constituir em meio aos
contextos socioculturais. A prática musical passa a ser, no modo como é entendida, bem
mais do que ações ministradas por um concepção pedagógica e sim uma prática
significativa.
Quando recorro ao termo "práticas de ensino e aprendizagem musical", refiro-me ao
sentido de "pratica significativa", segundo Middleton. Assim, práticas de ensino e
14
aprendizagem de música são muito mais do que ações musicais acompanhadas dos
tradicionais elementos pedag6gicos que compõem educação escolar/acadêmica:
objetivos e conteudos. As práticas de ensino e aprendizagem musical, como
reprodutoras e produtoras de significados, conferem ao ensino e aprendizagem de
musica um papel de criador de cultura (compreendida segundo Geertz)
(ARROYO,2000,p.2).
Partindo da concepção de movimento e mudança, as dinâmicas de ensino não são
estáticas visto que se reinventam de acordo com as transformações sociais, mesmo em
se tratando do âmbito institucional impregnado de “analogias naturalizantes”, como foi
dito anteriormente que acabam por segregar dimensões de manifestação de consciência
e ações humanas, como por exemplo a separação entre espiritual e material. A mudança,
se atendo a linha de raciocínio do referido artigo, seria a integração entre a história
humana na cultura de um determinado contexto, (o que de fato alunos e professores
vivem musicalmente em seu cotidiano, e quais representações sociais fazem sentido em
suas vidas, reproduzidas e produzidas na prática de ensino) e a inserção dessas práticas,
manifestas no significado presente em suas vidas, em instituições socialmente
legitimadas. Já a permanência, seria, por exemplo a hegemonia da concepção erudita de
música ante as práticas populares de ensino, por mais que no caso de muitos
conservatórios a música popular já esteja inserida, mas se ocupa um lugar secundário
ante uma hierarquização do conhecimento, ou se seu espaço está condicionado a moldes
de entendimento eurocêntricos, a integração das práticas locais de ensino estaria
incompleta.
O estranhamento ao familiar, e familiarização com o que se apresenta como estranho as
vivências humanas torna-se exercício importante, na direção de proporcionar mais
espaço para as práticas locais do ensino de música, visto que é grande a carga de
condicionamentos culturais impregnada nos ideias de educação e civilização presentes
no ensino de música.
15
A concepção de transformação social e a
relação com a música
As escolas, são, pelo menos em potencial, locais com o poder de agregar em torno de si,
as práticas locais de ensino em sua dimensão significativa ou seja, mais do que simples
reproduções metodológicas, e sim práticas conectadas a realidade do ensino. Porém,
como cita Arroyo (2000) citada no capítulo anterior, as instituições de ensino muitas
vezes segregam a dimensão significativa do plano pedagógico presente nas aulas. Se
pautando no significado de permanência, boa parte das instituições, acabam por
naturalizar uma concepção hierárquica do conhecimento tradicionalmente instituído,
ante a realidades sociais, realidades essas que se apresentam como peças chaves no
processo de transformação pela autoconsciência da própria história e realidade social,
mas que frequentemente foram marginalizadas por sistematizações repressoras de
estruturas pedagógicas. O papel de transformação social das instituições de ensino já há
algum tempo são questionadas. Na década de 1960, começa-se a observar o papel da
escola como reprodutora de desigualdades sociais, selecionando “talentos”, projetando
nos alunos uma enorme carga de gostos, preferências e convenções sociais com base em
um julgamento tendencioso, contido nas avaliações que selecionam os que se
aproximam mais do que foi legitimado socialmente como conhecimento
(BOURDIEU,1998).
Bourdieu deixa claro que um dos mecanismos para a “separação” dos objetos (por
exemplo, em temas ou assuntos) relevantes e não relevantes a um determinado sistema
educacional ou campo cientifico, é a conivência da opinião de um determinado grupo
(social ou intelectual) sobre um tema, ou um objeto socialmente reconhecido ou não
pelos envolvidos no “julgamento”, conforme o contexto histórico em questão
(CERQUEIRA, 2008, p. 266).
16
Bourdieu também questiona o valor dado ao que ficou designado subjetivamente como
“cultura geral”, que seria um conjunto de ações típicas, já incorporadas nas relações
sociais. Construída pelos extratos economicamente privilegiados, essa cultura, na
verdade estaria contemplada por hierarquizações do conhecimento, segundo ideais
construídos e naturalizados dinâmica social, diretamente ligados a ideia de civilização.
A noção de cultura geral segundo Bourdieu está relacionada aos gostos e escolhas
sociais, convencionadas por exemplo, como códigos escolares tornando legítima a
tradição em esferas com maior poder de influência e estabelecendo uma relação direta
com o conceito de “capital cultural”, ou seja, uma relação com o conhecimento
reconhecido, aprovado socialmente pela cultura que domina(BOURDIEU,1998).
A intensificação do chamado terceiro setor, que inclui ong’s, se constitui como
mecanismo de regulação social na medida em que busca, em grande parte dos projetos,
aproximar a população “carente” com práticas de cidadania, recuperação da autoestima,
etc,(DIAS, 2011). Reproduzindo um discurso de aproximação com as “práticas da
sociedade civilizada”, ou seja, parte da ideia de que, certas regiões pobres, como favelas
e morros são um problema a ser resolvido(GUAZINA, 2011). As crianças vistas como
traficantes em potencial, e a população em geral é conduzida a uma orientação de “bons
modos”, permeando o objetivo de muitos projetos de educação ambiental por exemplo,
que apesar do nome, tem o objetivo muito mais de tornar pobres “educados” para que
não sejam um problema nas lindas praias do rio de janeiro, essa que recebe turistas do
mundo inteiro e abriga o extrato econômico mais abastado da sociedade carioca, do que
de fato promover educação ambiental, falando a grosso modo (estado e a iniciativa
privada, em muitos casos, se alinham e investem nesse tipo proposta) O uso da música
como ferramenta de transformação também está aliado aos interesses do estado de
“apaziguamento” em alguns projetos (GUAZINA, 2008). Em muitos casos, a música
17
acabou ocupando um posto demagógico na política de “aproximação” do governo com
as areas pobres do Brasil. Se naturalizou o discurso de “cabeça vazia é oficina do diabo”
que tem como matriz pensar que a música ocupa a mente dos que são potencialmente
traficantes porque moram na favela, e assim a ideia de transformar a realidade pela
música vai se incorporando nos objetivos desse ensino (GUAZINA, 2008).
A crença no potencial transformador da sociedade pela ‘música’ perpassa, atualmente,
diferentes esferas da própria sociedade e toma formas múltiplas e complexas muito
presentes nas realidades brasileiras. Essa crença tem se expressado na forma de práticas
musicais que costumam ser atravessadas por uma associação direta e naturalizada entre
pobreza, violência, projetos sociais e discursos baseados em diferentes racionalidades,
comumente marcados por uma lógica salvacionista que é associada as populações mais
pobres. Tais projetos estão direcionados a parcela historicamente mais excluida das
proteções sociais em múltiplas configurações e sao construidos e atravessados pelos
modos de existência contemporâneos, os quais são calcados na velocidade das ações,
desestabilização dos vínculos de trabalho, precarização da proteção social e uma
produção cotidiana de relações de violência e dominação. (GUAZINA, pág. 359 e 360,
2008).
Segundo Guazina (2008), grande parte desses projetos mantém um discurso que
aponta para a profissionalização pela música, de modo que os participantes se vêem
seduzidos pela possibilidade de viver de música ou até mesmo serem famosos,
ricos(GUAZINA, 2008).
Estes profissionais nao costumam ter direito a proteção social trabalhista, uma vez que se exige
deles um vinculo ‘terceirizado’. Mao-de-obra tornada barata, mesmo que muitas vezes seja
altamente especializada (GUAZINA, p.363,2008).
A possibilidade de poder trabalhar com música, prossegue a autora, se apresenta como
um layout do projeto, tornando-o mais atraente, mas não leva os participantes a
refletirem sobre as garantias de emprego que terão, depois de submetidos a essa
formação especializada (GUAZINA, 2008). O aumento de projetos sociais está
diretamente relacionado a intensificação dos conflitos de classe, ante a demandas sociais
urgentes não comtempladas pelas políticas públicas, fazendo do terceiro setor, composto
por exemplo por, Ong’s, sindicatos e associações comunitárias, instrumento do estado
aliado a iniciativa privada com objetivo de amenizar as carências de serviços de
18
qualidade prestados à população (DIAS, 2011) como por exemplo, escolas de
qualidade.
A grande maioria dos coordenadores de projetos com os quais conversei até agora
concordam como a idéia de que seus projetos poderiam ser substituidos por boas
escolas, no que diz respeito aos efeitos sobre a vida da população a que atendem, ou
seja, oportunidades dignas e competentes de formação(GUAZINA,p.364,2008).
Não é de hoje que podemos perceber mecanismos de neutralização e normalização da
sociedade pela arte, principalmente pela música, com o intuito de dotar a classe pobre
operária de uma espécie de plenitude harmonizadora, como instrumento democrático do
estado para “anestesiar” a capacidade crítica da população, ante a demandas sociais não
contempladas por políticas públicas de qualidade.
As classes trabalhadoras na sociedade francesa na época de Napoleão eram vistas pelas
autoridades do governo com ambivalência, isto é, eram temidos, muitas vezes, citados
com sentimentos de rancor, mas ao mesmo tempo, o império matinha preocupações
humanitárias em relação a essas classes (FULCHER, 1979).A música nesse tipo de
sociedade, se apresentava como uma ferramenta de coalisão entre as artes, na
preferência do império, a boa música, por exemplo, e os trabalhadores, aludindo a ideais
sociológicos e de estéticos franceses (FULCHER, 1979). O “Orfeão”, sociedade coral
para os trabalhadores, surgi então inserido no contexto de “cultura democrática” como
modelo de permanência das tradições ideológicas, que foram utilizadas com objetivo de
lucro político reforçando ideais de harmonização pela música, a arte social, utilizadas
para disseminar uma concepção humanitária e democrática do estado (FULCHER,
1979).
Por volta de 1830, a França começa a introduzir a educação coral orfeônica nas escolas,
depois de algum tempo passa a incluir alguns jovens e adultos trabalhadores o que
acabou fazendo surgir coros direcionados a classe trabalhadora. A experiência coral,
19
tendo sucesso entre os trabalhadores, se disseminou pela França junto a concepções de
“aprimoramento moral” da classe dando ênfase ao repertório operístico (FULCHER,
1979).
Toda essa panaceia moral dirigida a classe operária, foi se configurando como
instrumento para o aumento da produção, entendendo o bem estar do trabalhador como
combustível para suas atividades profissionais exaustivas (FULCHER, 1979).
A música então segue sendo um artifício pelo qual, se disseminassem ideias de
harmonização social e neutralidade entre classes, como se a “boa arte”, correspondente
ao capital cultural do estado, fosse o viés capaz equilibrar as contradições e conflitos
entre classes (FULCHER, 1979).
O Orfeão foi um meio de se “cultivar” os trabalhadores, como o próprio Fourier havia
proposto, de os imbuir de “gosto”, de consolar e “amenizar”, de os ajudar a formar
“juízos”, de moralizar”(FULCHER,1979,p.8).
O ideal de harmonização social pela música também tinha uma dimensão de
predestinação, e conformismo cristão.
Sendo desejo das autoridades culturais elevar o gosto literário, as mesmas entenderam
ser instrumental o fazer através de canções, em particular, aquelas que enfatizassem
seus ideais. Altruísmo, crença em Deus, aceitação do sofrimento, todos estes eram
temas centrais acentuados pelo governo, desejando os ver expressos na arte do
trabalhador francês(FULCHER,1979,p.7).
Apesar de, em alguns aspectos, os ideias disseminados no canto coral, incluíssem, por
exemplo, crença em Deus e aceitação ao sofrimento, a religião na França não se
projetava com intensidade nas camadas proletárias, visto que essa classe, era
considerada bastarda, sem moral, perdida pelos antros de prostituição, de modo que o
interesse orfeônico os redirecionava para um “divertimento moral” “sadio”
(FULCHER,1979).
20
A escolha orfeônica, não se consagrou como viés de cooptação da opinião pública por
acaso na França, visto que antes disso já havia uma inclinação camponesa a sátiras
políticas cantadas em coro, portanto o canto orfeônico seria uma forma de também
neutralizar esses focos de crítica social campesina (FULCHER,1979). ‘’
A sociedade Bonapartista centralizava nas mãos de um imperador o objetivo de uma
cooperação entre a classe pobre operária, a fim de harmonizar e neutralizar a sociedade
para servir as decisões políticas do estado. E assim o canto orfeônico servia aos ideias
democráticos de Bonaparte (FULCHER,1979).
A música civiliza o indivíduo e as massas…por tudo que ela impõe, pelos hábitos e
qualidades que são prenhes de virtude, pela exatidão, pelo espírito de associação...pela
obrigação de se realizar em grande número sob a vigilância de todos os olhares, sob a
direção de um mestre, com o indispensável elo do concurso comum (FULCHER apud
FALLOUX,1979,p.11).
Atrelada a concepção orfeônica no ensino de música se anexavam os ideais
nacionalistas, que no Brasil na época de Vargas, se estruturavam no conceito de
mestiço, presente nas ideias de Gilberto Freire. O estado busca um viés de que
represente a união das raças no Brasil, na música, o elo entre povo e estado foi o samba,
que tanto propagandeou as diretrizes do governo, essa que reafirmaria a intensão de
divulgar um estado democrático, junto ao estimulo de cooperação mútua entre o
operariado e iniciativas públicas a serviço do “progresso”. Parecido com a sociedade
orfeônica francesa, que continha em seu discurso por exemplo, a harmonização social,
algo que promovesse um sentimento de igualdade entre operários e império, mas que
acabava por neutralizar movimentos de crítica social.
De 1930 a 1950 o canto orfeônico foi instituído como modelo de educação musical no
Brasil, e inspirou a construção de concepções pedagógicas instituídas em conservatórios
e cursos superiores de música.
21
Segundo Lisboa e Kerr, a escolha por esse modelo de ensino estava atrelada a uma
ideologia nacionalista universalista, que mais sintetizava apropriações da classe
dominantes dos elementos a cultura popular. Porém concebidos alegoricamente, e
propagandeados segundo interesses econômicos dessas classes.
De acordo com as palavras de Marilena Chauí (2001, p. 86), a ideologia transforma “as
idéias particulares da classe dominante em idéias universais de todos e para todos os
membros da sociedade”. A autora, também, destaca que “o momento essencial de
consolidação social da ideologia ocorre quando as idéias e valores da classe emergente
são interiorizados pela consciência de todos os membros não- dominantes da sociedade”
(ib, p. 97)(LISBOA e KERR apud CHAUÍ,p.4,2005).
Assim como as sociedades orfeônicas na França, os ideais nazistas também continham
esse carácter harmonizar a sociedade, nesse caso, na direção de eleger símbolos de um
capital cultural germânico associada a uma busca pela raça pura ariana. A música
clássica alemã, já antes do período entre guerras, havia expandido a mentalidade
composicional além das concepções barrocas, clássicas, românticas, e outras
consagradas na difusão mundial da cultura germânica. Compositores como Weber,
Schoenberg, A. Berg, já buscavam uma linguagem que ultrapassasse as regras
instituídas em conservatórios europeus, e que não encontravam correspondência nas
exigências nazistas, ante a preferência da linguagem musical consagrada, cadências
perfeitas, discurso tonal clássico, formação instrumental tradicional, o reflexo da busca
pela raça pura, na busca pela cultura e música pura. Na verdade, alimentavam um ideal
que nem sequer é possível de existir, pois nenhum país deixa de conter em sua trama
étnica histórica, migrações, miscigenação, influências culturais, etc.
Recorri a uma monografia, de uma aluna de história da UNIOESTE, Paraná, que buscou
entender um pouco do movimento contemporâneo especificamente o compositor
Schoemberg no período em que a ideologia nacional alemã, o nazi-facismo, os rotulava
como arte degenerada, BATISTA (2009).
22
A Chamada arte degenerada foi censurada e muitos dos artistas exilados, torturados ou
mortos.
Há setenta anos atrás, em Monique, na Alemanha, era organizada a “Exposição da Arte
Degenerada”, com a qual os nazistas pretendiam desmoralizar importantes artistas modernistas,
tais como Picasso, Kandinski e Klee. A exposição Entartete Kunst ocorreu em 19 de julho de
1937 na tradicional galeria Hofgarten, onde foram apresentadas cerca de 650 pinturas, gravuras e
esculturas, as quais foram selecionadas entre as mais de 5 mil obras confiscadas pelo governo
alemão dos principais museus e galerias do país. Seguindo de Monique para outras cidades da
Alemanha e Áustria, a exibição foi visitada por centenas de pessoas, um público que desde 1933
vinha freqüentando as exposições patrocinadas pelo III Reich. As grandiosas Exposições da Arte
Alemã (Grosse Deutsche Kunstausstellung) tinham como objetivo divulgar a arte 30 oficial,
apregoada pelo regime. A exposição “Entartete Kunst” demonstrava a limpeza estética realizada
nos museus e galerias do país.(BATISTA,p.29,2009).
A busca por um nivelamento social, por uma distorção da igualdade humana, o
extermínio da diferença, levou ao regime nazista alemão se caracterizar por aspectos
que hora se mostravam como um ideal de perfeição, na imagem de belas músicas, lindas
mulheres arianas junto a suas crianças loiras de olhos azuis, projetos de arquitetura,
urbanismo e design muitos vezes do próprio Hitler, como o Brasão de seu partido
nacional socialista (esse que antes teria se frustrado não conseguindo entrar para uma
escola de arte), e hora se refletiam na total brutalidade contra manifestações que se
construíam com autonomia ideológica, assim como etnias e ou concepções consideradas
nocivas à perfeição idealizadas pelo regime e deveriam ser destruídas, destinadas ao
extermínio só por sua diferença (BATISTA, 2009).
Os nazistas, projetando concepções de eugenia a serviço de uma perfeição idealizada,
temiam manifestações culturais autônomas, principalmente por serem potencialmente
denunciadores sociais. Assistindo a Schlageter, dramaturgia que fazia referência a um
alemão morto por ter realizado atentado terrorista, condenado a morte pelos militares
franceses, esse que foi apresentado como um ideal de heroísmo (Nesse dia
comemorava-se o aniversário de Hitler), um dos nazistas comentou, “Quando ouço a
palavra cultura, saco logo meu revólver” (a frase foi dita por Hermann Goering).
23
Percebemos então como era importante para o regime nazista controlar a difusão da
cultura na sociedade alemã (BATISTA, 2009).
A cultura também diz respeito aos laços de identidade de um povo com os seus
costumes, saberes, produção material e imaterial. O projeto arquitetado pelo nacional-
socialismo apontou a preocupação de liquidar com os adversários e as idéias
antagônicas às suas, mas não foi ingênuo a ponto de descartar por completo as tradições
arraigadas no seio social e histórico alemão. Ao contrário, utilizou-as, apropriando-se de
vários de seus elementos para legitimar sua própria ideologia (BATISTA,p.41, 2009).
O uso da tradição na cultura alemã foi um fator definitivo no estimulo ao orgulho
alemão que alimentava posições heroicas, e habilidosas dos soldados nas frentes de
batalha. O uso de suas raízes culturais reacendia a autoestima nacional, que
posteriormente seria distorcida para fins políticos (BATISTA, 2009).
Houve na Alemanha uma espécie de ajuste às premissas da nação, a qual já detinha
elementos culturais de agregação fortemente definidos antes mesmo da ascensão e
delimitação do Estado Nacional. Esse fator facilitou a constituição de um regime
autoritário baseado no nacionalismo, reforçando pontos chave de combinação entre
aspectos da cultura local e a ideologia do regime. Deste modo, certo sentimento de
“orgulho de ser alemão”, imbricado na psicologia social do país pelos adeptos do III
Reich, e resgatando a autoestima da população, foi direcionado e relacionado
diametralmente ao nazismo, o suposto condutor dos desejos mais íntimos da pátria
germânica (WENDPAD,p.42, 2009).
Antes do séc. XX era dada a música certa liberdade de manifestação, por ser
considerada uma atividade inócua ante a funções sociais políticas, porém um pouco
depois da revolução russa de 1917 alguns intelectuais começaram a entender a arte
como “fator de transformação social”(WENDPAD, 2009).
União Soviética, durante o século XIX, os românticos teriam iniciado a recuperação do
“projeto nacionalista no campo musical” e procuraram estabelecer diretrizes para a arte,
visando a possibilidade desta refletir os anseios do povo e preservar a cultura popular
(BATISTA, p.43,2009).
24
O que logo gerou iniciativas do estado para controlar essas manifestações da cultura:
Percebendo a importância da arte como uma arma de propaganda de ideais políticos,
criaram órgãos específicos para controlar e censurar as mais diversas atividades
artísticas. O Estado totalitário, diante do caráter polissêmico e coletivista da música,
considerava que ela poderia transformar a multidão numa massa “perturbadora da
ordem”(BATISTA apud CONTIER, p.43, 2009).
O estado nazista em 1933 já instituía um órgão de controle e difusão de ideais do
governo se servindo de ícones tradicionais distorcidos por discursos populistas em
apresentações alegóricas que animavam o espírito nacionalista alemão.
O Ministério do Reich de Esclarecimento Popular e da Propaganda, criado em 1933
por Hitler, que tinha como dirigente Joseph Goebbels. Tal Ministério apresentava como
principal função a direção intelectual da Nação através da divulgação de idéias que
beneficiassem o Estado, sua economia e cultura (BATISTA, p.43, 2009).
Não coincidentemente o DIP (Departamento de impressa e propaganda) foi criado no
governo de Vargas em 1939, 6 anos depois do Ministério do Reich. O DIP controlava os
meios de comunicação e censurava a atividade artística no Brasil.
Não era tão fácil ver intelectuais do estado novo demonstrarem sua admiração pelo
regime nazista, porém alguns poucos admitiam, como Felinto Muller, chefe de polícia
política e Lourival Fontes, Diretor do DIP, também responsável pela produção e
divulgação da propaganda estado-novista (PANDOLFI, 1999).
A importância dos meios de comunicação para a propaganda política já fora salientada
por Chateaubriand, que em 1935 criticou Vargas pela incapacidade de utilizá-los de
forma eficiente. Mencionando o exemplo da Alemanha nazista, Assis Chateaubriand
comentou que nesse país “a técnica de propaganda obtém resultados até a hipnose
coletiva (...). O número de heréticos se torna cada vez mais reduzido porque o esforço
de sugestão coletiva é desempenhado pelas três armas poderosas de combate da técnica
material de propaganda: o jornalismo, o rádio e o cinema (PANDOLFI, p.170, 1999).
25
A ideia de “transformar a sociedade” está presente nas intenções desse projeto político
de modelar a mentalidade popular na direção de envolve-los emocionalmente em um
discurso de mudança, virada, revolução. Levando pessoas a se empenharem em sua
“cidadania” convencidas da necessidade da cooperação e ancoradas por ideais de
progresso e democracia, esses que são insuflados por um sentimento de orgulho a
nação.
Francisco Campos referiu-se à transformação da “tranquila opinião pública do século
passado em um estado de delírio ou de alucinação coletiva mediante os instrumentos de
propagação, de intensificação e de contágio das emoções, tornados possíveis
precisamente graças ao progresso que nos deu a imprensa de grande tiragem, a
radiodifusão, o cinema, os recentes processos de comunicação que conferem ao homem
um dom de ubiqüidade e, dentro em pouco, a televisão, tornando possível a nossa
presença simultânea em diferentes pontos do espaço. Não é necessário o contato físico
para que haja multidão. Durante toda a fase da campanha ou da propaganda política,
toda a nação é mobilizada em estado multitudinário. Nessa atmosfera emotiva seria
ridículo admitir que os pronunciamentos de opinião possam ter outro caráter que não
seja o ditado por preferências ou tendências de ordem absolutamente irracional”
(PANDULFI apud CAMPOS, 1999).
Assim como sua inspiração nazista, o projeto de divulgação e propaganda no governo
Vargas também buscava nos elementos tradicionais da cultura nacional, representações
sociais que promovessem a identificação do povo a suas raízes, e através dessa
ferramenta, alimentar o sentimento de orgulho nacional cooptando a opinião pública.
Era uma forma de legitimar uma linguagem falada e criada pelo povo, como foi e é no
caso do Brasil, o samba, mas utilizando-a a serviço do projeto de propaganda política
que promovia o ideais do estado (FENERICK, 2005).
O estado agora promoveria, por intermédio de manifestações da cultura antes
estigmatizadas, uma aproximação com o povo.
O governo já esboçava uma política para estabelecer elos com as manifestações
populares, antes tão estigmatizadas, os ideólogos do regime autoritário faziam mil
malabarismos para mostrar que havia uma continuidade entre o movimento
vanguardista paulista dos anos 1920 e o estado pós-30. Queriam criar pontes entre a
chamada revolução estética e a política. Entrava aí, a retórica do país novo, ávido de
novos caminhos e de cabeças pensantes, e nesse quadro, Vargas a parecia como o
26
verdadeiro Candottiero das mudanças. Explicava-se que, antes do estado novo, a
política era “Madrasta da inteligência”, mas, com Vargas no poder, essa hostilidade foi
substituída pela cooperação (FENERICK apud VELOSO, p.73, 2005).
A cooptação do opinião pública vem através de mensagens adaptadas a linguagem
popular.
O que Vargas faz é legitimar algo que já está sendo legitimado pela própria sociedade.
Aliás essa era uma das estratégias propagandísticas do governo: Dizia antecipar-se aos
anseios da sociedade. Dessa maneira Vargas aparecia como patrocinador do teatro, da
música (popular e erudita), da literatura e de quase todas as manifestações sócio-
culturais, com o samba dá-se o mesmo. (FENERICK apud VELOSO, p.74, 2005).
Não só de samba, se construiu a cultura no Brasil, porém a relação entre samba e
identidade brasileira ficou marcada e estigmatizada e nem é preciso dizer, que outros
gêneros também fazem parte do panorama cultural da música brasileira, como por
exemplo o rock. Segundo JACQUES (2009), o estilo rock, cria um território simbólico
que constitui comunidade. A autora analisa segundo a perspectiva de forma e conteúdo,
categorias em que estariam inseridos os fatores ruído e peso. Essas categorias estariam
ligadas a tendência do rock de ruptura com uma estética construída sobre moldes
racionais.
Essas categorias apontam para o desejo de ruptura com uma ordem racionalizada, seja
musical ou social. Com a ênfase no prazer de tocar e na criatividade em detrimento da
técnica, o rock questiona a estética da tradição musical moderna. A rejeição da música
racionalizada é também a rejeição do comportamento racionalmente orientado. É devido
ao abandono de um discurso marcado pelo racionalismo e pela lógica da dominação que
articulo a idéia de transfiguração do político para tratar do gênero musical rock
(JACQUES, p.1,2009).
Em 1950 o Brasil tinha como principais protagonistas de projeção nacional na música, o
choro, o samba, e surgindo também a seresta, na década de 60 a bossa-nova começa a se
inserir nesse panorama musico-cultural com o posto de música moderna influenciada
pelo jazz americano, e um pouco depois ganha mais visibilidade e força o movimento
do rock no brasil, esse que era categorizado como estilo diluído pelas influencias
27
massificadas norte americanas, alienado, e assim ganhando rótulos que o
estigmatizavam (JACQUES,2009).
Em 1964 os militares tomam o poder, a ditadura no Brasil com o AI5 cria sistemas de
controle político-ideológico, surge o tropicalismo, canção de protesto, esses que
apoiaram a jovem guarda, considerado o iê iê iê do rock, e que não demonstrava em
suas letras, conexão com a realidade político-social em que se encontrava o país em
plena ditadura, inclusive eram citados como colaboraciosnistas do regime (JACQUES,
2009).
O canibalismo musical, inspirado nas ideias de Oswald de Andrade, torna-se difundido
nas músicas da tropicália, movimento que incorporava elementos do pop em suas
músicas, como maneira de “deglutir o outro” transformando elementos estrangeiros em
material para desenvolvimento de músicas nacionais, misturando tendências
(JACQUES, 2009).
Na década de 80 surge um rock brasileiro, que agora já expressa bem mais os problemas
políticos e sociais, como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Barão Vermelho
e outros, importantes para legitimar a cara do rock brasileiro, em 1990, surge o
movimento Manguebeat, com Chico Science, Nação Zumbi e outros, que caracteriza-se
pela fusão hard-core, punk, reggae, e gêneros nordestinos como maracatu e embolada
(JACQUES, 2009).
O panorama do rock nesse contexto, mostra uma tensão entre suas propostas e a
identidade nacional, essa (a identidade) que foi associada a outros gêneros,
principalmente samba e bossa-nova, porém de maneira muitas vezes alegórica e que
monopolizavam associação da imagem a música brasileira, a difusão midiática desses
gêneros como representantes de brasilidade, ofuscavam ou diluíam a projeção de outros
28
gêneros que nem sempre se ligavam tão fortemente ao conceito identitário nacional, ou
mostravam uma identidade diferente da que foi difundida no inconsciente coletivo
nacional, e internacionalmente associado ao Brasil.
A tensão em torno do rock e da identidade nacional não se dissolve tão facilmente. De
um lado as incessantes acusações de “alienação”. De outro, bandas de rock propõem um
distanciamento quanto a outros gêneros da música popular brasileira. Desde que
pesquiso o rock no Brasil, ouvi inúmeros comentários sobre a “decadência da música
popular brasileira”, dirigidos particularmente ao pagode e à MPB, consideradas como
establishment musical brasileiro. Este gênero de crítica já aparece nos anos 1970,
quando bandas das periferias das grandes cidades se apropriam do punk inglês e
americano, não se preocupando com a construção de uma identidade brasileira
(JACQUES, p.4, 2009).
Citando Maffesoli (2000), a autora do artigo propõe o conceito do Neotribalismo
também chamado de comunidades afetuais, para analisar as comunidades rock.
As comunidades afetuais observadas por Maffesoli são formadas a partir de uma
estética - considerada como a faculdade de sentir e experimentar em comum - e de uma
ética - entendida como um código particular a um grupo, que une ou exclui membros -
compartilhadas. Elas seguem uma lógica segundo a qual a idéia de identidade não faz
sentido. Para Maffesoli, a identidade é uma construção ligada ao individualismo
moderno, segundo a qual definimos nossa existência de forma rígida. O autor propõe
uma substituição da lógica contratual por uma lógica que segue atrações. Assim, a
identidade cede lugar à identificação em torno de imagens e formas sensíveis. O
indivíduo enquanto “ser” substancial é substituído por uma noção de pessoa que se
forma a partir de situações e experiências específicas, seguindo uma lógica relacional
(JACQUES apud MANFFESOLI, p.4,2009).
Segundo Maffesoli, identidade, é um conceito moderno fundado no individualismo e
pode ser substituído por identificação, entendendo que o ser humano é constituído
experiências ante a formas e imagens sensíveis. As pessoas tem diversas facetas e
estratos, não cabendo uma redução estigmatizante e superficial associada a uma
classificação (JACQUES, 2009). Inclusive é uma perspectiva parecida com a da
esquizoanálise, citado no primeiro capítulo dessa monografia (método terapêutico que
busca ampliar o espectro do ser humano de percepção dos outros e de si mesmo,
tomando consciência dos rótulos existentes na sociedade, essas que constroem taxações
29
e classificações distanciando as pessoas de suas múltiplas experiências adquiridas
durante a vida).
O discurso de transformação social esteve presente no movimento nacionalista
brasileiro e associado a busca de uma identidade nacional como ferramenta de
unificação territorial e ideológica, essa que iria ancorar um estimulo ao ufanismo e
cooperação popular aos ideais do governo. No caso da educação musical, os símbolos
de civilização foram difundidos e instituídos nas escolas por intermédio de métodos que
privilegiavam o conhecimento historicamente legitimado, no caso da arte, a referências
europeias de excelência na música, como foi citado no caso da sociedade orfeônica
francesa que inspirou a institucionalização do canto orfeônico no Brasil. Este fatores
estavam diretamente relacionados a tentativa do estado de distensionar os conflitos entre
classes, e principalmente a consciência desses conflitos, no caso das camadas populares,
por intermédio de medidas educacionais e culturais que estariam “harmonizando”
diluindo e neutralizando a diferença entre conhecimento legitimado pelo estado e elite,
ante ao conhecimento legitimado pelo povo.
Ensino de música, escola, sociedade e
formalidade.
No texto, Educação musical na contemporaneidade, Arroyo conceitua educação musical
numa concepção que vai além de uma iniciação formal e seu processo acadêmico,
entendendo as transformações do conhecimento no início do séc. XX, em várias áreas
como psicologia, antropologia, ciência política, física, etc, que exigia da educação
30
musical uma revisão de sua concepção pedagógica. As instituições de música, em sua
maioria, se amparavam em bases da tradição vinda da Europa, como por exemplo o
conservatório, e o ensino de música se associava a ideais de formalidades eruditos.
Suas bases epistemológicas estavam assentadas em algumas formas de conhecer ou
entender a realidade: a compreensão do ensino e da aprendizagem musical estava
baseada em uma lógica carteziana e positivista e o que deveria ser ensinado e aprendido
era o que na visão evolucionista era tomado como o ápice da produção musical da
humanidade: a música de concerto dos séculos XVIII e XIX da tradição europeia
(ARROYO, 2002, p.19).
Rompendo com as vertentes positivistas e evolucionistas, a antropologia começou a
construir novas bases epistemológicas que relativizaram os processos de produção
cultural.
Relativização implica que os processo e os produtos culturais só podem ser
compreendidos se considerados no seu contexto de produção sociocultural; o conceito
de cultura encontra no entendimento de Cliffort Geertz uma interpretação que tem
influenciado muitos estudiosos, isto é, cultura entendida como uma teia de significados
que conferem sentido à existência humana (Geertz, 1989) (ARROYO apud GEERTZ,
2002, p.19).
A cultura então passa a não ser mais compreendida ante a ideais eurocêntricos, com a
relativização de cultura e a criação de novas referências epistemológicas. A música já
não pode, dentro dessa nova concepção, ser entendida no singular. As manifestações
culturais africanas ou indígenas não poderiam ser compreendidas dentro de parâmetros
da música de concerto alemã, por exemplo, Seria preciso um olhar desprendido de
hierarquizações e imposições culturais.
Também surgiram contribuições vindas das ciências sociais na ideia de que a realidade
é uma construção social (ARROYO,2002).
A superação de uma visão eurocêntrica do mundo e a compreensão da construção social
da realidade levaram a outras elaborações decisivas na segunda parte do século XX,
entre elas a visão pós-moderna e pós-estruturalista, quando houve rupturas com a idéia
de progresso, de objetividade incontestável da ciência; quando as grandes narrativas
foram substituídas pela narrativa de todos, e que poder e saber poderiam estar
estreitamente relacionados (ARROYO, 2002, p.20).
31
O ensino de música em geral sofreu influências dessas modificações do entendimento
de sociedade e cultura. A música aqui caminha na direção de ser concebida como
construção social.
As músicas devem ser estudadas não apenas como produto, mas como processo; alguma
modalidade de educação musical acontece em todos os contextos onde haja prática
musical, sejam eles formais ou informais; portanto há inúmeras possibilidades de se
empreender a educação musical (ARROYO apud JORGENSEN, 2002, p.20).
As transformações do conhecimento no séc. XX, levaram contribuições a muitas áreas,
e falando em transformação, a escola, instituição a qual era atribuída a função de
transformar a sociedade foi sendo contestada nesse aspecto por teóricos como Bourdier
e Ivan Illich. Para Ivan Illich, que tem uma posição bem radical, por melhor que seja a
escola nunca será boa para a sociedade. Em seu livro Sociedade sem escolas constam as
seguintes passagens:
Nem a aprendizagem individual e nem a igualdade social podem ser incrementadas pelo
rito escolar. Não podemos superar a sociedade de consumo sem antes compreender que
a escola pública obrigatória recria tal sociedade (ILLICH, 1985, p..51)...Um indivíduo
de mentalidade escolarizada concebe o mundo como uma pirâmide, composta de
pacotes classificados; a eles só têm acesso os que possuem os rótulos adequados
(ILLICH, 1985, p.86.).
Illich discorre a respeito de como a escola inibe o desenvolvimento de uma mentalidade
desprendida de sistematizações rotuláveis, sempre que algo foge um pouco da
classificação proposta pelo ensino. O aluno, não encontrando a identificação que espera,
não consegue lidar com tal situação. A concepção e conclusões de Illich a respeito do
ensino escolar questionam o caráter do ensino que desqualifica as habilidades já
presentes nos alunos (ILLICH,1985). A escolarização formal não leva em conta os
saberes que já possuem.
O público em geral foi doutrinado para acreditar que as habilidades são valiosas e de
confiança unicamente se forem resultado de escolarização formal. (ILLICH, p.100,
1985).
32
A formalidade na música sempre foi e ainda é algo muito forte em
conservatórios e instituições de música em geral. Da mesma forma como nas escolas
regulares ou faculdades de outras áreas, o conhecimento se torna formal na medida em
que aprovado socialmente e institucionalizado como tal. Mas, ao longo da história da
música, muitos compositores, por exemplo, quebraram as formas musicais
convencionalmente adotadas em conservatórios de música, ou outras instituições de
ensino tradicionais, na música erudita alemã, compondo de uma maneira diferente. Um
desses momentos foi no início do séc. XX, em que compositores como Stravinsky e
Schoenberg iam em busca de superar padrões acadêmicos. Como discorrem DEFERT,
EWALD e LAGRANGE, no livro Ditos e escritos III, que buscou compilar trechos e
resenhas do livro“Estética, literatura e pintura, música e cinema” de Foucault.
“A maneira como a música refletiu”sobre suas linguagens, suas estruturas, seu ideal,
decorre de uma interrogação que, acredito, atravessou todo o século XX: interrogação
sobre a forma, aquela de Cézanne, ou dos cubistas, a de schöenberg, e também a dos
formalistas russos ou a da escola de Praga.”Foucault toma o trabalho com o formal da
música contemporânea como uma alternativa fecunda, autônoma e criadora frente a
fenomenologia e seus continuadores na filosofia da existência e mesmo do marxismo.
Referindo-se a época em que nos ensinavam os privilégios do sentido, do vivido, do
carnal, da experiência originária, dos conteúdos subjetivos ou das significações sociais”
Os combates em torno do formal foram uma das grandes características da cultura no
século XX” (DEFERT, EWALD e LAGRANGE, p.25 e 26.2009).
A busca por uma música sem forma pelos compositores contemporâneos no séc.
XX é vista aqui como uma busca autônoma de produção em arte, na direção de se
desvincular de regras e mecanismos de regulação sociais pautados em políticas puristas
conservadoras, legitimadas como conhecimento e propagandeadas pelo estado como um
ideal de civilidade como acontecia no caso do nazi-facismo. Porém, segundo Adorno
essa busca refletia uma negação da sociedade que se ligava ao conhecimento musical
tradicionalmente legitimado, através de instituições, regimentavam, normatizavam esse
conhecimento. Não se tratava de obras que eram um espelho social, que se
aproximavam de realidades sociais “extra institucionais” e sim de obras que se
33
constituiam apenas como negativo de tradições institucionais da sociedade alemã e
austríaca no caso. O verdadeiro realismo, segundo ele, estaria então em conhecer outras
formas, estaria na “deformação”, ou seja, quando se modificam essas formas em vez de
só nega-las.
“O realista moderno não tem alternativa senão ser um formalista”. A arte moderna, para
Adorno, não corresponde a um espelho do social, “mas sim a um negativo da
sociedade” (MERQUIOR, 1969, p. 81). Sendo assim, a essência do verdadeiro realismo
está na “deformação” (apud MERQUIOR, 1969, p.81). Isso equivale a dizer que ao não
apresentar uma objetividade, no sentido de uma aproximação em relação ao real, a obra
de arte, e em especial a de ficção, logra descortinar o vazio da existência
humana(COUTINHO,2005,p.1).
Segundo Merquior, na maneira como lê e interpreta Adorno, a arte moderna não
estaria promovendo uma aproximação com a expressão artística social, visto que, o
movimento de se afastar das formas musicais consagradas na cultura clássica erudita
europeia, seguia na direção de transcender essas formas, e acabam sendo apenas o
negativo dessas estruturas legitimadas em instituições tradicionais de ensino, como
conservatórios por exemplo, e não em buscar nas expressões sociais “extra
institucionais” novas formas de entender a arte, de expressar, construir, e se manifestar
artisticamente. Essa cultura que estaria fora dos conservatórios, nem por isso, seria
destituída de uma forma, mas sim, construída com base em parâmetros e concepções
distintas da representação social encontrada em instituições convencionais de ensino.
Arroyo (2000) afirma que se deve também considerar as formalidades características ao
ensino nos contextos populares de música, assim Arroyo (1999; 2000) busca na
etnomusicologia as discussões entre formalidades, manifestações populares e escolas
especializadas. Arroyo (2000) ainda alerta para o termo educação não-escolar, pois se
remete diretamente a escola. O termo não-escolar toma como padrão esta instituição
que não é a única a desenvolver conhecimentos musicais. Oliveira (2000) remete-se a
Libâneo, autor da pedagogia, para antes de propor nomenclaturas, analisar as
organizações que ensinam música. (ARAÙJO, 2012,pág.94).
34
A educação formal é frequentemente associada a esses circuitos reconhecidos pela
sociedade, como as instituições de ensino escolar e universitário. Porém não existe
formalidade nas demais manifestações culturais de música?
Usarei abaixo uma definição do termo “ensino formal” para problematizar a
maneira como este é associado a instituições legitimadas socialmente.
A educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente
pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada
como o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível
nacional, com órgãos fiscalizadores dosministérios da educação. (GADOTTI, 2005, p.
2).
Podemos começar questionando a objetividade da educação formal, visto que essa
muitas vezes se pauta em uma sistematização que servem a demanda social, baseadas
em convenções construidas ao longo da história dentro de uma dinâmica de dominação
da cultura socialmente reconhecida, oprimindo os saberes locais por meio de uma
hirarquização do conhecimento. Castanheira e Correia explicam, através de um conceito
de Foucault, a relação de como o sujeito se reconhece legítimo ante a um conhecimento
socialmente aprovado, configurando o que o filósofo conceituou como processos de
subjetivação.
Os chamados processos de subjetivação referem-se ao modo como o próprio homem se
compreende como sujeito legítimo de determinado tipo de conhecimento, ou melhor,
como o sujeito percebe a si mesmo na relação sujeito-objeto.(CASTANHEIRA e
CORREIA, 2008, p.2).
Nem sempre, ou talvez quase nunca, o conhecimento legítimo socialmente se apresenta
imune a questionamentos ante a sua objetividade, sua serventia, sua validade e
aplicabilidade, mas é difícil de ser percebido pelo sujeito quando este não considera, ou
foi condicianado a desconsiderar os seus saberes construidos em sua história. Muito em
função disso, o papel da educação na transformação social vem sendo questionado com
mais intensidade a partir da década de 1960, ante um panorama em que a escola não
proporciona espaço para que os contextos sócio-culturais locais possam ser integrados a
35
essas instituições já legitimadas, suas formas de ensino e aprendizagem, e o fazer dos
alunos como protagonistas na relação do conhecimento com sua realidade. Também é
possível perceber que a educação formal é constantemente associada como sendo
exclusividade de escolas e faculdades, pois se tratam de instituições consagradas
socialmente, porém a formalidade também está presente nas sistematizações do ensino
em contextos extra-escolares e extra-acadêmicos, como descrevi anteriormente em
alguns autores.
A relação entre produção local e a indústria
da comunicação
Novos panoramas na indústria da comunicação e a utilização de ciberespaços como
ferramentas dos artistas, proporcionam maior projeção da produção local independente,
transformando a rota do mercado cultural em nichos acessíveis a públicos cada vez mais
autônomos em relação a indústria que antes massificava a cultura e homogeneizava sua
produção voltada para um amplo público alvo, (de modo a estigmatizar a produção local
através de alegorizações da linguagem popular difundida a serviço de interesses da
indústria de comercialização e veiculação de bens culturais, com grande investimento
em comunicação como instrumento de convencimento das massas), mas que hoje (em
relação a indústria) tem que inevitavelmente se adaptar a dinâmicas de grande
acessibilidade promovidas pela internet. Não é mais possível exercer uma influência tão
grande a ponto de anular outras produções locais, visto que essas já possuem suporte
técnico fonográfico, e audiovisuais a custos bem mais baixos,
assim como a possibilidade de difusão dessa produção. Várias propagandas já se
utilizam de vídeos do Youtube, citam redes sociais como o Facebook, cedem ao poder
36
da produção independente, apesar de por outro lado, sempre estarem buscando uma
maneira de resignificar aquela produção de acordo com seus objetivos de mercado que
apontará para algum tipo de público alvo. A música se insere dentro desse panorama, de
modo que os artistas de estilos variados, tem espaço para expor sua produção através da
veiculação virtual.
Porém, pesquisar sobre tecnologia virtual, indústria fonográfica, e produção de música é
desafiador, tendo em vista as novas ferramentas de softwares, sites, redes sociais, que
estão sempre se modificando ou surgindo.
A chegada da Internet colocou um desafio significante para a compreensão dos métodos
de pesquisa. Através das ciências sociais e humanidades as pessoas se encontraram
querendo explorar as novas formações sociais que surgem quando as pessoas se
comunicam e se organizam via email, websites, telefones móveis e o resto das cada vez
mais mediadas formas de comunicação. Interações mediadas chegaram à dianteira como
chave, na qual as práticas sociais são definidas e experimentadas (VIANA apud [HINE,
2005, p. 1] 2009, p.2).
Associado a produção de música está a busca por identidades dos consumidores, visto
que os estilos musicais acabam por promoverem junto a outros fatores, intricadas
relações sociais que giram em torno gostos em comum, e uma escolha por determinado
estilo de vida e por um tipo de estética.
Ao tratar a escuta da música como “elemento de aglutinação social e definição de
identidade” (VIANA apud LEÃO & PRADO, 2007, p. 69), esta é posicionada dentro
dos estudos comunicacionais relacionados à sociabilidade como um recorte capaz de
promover a visualização e a exploração de detalhes comportamentais dentro das
comunidades online. Assim, a música se configura como uma lente através da qual
podemos observar o comportamento humano a respeito da transição de suportes
promovida pelas inovações tecnológicas sem nos deixar guiar pelo determinismo
tecnológico (VIANA, 2009, p.2).
As pesquisas em torno da indústria cultural antes da década de 60 giravam em torno de
uma ideia de monopólio e massificação cultural, homogeneizações dos saberes,
sobrepondo um mercado imperialista que impõe produtos e ideais estéticos sobre os
37
consumidores alienados, logo após a um período em que se começa a pensar no homem
vivo nessa dinâmica, na década de 70 e 80 a pesquisa já se direciona para o consumidor,
como ele se relaciona com a produção que chega até ele (VIANA, 2009),
Podemos nos perguntar se hoje o consumidor com acesso irrestrito a ciberespaços é
agente passivo de processos de massificação cultural?
atualmente, a pesquisa sobre indústria cultural tende a focar nas condições de consumo
e recepção ou nas mudanças de características das estruturas da indústria cultural e nas
mudanças nacionais, transnacionais e estruturas globais onde estas funcionam (VIANA
apud BECK, 2002, p. 1).
Passam a conflitar as ideias de massificação cultural e o surgimento espontâneo de
manifestações culturais por intermédio da tecnologia na internet. O termo indústria
cultural foi e é muito associado a massificação dos bens culturais destinados aos
mercado, porém prudente seria pensar nesse conceito com um pouco de senso crítico a
respeito da real aplicabilidade ou não na dinâmica sócio-cultural, que hoje se dá muito
através de tecnologias virtuais de difusão da produção artística.
Partindo da definição inicial de indústria cultural como o oposto do que deveria ser uma
cultura de massa (VIANA apud ADORNO, 1987, p. 287), apresentando-o como algo
que deveria soar como depreciativo, define-se o ponto de observação da mesma como
sendo a partir do conflito entre a massificação e o surgimento espontâneo de
manifestações culturais. A transformação de bens culturais em produtos passíveis de
comercialização estimula a utilização do termo “indústria” para designar uma complexa
cadeia de criação de valores que tem por finalidade induzir o consumo através de
estratégias de massificação, a despeito da consciência de cada indivíduo. Assim, o
termo tem aplicações técnicas de todo um segmento, tendo por intenção designar a
indústria da cultura, quando “assume um caráter ultracontemporâneo, desprovido de
qualquer impulso crítico” (VIANA apud DURÃO, ZUIM, & VAZ, 2008, p. 11).
O modo de pensar a indústria foi mudando e se adaptando a uma realidade mais
próxima do que acontece hoje, na qual os consumidores são bem mais autônomos e
protagonistas na relação com o produto, o discurso de mera submissão ao imperialismo
38
cultural foi se distanciando de uma equivalência com a realidade. Já não é possível
aderir as ideias de Adorno e Horkheimer nesse aspecto.
A afirmação de que a indústria cultural “impede a formação de indivíduos autônomos,
independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente” (VIANA apud
ADORNO, 1987, p. 295) faz parte do discurso crítico acerca da influência à qual
estamos todos submetidos (VIANA,2009,p.3).
A lógica de produção da indústria cultural que inclui a participação dos segmentos da
comunicação e do entretenimento, num envolvimento harmônico entre todos os atores
da sociedade com a finalidade de promover o consumo, defendida por Adorno e
Horkheimer (2000) aponta para o consumidor um papel pouco participativo, que vem
sendo alterado na atual configuração do mercado de bens de consumo, alterando as
lógicas do mercado, apresentando um novo modelo econômico, cujas características
principais apresentam um desafio às indústrias envolvidas, principalmente de mídia e
entretenimento (VIANA, 2009, p.3).
Lucina Retembach traz um dado importante em relação aos trabalhos que tratam
sobre a indústria fonográfica brasileira, a maioria focava sua pesquisa nas
grandes produtoras, mas eram por demais escassos os trabalhos que tratavam da
realidade das gravadoras independentes.
O quadro de estudos acerca da indústria fonográfica do Brasil apresenta uma
figura distorcida e espalhada. Fora trabalhos importantes (TINHORÃO, 1981;
MORELLI, 1991; PAIANO, 1994; VICENTE, 1996; DIAS, 2000; SÁ, 2002),
a maioria dos relatos está espalhada em pequenos pedaços ao longo de uma
vasta bibliografia de artigos publicados em revistas cientificas e anais de
eventos . Apesar dos inúmeros artigos acadêmicos sobre o assunto, grande
parte trata de dados regionais ou enfoca o assunto com o recorte de
movimentos específicos. Mais precária é a história das gravadoras
independentes, bem menos pesquisadas (VIANA, 2009, p.4).
O desenvolvimento da indústria fonográfica, tem intima ligação com o desenvolvimento
econômico e tecnológico, e tem como marco da “primeira grande onda da cultura
popular”(VIANA apud ANDERSON, 2006, p.26), o momento em que se torna possível
gravar sons, veiculando músicas e a imagem agregada a esses fonogramas através de
rádios.
a evolução dos sistemas de gravação como resultado da própria evolução tecnológica de
cada época é ponto de partida para estudos acerca da indústria fonográfica (VIANA,
2009, p.5.
39
Na década de 20 começam a ser superadas as tecnologia de gravação por sistemas de
fonógrafos e cilindros. As gravações mecânicas dão lugar aos sistemas elétricos. Na
década de 50 o long play se matem como técnica de reprodução de fonogramas dando
lugar aos CDs na década de 80. De 70 a 90 a televisão permanece como principal
veículo de massificação cultural que influenciou padrões de comportamento e consumo
na música. No período entre 80 e 90 a inovação da tecnologia possibilitou o
barateamento dos sistemas de gravação e a multiplicação da produção de gravadoras
independentes (VIANA, 2009).
No começo do século XXI, final do século XX, a indústria fonográfica tem seu apogeu,
aliado a investimento em marketing e estudo de público alvo, consegue criar sua própria
demanda (VIANA apud ANDERSON, 2006).
A tecnologia fonográfica, a partir de então, torna-se digitalizada, e multiplica-se a
pirataria e a produção independente, em função da redução dos custos da reprodução
fonográfica. Nos anos 90, a internet transforma totalmente o panorama de produção
fonográfica e difusão de gravações, levando em conta dinâmicas de mercado, a
necessidade de adaptação da indústria, e a mudança na relação do consumidor com o
produto (VIANA, 2009).
Os artistas, agentes da criação artística, aproximam-se do processo de produção, antes
intermediado e realizado pela grande indústria que, na atual conjuntura, passa a ocupar-
se especialmente das etapas de gerenciamento de produto, marketing e difusão. O
mercado começa a oferecer uma profusão de estilos, subgêneros e mesclas de toda sorte.
(VIANA apud DIAS, 2000, p. 41).
A difusão de gravações na internet, e aliada e esse fator, a pirataria, levam a prejuízos
na indústria fonográfica de peso, porém não é somente esse o fator que leva os hits a
perderem mercado consumidor, a veiculação de inúmeros estilos e a possibilidade dos
ouvintes conhecerem diversas produções do mundo inteiro, inclusive as veiculadas por
gravadoras independentes, facilitam o consumo sem custo, e a diminuição da compra de
40
CDs, mas também acabam por estimular esse ouvinte a buscar novas fontes de arte e se
desinteressar pelas músicas de sucesso.
Nesse contexto a indústria precisa de adaptar a uma dinâmica de mercado, não mais
movida a hits, mas que se organiza em nichos (VIANA apud ANDERSON, 2006).
a economia baseada na criação de hits perde seu sentido primordial a partir da
digitalização dos produtos, que se tornaram não mais que bytes no ciberespaço,
deixando de ocupar espaço no mundo das prateleiras (VIANA, 2009, p.8).
A participação mais ativa do consumidor se configura como uma mudança no panorama
do mercado atual de difusão fonográfica, e modifica o cenário econômico da indústria
que atua nesse mercado.
O consumo participativo como quadro atual da indústria cultural e da indústria
fonográfica como parte integrante é de extrema importância para o presente estudo, pois
ocasiona interferência no processo de criação, que por sua vez altera as características
do que se produz sobre o signo da indústria cultural, em detrimento à alienação
produzida nas massas receptoras da perspectiva do determinismo cultural. Essas
transformações alteram o cenário atual e confundem aspectos e papeis do mercado em
que se insere a música (VIANA, 2009, p.8).
A tecnologia utilizada na produção musical, estreita as fronteiras entre quem cria e o
que cria, visto que as ferramentas como softwares de edição, novos tipos de
possibilidade de criar uma textura sonora ou mecanismos de sensores por exemplo
tornam a música passível de interação com ouvinte, daí possiblidade de reencaminhar
sua direção de acordo com as ações do ouvinte.
novas espécies de imagens, de sons, de formas geradas por tecnologias interativas e seus
dispositivos de acesso permitem um contato direto com a obra, modificando a maneira
de fruir imagens e sons. As interfaces possibilitam a circulação das informações que
podem ser trocadas, negociadas, fazendo com que a arte deixe de ser um produto de
mera expressão do artista para constituir um evento comunicacional (VIANA apud
DOMINGUES, 1997, p. 20).
A séculos e séculos que a música se utiliza de tecnologia de ponta pra criar e interpretar,
visto que a qualidade do som ou da tecnologia composicional ampliam os leques de
possibilidades de construção musical.
41
A música sempre utilizou as mais avançadas tecnologias que existiram; os artesãos
criadores de gabinetes do século XVIII; as indústrias metalúrgicas do século XIX; e a
eletrônica analógica dos anos 1960. Hoje, praticamente toda música comercial –
gravações, trilhas sonoras de cinema e televisão – é criada em estações de trabalho de
música de computador, que sintetizam e processam os sons, gravam e manipulam as
seqüências de notas, geram notações e até mesmo produzem automaticamente padrões
rítmicos, linhas de baixo e progressões e variações melódicas (VIANA apud
KURZWEIL, 2007, p. 219).
Não é mais preciso estudar anos de um instrumento para compor, ou seja, as técnicas
instrumentais deixam de ser necessárias para a criação, visto que os softwares
possibilitam manipulação precisa e dinâmica da construção de um fonograma.
O artista deixa de simplesmente fazer uso do aparato para produzir música, e passa
agora interagir com ele numa espécie de sistema aberto e colaborativo (VIANA, 2009,
p.9).
Enquanto a tempos atrás a tecnologia para criação de fonogramas era cara e de difícil
acessibilidade, hoje se tem essas ferramentas disponíveis em softwares de manipulação
de áudio, alguns são distribuídos gratuitamente na internet. O fato é que, a facilidade de
manipulação sonora, com milhares de plataformas interativas e de fácil
instrumentalização, permitem uma quantidade cada vez maior de pessoas criarem,
recriarem, modificarem. O intenso movimento sonoro de diferentes combinações e
concepções torna as músicas pop’s cada vez menos sedutoras, dada a quantidade de
amostras de qualidade e de diferentes estilos, e da possibilidade de identificação, por
parte do ouvinte, ante a nichos cada vez mais específicos, e que traduzem melhor seu
gosto, concepção, estilo de vida, sentido para ele etc. É grande a quantidade de remixes
e mashups (combinação de duas ou mais músicas em uma mesma edição sonora), o que
leva a música a se fragmentar e recombinar de acordo com o gosto dos ouvintes.
Segundo VIANA o desenvolvimento de músicas que tem o computador como
ferramenta, podem ser notadas e três tipos de processos.
42
O primeiro engloba os processos de reutilização das ideias composicionais e garimpo de
fragmentos musicais. O segundo a produção da música de fato, onde ela é remixada,
recombinada, em programas de edição multipista. O terceiro seria o processo de
fornecimento, mediados pela internet. Consumo e produção, em relação a esse último
processo acrescento mais um citação da autora.
A mediação nesse caso promove a reconfiguração do consumo, pois tendo disponível
uma gama maior de possibilidades sonoras e sem interferência direta das estratégias de
indução do mercado fonográfico, os consumidores têm mais liberdade em buscar e
ouvir novas possibilidades, reconfigurando o que se ouve e reorganizando os processos
econômicos acerca do mercado da música (VIANA, 2009, p.13).
A tecnologia empregada nos processos musicais, transforma a produção a difusão da
arte sonora e a concepção dessa arte. Onde não se tem espaço para um abismo entre
criador e consumidor. A capacidade que o sistema cibernético promove em termos de
acessibilidade a produções de todos os tipos assim como a manipulação dessa produção,
torna os consumidores agentes ativos no processo de reconfiguração do mercado de arte
fonográfica, possibilitando alternativas aos produtos construídos ante a estratégias
marqueteiras e massificadores através da imagem agregada arte. O consumidor passa a
preferir um mundo de possibilidades do que se limitar a músicas de sucesso.
A produção independente de música hoje, pode sim se articular pela internet, e se
articula levando mais diversidade, dotando os saberes locais de menos alegorias, e mais
autonomia em sua produção, existe uma quantidade enorme de nichos musicais com
diferentes vertentes estéticas, mal aproveitadas por grandes gravadoras, porém isso não
impede que as pequenas, tenham recursos suficientes a um custo baixo para difundir
essas produções. O ensino de música pode e deve levar em conta as novas tramas da
comunicação e da sociedade, mostrando aos alunos a variedade de produção através de
ferramentas como o Youtube, Soundcloud, Facebook, ferramentas interativas através de
43
softwares de áudio, e outros instrumentos para criar, modificar e difundir arquivos de
som.
A difusão musical através dos ciberespaços modifica o cenário da projeção que tomam
os registros fonográficos. Além de diversas vídeo-aulas, tutoriais, blog´s, grupos de
bate-papo, que se configuram como novos campos de veiculação da informação e
experiência musical. Se antes muitos aprendiam violão em revistinhas de cifras
vendidas em jornaleiro, hoje uma gama enorme de ferramentas, levará facilidade para
quem quer aprender alguma música, ou técnica, ou saber detalhes de algum trecho
melódico. Isso tudo é facilmente encontrado em muitos casos. Os ciberespaços
modificam a configuração do ensino de música. Ao professor já não cabe mais utilizar
ou não ferramentas do computador, e sim, saber planejar o modo como utilizará essas
ferramentas.
A ampliação do espectro cibernético tem viabilizado acessibilidade a uma enorme gama
de ferramentas destinadas a difusão de métodos para ensino de música. A produção em
pesquisa na área de educação musical relacionada a utilização de ferramentas
tecnológicas para o ensino de música ainda é pequeno em relação as possibilidades
geradas por essas ferramentas. Mesmo assim alguns autores já desenvolveram pesquisas
a respeito:
diversos autores têm estudado as práticas do ensino-aprendizado musical, entendendo
que os meios tecnológicos, representam uma grande influência no que diz respeito ao
sucesso dessa abordagem (PINEIRO apud GOHN, 2003; MOORE, 1997;
FALKEMBACH, 2005; MARTIRANI, 1998; WEBB, 2007) (PINHEIRO, 2010, p.4).
Ante a um mundo de informações e diferentes culturas disponíveis na internet, a figura
do professor não mais representa um agente da informação e conhecimento, e sim um
mediador, alguém que faz a ponte entre a informação e a maneira como ela irá ser
utilizada. Sendo assim saber onde estão e como manejar ferramentas virtuais será um
44
ponto de conexão entre o que é familiar para o aluno assim como as linguagens de
interfaces virtuais e o professor.
[...] a figura do professor-educador está envolvida nesse processo como o produtor-
organizador do material que servirá de mediação para o aprendiz, seja este um texto, um
vídeo, um website ou qualquer outro meio. (PINHEIRO apud GOHN, 2003; p. 13).
Quando o ambiente escolar agrega em torno de si uma variedade maior de tecnologias,
criam espaço mais propício a aprendizagem e criatividade. A interação com vídeos,
imagens, criação sonora em ambiente virtual estimulam habilidades dos alunos.
a interação com os vídeos, por exemplo, disponíveis no Youtube proporcionam uma
maior criatividade nos ouvintes, além de desenvolver aspectos como a memória aural,
visual, espacial, dentre outras. Segundo ele, a apreciação dos vídeos promove a
reintegração e o múltiplo domínio dos elementos musicais, além de contribuir para uma
crescente “reconceitualização na educação musical” e “um significado maior para a
educação musical contemporânea” (PINHEIRO apud WEB, 2007, p. 158).
Tanto a produção e a difusão de música, assim como métodos de aprendizagem com
recursos virtuais compartilhados na internet, levam a uma nova configuração do
panorama da educação musical. Levando aos profissionais das áreas relacionadas a
música a terem de se adaptar. Da mesma forma, os professores estão diretamente em
contato com um público, que manipula com extrema destreza as interfaces virtuais,
principalmente quando esse público é composto de crianças. As gerações mais recentes
nasceram em mundo cercado por tablet´s e smarthphones, e interagem o tempo inteiro
com a música mediado por plataformas instaladas nesses dispositivos móveis. Se antes
tínhamos uma cultura de massa cooptada pela mídia televisiva, hoje essa mídia ainda se
infiltra nos ciberespaços, porém não dita mais as rédeas do mercado através de
estratégias de marketing que reduziram o gosto dos consumidores a meia dúzia de
músicas de sucesso, e sim tem de se adaptar o tempo inteiro a produção de cultura que
faz sucesso entre os visualizadores, sendo assim os saberes locais e sua produção
tornam-se mais autônomos, e projetados sem a mediação da grande mídia. A cultura
ganha contornos mais amplos em seu espectro de projeção, e se infiltram uma
45
diversidade grande de nichos, o que leva ao ouvinte a ter mais poder de escolha. Dessa
forma os contextos sociais ganham mais espaço na internet, quando a produção local
não passa pelo pente fino do show business, não se transformam em genealogias
superficiais da história local, ou por exemplo deixam de virar ferramenta de divulgação
dos ideais do estado, como acontecia na época de Vargas por exemplo, no qual o DIP
(departamento de imprensa e propaganda) utilizava a linguagem popular a serviço do
discurso de orgulho a nação. Saber utilizar as ferramentas da internet para conhecer a
produção local desinfectada de estigmas fortalece uma posição política de valorização a
cultura local, e respeito a diversidade étnica, e aproximação dos saberes locais. Por isso
é importante a posição do professor como mediador dessas ferramentas nos lugares
onde são ministradas atividades de música, para que a realidade dos alunos seja de fato
a realidade dos alunos, onde os contextos sociais, eles mesmos irão mostrar, ou
conhecidos por alguém que pode exemplificar com propriedade. É evidente o quadro de
problemas sociais que se encontram dentro e fora das salas de aula, os professores tem
muitas vezes tem que lhe dar com questões que não são de sua ossada, ficam
sobrecarregados, temos de levar isso em conta, mas é preciso pensar que parte do
desgaste dos profissionais de educação dentro de sala de aula, está na concepção de
música interiorizada ante ao condicionamento escolar e acadêmico que já reconhece a
produção local e seu conhecimento, porém é pautada por concepções superficiais
daquele contexto.
Considerações finais
46
A relação entre o ensino de música e os contextos sociais nele inseridos se faz quando
de fato existe espaço para que os saberes dos alunos estejam presentes em aula, se
apresentando como ferramenta para construção do conhecimento amparado pela
validação da história do aluno ante ao planejamento do ensino de música. Mas isso deve
ocorrer de maneira que tais saberes não caiam em genealogias superficiais da cultura
local, que acabam, muitas vezes sem que o professor perceba, se colocando numa
posição de vanguarda sectária, pois buscam uma aproximação com a realidade dos
alunos por conceituações que já vem prontas, não partindo deles (alunos), e
estigmatizando sua origem numa proposta que teoricamente lhes forneceria a
possibilidade de interagirem e mostrarem suas habilidades, mas que na prática limita
seus campos de ação ao papel de expectadores das ideias que o professor exibe a
respeito da realidade deles. Nem é preciso dizer que é vastíssima a gama de formatos
musicais encontrados em diferentes culturas e regiões, assim como a sistematização do
conhecimento respectivo a cada um deles, que oferecem múltiplas possibilidades
enquanto material utilizado para o ensino de música, conhecimento esse que muitas
vezes já é, em algum nível, instrumentalizado pelo aluno.
47
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Ensino de música e contextos sociais

  • 1. FREDERICO CARDIM DE PINHO FREITAS A RELAÇÃO ENTRE ENSINO DE MÚSICA E OS CONTEXTOS SOCIAIS EM QUE ELA SE INSERE MONOGRAFIA DE LICENCIATURA EM MÚSICA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE MÚSICA Orientandor: Samuel Araújo Rio de Janeiro, 2013 1
  • 2. SUMÁRIO Introdução 03 As práticas locais do ensino de música 04 A concepção de transformação social 16 e a relação com o ensino de música Ensino de música, escola, sociedade e formalidade 30 Industria da comunicação, produção local e ensino de música 36 Considerações finais 47 Referências Bibliográficas 48 2
  • 3. INTRODUÇÃO Não é tão difícil deparar-se com professores que não entendem porque seus alunos não se interessam por suas aulas, assim como com alunos que são tomados pelo desinteresse em relação a propostas de ensino e ao tipo de regras que lhes são impostas. Meu propósito na monografia não será explicar porque isso acontece, até porque cada caso se insere em um universo diferente, mas, sim, buscar compreender a relação entre o ensino de música e os contextos sociais desses alunos como um viés de conexão entre a vida dos alunos e a aula, nem sendo preciso dizer que a comunicação entre educador e educando exige pelo menos considerar esse universo local no qual se insere tanto quem aprende quanto quem ensina, para que o conhecimento seja produzido através de um espiríto de parceria entre os alunos e professores. O conhecimento, quando é construído na relação humana, rende ao professor e ao aluno o desenvolvimento de uma de tão elaborado, não é mais matéria prima mas produto útil aos dois. Resta ao professor entender e utilizar o valor dessa história, e este será proporcional ao valor que seu ensino terá para seus alunos. 3
  • 4. AS PRÁTICAS LOCAIS DO ENSINO DE MÚSICA. É preciso considerar que o processo de ensino e aprendizagem, seja na música ou em qualquer outra área, não se dá só na escola ou só na faculdade. Sempre quando alguém aprende, alguém ou algo lhe ensinou, junto com o que a pessoa desenvolveu diante de uma circunstância, a natureza, o tempo inteiro, nas relações sociais junto as relações do universo, oferecem um infinito espectro de interação entre os seres humanos e a maneira como este vai instrumentalizar um fenômeno e torna-lo útil a sua vida. As práticas locais de ensino e aprendizagem quando incluídas na instituição de ensino legitimam o conhecimento do estudante, aproximam o universo do aluno à escola. É possível “desvelar práticas locais de ensino e aprendizagem musical e a partir da análise e interpretação dessas práticas, ampliar a visão de processos de ensino e aprendizagem musical”(ARROYO,p.8,2002). As práticas locais de ensino são constantemente marginalizadas pelas instituições legitimadas socialmente, ancoradas por uma concepção universalista (visão de que a música é uma linguagem universal, compreendida por todos da mesma forma) que vai de encontro às representações sociais construídas na comunicação e identificação local, pois, quando essas representações não são trabalhadas e reconstituídas no ambiente escolar fomal, não proporcionam para alunos e professores o entendimento de suas próprias ações. "Ao reconstituir as representações sociais, reconstitui-se sentidos de vida e de compreensão da realidade e entende-se porque determinado grupo social age como age"(ARROYO,p.3,2002). 4
  • 5. A relação entre realidade e a difusão de crenças e valores nas relações interpessoais de um determinado contexto social, é certamente algo que vai se apresentar em sala de aula. Todos possuem condicionamentos sociais, esses que na dimensão da representação são elo de comunicação e entendimento seja entre professores e alunos, ou em qualquer relação interpessoal. Representações sociais são pensamentos, valores, crenças, códigos criados nas relações pessoais, com objetivo de garantir e manter a comunicação entre as pessoas de maneira clara. São também percepções, atribuições, atitudes e expectativas adquiridas nas relações e interações entre os sujeitos e às vezes mantidas, e quando isto acontece não leva em conta o processo de mutação, no qual as pessoas estão inseridas. (SILVA; LIMA; COSTA, 2009, p. 3). O papel da representação se torna importante na medida em que ajuda a entender como o ensino precisa dela para dar aos alunos espaço para serem protagonistas na construção do conhecimento, visto que, quando seus saberes não são citados ou incluídos no ensino de música se distanciam de suas realidades empobrecendo o sentido em suas vidas. As projeções que os saberes locais alcançam, assim como o valor que ganham ante a sociedade se relacionam com a dinâmica econômica e política global na medida em que grandes corporações acabam promovendo uma dissolução de “identidades” locais em alegorias vendáveis através de grandes projetos de comunicação. O sistema de organização política e econômica mundial não mais delimita monopólios em limites nacionais, visto que as maiores concentrações de capital estão nas mãos de grandes coorporações multinacionais essas que espalham seus pontos de produção em diferentes partes do globo (HARDT e NEGRI, 2000). Na segunda metade do século XX, as corporações industriais e financeiras multinacionais e transnacionais começaram, realmente, a estruturar territórios globais biopoliticamente. (HARDT NEGRI, 2000, p. 30). As atividades das corporações (...) tendem a fazer dos estados-nações meros instrumentos para medir os fluxos de mercadorias, dinheiro e populações colocando-os em movimento (HARDT e NEGRI, 2000, p. 31). 5
  • 6. A projeção e superinvestimentos na indústria da comunicação têm o intuito de legitimar sua imagem de autoridade, promovendo a condução da opinião pública na direção da aprovação de sua produção. Os valores agregados desses produtos estão muito mais numa dimensão imaterial, de status, do conceito de sucesso, e outros valores superdimensionados por seus projetos de marketing(HARDT e NEGRI,2000). A legitimação da máquina imperial nasce, ao menos em parte, das industrias das comunicações, ou seja, a transformação do novo modo de produção em uma máquina. É um sujeito que produz sua própria imagem de autoridade. Está é uma forma de legitimação que não se baseia em nada externo a si mesma, e se reinventa incesantemente desenvolvendo suas próprias linguagens de auto-validação (HARDT e NEGRI,2000,pág32). Segundo os autores citados, a máquina cria seu próprio sistema de validação por intermédio da indústria de comunicação através de constante intervenção social de modo a regular a aceitação de sua estrutura de produção neutralizando os focos de diferença, diferença essa que surge, por exemplo, através de uma produção local autônoma em relação aos mecanismos de marketing da indústria. A máquina é auto-validante, autopoiética – ou seja, sistêmica, constrói tramas sociais que evacuam ou tornam ineficazes qualquer contradição; cria situações pelas quais neutraliza coercivamente o diferente (HARDT e NEGRI, 2000, p. 33). Mesmo que os focos de resistências à globalização e seu poder de homogeneização continuem surgindo, a indústria se reinventa agregando a sua imagem citações alegóricas e dissolvidas da produção local, e assim novamente, com o intuito de promover a identificação de seu público alvo através de uma representação simbólica de uma suposta “identidade”, comprometendo a fidelidade histórica dos saberes socialmente construídos com autonomia ante a máquina. A máquina imperial vive produzindo um contexto de equilíbrio e/ou reduzindo complexidades, pretendendo por em prática, um projeto de cidadania universal e, por fim, intensificando a efetividade de sua intervenção sobre cada elemento da interrelação comunicativa, enquanto dissolve a identidade e a história em um modo completamente pós-moderno (HARDT e NEGRI, 2009, p. 33). 6
  • 7. A globalização tem efeitos diretos na opressão dos saberes locais, não simplesmente por intermédio do avanço tecnológico, que torna a circulação da informação algo quase banal em quase todas as partes do globo, e potencialmente homogeneizador cultural, mas também pela maneira como se conduzem projetos de comunicação de grandes corporações, seduzindo a opinião pública para a adesão de ferramentas e estilos de vida que rapidamente sobem ao posto de prioridades na vida dos consumidores em potencial. As ferramentas de tecnologia em rede passam a ser ferramentas, também para a divulgação desses ideais, que agregam em seu corpo estrutural hierarquizações culturais eleitas segundo critérios que servem a esses projetos de sugestão e convencimento através do marketing. Levando em conta que a indústria também se mantém atualizada ante as produções socioculturais, e o tempo inteiro, reinventa alegoricamente, essas produções, que passam a se apresentar como genealogias dissolvendo a “identidade” dos sujeitos. Em meio a esses contextos, alguns focos de resistência começam a surgir para fidelizar a produção local sem que sejam distorcidos pela agressividade de imposições externas, como a pesquisa sociopoética. A pesquisa sociopoética é um novo método de construção coletiva do conhecimento que tem como pressupostos básicos que todos os saberes são iguais em direito e que é possível fazer da pesquisa um acontecimento poiético (do grego poiesis = criação) (PETIT, ano?, p.1). Uma das bases teróricas que inspiram a sociopoética é a esquizo-análise que se procede segundo a passagem do texto de Petit: Próxima ao referencial institucionalista está a Esquizo-Análise, cuja crítica radical a toda tendência homogeneizadora combina particularmente bem com a sociopoética. Nessa perspectiva, um dos conceitos inspiradores da Esquizo-Análise é a noção de devir. A Esquizo-Análise parte da constatação que nas nossas sociedades modernas predomina a tendência a serializar e moldar os indivíduos, em todas as dimensões – não somente econômica, mas também social, tecnológica, semiótica, midiática, corporal, biológica – e esses agenciamentos maquínicos representam interferências 7
  • 8. simultaneamente molares e moleculares, isto é, micro e macropolíticas pois, sendo imanentes, não há como separá-las (PETIT, ano?, p. 9). Trata-se de uma ferramenta que busca conceber os seres humanos como múltiplos em sua heterogeneidade, problematizando qualquer busca pela identidade ou homogeneizações essencialistas. Propõe ao invés da noção redutora de identidade, o conceito de devir, que sugere a nossa multiplicidade heterogênea. (PETIT, 2009. p. 10). Ou seja, você é negro, mas nem por isso precisa ser do jeito como se concebem os negros entre uma série de estigmas enraizados na sociedade, assim como os rótulos machistas endereçados as mulheres etc. O fato é que essas tendências de produzir rótulos socialmente legitimados muitas vezes tornam os sujeitos coagidos por uma auto- imagem que lhes foi introjetada na dinâmica social por um intenso condicionamento ao qual são submetidos. Não há como conhecer os valores contidos na própria origem local sem construir um senso crítico a cerca da produção massificada que chega pela indústria da comunicação, quando ela de fato chega (me referindo a massificação cultural). Assim como a pesquisa sócio-poética, outras linhas de pesquisa também buscam uma relação com os saberes locais sem a relação de pesquisador e objeto, visto que os “objetos” de pesquisa nesse caso também estarão pesquisando a sua própria história. A pesquisa participativa (que surgiu na ideia de proporcionar maior participação dos nativos na pesquisa etnográfica) também procura dar voz e espaço para ação dos sujeitos inseridos em um determinado contexto social, de forma que eles participem e construam a pesquisa como protagonistas do trabalho. A aposta nos processos participativos continua como condição para trilhar os caminhos do protagonismo dos grupos oprimidos, marginalizados pelos sistemas excludentes das sociedades, com vistas a conquistar gradativamente mais justiça social em direção a um desenvolvimento solidário e sustentável. Continuam na sua essência (ADAMS, 2006, p. 3). 8
  • 9. Segundo Cambria (2004) a pesquisa etnográfica se apresenta como um método para tentar comprender um determinado contexto sócio-cultural da perspectiva de quem está inserido no contexto em questão. Porém mesmo com o intuito de proporcionar mais lastro na relação entre pesquisa e realidade social, pois muitas linhas de pesquisa etnográfica principalmente antes da década de 80, ainda se encontravam orquestradas pelo pesquisador acadêmico, ou seja, criava-se uma estrutura em que o nativo apenas se pronunciava em relação a sua cultura dentro da limitação estabelecida pelo pesquisador, o nativo não participava da estruturação da pesquisa, nem da reflexão acerca de alguns conceitos acadêmicos, muito menos tinha espaço para discordar da forma como as ideias eram aplicadas a sua realidade. Porém, começam a surgir na antropologia alguns questionamentos em relação as formas como esses estudos etnográficos estavam sendo realizados, a chamada “crítica pós-moderna” que ganha mais força entre a década de 80 e 90 com autores como Clifford Geertz, que buscam questionar a hegemonia do pesquisador ante aos pesquisados, esses que estariam muito mais como objetos de pesquisa do que como colaboradores na construção dessa pesquisa. Com o intuito de legitimar e promover a participação dos nativos na construção da pesquisa surge a “pesquisa-ação participativa”. É justamente o reconhecimento desta posição de subalternidade ou, como diria Paulo Freire (2000), de “opressão” que levou ao desenvolvimento de uma concepção de pesquisa que nos interessa discutir, a chamada “Pesquisa Ação Participativa” (ou participante)(CAMBRIA, 2004, p. 3). No processo de implementação desse tipo estrutura de pesquisa alguns problemas começam a surgir, como por exemplo, a relação entre o pesquisador e o sujeito inserido no contexto X. O pesquisador nada interfere? Apenas se une aos propósitos dos nativos? É importante a postura sincera de não negar as diferenças culturais mesmo quando se busca crescer com o conhecimento de outras culturas. 9
  • 10. “[… ] na síntese cultural”, escreveu este autor, “se resolve – e somente nela – a contradição entre a visão do mundo da liderança [o pesquisador] e do povo, com o enriquecimento de ambos. A síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão e outra, pelo contrário, se funda nelas. O que ela nega é a invasão de uma pela outra. O que ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá à outra” (FREIRE apud CAMBRIA 2000, p. 181). O processo que busca legitimar os saberes locais na pesquisa e no ensino e de música ainda caminha lentamente mas muito já foi feito nessa direção, de fato ainda quando se pensa nesse concepção de pesquisa, construida e aplicada ao ensino, é comum a associação com algo extra-acadêmico ou extra-excolar. Pela separação teria e prática, pesquisa acadêmica ou aplicada, assim como pesquisa ou ensino. A separação entre “teoria” e “prática” (entre pesquisa “acadêmica” e “aplicada”) que hoje somos acostumados a pensar no âmbito das ciências sociais e humanas, em boa parte, é conseqüência da institucionalização e delimitação das disciplinas acadêmicas e de seus métodos e formas de produção intelectual (CAMBRIA, 2004, p. 2). Assim como a noção de teoria e prática expõe dicotomias no campo da pesquisa etnomusicológica as noções de igual e diferente podem ser problematizadas. Muito do que foi desenvolvido na pesquisa etnomusicológica participativa, partia da noção de diferença e sua associação com algo positivo, porém esta mesma noção ocultava relações de poder e suas correspondentes assimetrias, de maneira a homogeneizar e categorizar o “outro”. Porém Cambria, em um artigo da revista Música e cultura, problematiza o modo como a diferença foi entendida na pesquisa etnomusicológica, e quais os novas tendências dessa mesma pesquisa. É dessa problemática que se desenvolverá esse artigo, mostrando como a etnomusicologia desenhava sua perspectiva de pesquisa na noção do “outro” como o exótico e que acabava por construir dicotomias e reforçando estigmas. Várias dicotomias, centrais em etapas passadas da história intelectual de nosso campo (mas que, muitas vezes, temos tomado emprestadas de outras áreas) vieram reforçar (e confirmar) a oposição binária definidora entre “nós” e o “outro”: civilizado/primitivo, mente/corpo, cultura/natureza, ciência/magia, escrita/oralidade, lógico/pré-lógico, urbano/rural, ocidental/não ocidental, modernidade/tradição, formal/informal, familiar/exótico e assim por diante(CAMBRIA, p.2, 2008). 10
  • 11. Cambria explica que a nova tendência etnomusicológica nas pesquisas aponta para uma ressignificação da diferença de modo que está não mais significa simplesmente a diferença entre o pesquisador e o outro, isto é, não mais como se todos os “diferentes” “exóticos” estivessem categorizados em um mesmo nível de “sistemas” e “estruturas”. Se, no passado, nossos predecessores tentaram compreendê-las como “estruturas” e “sistemas” coerentes, isto é, como todos homogêneos (dessa forma, eles falavam sobre “os” Balineses, “os” Nuer etc.), hoje, tendo consciência das diferenças internas que elas apresentam em todos seus níveis, preferimos analisar como são relacionalmente “construídas” e/ou “imaginadas”(CAMBRIA, p.3,2008). A identidade passa a ser agora mais estudada pela etnomusicologia entendendo-a em sua dimensão de construção social e processos relacionais(cambria, 2008). Ao longo do artigo explica como as pesquisas etnomusicológicas se pautavam na diferença como algo positivo, mas que hoje já se percebe uma necessidade de entende-la sob uma perspectiva que leve em conta as assimetrias de poder, que tende a taxar em um nível homogêneo o “outro”. Se no passado temos buscado a diferença como algo fundamentalmente positivo em si, como uma riqueza (“diversidade”) a ser descoberta, representada e explicada, hoje temos cada vez mais a consciência de que, muitas vezes, essas mesmas diferenças são vinculadas a, quando não resultantes de, relações assimétricas de poder (“desigualdade”), em vários níveis, desde a dimensão local até aquela global, e que seus discursos e performances estão envolvidos nas lutas simbólicas para a legitimação ou a contestação de várias formas de hegemonia(CAMBRIA, p.12,2008). Um bom exemplo de integração entre pesquisa e ensino de música, de modo que leve aos nativos a possibilidade de participarem ativamente do processo de construção da pesquisa em discursos que verdadeiramente sejam leais ao saberes locais descritos pelos próprios nativos, de maneira a refletir sobre as assimetrias de poder contidos na noção de diferença, e nos processos relacionais e construções sociais que irão pautar o conceito de identidade, em parceria com pesquisadores não-nativos, é o grupo Musicultura, um projeto na Maré cujo objetivo é pesquisar e estudar manifestações musicais da Maré, uma autopesquisa. 11
  • 12. O pesquisador Alexandre Dias, em um artigo da ENABET, faz um levantamento topográfico no bairro da Maré se atendo aos discursos subjacentes contidos no propósito de projetos, que funcionam na região, que em grande parte dos casos, mostrou em sua pesquisa, objetivam, através de atividades artístico-musicais, reforçar identidades (de maneira estigmatizada), recuperar autoestima, construir cidadania, e retirar pessoas da criminalidade, medidas efetivadas através do chamado terceiro setor, composto por ONG´s (a pesquisa se atém ao caso das ONG´s), Associações comunitárias, Sindicatos, e até igrejas, que ante a intensificação de conflitos de classe se transformam em mecanismos de cooptação e controle social. (DIAS,2011). É possível, no presente artigo, observar o quanto as ações da mídia e a institucionalização de ações por intermédio do terceiro setor servem a um ideal de apaziguar a iminência de conflitos entre favela e “cidade”, levando em conta como a favela é colocada como um problema a ser solucionado por ações destinadas a regulação do estado. O terceiro setor seria uma alusão a sociedade organizada de maneira a unir interesses e investimentos da iniciativa privada e estatal, visto que das duas partes existe o desejo de responder a demandas sociais mais urgentes(DIAS, 2011). No caso da mídia, os discursos insuflados com intensidade por intermédio de veículos de grande projeção e cooptação da opinião pública, se apresentam como instrumentos que intensificam os estigmas a respeito de algumas localidades, e tornando os próprios moradores, convencidos de sua periculosidade, ou de sua condição nociva ao bem estar da cidade, ou como um problema para a cidade. A auto pesquisa, passa a ser então uma forma de conhecer melhor sua própria realidade, atento as disparidades impostas nas relações de poder e reforçadas por mecanismos da mídia. Fazer música para manter a mente ocupada, ante a iminência de virar um traficante? Ou se conhecer no contexto- social em que se está inserido, para transformar a ideia que se tem de si mesmo, e 12
  • 13. descobrir uma realidade que se torna até difícil de enxergar quando não se está atento aos mecanismos de controle da opinião pública projetados pela mídia, que conceitua a favela como sinônimo de perigo? Para Cecília Maria Bouças Coimbra (1998), as ações da mídia em geral constroem a “estrita e definitiva relação entre pobreza e classes perigosas”, na qual o morador de favela é quase que “determinantemente propenso à vida do crime”. Esse determinismo geográfico, fortalecido e apropriado por boa parte da mídia, torna ainda mais difícil a integração do favelizado nas relações sociais formais de cidadania e acesso a bens materiais e culturais, o que acaba por justificar, de certa forma, a constante descrição do carente, numa analogia ao “pobre-coitado” – do criminoso, numa relação com o selvagem – e do inculto, numa identificação com o bárbaro, essas são algumas das principais adjetivações da favela e do favelizado para o restante da cidade(DIAS apud COIMBRA, 2011). As iniciativas de projetos de arte que estigmatizam os moradores e seus saberes locais na maré são bem numerosos como mostrou Dias: Oito, num total de dezesseis organizações levantadas, oferecem oficinas ou atividades culturais ligadas a práticas musicais. Essas oficinas possuem, em grade parte dos casos, o objetivo de “reforçar identidades”, “recuperar a auto-estima”, “construir cidadania” e/ou “retirar as pessoas da criminalidade(DIAS,p.31,2011). Mas não torna menos eficaz uma abordagem etnomusicológica que faz dos nativos protagonistas de sua própria história e realidade, como o trabalho realizado no grupo Musicultura. Não só na maré como em qualquer outro lugar, é possível proporcionar o espaço necessário para a construção de um ensino de música que leve em conta o contexto sociocultural em que estão inseridos alunos e professores. A ideia contida no ensino de música muitas vezes agrega em torno de sua aplicação a separação entre as práticas de ensino ministradas em ambientes tradicionalmente destinados a esse tipo de atividade de ensino, que foram moldadas ante a parâmetros de hierarquização do conhecimento, (por exemplo, no caso dos conservatórios, traz em sua concepção histórica ideais eurocêntricos), o que acaba gerando um distanciamento das práticas locais de ensino na cultura popular da metodologia utilizada para ensinar música. 13
  • 14. A pesquisadora Margarete Arroyo (2000) mostra no artigo “Um olhar antropológico sobre práticas de ensino e aprendizagem musical” a realidade de um conservatório fundamentando no conceito de instituição como o que tem como característica analogias naturalizantes que, no caso dos conservatórios reforçam, dicotomias esquizóides, como mente/corpo. Interpretei o Conservat6rio de Música como uma instituição escolar, conceitualizando "instituição" segundo a antropóloga Mary Douglas (1998). A autora argumenta que as instituições estão baseadas em analogias naturalizantes, que Ihes conferem legitimidade. Considerando que a instituição Conservat6rio está fundada em analogias constitutivas da cultura ocidental, legitimadas em oposições, tais como espiritual versus material, esquerdo versus direito, corpo versus mente (ARROYO apud DOUGLAS,2000,p.2). E em contraposição a instituição conservatório, analisa as práticas locais de ensino de música presente no congado mineiro, estabelecendo como viés de análise comparativa a noção de representação social. As representações sociais são uma forma de saber conceitual e prático, construído e compartilhado coletivamente a partir das interações sociais. As representações sociais edificam a realidade, sendo compreendidas no senso comum como formas, naturalizadas de significado. Em outras palavras, estruturadas socialmente, quando naturalizadas, acabam por estruturar a pr6pria sociedade, ou seja, reproduzimos concepções, crenças, valores e práticas como se elas fossem inquestionáveis, quando na verdade são resultado da elaboração de grupos humanos, em determinadas situações históricas(ARROYO,2000,p.2) Usando o conceito de cultura segundo o antropólogo Clifford Gertz, que a define como “uma teia de significados construídos nas relações sociais” (ARROYO apud GERTZ,1989,p.15). Arroyo conclui que as representações sociais estão diretamente relacionadas a maneira como a cultura irá se construir e se constituir em meio aos contextos socioculturais. A prática musical passa a ser, no modo como é entendida, bem mais do que ações ministradas por um concepção pedagógica e sim uma prática significativa. Quando recorro ao termo "práticas de ensino e aprendizagem musical", refiro-me ao sentido de "pratica significativa", segundo Middleton. Assim, práticas de ensino e 14
  • 15. aprendizagem de música são muito mais do que ações musicais acompanhadas dos tradicionais elementos pedag6gicos que compõem educação escolar/acadêmica: objetivos e conteudos. As práticas de ensino e aprendizagem musical, como reprodutoras e produtoras de significados, conferem ao ensino e aprendizagem de musica um papel de criador de cultura (compreendida segundo Geertz) (ARROYO,2000,p.2). Partindo da concepção de movimento e mudança, as dinâmicas de ensino não são estáticas visto que se reinventam de acordo com as transformações sociais, mesmo em se tratando do âmbito institucional impregnado de “analogias naturalizantes”, como foi dito anteriormente que acabam por segregar dimensões de manifestação de consciência e ações humanas, como por exemplo a separação entre espiritual e material. A mudança, se atendo a linha de raciocínio do referido artigo, seria a integração entre a história humana na cultura de um determinado contexto, (o que de fato alunos e professores vivem musicalmente em seu cotidiano, e quais representações sociais fazem sentido em suas vidas, reproduzidas e produzidas na prática de ensino) e a inserção dessas práticas, manifestas no significado presente em suas vidas, em instituições socialmente legitimadas. Já a permanência, seria, por exemplo a hegemonia da concepção erudita de música ante as práticas populares de ensino, por mais que no caso de muitos conservatórios a música popular já esteja inserida, mas se ocupa um lugar secundário ante uma hierarquização do conhecimento, ou se seu espaço está condicionado a moldes de entendimento eurocêntricos, a integração das práticas locais de ensino estaria incompleta. O estranhamento ao familiar, e familiarização com o que se apresenta como estranho as vivências humanas torna-se exercício importante, na direção de proporcionar mais espaço para as práticas locais do ensino de música, visto que é grande a carga de condicionamentos culturais impregnada nos ideias de educação e civilização presentes no ensino de música. 15
  • 16. A concepção de transformação social e a relação com a música As escolas, são, pelo menos em potencial, locais com o poder de agregar em torno de si, as práticas locais de ensino em sua dimensão significativa ou seja, mais do que simples reproduções metodológicas, e sim práticas conectadas a realidade do ensino. Porém, como cita Arroyo (2000) citada no capítulo anterior, as instituições de ensino muitas vezes segregam a dimensão significativa do plano pedagógico presente nas aulas. Se pautando no significado de permanência, boa parte das instituições, acabam por naturalizar uma concepção hierárquica do conhecimento tradicionalmente instituído, ante a realidades sociais, realidades essas que se apresentam como peças chaves no processo de transformação pela autoconsciência da própria história e realidade social, mas que frequentemente foram marginalizadas por sistematizações repressoras de estruturas pedagógicas. O papel de transformação social das instituições de ensino já há algum tempo são questionadas. Na década de 1960, começa-se a observar o papel da escola como reprodutora de desigualdades sociais, selecionando “talentos”, projetando nos alunos uma enorme carga de gostos, preferências e convenções sociais com base em um julgamento tendencioso, contido nas avaliações que selecionam os que se aproximam mais do que foi legitimado socialmente como conhecimento (BOURDIEU,1998). Bourdieu deixa claro que um dos mecanismos para a “separação” dos objetos (por exemplo, em temas ou assuntos) relevantes e não relevantes a um determinado sistema educacional ou campo cientifico, é a conivência da opinião de um determinado grupo (social ou intelectual) sobre um tema, ou um objeto socialmente reconhecido ou não pelos envolvidos no “julgamento”, conforme o contexto histórico em questão (CERQUEIRA, 2008, p. 266). 16
  • 17. Bourdieu também questiona o valor dado ao que ficou designado subjetivamente como “cultura geral”, que seria um conjunto de ações típicas, já incorporadas nas relações sociais. Construída pelos extratos economicamente privilegiados, essa cultura, na verdade estaria contemplada por hierarquizações do conhecimento, segundo ideais construídos e naturalizados dinâmica social, diretamente ligados a ideia de civilização. A noção de cultura geral segundo Bourdieu está relacionada aos gostos e escolhas sociais, convencionadas por exemplo, como códigos escolares tornando legítima a tradição em esferas com maior poder de influência e estabelecendo uma relação direta com o conceito de “capital cultural”, ou seja, uma relação com o conhecimento reconhecido, aprovado socialmente pela cultura que domina(BOURDIEU,1998). A intensificação do chamado terceiro setor, que inclui ong’s, se constitui como mecanismo de regulação social na medida em que busca, em grande parte dos projetos, aproximar a população “carente” com práticas de cidadania, recuperação da autoestima, etc,(DIAS, 2011). Reproduzindo um discurso de aproximação com as “práticas da sociedade civilizada”, ou seja, parte da ideia de que, certas regiões pobres, como favelas e morros são um problema a ser resolvido(GUAZINA, 2011). As crianças vistas como traficantes em potencial, e a população em geral é conduzida a uma orientação de “bons modos”, permeando o objetivo de muitos projetos de educação ambiental por exemplo, que apesar do nome, tem o objetivo muito mais de tornar pobres “educados” para que não sejam um problema nas lindas praias do rio de janeiro, essa que recebe turistas do mundo inteiro e abriga o extrato econômico mais abastado da sociedade carioca, do que de fato promover educação ambiental, falando a grosso modo (estado e a iniciativa privada, em muitos casos, se alinham e investem nesse tipo proposta) O uso da música como ferramenta de transformação também está aliado aos interesses do estado de “apaziguamento” em alguns projetos (GUAZINA, 2008). Em muitos casos, a música 17
  • 18. acabou ocupando um posto demagógico na política de “aproximação” do governo com as areas pobres do Brasil. Se naturalizou o discurso de “cabeça vazia é oficina do diabo” que tem como matriz pensar que a música ocupa a mente dos que são potencialmente traficantes porque moram na favela, e assim a ideia de transformar a realidade pela música vai se incorporando nos objetivos desse ensino (GUAZINA, 2008). A crença no potencial transformador da sociedade pela ‘música’ perpassa, atualmente, diferentes esferas da própria sociedade e toma formas múltiplas e complexas muito presentes nas realidades brasileiras. Essa crença tem se expressado na forma de práticas musicais que costumam ser atravessadas por uma associação direta e naturalizada entre pobreza, violência, projetos sociais e discursos baseados em diferentes racionalidades, comumente marcados por uma lógica salvacionista que é associada as populações mais pobres. Tais projetos estão direcionados a parcela historicamente mais excluida das proteções sociais em múltiplas configurações e sao construidos e atravessados pelos modos de existência contemporâneos, os quais são calcados na velocidade das ações, desestabilização dos vínculos de trabalho, precarização da proteção social e uma produção cotidiana de relações de violência e dominação. (GUAZINA, pág. 359 e 360, 2008). Segundo Guazina (2008), grande parte desses projetos mantém um discurso que aponta para a profissionalização pela música, de modo que os participantes se vêem seduzidos pela possibilidade de viver de música ou até mesmo serem famosos, ricos(GUAZINA, 2008). Estes profissionais nao costumam ter direito a proteção social trabalhista, uma vez que se exige deles um vinculo ‘terceirizado’. Mao-de-obra tornada barata, mesmo que muitas vezes seja altamente especializada (GUAZINA, p.363,2008). A possibilidade de poder trabalhar com música, prossegue a autora, se apresenta como um layout do projeto, tornando-o mais atraente, mas não leva os participantes a refletirem sobre as garantias de emprego que terão, depois de submetidos a essa formação especializada (GUAZINA, 2008). O aumento de projetos sociais está diretamente relacionado a intensificação dos conflitos de classe, ante a demandas sociais urgentes não comtempladas pelas políticas públicas, fazendo do terceiro setor, composto por exemplo por, Ong’s, sindicatos e associações comunitárias, instrumento do estado aliado a iniciativa privada com objetivo de amenizar as carências de serviços de 18
  • 19. qualidade prestados à população (DIAS, 2011) como por exemplo, escolas de qualidade. A grande maioria dos coordenadores de projetos com os quais conversei até agora concordam como a idéia de que seus projetos poderiam ser substituidos por boas escolas, no que diz respeito aos efeitos sobre a vida da população a que atendem, ou seja, oportunidades dignas e competentes de formação(GUAZINA,p.364,2008). Não é de hoje que podemos perceber mecanismos de neutralização e normalização da sociedade pela arte, principalmente pela música, com o intuito de dotar a classe pobre operária de uma espécie de plenitude harmonizadora, como instrumento democrático do estado para “anestesiar” a capacidade crítica da população, ante a demandas sociais não contempladas por políticas públicas de qualidade. As classes trabalhadoras na sociedade francesa na época de Napoleão eram vistas pelas autoridades do governo com ambivalência, isto é, eram temidos, muitas vezes, citados com sentimentos de rancor, mas ao mesmo tempo, o império matinha preocupações humanitárias em relação a essas classes (FULCHER, 1979).A música nesse tipo de sociedade, se apresentava como uma ferramenta de coalisão entre as artes, na preferência do império, a boa música, por exemplo, e os trabalhadores, aludindo a ideais sociológicos e de estéticos franceses (FULCHER, 1979). O “Orfeão”, sociedade coral para os trabalhadores, surgi então inserido no contexto de “cultura democrática” como modelo de permanência das tradições ideológicas, que foram utilizadas com objetivo de lucro político reforçando ideais de harmonização pela música, a arte social, utilizadas para disseminar uma concepção humanitária e democrática do estado (FULCHER, 1979). Por volta de 1830, a França começa a introduzir a educação coral orfeônica nas escolas, depois de algum tempo passa a incluir alguns jovens e adultos trabalhadores o que acabou fazendo surgir coros direcionados a classe trabalhadora. A experiência coral, 19
  • 20. tendo sucesso entre os trabalhadores, se disseminou pela França junto a concepções de “aprimoramento moral” da classe dando ênfase ao repertório operístico (FULCHER, 1979). Toda essa panaceia moral dirigida a classe operária, foi se configurando como instrumento para o aumento da produção, entendendo o bem estar do trabalhador como combustível para suas atividades profissionais exaustivas (FULCHER, 1979). A música então segue sendo um artifício pelo qual, se disseminassem ideias de harmonização social e neutralidade entre classes, como se a “boa arte”, correspondente ao capital cultural do estado, fosse o viés capaz equilibrar as contradições e conflitos entre classes (FULCHER, 1979). O Orfeão foi um meio de se “cultivar” os trabalhadores, como o próprio Fourier havia proposto, de os imbuir de “gosto”, de consolar e “amenizar”, de os ajudar a formar “juízos”, de moralizar”(FULCHER,1979,p.8). O ideal de harmonização social pela música também tinha uma dimensão de predestinação, e conformismo cristão. Sendo desejo das autoridades culturais elevar o gosto literário, as mesmas entenderam ser instrumental o fazer através de canções, em particular, aquelas que enfatizassem seus ideais. Altruísmo, crença em Deus, aceitação do sofrimento, todos estes eram temas centrais acentuados pelo governo, desejando os ver expressos na arte do trabalhador francês(FULCHER,1979,p.7). Apesar de, em alguns aspectos, os ideias disseminados no canto coral, incluíssem, por exemplo, crença em Deus e aceitação ao sofrimento, a religião na França não se projetava com intensidade nas camadas proletárias, visto que essa classe, era considerada bastarda, sem moral, perdida pelos antros de prostituição, de modo que o interesse orfeônico os redirecionava para um “divertimento moral” “sadio” (FULCHER,1979). 20
  • 21. A escolha orfeônica, não se consagrou como viés de cooptação da opinião pública por acaso na França, visto que antes disso já havia uma inclinação camponesa a sátiras políticas cantadas em coro, portanto o canto orfeônico seria uma forma de também neutralizar esses focos de crítica social campesina (FULCHER,1979). ‘’ A sociedade Bonapartista centralizava nas mãos de um imperador o objetivo de uma cooperação entre a classe pobre operária, a fim de harmonizar e neutralizar a sociedade para servir as decisões políticas do estado. E assim o canto orfeônico servia aos ideias democráticos de Bonaparte (FULCHER,1979). A música civiliza o indivíduo e as massas…por tudo que ela impõe, pelos hábitos e qualidades que são prenhes de virtude, pela exatidão, pelo espírito de associação...pela obrigação de se realizar em grande número sob a vigilância de todos os olhares, sob a direção de um mestre, com o indispensável elo do concurso comum (FULCHER apud FALLOUX,1979,p.11). Atrelada a concepção orfeônica no ensino de música se anexavam os ideais nacionalistas, que no Brasil na época de Vargas, se estruturavam no conceito de mestiço, presente nas ideias de Gilberto Freire. O estado busca um viés de que represente a união das raças no Brasil, na música, o elo entre povo e estado foi o samba, que tanto propagandeou as diretrizes do governo, essa que reafirmaria a intensão de divulgar um estado democrático, junto ao estimulo de cooperação mútua entre o operariado e iniciativas públicas a serviço do “progresso”. Parecido com a sociedade orfeônica francesa, que continha em seu discurso por exemplo, a harmonização social, algo que promovesse um sentimento de igualdade entre operários e império, mas que acabava por neutralizar movimentos de crítica social. De 1930 a 1950 o canto orfeônico foi instituído como modelo de educação musical no Brasil, e inspirou a construção de concepções pedagógicas instituídas em conservatórios e cursos superiores de música. 21
  • 22. Segundo Lisboa e Kerr, a escolha por esse modelo de ensino estava atrelada a uma ideologia nacionalista universalista, que mais sintetizava apropriações da classe dominantes dos elementos a cultura popular. Porém concebidos alegoricamente, e propagandeados segundo interesses econômicos dessas classes. De acordo com as palavras de Marilena Chauí (2001, p. 86), a ideologia transforma “as idéias particulares da classe dominante em idéias universais de todos e para todos os membros da sociedade”. A autora, também, destaca que “o momento essencial de consolidação social da ideologia ocorre quando as idéias e valores da classe emergente são interiorizados pela consciência de todos os membros não- dominantes da sociedade” (ib, p. 97)(LISBOA e KERR apud CHAUÍ,p.4,2005). Assim como as sociedades orfeônicas na França, os ideais nazistas também continham esse carácter harmonizar a sociedade, nesse caso, na direção de eleger símbolos de um capital cultural germânico associada a uma busca pela raça pura ariana. A música clássica alemã, já antes do período entre guerras, havia expandido a mentalidade composicional além das concepções barrocas, clássicas, românticas, e outras consagradas na difusão mundial da cultura germânica. Compositores como Weber, Schoenberg, A. Berg, já buscavam uma linguagem que ultrapassasse as regras instituídas em conservatórios europeus, e que não encontravam correspondência nas exigências nazistas, ante a preferência da linguagem musical consagrada, cadências perfeitas, discurso tonal clássico, formação instrumental tradicional, o reflexo da busca pela raça pura, na busca pela cultura e música pura. Na verdade, alimentavam um ideal que nem sequer é possível de existir, pois nenhum país deixa de conter em sua trama étnica histórica, migrações, miscigenação, influências culturais, etc. Recorri a uma monografia, de uma aluna de história da UNIOESTE, Paraná, que buscou entender um pouco do movimento contemporâneo especificamente o compositor Schoemberg no período em que a ideologia nacional alemã, o nazi-facismo, os rotulava como arte degenerada, BATISTA (2009). 22
  • 23. A Chamada arte degenerada foi censurada e muitos dos artistas exilados, torturados ou mortos. Há setenta anos atrás, em Monique, na Alemanha, era organizada a “Exposição da Arte Degenerada”, com a qual os nazistas pretendiam desmoralizar importantes artistas modernistas, tais como Picasso, Kandinski e Klee. A exposição Entartete Kunst ocorreu em 19 de julho de 1937 na tradicional galeria Hofgarten, onde foram apresentadas cerca de 650 pinturas, gravuras e esculturas, as quais foram selecionadas entre as mais de 5 mil obras confiscadas pelo governo alemão dos principais museus e galerias do país. Seguindo de Monique para outras cidades da Alemanha e Áustria, a exibição foi visitada por centenas de pessoas, um público que desde 1933 vinha freqüentando as exposições patrocinadas pelo III Reich. As grandiosas Exposições da Arte Alemã (Grosse Deutsche Kunstausstellung) tinham como objetivo divulgar a arte 30 oficial, apregoada pelo regime. A exposição “Entartete Kunst” demonstrava a limpeza estética realizada nos museus e galerias do país.(BATISTA,p.29,2009). A busca por um nivelamento social, por uma distorção da igualdade humana, o extermínio da diferença, levou ao regime nazista alemão se caracterizar por aspectos que hora se mostravam como um ideal de perfeição, na imagem de belas músicas, lindas mulheres arianas junto a suas crianças loiras de olhos azuis, projetos de arquitetura, urbanismo e design muitos vezes do próprio Hitler, como o Brasão de seu partido nacional socialista (esse que antes teria se frustrado não conseguindo entrar para uma escola de arte), e hora se refletiam na total brutalidade contra manifestações que se construíam com autonomia ideológica, assim como etnias e ou concepções consideradas nocivas à perfeição idealizadas pelo regime e deveriam ser destruídas, destinadas ao extermínio só por sua diferença (BATISTA, 2009). Os nazistas, projetando concepções de eugenia a serviço de uma perfeição idealizada, temiam manifestações culturais autônomas, principalmente por serem potencialmente denunciadores sociais. Assistindo a Schlageter, dramaturgia que fazia referência a um alemão morto por ter realizado atentado terrorista, condenado a morte pelos militares franceses, esse que foi apresentado como um ideal de heroísmo (Nesse dia comemorava-se o aniversário de Hitler), um dos nazistas comentou, “Quando ouço a palavra cultura, saco logo meu revólver” (a frase foi dita por Hermann Goering). 23
  • 24. Percebemos então como era importante para o regime nazista controlar a difusão da cultura na sociedade alemã (BATISTA, 2009). A cultura também diz respeito aos laços de identidade de um povo com os seus costumes, saberes, produção material e imaterial. O projeto arquitetado pelo nacional- socialismo apontou a preocupação de liquidar com os adversários e as idéias antagônicas às suas, mas não foi ingênuo a ponto de descartar por completo as tradições arraigadas no seio social e histórico alemão. Ao contrário, utilizou-as, apropriando-se de vários de seus elementos para legitimar sua própria ideologia (BATISTA,p.41, 2009). O uso da tradição na cultura alemã foi um fator definitivo no estimulo ao orgulho alemão que alimentava posições heroicas, e habilidosas dos soldados nas frentes de batalha. O uso de suas raízes culturais reacendia a autoestima nacional, que posteriormente seria distorcida para fins políticos (BATISTA, 2009). Houve na Alemanha uma espécie de ajuste às premissas da nação, a qual já detinha elementos culturais de agregação fortemente definidos antes mesmo da ascensão e delimitação do Estado Nacional. Esse fator facilitou a constituição de um regime autoritário baseado no nacionalismo, reforçando pontos chave de combinação entre aspectos da cultura local e a ideologia do regime. Deste modo, certo sentimento de “orgulho de ser alemão”, imbricado na psicologia social do país pelos adeptos do III Reich, e resgatando a autoestima da população, foi direcionado e relacionado diametralmente ao nazismo, o suposto condutor dos desejos mais íntimos da pátria germânica (WENDPAD,p.42, 2009). Antes do séc. XX era dada a música certa liberdade de manifestação, por ser considerada uma atividade inócua ante a funções sociais políticas, porém um pouco depois da revolução russa de 1917 alguns intelectuais começaram a entender a arte como “fator de transformação social”(WENDPAD, 2009). União Soviética, durante o século XIX, os românticos teriam iniciado a recuperação do “projeto nacionalista no campo musical” e procuraram estabelecer diretrizes para a arte, visando a possibilidade desta refletir os anseios do povo e preservar a cultura popular (BATISTA, p.43,2009). 24
  • 25. O que logo gerou iniciativas do estado para controlar essas manifestações da cultura: Percebendo a importância da arte como uma arma de propaganda de ideais políticos, criaram órgãos específicos para controlar e censurar as mais diversas atividades artísticas. O Estado totalitário, diante do caráter polissêmico e coletivista da música, considerava que ela poderia transformar a multidão numa massa “perturbadora da ordem”(BATISTA apud CONTIER, p.43, 2009). O estado nazista em 1933 já instituía um órgão de controle e difusão de ideais do governo se servindo de ícones tradicionais distorcidos por discursos populistas em apresentações alegóricas que animavam o espírito nacionalista alemão. O Ministério do Reich de Esclarecimento Popular e da Propaganda, criado em 1933 por Hitler, que tinha como dirigente Joseph Goebbels. Tal Ministério apresentava como principal função a direção intelectual da Nação através da divulgação de idéias que beneficiassem o Estado, sua economia e cultura (BATISTA, p.43, 2009). Não coincidentemente o DIP (Departamento de impressa e propaganda) foi criado no governo de Vargas em 1939, 6 anos depois do Ministério do Reich. O DIP controlava os meios de comunicação e censurava a atividade artística no Brasil. Não era tão fácil ver intelectuais do estado novo demonstrarem sua admiração pelo regime nazista, porém alguns poucos admitiam, como Felinto Muller, chefe de polícia política e Lourival Fontes, Diretor do DIP, também responsável pela produção e divulgação da propaganda estado-novista (PANDOLFI, 1999). A importância dos meios de comunicação para a propaganda política já fora salientada por Chateaubriand, que em 1935 criticou Vargas pela incapacidade de utilizá-los de forma eficiente. Mencionando o exemplo da Alemanha nazista, Assis Chateaubriand comentou que nesse país “a técnica de propaganda obtém resultados até a hipnose coletiva (...). O número de heréticos se torna cada vez mais reduzido porque o esforço de sugestão coletiva é desempenhado pelas três armas poderosas de combate da técnica material de propaganda: o jornalismo, o rádio e o cinema (PANDOLFI, p.170, 1999). 25
  • 26. A ideia de “transformar a sociedade” está presente nas intenções desse projeto político de modelar a mentalidade popular na direção de envolve-los emocionalmente em um discurso de mudança, virada, revolução. Levando pessoas a se empenharem em sua “cidadania” convencidas da necessidade da cooperação e ancoradas por ideais de progresso e democracia, esses que são insuflados por um sentimento de orgulho a nação. Francisco Campos referiu-se à transformação da “tranquila opinião pública do século passado em um estado de delírio ou de alucinação coletiva mediante os instrumentos de propagação, de intensificação e de contágio das emoções, tornados possíveis precisamente graças ao progresso que nos deu a imprensa de grande tiragem, a radiodifusão, o cinema, os recentes processos de comunicação que conferem ao homem um dom de ubiqüidade e, dentro em pouco, a televisão, tornando possível a nossa presença simultânea em diferentes pontos do espaço. Não é necessário o contato físico para que haja multidão. Durante toda a fase da campanha ou da propaganda política, toda a nação é mobilizada em estado multitudinário. Nessa atmosfera emotiva seria ridículo admitir que os pronunciamentos de opinião possam ter outro caráter que não seja o ditado por preferências ou tendências de ordem absolutamente irracional” (PANDULFI apud CAMPOS, 1999). Assim como sua inspiração nazista, o projeto de divulgação e propaganda no governo Vargas também buscava nos elementos tradicionais da cultura nacional, representações sociais que promovessem a identificação do povo a suas raízes, e através dessa ferramenta, alimentar o sentimento de orgulho nacional cooptando a opinião pública. Era uma forma de legitimar uma linguagem falada e criada pelo povo, como foi e é no caso do Brasil, o samba, mas utilizando-a a serviço do projeto de propaganda política que promovia o ideais do estado (FENERICK, 2005). O estado agora promoveria, por intermédio de manifestações da cultura antes estigmatizadas, uma aproximação com o povo. O governo já esboçava uma política para estabelecer elos com as manifestações populares, antes tão estigmatizadas, os ideólogos do regime autoritário faziam mil malabarismos para mostrar que havia uma continuidade entre o movimento vanguardista paulista dos anos 1920 e o estado pós-30. Queriam criar pontes entre a chamada revolução estética e a política. Entrava aí, a retórica do país novo, ávido de novos caminhos e de cabeças pensantes, e nesse quadro, Vargas a parecia como o 26
  • 27. verdadeiro Candottiero das mudanças. Explicava-se que, antes do estado novo, a política era “Madrasta da inteligência”, mas, com Vargas no poder, essa hostilidade foi substituída pela cooperação (FENERICK apud VELOSO, p.73, 2005). A cooptação do opinião pública vem através de mensagens adaptadas a linguagem popular. O que Vargas faz é legitimar algo que já está sendo legitimado pela própria sociedade. Aliás essa era uma das estratégias propagandísticas do governo: Dizia antecipar-se aos anseios da sociedade. Dessa maneira Vargas aparecia como patrocinador do teatro, da música (popular e erudita), da literatura e de quase todas as manifestações sócio- culturais, com o samba dá-se o mesmo. (FENERICK apud VELOSO, p.74, 2005). Não só de samba, se construiu a cultura no Brasil, porém a relação entre samba e identidade brasileira ficou marcada e estigmatizada e nem é preciso dizer, que outros gêneros também fazem parte do panorama cultural da música brasileira, como por exemplo o rock. Segundo JACQUES (2009), o estilo rock, cria um território simbólico que constitui comunidade. A autora analisa segundo a perspectiva de forma e conteúdo, categorias em que estariam inseridos os fatores ruído e peso. Essas categorias estariam ligadas a tendência do rock de ruptura com uma estética construída sobre moldes racionais. Essas categorias apontam para o desejo de ruptura com uma ordem racionalizada, seja musical ou social. Com a ênfase no prazer de tocar e na criatividade em detrimento da técnica, o rock questiona a estética da tradição musical moderna. A rejeição da música racionalizada é também a rejeição do comportamento racionalmente orientado. É devido ao abandono de um discurso marcado pelo racionalismo e pela lógica da dominação que articulo a idéia de transfiguração do político para tratar do gênero musical rock (JACQUES, p.1,2009). Em 1950 o Brasil tinha como principais protagonistas de projeção nacional na música, o choro, o samba, e surgindo também a seresta, na década de 60 a bossa-nova começa a se inserir nesse panorama musico-cultural com o posto de música moderna influenciada pelo jazz americano, e um pouco depois ganha mais visibilidade e força o movimento do rock no brasil, esse que era categorizado como estilo diluído pelas influencias 27
  • 28. massificadas norte americanas, alienado, e assim ganhando rótulos que o estigmatizavam (JACQUES,2009). Em 1964 os militares tomam o poder, a ditadura no Brasil com o AI5 cria sistemas de controle político-ideológico, surge o tropicalismo, canção de protesto, esses que apoiaram a jovem guarda, considerado o iê iê iê do rock, e que não demonstrava em suas letras, conexão com a realidade político-social em que se encontrava o país em plena ditadura, inclusive eram citados como colaboraciosnistas do regime (JACQUES, 2009). O canibalismo musical, inspirado nas ideias de Oswald de Andrade, torna-se difundido nas músicas da tropicália, movimento que incorporava elementos do pop em suas músicas, como maneira de “deglutir o outro” transformando elementos estrangeiros em material para desenvolvimento de músicas nacionais, misturando tendências (JACQUES, 2009). Na década de 80 surge um rock brasileiro, que agora já expressa bem mais os problemas políticos e sociais, como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Barão Vermelho e outros, importantes para legitimar a cara do rock brasileiro, em 1990, surge o movimento Manguebeat, com Chico Science, Nação Zumbi e outros, que caracteriza-se pela fusão hard-core, punk, reggae, e gêneros nordestinos como maracatu e embolada (JACQUES, 2009). O panorama do rock nesse contexto, mostra uma tensão entre suas propostas e a identidade nacional, essa (a identidade) que foi associada a outros gêneros, principalmente samba e bossa-nova, porém de maneira muitas vezes alegórica e que monopolizavam associação da imagem a música brasileira, a difusão midiática desses gêneros como representantes de brasilidade, ofuscavam ou diluíam a projeção de outros 28
  • 29. gêneros que nem sempre se ligavam tão fortemente ao conceito identitário nacional, ou mostravam uma identidade diferente da que foi difundida no inconsciente coletivo nacional, e internacionalmente associado ao Brasil. A tensão em torno do rock e da identidade nacional não se dissolve tão facilmente. De um lado as incessantes acusações de “alienação”. De outro, bandas de rock propõem um distanciamento quanto a outros gêneros da música popular brasileira. Desde que pesquiso o rock no Brasil, ouvi inúmeros comentários sobre a “decadência da música popular brasileira”, dirigidos particularmente ao pagode e à MPB, consideradas como establishment musical brasileiro. Este gênero de crítica já aparece nos anos 1970, quando bandas das periferias das grandes cidades se apropriam do punk inglês e americano, não se preocupando com a construção de uma identidade brasileira (JACQUES, p.4, 2009). Citando Maffesoli (2000), a autora do artigo propõe o conceito do Neotribalismo também chamado de comunidades afetuais, para analisar as comunidades rock. As comunidades afetuais observadas por Maffesoli são formadas a partir de uma estética - considerada como a faculdade de sentir e experimentar em comum - e de uma ética - entendida como um código particular a um grupo, que une ou exclui membros - compartilhadas. Elas seguem uma lógica segundo a qual a idéia de identidade não faz sentido. Para Maffesoli, a identidade é uma construção ligada ao individualismo moderno, segundo a qual definimos nossa existência de forma rígida. O autor propõe uma substituição da lógica contratual por uma lógica que segue atrações. Assim, a identidade cede lugar à identificação em torno de imagens e formas sensíveis. O indivíduo enquanto “ser” substancial é substituído por uma noção de pessoa que se forma a partir de situações e experiências específicas, seguindo uma lógica relacional (JACQUES apud MANFFESOLI, p.4,2009). Segundo Maffesoli, identidade, é um conceito moderno fundado no individualismo e pode ser substituído por identificação, entendendo que o ser humano é constituído experiências ante a formas e imagens sensíveis. As pessoas tem diversas facetas e estratos, não cabendo uma redução estigmatizante e superficial associada a uma classificação (JACQUES, 2009). Inclusive é uma perspectiva parecida com a da esquizoanálise, citado no primeiro capítulo dessa monografia (método terapêutico que busca ampliar o espectro do ser humano de percepção dos outros e de si mesmo, tomando consciência dos rótulos existentes na sociedade, essas que constroem taxações 29
  • 30. e classificações distanciando as pessoas de suas múltiplas experiências adquiridas durante a vida). O discurso de transformação social esteve presente no movimento nacionalista brasileiro e associado a busca de uma identidade nacional como ferramenta de unificação territorial e ideológica, essa que iria ancorar um estimulo ao ufanismo e cooperação popular aos ideais do governo. No caso da educação musical, os símbolos de civilização foram difundidos e instituídos nas escolas por intermédio de métodos que privilegiavam o conhecimento historicamente legitimado, no caso da arte, a referências europeias de excelência na música, como foi citado no caso da sociedade orfeônica francesa que inspirou a institucionalização do canto orfeônico no Brasil. Este fatores estavam diretamente relacionados a tentativa do estado de distensionar os conflitos entre classes, e principalmente a consciência desses conflitos, no caso das camadas populares, por intermédio de medidas educacionais e culturais que estariam “harmonizando” diluindo e neutralizando a diferença entre conhecimento legitimado pelo estado e elite, ante ao conhecimento legitimado pelo povo. Ensino de música, escola, sociedade e formalidade. No texto, Educação musical na contemporaneidade, Arroyo conceitua educação musical numa concepção que vai além de uma iniciação formal e seu processo acadêmico, entendendo as transformações do conhecimento no início do séc. XX, em várias áreas como psicologia, antropologia, ciência política, física, etc, que exigia da educação 30
  • 31. musical uma revisão de sua concepção pedagógica. As instituições de música, em sua maioria, se amparavam em bases da tradição vinda da Europa, como por exemplo o conservatório, e o ensino de música se associava a ideais de formalidades eruditos. Suas bases epistemológicas estavam assentadas em algumas formas de conhecer ou entender a realidade: a compreensão do ensino e da aprendizagem musical estava baseada em uma lógica carteziana e positivista e o que deveria ser ensinado e aprendido era o que na visão evolucionista era tomado como o ápice da produção musical da humanidade: a música de concerto dos séculos XVIII e XIX da tradição europeia (ARROYO, 2002, p.19). Rompendo com as vertentes positivistas e evolucionistas, a antropologia começou a construir novas bases epistemológicas que relativizaram os processos de produção cultural. Relativização implica que os processo e os produtos culturais só podem ser compreendidos se considerados no seu contexto de produção sociocultural; o conceito de cultura encontra no entendimento de Cliffort Geertz uma interpretação que tem influenciado muitos estudiosos, isto é, cultura entendida como uma teia de significados que conferem sentido à existência humana (Geertz, 1989) (ARROYO apud GEERTZ, 2002, p.19). A cultura então passa a não ser mais compreendida ante a ideais eurocêntricos, com a relativização de cultura e a criação de novas referências epistemológicas. A música já não pode, dentro dessa nova concepção, ser entendida no singular. As manifestações culturais africanas ou indígenas não poderiam ser compreendidas dentro de parâmetros da música de concerto alemã, por exemplo, Seria preciso um olhar desprendido de hierarquizações e imposições culturais. Também surgiram contribuições vindas das ciências sociais na ideia de que a realidade é uma construção social (ARROYO,2002). A superação de uma visão eurocêntrica do mundo e a compreensão da construção social da realidade levaram a outras elaborações decisivas na segunda parte do século XX, entre elas a visão pós-moderna e pós-estruturalista, quando houve rupturas com a idéia de progresso, de objetividade incontestável da ciência; quando as grandes narrativas foram substituídas pela narrativa de todos, e que poder e saber poderiam estar estreitamente relacionados (ARROYO, 2002, p.20). 31
  • 32. O ensino de música em geral sofreu influências dessas modificações do entendimento de sociedade e cultura. A música aqui caminha na direção de ser concebida como construção social. As músicas devem ser estudadas não apenas como produto, mas como processo; alguma modalidade de educação musical acontece em todos os contextos onde haja prática musical, sejam eles formais ou informais; portanto há inúmeras possibilidades de se empreender a educação musical (ARROYO apud JORGENSEN, 2002, p.20). As transformações do conhecimento no séc. XX, levaram contribuições a muitas áreas, e falando em transformação, a escola, instituição a qual era atribuída a função de transformar a sociedade foi sendo contestada nesse aspecto por teóricos como Bourdier e Ivan Illich. Para Ivan Illich, que tem uma posição bem radical, por melhor que seja a escola nunca será boa para a sociedade. Em seu livro Sociedade sem escolas constam as seguintes passagens: Nem a aprendizagem individual e nem a igualdade social podem ser incrementadas pelo rito escolar. Não podemos superar a sociedade de consumo sem antes compreender que a escola pública obrigatória recria tal sociedade (ILLICH, 1985, p..51)...Um indivíduo de mentalidade escolarizada concebe o mundo como uma pirâmide, composta de pacotes classificados; a eles só têm acesso os que possuem os rótulos adequados (ILLICH, 1985, p.86.). Illich discorre a respeito de como a escola inibe o desenvolvimento de uma mentalidade desprendida de sistematizações rotuláveis, sempre que algo foge um pouco da classificação proposta pelo ensino. O aluno, não encontrando a identificação que espera, não consegue lidar com tal situação. A concepção e conclusões de Illich a respeito do ensino escolar questionam o caráter do ensino que desqualifica as habilidades já presentes nos alunos (ILLICH,1985). A escolarização formal não leva em conta os saberes que já possuem. O público em geral foi doutrinado para acreditar que as habilidades são valiosas e de confiança unicamente se forem resultado de escolarização formal. (ILLICH, p.100, 1985). 32
  • 33. A formalidade na música sempre foi e ainda é algo muito forte em conservatórios e instituições de música em geral. Da mesma forma como nas escolas regulares ou faculdades de outras áreas, o conhecimento se torna formal na medida em que aprovado socialmente e institucionalizado como tal. Mas, ao longo da história da música, muitos compositores, por exemplo, quebraram as formas musicais convencionalmente adotadas em conservatórios de música, ou outras instituições de ensino tradicionais, na música erudita alemã, compondo de uma maneira diferente. Um desses momentos foi no início do séc. XX, em que compositores como Stravinsky e Schoenberg iam em busca de superar padrões acadêmicos. Como discorrem DEFERT, EWALD e LAGRANGE, no livro Ditos e escritos III, que buscou compilar trechos e resenhas do livro“Estética, literatura e pintura, música e cinema” de Foucault. “A maneira como a música refletiu”sobre suas linguagens, suas estruturas, seu ideal, decorre de uma interrogação que, acredito, atravessou todo o século XX: interrogação sobre a forma, aquela de Cézanne, ou dos cubistas, a de schöenberg, e também a dos formalistas russos ou a da escola de Praga.”Foucault toma o trabalho com o formal da música contemporânea como uma alternativa fecunda, autônoma e criadora frente a fenomenologia e seus continuadores na filosofia da existência e mesmo do marxismo. Referindo-se a época em que nos ensinavam os privilégios do sentido, do vivido, do carnal, da experiência originária, dos conteúdos subjetivos ou das significações sociais” Os combates em torno do formal foram uma das grandes características da cultura no século XX” (DEFERT, EWALD e LAGRANGE, p.25 e 26.2009). A busca por uma música sem forma pelos compositores contemporâneos no séc. XX é vista aqui como uma busca autônoma de produção em arte, na direção de se desvincular de regras e mecanismos de regulação sociais pautados em políticas puristas conservadoras, legitimadas como conhecimento e propagandeadas pelo estado como um ideal de civilidade como acontecia no caso do nazi-facismo. Porém, segundo Adorno essa busca refletia uma negação da sociedade que se ligava ao conhecimento musical tradicionalmente legitimado, através de instituições, regimentavam, normatizavam esse conhecimento. Não se tratava de obras que eram um espelho social, que se aproximavam de realidades sociais “extra institucionais” e sim de obras que se 33
  • 34. constituiam apenas como negativo de tradições institucionais da sociedade alemã e austríaca no caso. O verdadeiro realismo, segundo ele, estaria então em conhecer outras formas, estaria na “deformação”, ou seja, quando se modificam essas formas em vez de só nega-las. “O realista moderno não tem alternativa senão ser um formalista”. A arte moderna, para Adorno, não corresponde a um espelho do social, “mas sim a um negativo da sociedade” (MERQUIOR, 1969, p. 81). Sendo assim, a essência do verdadeiro realismo está na “deformação” (apud MERQUIOR, 1969, p.81). Isso equivale a dizer que ao não apresentar uma objetividade, no sentido de uma aproximação em relação ao real, a obra de arte, e em especial a de ficção, logra descortinar o vazio da existência humana(COUTINHO,2005,p.1). Segundo Merquior, na maneira como lê e interpreta Adorno, a arte moderna não estaria promovendo uma aproximação com a expressão artística social, visto que, o movimento de se afastar das formas musicais consagradas na cultura clássica erudita europeia, seguia na direção de transcender essas formas, e acabam sendo apenas o negativo dessas estruturas legitimadas em instituições tradicionais de ensino, como conservatórios por exemplo, e não em buscar nas expressões sociais “extra institucionais” novas formas de entender a arte, de expressar, construir, e se manifestar artisticamente. Essa cultura que estaria fora dos conservatórios, nem por isso, seria destituída de uma forma, mas sim, construída com base em parâmetros e concepções distintas da representação social encontrada em instituições convencionais de ensino. Arroyo (2000) afirma que se deve também considerar as formalidades características ao ensino nos contextos populares de música, assim Arroyo (1999; 2000) busca na etnomusicologia as discussões entre formalidades, manifestações populares e escolas especializadas. Arroyo (2000) ainda alerta para o termo educação não-escolar, pois se remete diretamente a escola. O termo não-escolar toma como padrão esta instituição que não é a única a desenvolver conhecimentos musicais. Oliveira (2000) remete-se a Libâneo, autor da pedagogia, para antes de propor nomenclaturas, analisar as organizações que ensinam música. (ARAÙJO, 2012,pág.94). 34
  • 35. A educação formal é frequentemente associada a esses circuitos reconhecidos pela sociedade, como as instituições de ensino escolar e universitário. Porém não existe formalidade nas demais manifestações culturais de música? Usarei abaixo uma definição do termo “ensino formal” para problematizar a maneira como este é associado a instituições legitimadas socialmente. A educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dosministérios da educação. (GADOTTI, 2005, p. 2). Podemos começar questionando a objetividade da educação formal, visto que essa muitas vezes se pauta em uma sistematização que servem a demanda social, baseadas em convenções construidas ao longo da história dentro de uma dinâmica de dominação da cultura socialmente reconhecida, oprimindo os saberes locais por meio de uma hirarquização do conhecimento. Castanheira e Correia explicam, através de um conceito de Foucault, a relação de como o sujeito se reconhece legítimo ante a um conhecimento socialmente aprovado, configurando o que o filósofo conceituou como processos de subjetivação. Os chamados processos de subjetivação referem-se ao modo como o próprio homem se compreende como sujeito legítimo de determinado tipo de conhecimento, ou melhor, como o sujeito percebe a si mesmo na relação sujeito-objeto.(CASTANHEIRA e CORREIA, 2008, p.2). Nem sempre, ou talvez quase nunca, o conhecimento legítimo socialmente se apresenta imune a questionamentos ante a sua objetividade, sua serventia, sua validade e aplicabilidade, mas é difícil de ser percebido pelo sujeito quando este não considera, ou foi condicianado a desconsiderar os seus saberes construidos em sua história. Muito em função disso, o papel da educação na transformação social vem sendo questionado com mais intensidade a partir da década de 1960, ante um panorama em que a escola não proporciona espaço para que os contextos sócio-culturais locais possam ser integrados a 35
  • 36. essas instituições já legitimadas, suas formas de ensino e aprendizagem, e o fazer dos alunos como protagonistas na relação do conhecimento com sua realidade. Também é possível perceber que a educação formal é constantemente associada como sendo exclusividade de escolas e faculdades, pois se tratam de instituições consagradas socialmente, porém a formalidade também está presente nas sistematizações do ensino em contextos extra-escolares e extra-acadêmicos, como descrevi anteriormente em alguns autores. A relação entre produção local e a indústria da comunicação Novos panoramas na indústria da comunicação e a utilização de ciberespaços como ferramentas dos artistas, proporcionam maior projeção da produção local independente, transformando a rota do mercado cultural em nichos acessíveis a públicos cada vez mais autônomos em relação a indústria que antes massificava a cultura e homogeneizava sua produção voltada para um amplo público alvo, (de modo a estigmatizar a produção local através de alegorizações da linguagem popular difundida a serviço de interesses da indústria de comercialização e veiculação de bens culturais, com grande investimento em comunicação como instrumento de convencimento das massas), mas que hoje (em relação a indústria) tem que inevitavelmente se adaptar a dinâmicas de grande acessibilidade promovidas pela internet. Não é mais possível exercer uma influência tão grande a ponto de anular outras produções locais, visto que essas já possuem suporte técnico fonográfico, e audiovisuais a custos bem mais baixos, assim como a possibilidade de difusão dessa produção. Várias propagandas já se utilizam de vídeos do Youtube, citam redes sociais como o Facebook, cedem ao poder 36
  • 37. da produção independente, apesar de por outro lado, sempre estarem buscando uma maneira de resignificar aquela produção de acordo com seus objetivos de mercado que apontará para algum tipo de público alvo. A música se insere dentro desse panorama, de modo que os artistas de estilos variados, tem espaço para expor sua produção através da veiculação virtual. Porém, pesquisar sobre tecnologia virtual, indústria fonográfica, e produção de música é desafiador, tendo em vista as novas ferramentas de softwares, sites, redes sociais, que estão sempre se modificando ou surgindo. A chegada da Internet colocou um desafio significante para a compreensão dos métodos de pesquisa. Através das ciências sociais e humanidades as pessoas se encontraram querendo explorar as novas formações sociais que surgem quando as pessoas se comunicam e se organizam via email, websites, telefones móveis e o resto das cada vez mais mediadas formas de comunicação. Interações mediadas chegaram à dianteira como chave, na qual as práticas sociais são definidas e experimentadas (VIANA apud [HINE, 2005, p. 1] 2009, p.2). Associado a produção de música está a busca por identidades dos consumidores, visto que os estilos musicais acabam por promoverem junto a outros fatores, intricadas relações sociais que giram em torno gostos em comum, e uma escolha por determinado estilo de vida e por um tipo de estética. Ao tratar a escuta da música como “elemento de aglutinação social e definição de identidade” (VIANA apud LEÃO & PRADO, 2007, p. 69), esta é posicionada dentro dos estudos comunicacionais relacionados à sociabilidade como um recorte capaz de promover a visualização e a exploração de detalhes comportamentais dentro das comunidades online. Assim, a música se configura como uma lente através da qual podemos observar o comportamento humano a respeito da transição de suportes promovida pelas inovações tecnológicas sem nos deixar guiar pelo determinismo tecnológico (VIANA, 2009, p.2). As pesquisas em torno da indústria cultural antes da década de 60 giravam em torno de uma ideia de monopólio e massificação cultural, homogeneizações dos saberes, sobrepondo um mercado imperialista que impõe produtos e ideais estéticos sobre os 37
  • 38. consumidores alienados, logo após a um período em que se começa a pensar no homem vivo nessa dinâmica, na década de 70 e 80 a pesquisa já se direciona para o consumidor, como ele se relaciona com a produção que chega até ele (VIANA, 2009), Podemos nos perguntar se hoje o consumidor com acesso irrestrito a ciberespaços é agente passivo de processos de massificação cultural? atualmente, a pesquisa sobre indústria cultural tende a focar nas condições de consumo e recepção ou nas mudanças de características das estruturas da indústria cultural e nas mudanças nacionais, transnacionais e estruturas globais onde estas funcionam (VIANA apud BECK, 2002, p. 1). Passam a conflitar as ideias de massificação cultural e o surgimento espontâneo de manifestações culturais por intermédio da tecnologia na internet. O termo indústria cultural foi e é muito associado a massificação dos bens culturais destinados aos mercado, porém prudente seria pensar nesse conceito com um pouco de senso crítico a respeito da real aplicabilidade ou não na dinâmica sócio-cultural, que hoje se dá muito através de tecnologias virtuais de difusão da produção artística. Partindo da definição inicial de indústria cultural como o oposto do que deveria ser uma cultura de massa (VIANA apud ADORNO, 1987, p. 287), apresentando-o como algo que deveria soar como depreciativo, define-se o ponto de observação da mesma como sendo a partir do conflito entre a massificação e o surgimento espontâneo de manifestações culturais. A transformação de bens culturais em produtos passíveis de comercialização estimula a utilização do termo “indústria” para designar uma complexa cadeia de criação de valores que tem por finalidade induzir o consumo através de estratégias de massificação, a despeito da consciência de cada indivíduo. Assim, o termo tem aplicações técnicas de todo um segmento, tendo por intenção designar a indústria da cultura, quando “assume um caráter ultracontemporâneo, desprovido de qualquer impulso crítico” (VIANA apud DURÃO, ZUIM, & VAZ, 2008, p. 11). O modo de pensar a indústria foi mudando e se adaptando a uma realidade mais próxima do que acontece hoje, na qual os consumidores são bem mais autônomos e protagonistas na relação com o produto, o discurso de mera submissão ao imperialismo 38
  • 39. cultural foi se distanciando de uma equivalência com a realidade. Já não é possível aderir as ideias de Adorno e Horkheimer nesse aspecto. A afirmação de que a indústria cultural “impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente” (VIANA apud ADORNO, 1987, p. 295) faz parte do discurso crítico acerca da influência à qual estamos todos submetidos (VIANA,2009,p.3). A lógica de produção da indústria cultural que inclui a participação dos segmentos da comunicação e do entretenimento, num envolvimento harmônico entre todos os atores da sociedade com a finalidade de promover o consumo, defendida por Adorno e Horkheimer (2000) aponta para o consumidor um papel pouco participativo, que vem sendo alterado na atual configuração do mercado de bens de consumo, alterando as lógicas do mercado, apresentando um novo modelo econômico, cujas características principais apresentam um desafio às indústrias envolvidas, principalmente de mídia e entretenimento (VIANA, 2009, p.3). Lucina Retembach traz um dado importante em relação aos trabalhos que tratam sobre a indústria fonográfica brasileira, a maioria focava sua pesquisa nas grandes produtoras, mas eram por demais escassos os trabalhos que tratavam da realidade das gravadoras independentes. O quadro de estudos acerca da indústria fonográfica do Brasil apresenta uma figura distorcida e espalhada. Fora trabalhos importantes (TINHORÃO, 1981; MORELLI, 1991; PAIANO, 1994; VICENTE, 1996; DIAS, 2000; SÁ, 2002), a maioria dos relatos está espalhada em pequenos pedaços ao longo de uma vasta bibliografia de artigos publicados em revistas cientificas e anais de eventos . Apesar dos inúmeros artigos acadêmicos sobre o assunto, grande parte trata de dados regionais ou enfoca o assunto com o recorte de movimentos específicos. Mais precária é a história das gravadoras independentes, bem menos pesquisadas (VIANA, 2009, p.4). O desenvolvimento da indústria fonográfica, tem intima ligação com o desenvolvimento econômico e tecnológico, e tem como marco da “primeira grande onda da cultura popular”(VIANA apud ANDERSON, 2006, p.26), o momento em que se torna possível gravar sons, veiculando músicas e a imagem agregada a esses fonogramas através de rádios. a evolução dos sistemas de gravação como resultado da própria evolução tecnológica de cada época é ponto de partida para estudos acerca da indústria fonográfica (VIANA, 2009, p.5. 39
  • 40. Na década de 20 começam a ser superadas as tecnologia de gravação por sistemas de fonógrafos e cilindros. As gravações mecânicas dão lugar aos sistemas elétricos. Na década de 50 o long play se matem como técnica de reprodução de fonogramas dando lugar aos CDs na década de 80. De 70 a 90 a televisão permanece como principal veículo de massificação cultural que influenciou padrões de comportamento e consumo na música. No período entre 80 e 90 a inovação da tecnologia possibilitou o barateamento dos sistemas de gravação e a multiplicação da produção de gravadoras independentes (VIANA, 2009). No começo do século XXI, final do século XX, a indústria fonográfica tem seu apogeu, aliado a investimento em marketing e estudo de público alvo, consegue criar sua própria demanda (VIANA apud ANDERSON, 2006). A tecnologia fonográfica, a partir de então, torna-se digitalizada, e multiplica-se a pirataria e a produção independente, em função da redução dos custos da reprodução fonográfica. Nos anos 90, a internet transforma totalmente o panorama de produção fonográfica e difusão de gravações, levando em conta dinâmicas de mercado, a necessidade de adaptação da indústria, e a mudança na relação do consumidor com o produto (VIANA, 2009). Os artistas, agentes da criação artística, aproximam-se do processo de produção, antes intermediado e realizado pela grande indústria que, na atual conjuntura, passa a ocupar- se especialmente das etapas de gerenciamento de produto, marketing e difusão. O mercado começa a oferecer uma profusão de estilos, subgêneros e mesclas de toda sorte. (VIANA apud DIAS, 2000, p. 41). A difusão de gravações na internet, e aliada e esse fator, a pirataria, levam a prejuízos na indústria fonográfica de peso, porém não é somente esse o fator que leva os hits a perderem mercado consumidor, a veiculação de inúmeros estilos e a possibilidade dos ouvintes conhecerem diversas produções do mundo inteiro, inclusive as veiculadas por gravadoras independentes, facilitam o consumo sem custo, e a diminuição da compra de 40
  • 41. CDs, mas também acabam por estimular esse ouvinte a buscar novas fontes de arte e se desinteressar pelas músicas de sucesso. Nesse contexto a indústria precisa de adaptar a uma dinâmica de mercado, não mais movida a hits, mas que se organiza em nichos (VIANA apud ANDERSON, 2006). a economia baseada na criação de hits perde seu sentido primordial a partir da digitalização dos produtos, que se tornaram não mais que bytes no ciberespaço, deixando de ocupar espaço no mundo das prateleiras (VIANA, 2009, p.8). A participação mais ativa do consumidor se configura como uma mudança no panorama do mercado atual de difusão fonográfica, e modifica o cenário econômico da indústria que atua nesse mercado. O consumo participativo como quadro atual da indústria cultural e da indústria fonográfica como parte integrante é de extrema importância para o presente estudo, pois ocasiona interferência no processo de criação, que por sua vez altera as características do que se produz sobre o signo da indústria cultural, em detrimento à alienação produzida nas massas receptoras da perspectiva do determinismo cultural. Essas transformações alteram o cenário atual e confundem aspectos e papeis do mercado em que se insere a música (VIANA, 2009, p.8). A tecnologia utilizada na produção musical, estreita as fronteiras entre quem cria e o que cria, visto que as ferramentas como softwares de edição, novos tipos de possibilidade de criar uma textura sonora ou mecanismos de sensores por exemplo tornam a música passível de interação com ouvinte, daí possiblidade de reencaminhar sua direção de acordo com as ações do ouvinte. novas espécies de imagens, de sons, de formas geradas por tecnologias interativas e seus dispositivos de acesso permitem um contato direto com a obra, modificando a maneira de fruir imagens e sons. As interfaces possibilitam a circulação das informações que podem ser trocadas, negociadas, fazendo com que a arte deixe de ser um produto de mera expressão do artista para constituir um evento comunicacional (VIANA apud DOMINGUES, 1997, p. 20). A séculos e séculos que a música se utiliza de tecnologia de ponta pra criar e interpretar, visto que a qualidade do som ou da tecnologia composicional ampliam os leques de possibilidades de construção musical. 41
  • 42. A música sempre utilizou as mais avançadas tecnologias que existiram; os artesãos criadores de gabinetes do século XVIII; as indústrias metalúrgicas do século XIX; e a eletrônica analógica dos anos 1960. Hoje, praticamente toda música comercial – gravações, trilhas sonoras de cinema e televisão – é criada em estações de trabalho de música de computador, que sintetizam e processam os sons, gravam e manipulam as seqüências de notas, geram notações e até mesmo produzem automaticamente padrões rítmicos, linhas de baixo e progressões e variações melódicas (VIANA apud KURZWEIL, 2007, p. 219). Não é mais preciso estudar anos de um instrumento para compor, ou seja, as técnicas instrumentais deixam de ser necessárias para a criação, visto que os softwares possibilitam manipulação precisa e dinâmica da construção de um fonograma. O artista deixa de simplesmente fazer uso do aparato para produzir música, e passa agora interagir com ele numa espécie de sistema aberto e colaborativo (VIANA, 2009, p.9). Enquanto a tempos atrás a tecnologia para criação de fonogramas era cara e de difícil acessibilidade, hoje se tem essas ferramentas disponíveis em softwares de manipulação de áudio, alguns são distribuídos gratuitamente na internet. O fato é que, a facilidade de manipulação sonora, com milhares de plataformas interativas e de fácil instrumentalização, permitem uma quantidade cada vez maior de pessoas criarem, recriarem, modificarem. O intenso movimento sonoro de diferentes combinações e concepções torna as músicas pop’s cada vez menos sedutoras, dada a quantidade de amostras de qualidade e de diferentes estilos, e da possibilidade de identificação, por parte do ouvinte, ante a nichos cada vez mais específicos, e que traduzem melhor seu gosto, concepção, estilo de vida, sentido para ele etc. É grande a quantidade de remixes e mashups (combinação de duas ou mais músicas em uma mesma edição sonora), o que leva a música a se fragmentar e recombinar de acordo com o gosto dos ouvintes. Segundo VIANA o desenvolvimento de músicas que tem o computador como ferramenta, podem ser notadas e três tipos de processos. 42
  • 43. O primeiro engloba os processos de reutilização das ideias composicionais e garimpo de fragmentos musicais. O segundo a produção da música de fato, onde ela é remixada, recombinada, em programas de edição multipista. O terceiro seria o processo de fornecimento, mediados pela internet. Consumo e produção, em relação a esse último processo acrescento mais um citação da autora. A mediação nesse caso promove a reconfiguração do consumo, pois tendo disponível uma gama maior de possibilidades sonoras e sem interferência direta das estratégias de indução do mercado fonográfico, os consumidores têm mais liberdade em buscar e ouvir novas possibilidades, reconfigurando o que se ouve e reorganizando os processos econômicos acerca do mercado da música (VIANA, 2009, p.13). A tecnologia empregada nos processos musicais, transforma a produção a difusão da arte sonora e a concepção dessa arte. Onde não se tem espaço para um abismo entre criador e consumidor. A capacidade que o sistema cibernético promove em termos de acessibilidade a produções de todos os tipos assim como a manipulação dessa produção, torna os consumidores agentes ativos no processo de reconfiguração do mercado de arte fonográfica, possibilitando alternativas aos produtos construídos ante a estratégias marqueteiras e massificadores através da imagem agregada arte. O consumidor passa a preferir um mundo de possibilidades do que se limitar a músicas de sucesso. A produção independente de música hoje, pode sim se articular pela internet, e se articula levando mais diversidade, dotando os saberes locais de menos alegorias, e mais autonomia em sua produção, existe uma quantidade enorme de nichos musicais com diferentes vertentes estéticas, mal aproveitadas por grandes gravadoras, porém isso não impede que as pequenas, tenham recursos suficientes a um custo baixo para difundir essas produções. O ensino de música pode e deve levar em conta as novas tramas da comunicação e da sociedade, mostrando aos alunos a variedade de produção através de ferramentas como o Youtube, Soundcloud, Facebook, ferramentas interativas através de 43
  • 44. softwares de áudio, e outros instrumentos para criar, modificar e difundir arquivos de som. A difusão musical através dos ciberespaços modifica o cenário da projeção que tomam os registros fonográficos. Além de diversas vídeo-aulas, tutoriais, blog´s, grupos de bate-papo, que se configuram como novos campos de veiculação da informação e experiência musical. Se antes muitos aprendiam violão em revistinhas de cifras vendidas em jornaleiro, hoje uma gama enorme de ferramentas, levará facilidade para quem quer aprender alguma música, ou técnica, ou saber detalhes de algum trecho melódico. Isso tudo é facilmente encontrado em muitos casos. Os ciberespaços modificam a configuração do ensino de música. Ao professor já não cabe mais utilizar ou não ferramentas do computador, e sim, saber planejar o modo como utilizará essas ferramentas. A ampliação do espectro cibernético tem viabilizado acessibilidade a uma enorme gama de ferramentas destinadas a difusão de métodos para ensino de música. A produção em pesquisa na área de educação musical relacionada a utilização de ferramentas tecnológicas para o ensino de música ainda é pequeno em relação as possibilidades geradas por essas ferramentas. Mesmo assim alguns autores já desenvolveram pesquisas a respeito: diversos autores têm estudado as práticas do ensino-aprendizado musical, entendendo que os meios tecnológicos, representam uma grande influência no que diz respeito ao sucesso dessa abordagem (PINEIRO apud GOHN, 2003; MOORE, 1997; FALKEMBACH, 2005; MARTIRANI, 1998; WEBB, 2007) (PINHEIRO, 2010, p.4). Ante a um mundo de informações e diferentes culturas disponíveis na internet, a figura do professor não mais representa um agente da informação e conhecimento, e sim um mediador, alguém que faz a ponte entre a informação e a maneira como ela irá ser utilizada. Sendo assim saber onde estão e como manejar ferramentas virtuais será um 44
  • 45. ponto de conexão entre o que é familiar para o aluno assim como as linguagens de interfaces virtuais e o professor. [...] a figura do professor-educador está envolvida nesse processo como o produtor- organizador do material que servirá de mediação para o aprendiz, seja este um texto, um vídeo, um website ou qualquer outro meio. (PINHEIRO apud GOHN, 2003; p. 13). Quando o ambiente escolar agrega em torno de si uma variedade maior de tecnologias, criam espaço mais propício a aprendizagem e criatividade. A interação com vídeos, imagens, criação sonora em ambiente virtual estimulam habilidades dos alunos. a interação com os vídeos, por exemplo, disponíveis no Youtube proporcionam uma maior criatividade nos ouvintes, além de desenvolver aspectos como a memória aural, visual, espacial, dentre outras. Segundo ele, a apreciação dos vídeos promove a reintegração e o múltiplo domínio dos elementos musicais, além de contribuir para uma crescente “reconceitualização na educação musical” e “um significado maior para a educação musical contemporânea” (PINHEIRO apud WEB, 2007, p. 158). Tanto a produção e a difusão de música, assim como métodos de aprendizagem com recursos virtuais compartilhados na internet, levam a uma nova configuração do panorama da educação musical. Levando aos profissionais das áreas relacionadas a música a terem de se adaptar. Da mesma forma, os professores estão diretamente em contato com um público, que manipula com extrema destreza as interfaces virtuais, principalmente quando esse público é composto de crianças. As gerações mais recentes nasceram em mundo cercado por tablet´s e smarthphones, e interagem o tempo inteiro com a música mediado por plataformas instaladas nesses dispositivos móveis. Se antes tínhamos uma cultura de massa cooptada pela mídia televisiva, hoje essa mídia ainda se infiltra nos ciberespaços, porém não dita mais as rédeas do mercado através de estratégias de marketing que reduziram o gosto dos consumidores a meia dúzia de músicas de sucesso, e sim tem de se adaptar o tempo inteiro a produção de cultura que faz sucesso entre os visualizadores, sendo assim os saberes locais e sua produção tornam-se mais autônomos, e projetados sem a mediação da grande mídia. A cultura ganha contornos mais amplos em seu espectro de projeção, e se infiltram uma 45
  • 46. diversidade grande de nichos, o que leva ao ouvinte a ter mais poder de escolha. Dessa forma os contextos sociais ganham mais espaço na internet, quando a produção local não passa pelo pente fino do show business, não se transformam em genealogias superficiais da história local, ou por exemplo deixam de virar ferramenta de divulgação dos ideais do estado, como acontecia na época de Vargas por exemplo, no qual o DIP (departamento de imprensa e propaganda) utilizava a linguagem popular a serviço do discurso de orgulho a nação. Saber utilizar as ferramentas da internet para conhecer a produção local desinfectada de estigmas fortalece uma posição política de valorização a cultura local, e respeito a diversidade étnica, e aproximação dos saberes locais. Por isso é importante a posição do professor como mediador dessas ferramentas nos lugares onde são ministradas atividades de música, para que a realidade dos alunos seja de fato a realidade dos alunos, onde os contextos sociais, eles mesmos irão mostrar, ou conhecidos por alguém que pode exemplificar com propriedade. É evidente o quadro de problemas sociais que se encontram dentro e fora das salas de aula, os professores tem muitas vezes tem que lhe dar com questões que não são de sua ossada, ficam sobrecarregados, temos de levar isso em conta, mas é preciso pensar que parte do desgaste dos profissionais de educação dentro de sala de aula, está na concepção de música interiorizada ante ao condicionamento escolar e acadêmico que já reconhece a produção local e seu conhecimento, porém é pautada por concepções superficiais daquele contexto. Considerações finais 46
  • 47. A relação entre o ensino de música e os contextos sociais nele inseridos se faz quando de fato existe espaço para que os saberes dos alunos estejam presentes em aula, se apresentando como ferramenta para construção do conhecimento amparado pela validação da história do aluno ante ao planejamento do ensino de música. Mas isso deve ocorrer de maneira que tais saberes não caiam em genealogias superficiais da cultura local, que acabam, muitas vezes sem que o professor perceba, se colocando numa posição de vanguarda sectária, pois buscam uma aproximação com a realidade dos alunos por conceituações que já vem prontas, não partindo deles (alunos), e estigmatizando sua origem numa proposta que teoricamente lhes forneceria a possibilidade de interagirem e mostrarem suas habilidades, mas que na prática limita seus campos de ação ao papel de expectadores das ideias que o professor exibe a respeito da realidade deles. Nem é preciso dizer que é vastíssima a gama de formatos musicais encontrados em diferentes culturas e regiões, assim como a sistematização do conhecimento respectivo a cada um deles, que oferecem múltiplas possibilidades enquanto material utilizado para o ensino de música, conhecimento esse que muitas vezes já é, em algum nível, instrumentalizado pelo aluno. 47