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                REVOGAÇÃO DE Cheque



    Responsabilidade do Banqueiro pelo

pagamento de cheque revogado no prazo legal

               de apresentação




                         Mestrado de Direito - Jurídico Forenses

                   IDP II - Instituições de Direito Privado II

                          Fernando Américo Magalhães Ferreira
                                                                   1
Setembro de 2009




                   2
Devemos sempre seguir o caminho que nos leva ao ponto mais alto

                             Platão




                                                                  3
Índice

 I. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 4



 II. A RELAÇÃO BANCO CLIENTE .................................................................................. 6



 III. O CHEQUE VS CONVENÇÃO DE CHEQUE ............................................................ 8

       Meio de pagamento to ou título de crédito? .................................................................... 8

       Natureza Jurídica do Contrato/Convenção de Cheque .................................................... 9

       A relação Cartular.......................................................................................................... 10



 IV. VIGÊNCIA DO ARTº 14º D/L 13004 DE 1927 ........................................................... 11



 V. A REVOGAÇÃO ...................................................................................................... 14

       A favor da ineficácia da revogação .............................................................................. 18

       A favor da eficácia da revogação .................................................................................. 19

       O dever de diligência do Sacado ................................................................................. 21

       Soluções Jurisprudênciais e Doutrinal ........................................................................... 23



 VI. CONCLUSÕES E TOMDA DE POSIÇÃO ................................................................. 25



VII. BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 27




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I. INTRODUÇÃO

1.       O subtítulo é estanho, mas intencional. Normalmente discute-se a responsabilidade
do sacado perante o tomador, pelo não pagamento de cheque apresentado no prazo legal,
mas raro se fala na responsabilidade do sacado por desobedecer à ordem de revogação do
sacador. Será que o sacado se pode ilibar de responsabilidade alegando o cumprimento do
artº 32º da Lei Uniforme do Cheque ( daqui em diante LUC ) ?
A matéria em discussão é a mesma, mas partindo de um outro ponto de vista, pois não é só
o tomador que deve ser protegido.
2.      A resposta tem a ver necessariamente com natureza do vinculo emergente da
emissão do cheque. Em linguagem prática, teremos por exemplo alguém que decide colocar
„nas mãos‟ de um banco determinada soma do seu dinheiro, celebrando um contrato de
depósito, com determinadas contraprestações e a garantia de que o banco obedecerá às suas
ordens de o movimentar, seja porque meio for, nomeadamente por cheque, se também tiver
celebrado um contrato de cheque. Não se imagina que alguém coloque os seu dinheiro „nas
mãos‟ de um banco, se souber que este poderá poderá não obedecer às suas ordens.
3.      Tanto a Jurisprudência como a Doutrina, não questiona a eficácia da revogação se
ordenada pelo sacador depois do prazo de apresentação, com ou sem motivo de
justificação. Mas a questão já não é pacífica quanto à responsabilidade do sacado, se a
revogação é ordenada no prazo de apresentação do cheque, e as consequências para as
diferentes alternativas que na prática podem surgir, e que no fundo se traduz nas diferentes
interpretações do artº 32º da LUC e a vigência ou não da segunda parte do artº 14º do D/L
13004 de 1927.
Na prática resulta da eficácia ou não da revogação no prazo de apresentação1.
4.      O acórdão nº9/20082 vem fazer uma resenha da Jurisprudência e Doutrina.
De facto, tanto a Jurisprudência como a Doutrina divide-se, sustentando a sua
argumentação em razões pertinentes, tendo cada uma diferentes consequências quanto à
responsabilidade do sacado, seja face ao sacador, seja face ao tomador/portador.
5.      Poderemos identificar diferentes situações decorrentes da ordem de revogação do

1
  De facto, o artº 32º LUC não coloca em questão a validade, pois será sempre válida e eficaz depois de findo
o prazo de apresentação.
2
 Acórdão nº9/2008, Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Setembro de 2008. Processo n.º 3394/07 - 5.ª
Secção - Fixação de jurisprudência

                                                                                                           5
sacador ao sacado, e este tem duas opções3. O sacado paga ou não paga.
Cada uma das alternativas tem diferentes circunstâncias, com diferentes soluções
Jurisprudênciais e Doutrinais. Uma revogação pura e simples, sem qualquer motivo, ou a
revogação é acompanhada de uma das justificações previstas na LUC, e as justificações são
verdadeiras e idóneas ou as justificações são falsas




3
 há quem defenda que o sacado pode ter uma outra alternativa, que é de cativar o valor, se a conta tiver
provisão está claro, até que entre o tomador e o sacador seja clarificada a situação, em defesa da tutela da
confiança do instrumento de pagamento.

                                                                                                               6
II. A RELAÇÃO BANCO /CLIENTE
Não podemos deixar de abordar a questão da relação entre o Banco e o Cliente, quando
estamos neste universo de negócios jurídicos bancários. Até hoje não existe, a exemplo de
outros ramos, uma codificação de um direito bancário, encontrando-se dispersa por
legislação avulsa, o recurso às normas do Código Civil, do Código Comercial e de outros
ramos do Direito, substantivo e e processual, que ajudam a melhor integrar as questões
relacionadas com o que poderemos chamar de direito bancário. Mas então como
conformamos as relações deste tipo ?
Interessa estabelecermos qual a natureza jurídica da relação entre o banco e o seu cliente,
pois vai conformar qual o tipo de vinculo que subjaz nessa relação, mesmo para além dos
direitos e deveres directamente emergentes de um certo contrato em particular.
Existem diferentes teorias, das quais podemos identificar três mais significativas.
A Teoria das Relações de Facto, a Teoria da Relação Corrente de Negócios e a Teoria da
Verificação Contratual.
A primeira diz-nos que a relação entre o banco e o cliente se esgota em cada um dos
negócios celebrados, e as obrigações serão apenas as emergentes de cada um deles. Para
além desses negócios, apenas existe uma relação de facto, que na prática não os vincula.
A segunda defende a figura da obrigação sem deveres primários de prestação, que resulta
apenas do contacto negocial mas não contratual. Propugna, seguindo a tese de CW.Canaris,
a responsabilidade pela confiança, desencadeada pelo referido contacto negocial, esta
responsabilidade pela confiança, não será pois nem contratual, nem sequer extracontratual,
como nos ensina Almeno de Sá, estará algures entre uma e outra4. Quer isto dizer que não
existindo uma realção contratual, existirá entre ambos um conjunto de obrigações
decorrentes da confiança que entre eles se estabelece. No entanto resta saber como valorar
esta confiança e como se poderá aplicar ao nível da responsabilidade, numa relação que,
segundo os seus defensores, se baseia numa obrigação sem deveres primários de prestação.
A Teoria da Verificação Contratual, ultrapassa o constragimento que se identificou na
Teoria da Relação Corrente, e defende a existência de um vinculo contratual, emergente de
um verdadeiro contrato, um contrato bancário, que subsiste para além de cada um dos
contratos individualmente celebrados.

4
    Sá, Almeno, Direito Bancário, 2008, Coimbra Editora

                                                                                           7
É pacífico referir que o “nosso” banco, quando abrimos a primeira conta depósito, logo nos
afecta um “gestor de cliente”, encarregado de tratar dos nossos interesses, muitas vezes
prestando serviços que não estão directamente relacionados com qualquer contrato
celebrado, elucidando-nos, propondo, esclarecendo, avisando, enfim um sem número de
actos, que o banco tem por objectivo, olhando pelos interesses do seu cliente, fidelizando
através de uma “ continuada utilização”, e obter por consequência lucros disso, é o seu
escopo. Actos esses que reforçam esta tese de verdadeiro contrato bancário. Este contrato
bancário, diz-nos Almeno de Sá, que se inicia no momento em que ambos celebraram um
contrato depósito, está sempre presente, regulando de forma geral todas as relações entre o
banco e o seu cliente, qualquer que seja a sua natureza. Eu iria mais longe e advogaria que
se inicia mesmo antes. Não somos nós “ bombardeados” diariamente com mensagens
publicitárias, muitas delas muito mais que meros convites a contratar, são verdadeiras
propostas contratuais, senão mesmo promessas públicas. Neste sentido, existe desde logo
um vinculo, ainda que unilateral do banco. A nós, bastará um simples acto de “ adesão”
para nos tornarmos clientes e usufruirmos de todas as vantagens contratuais prometidas.
A lógica desta teoria assenta basicamente em três argumentos. Primeiro porque traduz, de
acordo com a teoria da impressão do destinatário, presente no artº 236º do Código Civil
(daqui em diante CC), o que ambas as partes desejam atribuir ao seu relacionamento, que já
referimos, e que se traduz numa vinculação continuada. Segundo porque resulta da
existência de cláusulas contratuais gerais, que se estendem para além do contrato de
depósito, e que, muitas vezes expressamente, visam regular o relacionamento entre as
partes para além do contrato celebrado. O terceiro argumento é que se constitui um
conteúdo de típico dos contratos em geral, que decorre do conteudo das cláusulas gerais, e
que se traduzem numa espécie de regulamento de conduta, independentemente, como já
referimos que cada contrato em especial.
Na prática, este contrato traduz-se num dever de prestação de serviços, e numa obrigação
de acautelamento dos interesses do seu cliente, para além da relação de confiança implicita
à relação contratual. Neste sentido, citamos o Acórdão do STJ de 7 de Maio de 2009,
processo 195/2000.C2.S1 ( sublinhado meu) , que expressa sem ambiguidade este aspecto5.

5
  ―(…) Mas o Banco ―(…) tem uma ―obrigação de acautelamento dos interesses do cliente, no que respeita a
todos os assuntos de carácter bancário-financeiro.(…)‖ (…) e ―desta compreensão contratualista resulta que
também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e

                                                                                                        8
III. O CHEQUE vs CONVENÇÃO DE CHEQUE


Vamos ultrapassar os aspectos sobre a temática do Cheque que não oferecem divergência,
mas apesar de não ser o objecto deste trabalho, é contudo importante salientar alguns
aspectos que vão ajudar a perceber as diferentes soluções defendidas pela Doutrina.


Meio de pagamento ou título de crédito ?

O Cheque em si não é um meio de pagamento6, é tão só um título de crédito, é uma ordem
de pagamento, apesar de funcionalmente nos surgir como um meio de pagamento7
Por um lado, a simples entrega do Cheque não extingue a dívida do devedor ao credor, esta
só será extinta com o boa cobrança desse título. É uma ordem de pagamento do sacador ao
sacado, para que este entregue o correspondente valor ao tomador do cheque. É pois uma
dação em função do cumprimento, conforme prevê o artº 840º do Código Civil.
Por outro, tem como previsto no artº 29º LUC, tem um prazo de validade para ser utilizado
como Cheque, ou como documento quirografo8 se apresentado fora de prazo, podendo ser
utilizado como título executivo nos termos da alínea c) do nº1 do artº 46 do Código de
Processo Civil ( daqui em diante CPC ).



Natureza Jurídica do Contrato/Convenção de Cheque

O Cheque e o contrato de Cheque não são a mesma coisa. Aquele, sendo um título de
crédito diz respeito ao direito dos títulos de crédito, de que emergem obrigações cartulares,
o contrato de Cheque diz respeito ao Direito Bancário9.
O contrato/convenção de Cheque, normalmente decorre do contrato de depósito, e permite
ao depositante o acesso aos fundos disponíveis na sua conta.
Desta Convenção, bilateral /sinalagmática, de que emergem para ambas as partes, não
apenas os direitos e deveres principais, mais do que a relação de confiança defendida por

não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam.‖ (cf.,
Dr. Almeno de Sá, in ―Direito Bancário‖, 2008, p. 19 e o Acórdão do STJ de 31 de Março de 2009 – 09
A197
6
  Posição de inúmeros professores, de entre eles Ferrer Correia.
7
   “ Contributo para o estudo do Contrato de Cheque”de Sofia de Sequeira Galvão, 1992
8
  Acórdão TRC nº 39/06.2TBSCG-A.C1, de 28 de Outubro de 2008
9
  “Contributo para o estudo do Contrato de Cheque”de Sofia de Sequeira Galvão, 1992

                                                                                                       9
CW Canaris, resultam verdadeiras obrigações laterais ou deveres de conduta, que se
traduzem na lealdade, protecção dos interesses, cooperação, é como já referimos atrás, a
compreensão contratualista defendida por Almeno de Sá.
Assim, no que toca ao banco, obriga-o, a pagar os cheques emitidos pelo seu cliente, ou a
não pagar quando o seu cliente o ordene, mas também , mesmo que o seu cliente não lhe
ordene, deve o banco, proceder de forma diligente, por forma a assegurar a regularidade do
cheque , pois o banco deve acautelar os interesses do seu cliente
Neste sentido o Acórdão do TRC, de 19 de Dezembro de 2007, proc. 5975/04.8 TBLRA.C1
―(…) I – Um cheque configura uma ordem dada por uma pessoa (sacador) a um banco
(sacado) para que pague, ao primeiro ou a terceira pessoa, determinada quantia nele
inscrita e por conta dos fundos disponíveis no banco sacado. (…)‖

No que toca ao depositante, deve utilizar o cheque de acordo com a LUC.


Podemos concluir sem grande dificuldade que a maioria da doutrina e jurisprudência
deefende que o contrato de cheque se enquadra num tipo de mandato, previsto no artº 1170º
e ss CC, sendo que este se subsume no mandato sem representação, previsto no artº 1180º e
ss CC, na realidade o Banco compromete-se a obedecer às ordens do seu cliente, mas sendo
o banco que paga, é ele que tem o dinheiro do cliente em depósito e à sua guarda, age em
nome próprio. Esta conclusão reflecte, desde logo o sentido que toma a LUC no nº2 do artº
1, e da maioria da doutrina, nomeadamente como nos ensinam Filinto Elisio, Ferrer
Correia, Almeno de Sá, Sofia Sequeira Galvão, de entre outros.



Quais são os sujeitos da relação do cheque ?
Como ressalta do artº 3º LUC, a emissão de um Cheque pressupõe duas relações, uma de
provisão, que pode ser por exemplo um contrato de depósito, e uma convenção de cheque
que pode decorrer daquela.
― (…) na base da emissão de um Cheque, há duas relações distintas; a relação de provisão
e o contrato ou convenção de Cheque (…)‖, e que esclarecem, “na convenção de cheque
tudo se passa entre o banco e o titular (…) só o sacador possa accioná-lo para obter
reparação de todos os prejuízos que lhe advenham da recusa de pagamento.‖ 10


10
  Ferrer Correia / Almeno de Sá, “Cessão de créditos, emissão de cheque e compensação”, Revista de
Direito e Economia, 15, 1989.

                                                                                                     10
Neste sentido também o Acórdão do TRC, de 8 de Maio de 2007, processo nº240/2002.C1
De acordo com esta decisão a Convenção de Cheque constitui uma modalidade de mandato
específico, sem representação, inerentes ao pagamento do cheque, sendo sujeitos desta
convenção apenas o sacador e o sacado. Argumentando que o tomador não é parte da
relação entre o sacador e o sacado, este é livre de optar por pagar ou não ao tomador.


A relação Cartular

Já vimos que a emissão de cheque, é um negócio entre o sacador e o beneficiário/tomador,
não existindo uma relação jurídica directa entre o Banco e o Beneficiário/tomador do
cheque.11

Decorre também do artº 40º da LUC, que o banco sacado não é obrigado cambiário, e
significa que o beneficiário do cheque nunca poderá accionar directamente o banco sacado
com base na relação cartular. Por outras palavras, o banco não intervém no negócio de
emissão do cheque, não sendo por isso sujeito da relação cartular. O ― banco é estranho à
relação cartular” 12

Em resumo, o cheque e o contrato de cheque são coisas distintas. Se o banco está obrigado
pelo contrato de cheque, celebrado entre esle e o seu cliente, e quanto ao cheque, cumpre-
lhe, como mandatário, executar a ordem dada pelo seu mandante, não está obrigado pelo
cheque. Por consequência do banco não ser obrigado cartular, não poderá nunca ser
responsabilizado pelo não pagamento de um Cheque.




11
  idem,
12
  Sofia de Sequeira Galvão, Contributo para o estudo do contrato de cheque,” 1990, referindo Ferrer
Correia e Almeno de Sá.

                                                                                                      11
A questão da vigência do D/L 13004 de 1027

A responsabilidade do sacado perante o sacador ou perante o tomador/portador, é
consequência da posição das diferentes interpretações do artº 32º LUC e a vigência ou não
da 2ª parte do artº 14º do D/L 13004 de 1927
O já referido Acórdão do STJ nº 9/2008 de 25 de Setembro de 2008, vem de certa forma
exaustiva, fazer uma resenha da jurisprudência e da doutrina sobre o assunto da
responsabilidade do sacado.
O Artº 32º LUC diz-nos que a revogação só terá efeitos findo o prazo de apresentação.
Não subsistem dúvidas relativamente à eficácia da revogação depois de findo o prazo de
apresentação, e neste caso, o banco ao pagar, desobedecendo a uma contraordem do
sacador, incorre em responsabilidade pelos danos causados ao sacador.

Ora a dúvida coloca-se com pertinência, quanto à legitimidade do sacado pagar ou não um
cheque revogado antes de decorrido o prazo de apresentação. No fundo, é saber se o banco
deve obedecer a contraordem do sacador ou, decidir livremente se o faz ou não. Na
introdução deste trabalho foram identificadas várias situações.
A doutrina divide-se, e vamos apreciar quais as soluções doutrinárias e seus argumentos e
analisar as decisões dos tribunais. Coloca-se a questão da vigência ou não deste D/L. esta
questão é importante, pois como vimos, tem por consequência a responsabilidade do sacado
perante o portador.

Doutrina que defende a não vigência
A entrada em vigor da LUC, revogou aquele decreto pois versa a mesma matéria, a decisão
do acórdão do STJ de 16 de Junho de 1990 assim conclui.
Neste sentido os Prof.s Ferrer Correia e Almeno de Sá13, defendem que o banco sacado, não
incorre em responsabilidade perante o portador, pela recusa de pagamento, justificada ou
não, doutrina utilizada no acórdão de 8 Julho de 2004, do Tribunal da Relação de Lisboa14


13
  “Cessão de créditos, emissão de cheque, compensação”, Ferrer Correia e Almeno de Sá, parecer publicado
na CJ, 1990, Tomo I pág 43, e também o já referido na Revista de Direito e Economia, 15, de 1989.
14
   “(…) o pagamento do cheque pode ser recusado pelo sacado com base numa justificação válida (antes de
todas, a inexistência de fundos) ou mesmo sem qualquer justificação (por erro ou até por mero arbítrio)”,
distinção que tem interesse “pelo que toca à definição da responsabilidade do Banco perante o sacador,

                                                                                                      12
No mesmo sentido o Acórdão do TRP de 14 de Outubro de 2008, apelação nº 3892/08-215

Ferrer Correia, adianta que tendo por base os trabalhos da convenção de Genebra, ao ser
regeitada a proposta do delegado português que de alguma forma pretendia manter a
responsabilidade do sacado prevista no artº 14 do D/L 13 004, se este não pagasse no prazo
de apresentação, a Convenção afinal quis desresponsabilizar o sacado por obedecer à ordem
de revogação durante o prazo de apresentação, e só poderá, pelas razões que já apontamos,
ser esta a opção correcta. Esta posição é seguida por outros doutrinadores, como Almeno de
Sá, Sofia de Sequeira Galvão, e já referimos Filinto Elísio.

Também neste sentido a opinião de Germano Marques da Silva, que vem mais uma vez
sobre este assunto reforçar a sua posição16, que nos diz que o tomador, não tem o direito de
acção nem cambiária nem de responsabilidade civil por facto ilícito sobre o banco sacado,
defendendo a não vigência da 2ª parte do artº 14º do D/L 13004.

Doutrina que defende a vigência
Os argumentos que sustentam a posição dos acórdãos nº4/2000 17 e nº4 2008 18 , já aqui

dada a existência de convenção de cheque”, “ pelo contrário, a mesma distinção não tem qualquer
importância, segundo a tese absolutamente prevalecente na doutrina e na jurisprudência, no que toca ao
portador do cheque, em face do qual o banco não incorre em qualquer responsabilidade pelo facto de lhe
recusar injustificadamente o pagamento. Com efeito, é opinião geralmente aceite que o portador do cheque
não tem nenhuns direitos contra o sacado; não tem nenhuma acção, cambiária ou extra-cambiária, para o
constranger ao pagamento da soma inscrita no cheque, ainda que tao-só até ao limite dos fundos existentes
na conta-corrente do sacador”
15
   (…) FERRER CORREIA e ALMENO DE SÁ, em parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XV-
1990, tomo I, pp. 40-56, defendem que o portador de um cheque não tem direito de acção contra o Banco
sacado que se recusa a pagá-lo dentro de prazo de apresentação, seja com fundamento em responsabilidade
civil de natureza contratual, como a fundada em cessão de créditos, seja com fundamento em
responsabilidade extracontratual, como a emergente de violação da lei, por considerarem, neste âmbito, que
a Lei Uniforme sobre Cheques revogou tacitamente todo o art. 14.º do Decreto n.º 13004, cujo regime
consideram "frontalmente contrário ao sistema da L.U. e designadamente ao disposto no art. 32.º, que
assenta na ideia de não vinculação do sacado perante o portador (…)".
16
  Silva, Germano Marques da, “ Proibição de pagamento de cheque (…) “ Estudos de homenagem ao Prof.
Raul ventura, vol II.
17
  “(…) Resumindo: ao iniciar-se a vigência da LUC em Portugal, deixaram de vigorar a 1.a parte do corpo do
artigo 14.o do Decreto n.o 13 004 e o seu § único; a 2.a parte do corpo do artigo, pelo contrário, continuou
em vigor.(…)”
18
  «Uma instituição de crédito sacada que recuse o pagamento de cheque emitido através de módulo por ela
fornecido, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUC, alegando cumprimento de
ordem de revogação que lhe fora dirigida pelo sacador, comete violação do disposto na primeira parte do
artigo 32º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos
termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º do Código Civil.»


                                                                                                          13
referidos, que expressamente defendem a vigência da segunda parte do artº 14º do D/L
13004, são os mesmos.

Sendo que o acórdão nº4/2008 vem fixar jurisprudência, o que não acontecia com o acórdão
nº4/2000, pois este por extravasar a matéria controvertida no recurso, não vinculava, e
serviria quando muito como doutrina.
Esta posição é sustentada pelo argumento de que a Convenção deixou para o direito comum
de cada Estado, no que se refere à responsabilidade civil extracontrual, e por consequência
não poderia considerar-se como revogada a 2ª parte do artº 14º do D/L 13004.


Ora, como já se referiu, esta posição é claramente antagónica da posição que propugna a
revogação da 2ª parte daquela norma, como a de Ferrer Correia, António Caeiro, Almeno
de Sá, Sofia Galvão, de entre outros, e que é a posição doutrinária maioritária.




                                                                                        14
V. A REVOGAÇÂO


Nada impede que o titular de uma conta depósito, que depois de emitir um cheque, se dirija
ao seu banco e levante todo o dinheiro da sua conta, por forma a que o beneficiário, quando
pretenda trocar o título de crédito por dinheiro, veja gorada essa pretenção, pelo simples
facto que o banco sacado, não lho pagará, por falta de provisão.
Neste caso, não há dúvidas que o beneficiário/tomador, se voltará para o sacador, exigindo-
lhe responsabilidades, eventualmente exercendo o seu direito de acção civil e criminal.
Tudo se passa entre o sacador e o beneficiário. Não vai o beneficiário, apesar de apresentar
o cheque no prazo legal de pagamento, exigir responsabilidades ao banco por não lhe ter
pago o cheque válido. É pacífico.


Da mesma forma, se o sacador, em vez de ir ao banco levantar todo o seu dinheiro, ordenar
ao banco que não pague determinado cheque, revogando uma ordem prévia, o beneficiário
também verá gorada a sua pretenção, ou seja, não trocará o título por dinheiro, apesar do
sacador ter a conta sacada provisionada.
Tudo se deve passar entre o beneficiário e o emissor do título. O banco não poderá ser
responsabilizado. Mas não é pacífico que assim seja, pelo menos para parte da doutrina.


A posição do Banco de Portugal19, e que os bancos seguem, é no sentido da possibilidade
da revogação antes do prazo legal de apresentação desde que justificado com um dos
motivos previstos na lei. Diz ainda que se o beneficiário do cheque considerar que a
justificação para a proibição do pagamento foi falsa, poderá agir judicialmente contra o
emitente, pois a conduta deste pode configurar um crime de emissão de cheque sem
provisão, ou de burla.


Constata-se que a Revogação de cheque está delimitada por dois pressupostos.
Pela natureza do contrato de cheque, e pelo artº 32º LUC. Ambos os pressupostos geram
doutrinas e jurisprudência divergentes.



19
     Posição difundida pelos bancos, nomeadamente nas suas páginas web.

                                                                                          15
Primeiro devemos esclarecer; revoga-se o quê ? o cheque ou a ordem de pagamento ?


Germano Marques da Silva, na sua obra “Proibição de pagamento de Cheque (…)” , liga a
Revogação à proibição de pagamento e distingue a proibição da revogação. Diz que a
proibição se dirige directamente ao sacado, enquanto que a Revogação no significado do
artº 32º LUC se refere ao próprio título cambiário.


E esta conclusão decorre dos pressupostos que já analisamos, quando à natureza do contrato
e dos sujeitos da relação cartular. Mas esta corrente doutrinal vai contra o acórdão de
fixação de jurisprudência nº4/2008 do STJ, de fixação de jurisprudência que responsabiliza
o sacado perante o tomador, pelo não pagamento dentro do prazo legal. Em que ficamos ?


A posição do assento nº4/2000, refere que quando se trate de justa causa, não se está
perante uma revogação, mas de uma proibição de pagamento dirigida ao sacado pelo
sacador. O assento faz referência aos doutrinadores que defendem esta posição.
Argumentam que os motivos previstos na lei que justificam a proibição de pagamento,
implica que o cheque não é válido, ou porque foi furtado ou roubado, extraviado e eventual
falsificação, ou outro motivo justificativo, por consequência não se revoga um título nestas
condições. Um cheque falsificado, é nulo, não se revoga um título nulo.
Por outras palavras, não faz sentido que o portador de um cheque que tenha sido proibido
ser pago por justificadamente preencher os motivos previstos na lei, o possa utilizar para
uma acção executiva. Este tomador, não tem em mãos um título executivo.
Para esta doutrina, a revogação refere-se ao próprio título, mas por aplicação do artº 32º
LUC, este título mantém-se válido por ineficácia da revogação antes de decorrido o prazo
de apresentação. Se há justa causa, não se coloca a questão da revogação, o que há é a
proibição de pagamento do cheque.


Tendo por base o pressuposto da natureza de mandato do contrato de cheque, emerge a
possibilidade de revogação, prevista no nº1 do artº 1170º CC.

A revogação é uma proibição de pagamento do sacador ao sacado, revogando o contrato de
cheque, e não o cheque, e o seu único limite de licitude, como nos diz Sofia de Sequeira

                                                                                         16
Galvão, é a justa causa, como previsto no nº2 do artº 1170º,
Poderá o tomador, nos termos do artº 40º LUC, accionar o sacador e outros obrigados, se o
portador entender injustificada a ordem de não pagamento, que sabemos, ocorre com
frequência.
Ferrer Correia, ao dizer que o cheque continuava a ser um título válido, “ mau grado a sua
revogação” ao abrigo do artº 32º , interpreta no sentido de que tal revogação no prazo legal
de apresentação, não é eficaz, quer dizer não anula o cheque, como título, nesse prazo, e o
tomador apesar da revogação, continua a poder accionar os obrigados cambiários, e refere-
se necessariamente a um título válido, ou seja, não viciado por alguma justa causa.
Em resumo o que a LUC nos diz é que apesar da revogação, se o cheque, válido, é
apresentado no prazo legal de apresentação, não segue o regime da revogabilidade onde a
revogação anula o cheque.


Também Germano Marques da Silva, vai no sentido de que o tomador não tem direito de
acção, nem cambiária, nem de responsabilidade civil por factos ilícitos, contra o sacado,
que obedece às ordens do sacador, mesmo dentro do prazo legal de apresentação.
Sendo sempre e apenas o sacador que responde por falsas justificações, pois nos termos da
lei do cheque sem provisão, um cheque não pago com a falsa justificação prevista na lei,
será entendido como cheque sem provisão, com as consequências penais previstas na lei20


Assim, é por consequência do pressuposto da existência de um contrato de cheque, com a
natureza de mandato, que o cheque mantém a sua validade, pois o que sacador revoga não é
o Cheque, o que o sacador revoga é o Contrato de Cheque, emitindo uma contra-ordem
relativamente a uma ordem previa, e não por força da ineficácia da revogação do cheque no
prazo de apresentação, como disposto no artº 32º LUC
A responsabilidade do sacador perante o tomador, será apurada em conformidade com o
nº2 do artº 1170º , ou seja, se existe ou não justa causa.
Nesta conformidade o beneficiário/tomador, apesar de não ser pago pelo sacado que
obedece a uma ordem de revogação de contrato de cheque, continua com um título

   20
        Acórdão STJ n.º 9/2008 Processo n.º 3394/07 - 5.ª Secção - Fixação de jurisprudência


                                                                                               17
executivo, e se for apresentado depois do prazo legal para pagamento, não com o valor de
cheque, mas como documento quirógrafo, que de acordo com a alínea c) do nº1 do artº 46º
do Código de Processo civil, constitui um título executivo.
Neste sentido o Acórdão TRC nº 39/06.2TBSCG-A.C1, de 28 de Outubro de 2008


Posição mais ou menos divergente têm outros doutrinadores, como por exemplo, Oliveira
Ascenção e Alberto Luís, essencialmente porque partem de pressupostos distintos quanto à
natureza do contrato de cheque.


Temos assim as seguintes posições; - uma defende que é a revogação do próprio título, e
que se for dentro do prazo de apresentação é ineficaz, por isso mantém o cheque válido
como título. Para outra, a revogação é eficaz porque se dirige-se ao contrato de cheque, que
proibe o pagamento do cheque, e não ao título, este mantém-se por consequência válido,
enquanto título de crédito.
Parece dar no mesmo, mas quanto à imputação da responsabilidade do sacado, já as
consequências são distintas. Como vamos ver mais adiante, a primeira admite a
responsabilidade do sacado perante o tomador se o sacado não paga o cheque revogado
dentro do prazo de apresentação, e a segunda rejeita a responsabilidade do sacado.




                                                                                         18
Eficácia ou ineficácia da revogação de cheque no prazo de apresentação.


A favor da ineficácia da revogação antes de decorrido o prazo de apresentação
O mesmo é dizer que a ordem de pagamento emitida pelo sacador, é irrevogável, dentro do
prazo de apresentação.

O que acontece se o sacado decide pelo pagamento, ignorando a ordem de revogação ?
A consequência é que o Banco sacado tem a obrigação de pagar ao tomador,
desobedecendo a uma ordem de revogação do seu cliente, o sacador, apesar das relações de
convenção de cheque, e de provisão. 21 , e nesta posição o banco não incorre em
responsabilidade pelos prejuízos causados ao sacador.

Neste sentido são os Acórdãos que se apresenta como exemplo o Acórdão do STJ de 18 de
Novembro de 1996, BMJ 461, pág 515, que nos adianta que o banco sacado não incorre em
responsabilidade por não ter acatado a contra-ordem do sacador.


Mas se o sacado decide pelo não pagamento, obedecendo à contraordem de revogação, esta
corrente doutrinária e jurisprudêncial defende que o banco sacado tem responsabilidade por
não ter pago o cheque, e não apenas os obrigados nos termos do artº 44º LUC.
Esta tese assenta na segunda parte do artº 14º do D/L nº 13004 de 27 de Janeiro de 192722
Neste sentido primeiramente o Acórdão do STJ de 18 de maio de 1999, BMJ 487, pág 364,
que esclarece que se o banco sacado se recusar ao pagamento dentro do prazo de
apresentação, incorre em responsabilidade civil extracontratual perante o portador.
Depois no mesmo sentido o acórdão do STJ nº4/2000, de 19 de Janeiro de 200023:
E finalmente o Acórdão do STJ nº 4/2008 , de 28 de Fevereiro de 200824, que vem fixar
jurisprudência. Neste último caso, embora para a ordem de revogação tenha sido
apresentada causa de justificação, na realidade, era ficcionada 25 , sendo a ordem de
revogação considerada mera ordem de revogação, em violação do disposto artº 32º LUC, o

21
   Neste sentido o Prof Olavo Cunha, “ estudos de direito bancário”, 1999, Coimbra Editora
22
   “(…) No decurso do mesmo prazo, o sacado não pode, sob pena de responder por perdas e danos, recusar
o pagamento do cheque com fundamento na referida revogação.”
23
   Diário da república, séri e I-A, nº 40, de 17 de Fevereiro de 2000.pág 584
24
   Diário da República, 1ª série – nº 67 de 4 de Abril de 2008, pág 2060
25
   Que nos coloca outra questão, a veracidade da justa causa, e o dever de diligência do sacador.

                                                                                                    19
sacado incorre em responsabilidade perante o portador.
Por consequência, na posição da doutrina e jurisprudência que agora se aprecia, o sacado,
não poderia deixar de ser responsabilizado por danos, pelo não pagamento do cheque no
prazo legal de apresentação.
Ainda o Acórdão do STJ nº4 / 2008 de 28 de Fevereiro de 200826

―(…) II.B.5 — A recusa do pagamento constitui o Banco sacado, desde que verificados os
demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, na obrigação de
indemnizar o tomador do cheque.(…)‖


A favor da eficácia da revogação do cheque

De acordo com Filinto Elísio, o Cheque é sempre revogável pelo sacador, quer antes quer
depois de findo o prazo de apresentação, pois parte da doutrina da existência de um
contrato de mandato entre o sacador e o sacado.
Também Ferrer Correia, adianta que se o sacado não pagar o cheque, o tomador apenas
poderá accionar o sacador ( e restantes obrigados cartulares), o Banco apenas está obrigado
face ao seu cliente o sacador, pela relação contratual com natureza de mandato, do contrato
de cheque.
Nas palavras de Sofia de Sequeira Galvão ― a livre revogabilidade por parte do
cliente/sacador encontra, no interesse do banco e do beneficiário do cheque, o limite da
justa causa ( artigo 1170º nº2 CC )‖27

Defende esta corrente doutrinária, que não é o sacado que incorre em responsabilidade, são
o sacador e demais obrigados, e apresenta como argumentos básicos por um lado a natureza
do contrato de cheque, e por consequência a revogação dirige-se ao contrato de cheque e
não ao próprio cheque, e por outro, relativamente ao cheque, o sacado não é obrigado
cartular, e por isso não pode ser responsabilizado.
Quanto ao primeiro argumento desde logo o nº2 do artº 1170º , que nos diz que a
revogação do mandato só será ilicita se não preencher os requisitos previstos,
nomeadamente a justa causa, qualquer que ela seja. Daqui ressalta que se não for cumprido,

26
     Idem, pág 2067
27
     Galvão, Sofia de Sequeira, “Contributo para o Estudo do Contrato de Cheque”, relatório de Mestrado

                                                                                                          20
é apenas do “mandante”/sacador, e solidariamente, os demais subsequentes obrigados se os
houver. Decorre também do artº 40º LUC que o tomador, portador do cheque não tem
acção contra o sacado, e neste sentido a doutrina do Prof Ferrer Correia e Almeno de Sá28,
que vale a pena reproduzir pela sua clareza:
― (…) na convenção de cheque, tudo se passa entre o banco e o titular da provisão – são
eles as partes no dito contrato. Daí que, uma vez celebrado o acordo, se o banqueiro
sacado se nega injustificadamente a pagar um cheque sobre ele emitido, só o sacador
possa accioná-lo para obter reparação de todos os prejuízos que lhe advenham da recusa
de pagamento.(…). O portador, que não é parte na convenção de cheque, não tem acção
contra o banco sacado, apenas podendo accionar em via de regresso os signatários do
título: o sacador e os eventuais endossantes e avalistas‖

Como corolário desta posição, a própria LUC prevê no seu artº 44º , que o sacador e todos
os obrigados, são solidariamente responsáveis perante o tomador, portador do cheque.
Nunca refere que poderá também ser o sacado.
Nestes termos, o portador pode exigir a responsabilidade aos obrigados, mas não ao sacado,
que como já vimos, não tem para com o portador qualquer obrigação29.
Neste sentido, por exemplo o Acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 2000, BMJ 494 pág
333, o Acórdão do TRC de 8 de Maio de 2007, processo nº240/2002.C130 .
Sendo eficaz, o sacado deve actar a ordem de revogação. Neste sentido o acórdão do TRC
de 19 de Dezembro de 2007, processo 5875/04.8 TBLRA.C1

28
  Ferrer Correia e Almeno de Sá, “Cessão de Créditos, Emissão de Cheque e Compensação”, Revista de
Direito e Economia, 15, 1989
29
  salvo se o tomador também for cliente do banco sacado. Neste caso o sacado é colocado perante um
potencial conflito de deveres laterais emergentes de dois contratos bancários e deverá tomar uma atitude.
Este situação merecerá um estudo mais aprofundado, mas desde já, na minha opinião é que deverá tomar
aquela que melhor salvaguarde os dois interesses, estando numa prosição previligiada para mediar antes
que a situação evolua para litigio, por vezes um simples telefonema poderá resolver a situação.

30
    I – Na convenção de cheque tudo se passa entre o Banco e o titular da provisão – são eles as partes do dito
contrato.
II – Uma vez celebrado o contrato de “emissão de cheque”, se o banqueiro sacado se negar
injustificadamente a pagar um cheque sobre ele emitido, só o sacador pode accioná-lo.
III – O portador, que não é parte na convenção de cheque, não tem acção contra o banco sacado, apenas
podendo accionar, em via de regresso, os signatários do título: o sacador e os eventuais endossantes e
avalistas (artº 40º LUs/C).
IV- Não há, salvo dolo, mera culpa ou abuso de direito (responsabilidade aquiliana), qualquer relação entre o
portador ou beneficiário de um cheque e o banqueiro, a menos que a convenção de cheque tenha sido
estipulada como contrato a favor de terceiros.


                                                                                                            21
Quanto ao argumento da relação cartular, já foi esclarecido que o sacado não é obrigado
cartular e por consequência não poderá ser responsabilidado.


O dever de diligência do sacado.


Sobre este aspecto apenas se apresenta algumas citações de jurisprudência, que é unânime
em salientar o dever de diligência do sacado, nomeadamente no que diz respeito a verificar
os requisitos do Cheque, e eventualmente os pressupostos circunstânciais, sejam os
referentes às justificações que acompanham a ordem de revogação, sejam aquando da
apresentação do Cheque a pagamento.
No entanto convém distinguir as situações relativas aos deveres de diligência que decorrem
da actividade bancária, mas que não têm directamente a ver com a revogação, das situações
onde são evidentes os deveres laterais que emergem do vinculo contratual.


Quanto ao primeiro aspecto

O Acórdão do STJ nº4 / 2008 de 28 de Fevereiro de 2008.
― (…) Conforme decidido nos Acórdãos deste STJ de 2 de Junho de 1997, processo n.º
96B503, e de 7 de Dezembro de 2005, processo n.º 3451/05 -6.ª, o primeiro inserto em
www.dgsi.pt e o segundo em Sumários «o Banco sacado que aceita, sem mais, a ordem de
revogação de cheque antes de findo o prazo de apresentação a pagamento, e com
violação, por isso, do artigo 32.º, n.º 1, da LUCH, não procede com a diligência de pessoa
normal, medianamente capaz, prudente, avisada e cuidadosa, e impedindo indevidamente
com a sua omissão a cobrança do cheque pelo seu legítimo portador, causando -lhe
prejuízo, torna –se civilmente responsável perante o portador por tal prejuízo, na
conformidade do disposto no artigo 483.º do CCIV66».
O Banco sacado comete, assim, um acto ilícito e culposo e será responsável pelos danos
que, em relação de causalidade adequada, tal comportamento determine.(…) ―

Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, de 8 de Julho de 2004, processo nº 4062/2004-8
“(…) I- O banqueiro que cobra um cheque cruzado de um cliente nos termos do artigo
38º/3 da L.U.Ch. pode incorrer em responsabilidade extracontratual face a terceiro,
aquele a favor de quem foi emitido o cheque cruzado, se não usar da diligência que as
circunstâncias concretas do caso justificam ( legibilidade das assinaturas apostas no
endosso, montante do cheque, capacidade económica evidenciada pela sua cliente, ritmo
de cheques cruzados depositados pela cliente provindos de uma empresa que, pela
actividade e dimensão, não é suposta endossar cheques e muito menos continuadamente à
                                                                                       22
mesma pessoa singular etc).
 II- Assim sendo, a responsabilidade do banqueiro não fica excluída liminarmente com a
demonstração de que o título, designadamente o endosso (falsificado), não revelavam
adulterações materiais (falso grosseiro).(…)‖
― No assinalado estudo António Caeiro e Nogueira Serens referem precisamente que ― o
Banco que se encarrega da cobrança do título, porque não está vinculado à legitimação,
não se pode bastar com o mero exame da cártula, devendo antes, sob pena de
comportamento culposo, valorar todas as circunstâncias dele conhecidas ou cognoscíveis
para atribuir carácter de univocidade à aparência e, desse jeito, afastar toda a dúvida de
não correspondência entre ambas as situações (titularidade e legitimação (…)‖.


Quanto ao aspecto dos deveres laterais

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 de Dezembro de 2007, processo
5975/04.8 TBLRA.C1 ( sublinhado meu)

―(…) VI – Quanto ao banco, no que respeita aos seus deveres laterais ou colaterais
emergente deste tipo de contrato, há que salientar, entre muitos outros, o dever de
fiscalização e de conferência da assinatura; o dever de rescindir o contrato de cheque em
caso de utilização indevida destes; o dever de observar a revogação do cheque; o dever de
esclarecer um terceiro que reclame informações sobre essa revogação; o dever de verificar
cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados; o dever de, em regra, não pagar o
cheque para levar em conta; o dever de informar o cliente sobre o destino e tratamento do
cheque. (…)”

Acórdão do STJ de 7 de Maio de 2009, processo 195/2000.C2.S1 ( sublinhado meu)
―(…) Mas o Banco ―em razão da sua profissionalidade e competência específica‖ (…) tem
uma ―obrigação de acautelamento dos interesses do cliente, no que respeita a todos os
assuntos de carácter bancário-financeiro. Esta obrigação implica, não uma pura atitude
passiva, mas antes uma actividade continuada de promoção e vigilância dos interesses do
cliente, no particular domínio considerado.‖ (…) e ―desta compreensão contratualista
resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é
colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações
dogmático-práticas que daí necessariamente resultam.‖ (cf., Dr. Almeno de Sá, in
―Direito Bancário‖, 2008, p. 19 e o Acórdão do STJ de 31 de Março de 2009 – 09 A197 –
ao referir: ―Essenciais na relação Banco-cliente são procedimentos de confiança e de
confidencialidade, sobretudo aquele (…) sendo de exigir ao Banco uma actuação de
promoção e vigilância em ordem a preservar os interesses do seu cliente. Essa relação de
confiança implica que o cliente sinta que o Banco depositário do seu dinheiro acautela os
seus interesses, sendo diligente nos pagamentos à custa da conta do depositante.(…)‖.

                                                                                       23
Quais as soluções apontadas pelas divergentes Jurisprudência e Doutrina ?

Para a resposta à questão “ qual a responsabilidade do banco sacado por não cumprir uma
ordem de revogação do sacador seu cliente, ?”, podemos encontrar, consequência de
diferentes pressupostos, diferentes soluções, que de seguida se resume.
Encontramos desde logo soluções que não apresentam controvérsia, para a situação da
Revogação fora do prazo de apresentação.


1. Depois de uma ordem de revogação simples ou idoneamente justificada, se o Cheque é
    apresentado depois do prazo de apresentação previsto no artº 29º LUC, toda a
    Jurisprudência e Doutrina está de acordo com a eficácia da revogação, embora com
    pressupostos distintos, seja porque para uma corrente é conforme à norma do artº 32º
    LUC, seja porque pra outra corrente nunca deixa de ser eficaz.
    O mesmo é dizer que se o banco sacado paga um Cheque nesta situação, é por
    consequência responsável pelos prejuízos que possam advir ao sacador.


Mas dentro do prazo previsto no artº 29º LUC, já encontramos diferentes posições.


2. A doutrina e jurisprudência, que segue o acórdão de fixação nº4/2008 ambos do STJ,
    defende que o sacado é obrigado, por força do artº 32º LUC, a pagar um Cheque
    apresentado dentro do prazo, e que se o não fizer incorre directamente em
    responsabilidade perante o tomador/portador, por um lado porque defende a ineficácia
    da revogação de cheque no prazo de apresentação, e por outro, defende a vigência da
    segunda parte do artº 14º do decreto lei 13004 de 1927.
    O mesmo é dizer, que para esta corrente Doutrinária e Jurisprudêncial, o sacado não
    responde perante os eventuais prejuízos causados ao sacador seu cliente, se pagar um
    cheque em desobediência a uma ordem de revogação.


3. A doutrina, defendida por, de entre outros, Ferrer Correia, António Caeiro e Almeno
    de Sá, nunca o sacado poderá ser responsabilizado perante o tomador, com os
    fundamentos de que, por um lado, no contrato de Cheque estamos perante um contrato


                                                                                     24
de mandato31, a relação é apenas entre o sacador e o sacado, não sendo parte da relação
     o tomador/portador, seja qual for o motivo, o sacado deve sempre obedecer à ordem de
     revogação. Por outro lado o sacado não é parte da relação cartular. Ainda, ao contrário
     de que veio fixar a jurisprudência, defende a revogação de todo o artº 14º do Decreto
     lei 13004 de 1927, e não apenas a primeira parte deste artigo.
     O mesmo é dizer que se o sacado paga, incorre em responsabilidade perante o sacador,
     pelos prejuízos que lhe possa ter causado.


Revogação acompanhada de justificação falsa.


 4. No caso da revogação com uma justificação que fosse previsivel que fosse ficcionada,
     seja por exemplo o facto do cliente ter por hábito emitir cheques, que aparentemente
     preenchem todos os requisitos de validade do cheque, mas que depois revoga com um
     dos motivos previstos, sendo o mais habitual o de “extravio”, ou “ falta ou vicio na
     formação da vontade”, é de esperar que o sacado, presuma que o seu cliente não tem
     um verdadeira justificação mas pretende é não cumprir com os seus compromissos, e o
     que pretende é tentar evitar uma acção penal32. Por consequênciae deve, devolver o
     cheque ao beneficiário, com a justificação de “ sem provisão”, e não com a justificação
     presumivelmente falsa, sendo esta a posição que a jurisprudência fixou com o acórdão
     nº9/2008.33




31
   Posição partilhada, quanto a este aspecto, pela maioria d Jurisprudência
32
   O sacador neste caso, comete um ilícito para esconder outro ilícito.
33
   Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2008. Processo n.º 3394/07 - 5.ª Secção - Fixação de
jurisprudência. Conselheiro Artur Rodrigues da Costa.
“a) Fixar a seguinte jurisprudência:
Verificados que sejam todos os restantes elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo do ilícito,
integra o crime de emissão de cheque sem provisão previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-
Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro,
a conduta do sacador de um cheque que, após a emissão deste, falsamente comunica ao banco sacado que o
cheque se extraviou, assim o determinando a recusar o seu pagamento com esse fundamento ;


                                                                                                       25
VII. CONCLUSÃO


Não perdendo o sentido da questão deste trabalho, que se traduz na responsabilidade do
sacado perante o sacador no caso deste pagar um cheque revogado dentro do prazo de
apresentação.
De acordo com o se apresentou neste trabalho, podemos chegar a algumas conclusões:
   1. A importância de assumir a existência de uma verdadeiro contrato bancário, sempre
       presente, para além das obrigações directamente emergentes de outros contratos em
       particular. Neste sentido o acórdão do STJ de 7 de Maio de 2009, processo
       195/2000.C2.S1
   2. A natureza de mandato do contrato de cheque, cujo regime está previsto nos artº
       1170º e ss CC, sendo sujeitos o sacador e o sacado. Este pressuposto é seguido pela
       maioria da doutrina e da jurispudência. Só o sacador poderá exigir
       responsabilidades ao sacado, na eventualidade de este lhe desobedecer.
       Em boa verdade, não sendo assim, qual seria a eficácia, de que valeria o contrato
       sinalagmático como os contratos de provisão e de cheque, designadamente quanto
       aos direitos e obrigações emergentes?
   3. O sacado não é obrigado cartular. No cheque, a relação cartular é apenas entre o
       sacador e o tomador
   4. A não vigência de todo o artº 14º do D/L 13004 de !927
   5. O tomador, mantendo-se válido o título de crédito, mesmo depois da ordem de
       revogação do sacador, poderá sempre accionar o sacador pelo não pagamento, pois
       não é o Cheque que é revogado, mas o contrato de Cheque. Tem o artº 40º LUC que
       o protege.
   6. O Acórdão nº4/2008 do STJ veio fixar a jurisprudência no sentido de que, nos
       termos do artº 32º a revogação não tem eficácia dentro do prazo de apresentação, e
       o banco sacado não pode recusar o pagamento, e o mesmo é dizer, que é obrigado a
       pagar o cheque. Também defende que, matendo-se em vigência a segunda parte do
       artº 14º do D/L 13004 de 27 de Janeiro de 1927, o banco incorre em
       responsabilidade perante o portador por se recusar a pagar um cheque no prazo de
       apresentação.


                                                                                       26
7. O acórdão de nº9/2008 do STJ de 25 de Setembro de 2008
    8. Os deveres de diligência, que reflectem os deveres laterais ou de conduta,
        emergentes da relação obrigacional complexa. Que se traduz na obrigação do
        sacado ter em atenção os interesses do seu cliente, contudo é razoável que o banco
        apenas obedeça quando o seu cliente justificadamente lhe contra-ordene, revogando
        a ordem de pagamento nos termos do nº2 do artº 1170 CC, para além disso também
        o cliente está vinculado a obrigações emergentes do contrato de cheque,
        nomeadamente a fazer boa utilização do cheque, e obedecer à lei do cheque.




Qual a posição a seguir ?


Resumidamente, perante o que se apresentou, sou de opinião que se deve seguir a doutrina
que propugna que o sacado por via de regra nunca será responsável perante o tomador , e
seguindo o tema a que me propuz, o sacado será responsável perante o sacador se
desobedecer a uma sua ordem de revogação, sustentada por várias ordens de razão ;
1. A natureza de mandato do contrato de cheque, sendo os sujeitos desse contrato apenas o
sacador e o sacado e a ordem de revogação se dirige ao contrato de cheque e não ao cheque
propriamente dito, que se manterá como título executivo, salvo se transporta vicio que o
torne nulo.
2. O sacado não é obrigado cartular.
3. A revogação total do artº 14º do D/L 13004 de 1927.
4. O tomador terá sempre ao abrigo da LUC nomeadamente como disposto e nos termos do
artº 40º, a faculdade de accionar o sacador, não ficando por conseguinte diminuidos os seus
direitos,




                                                                                        27
BIBLIOGRAFIA

Correia, Ferrer / Caeiro, A.               Revista de Direito e Economia, ano IV, nº2, 1978

Correia, Ferrer / Sá, Almeno de            “Cessão de créditos, emissão de cheque, compensação”
                                           Revista de Direito e Economia, 15, 1989
Galvão , Sofia de Sequeira                 “Contributo para o estudo do Contrato de Cheque”, 1992

Cunha, Olavo                               “ Estudos de direito bancário”, 1999, Coimbra Editora

Sá, Almeno de                              “Direito bancário, 2008, Coimbra Editora

Silva, Germano Marques da,                 “ Proibição de pagamento de cheque (…) “ Estudos de
                                           homenagem ao Prof. Raul ventura, vol II.

Outros trabalhos

Banco de Portugal                  “Cadernos do Banco de Portugal”, nº3 – Cheques, Regras Gerais,
                                   2008
Teixeira, Alexandra Dias           “ a Revogação do Cheque – e a ordem de não pagamento”, 2007


Acórdãos

STJ de 7 de maio de 2009, processo 195/2000.C2.S1
STJ nº9/2008                        25 de Setembro de 2008. Processo n.º 3394/07 - 5.ª Secção
STJ nº4/2008                       Diário da República, 1ª série – nº 67, 4 de Abril de 2008, pág 2060
STJ nº4/2000                       Diário da República, série I-A, nº 40, 17 de Fevereiro de 2000.pág 584

TRC de 28 de Outubro de 2008, nº 39/06.2TBSCG-A.C1
TRC de 19 de Dezembro de 2007
TRC de 8 de Maio de 2007, processo nº240/2002.C1
TRP Apelação nº 3892/08 - 2ª Sec. De 14/10/2008

Legislação

Lei Uniforme do Cheque decreto 23721 de 29 de Março de 193434
Regime Jurídico do Cheque sem Provisão (com as alterações do DL 316/97 e a Rectificação 1-C/98)
Código Civil de 1966


34
     Versão da Ordem dos Advogados disponibilizada no sitio www.oa.pt

                                                                                                            28

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Responsabilidade do Banqueiro pelo pagamento de cheque revogado

  • 1. ULP - Universidade Lusófona do Porto REVOGAÇÃO DE Cheque Responsabilidade do Banqueiro pelo pagamento de cheque revogado no prazo legal de apresentação Mestrado de Direito - Jurídico Forenses IDP II - Instituições de Direito Privado II Fernando Américo Magalhães Ferreira 1
  • 3. Devemos sempre seguir o caminho que nos leva ao ponto mais alto Platão 3
  • 4. Índice I. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 4 II. A RELAÇÃO BANCO CLIENTE .................................................................................. 6 III. O CHEQUE VS CONVENÇÃO DE CHEQUE ............................................................ 8 Meio de pagamento to ou título de crédito? .................................................................... 8 Natureza Jurídica do Contrato/Convenção de Cheque .................................................... 9 A relação Cartular.......................................................................................................... 10 IV. VIGÊNCIA DO ARTº 14º D/L 13004 DE 1927 ........................................................... 11 V. A REVOGAÇÃO ...................................................................................................... 14 A favor da ineficácia da revogação .............................................................................. 18 A favor da eficácia da revogação .................................................................................. 19 O dever de diligência do Sacado ................................................................................. 21 Soluções Jurisprudênciais e Doutrinal ........................................................................... 23 VI. CONCLUSÕES E TOMDA DE POSIÇÃO ................................................................. 25 VII. BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 27 4
  • 5. I. INTRODUÇÃO 1. O subtítulo é estanho, mas intencional. Normalmente discute-se a responsabilidade do sacado perante o tomador, pelo não pagamento de cheque apresentado no prazo legal, mas raro se fala na responsabilidade do sacado por desobedecer à ordem de revogação do sacador. Será que o sacado se pode ilibar de responsabilidade alegando o cumprimento do artº 32º da Lei Uniforme do Cheque ( daqui em diante LUC ) ? A matéria em discussão é a mesma, mas partindo de um outro ponto de vista, pois não é só o tomador que deve ser protegido. 2. A resposta tem a ver necessariamente com natureza do vinculo emergente da emissão do cheque. Em linguagem prática, teremos por exemplo alguém que decide colocar „nas mãos‟ de um banco determinada soma do seu dinheiro, celebrando um contrato de depósito, com determinadas contraprestações e a garantia de que o banco obedecerá às suas ordens de o movimentar, seja porque meio for, nomeadamente por cheque, se também tiver celebrado um contrato de cheque. Não se imagina que alguém coloque os seu dinheiro „nas mãos‟ de um banco, se souber que este poderá poderá não obedecer às suas ordens. 3. Tanto a Jurisprudência como a Doutrina, não questiona a eficácia da revogação se ordenada pelo sacador depois do prazo de apresentação, com ou sem motivo de justificação. Mas a questão já não é pacífica quanto à responsabilidade do sacado, se a revogação é ordenada no prazo de apresentação do cheque, e as consequências para as diferentes alternativas que na prática podem surgir, e que no fundo se traduz nas diferentes interpretações do artº 32º da LUC e a vigência ou não da segunda parte do artº 14º do D/L 13004 de 1927. Na prática resulta da eficácia ou não da revogação no prazo de apresentação1. 4. O acórdão nº9/20082 vem fazer uma resenha da Jurisprudência e Doutrina. De facto, tanto a Jurisprudência como a Doutrina divide-se, sustentando a sua argumentação em razões pertinentes, tendo cada uma diferentes consequências quanto à responsabilidade do sacado, seja face ao sacador, seja face ao tomador/portador. 5. Poderemos identificar diferentes situações decorrentes da ordem de revogação do 1 De facto, o artº 32º LUC não coloca em questão a validade, pois será sempre válida e eficaz depois de findo o prazo de apresentação. 2 Acórdão nº9/2008, Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Setembro de 2008. Processo n.º 3394/07 - 5.ª Secção - Fixação de jurisprudência 5
  • 6. sacador ao sacado, e este tem duas opções3. O sacado paga ou não paga. Cada uma das alternativas tem diferentes circunstâncias, com diferentes soluções Jurisprudênciais e Doutrinais. Uma revogação pura e simples, sem qualquer motivo, ou a revogação é acompanhada de uma das justificações previstas na LUC, e as justificações são verdadeiras e idóneas ou as justificações são falsas 3 há quem defenda que o sacado pode ter uma outra alternativa, que é de cativar o valor, se a conta tiver provisão está claro, até que entre o tomador e o sacador seja clarificada a situação, em defesa da tutela da confiança do instrumento de pagamento. 6
  • 7. II. A RELAÇÃO BANCO /CLIENTE Não podemos deixar de abordar a questão da relação entre o Banco e o Cliente, quando estamos neste universo de negócios jurídicos bancários. Até hoje não existe, a exemplo de outros ramos, uma codificação de um direito bancário, encontrando-se dispersa por legislação avulsa, o recurso às normas do Código Civil, do Código Comercial e de outros ramos do Direito, substantivo e e processual, que ajudam a melhor integrar as questões relacionadas com o que poderemos chamar de direito bancário. Mas então como conformamos as relações deste tipo ? Interessa estabelecermos qual a natureza jurídica da relação entre o banco e o seu cliente, pois vai conformar qual o tipo de vinculo que subjaz nessa relação, mesmo para além dos direitos e deveres directamente emergentes de um certo contrato em particular. Existem diferentes teorias, das quais podemos identificar três mais significativas. A Teoria das Relações de Facto, a Teoria da Relação Corrente de Negócios e a Teoria da Verificação Contratual. A primeira diz-nos que a relação entre o banco e o cliente se esgota em cada um dos negócios celebrados, e as obrigações serão apenas as emergentes de cada um deles. Para além desses negócios, apenas existe uma relação de facto, que na prática não os vincula. A segunda defende a figura da obrigação sem deveres primários de prestação, que resulta apenas do contacto negocial mas não contratual. Propugna, seguindo a tese de CW.Canaris, a responsabilidade pela confiança, desencadeada pelo referido contacto negocial, esta responsabilidade pela confiança, não será pois nem contratual, nem sequer extracontratual, como nos ensina Almeno de Sá, estará algures entre uma e outra4. Quer isto dizer que não existindo uma realção contratual, existirá entre ambos um conjunto de obrigações decorrentes da confiança que entre eles se estabelece. No entanto resta saber como valorar esta confiança e como se poderá aplicar ao nível da responsabilidade, numa relação que, segundo os seus defensores, se baseia numa obrigação sem deveres primários de prestação. A Teoria da Verificação Contratual, ultrapassa o constragimento que se identificou na Teoria da Relação Corrente, e defende a existência de um vinculo contratual, emergente de um verdadeiro contrato, um contrato bancário, que subsiste para além de cada um dos contratos individualmente celebrados. 4 Sá, Almeno, Direito Bancário, 2008, Coimbra Editora 7
  • 8. É pacífico referir que o “nosso” banco, quando abrimos a primeira conta depósito, logo nos afecta um “gestor de cliente”, encarregado de tratar dos nossos interesses, muitas vezes prestando serviços que não estão directamente relacionados com qualquer contrato celebrado, elucidando-nos, propondo, esclarecendo, avisando, enfim um sem número de actos, que o banco tem por objectivo, olhando pelos interesses do seu cliente, fidelizando através de uma “ continuada utilização”, e obter por consequência lucros disso, é o seu escopo. Actos esses que reforçam esta tese de verdadeiro contrato bancário. Este contrato bancário, diz-nos Almeno de Sá, que se inicia no momento em que ambos celebraram um contrato depósito, está sempre presente, regulando de forma geral todas as relações entre o banco e o seu cliente, qualquer que seja a sua natureza. Eu iria mais longe e advogaria que se inicia mesmo antes. Não somos nós “ bombardeados” diariamente com mensagens publicitárias, muitas delas muito mais que meros convites a contratar, são verdadeiras propostas contratuais, senão mesmo promessas públicas. Neste sentido, existe desde logo um vinculo, ainda que unilateral do banco. A nós, bastará um simples acto de “ adesão” para nos tornarmos clientes e usufruirmos de todas as vantagens contratuais prometidas. A lógica desta teoria assenta basicamente em três argumentos. Primeiro porque traduz, de acordo com a teoria da impressão do destinatário, presente no artº 236º do Código Civil (daqui em diante CC), o que ambas as partes desejam atribuir ao seu relacionamento, que já referimos, e que se traduz numa vinculação continuada. Segundo porque resulta da existência de cláusulas contratuais gerais, que se estendem para além do contrato de depósito, e que, muitas vezes expressamente, visam regular o relacionamento entre as partes para além do contrato celebrado. O terceiro argumento é que se constitui um conteúdo de típico dos contratos em geral, que decorre do conteudo das cláusulas gerais, e que se traduzem numa espécie de regulamento de conduta, independentemente, como já referimos que cada contrato em especial. Na prática, este contrato traduz-se num dever de prestação de serviços, e numa obrigação de acautelamento dos interesses do seu cliente, para além da relação de confiança implicita à relação contratual. Neste sentido, citamos o Acórdão do STJ de 7 de Maio de 2009, processo 195/2000.C2.S1 ( sublinhado meu) , que expressa sem ambiguidade este aspecto5. 5 ―(…) Mas o Banco ―(…) tem uma ―obrigação de acautelamento dos interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro.(…)‖ (…) e ―desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e 8
  • 9. III. O CHEQUE vs CONVENÇÃO DE CHEQUE Vamos ultrapassar os aspectos sobre a temática do Cheque que não oferecem divergência, mas apesar de não ser o objecto deste trabalho, é contudo importante salientar alguns aspectos que vão ajudar a perceber as diferentes soluções defendidas pela Doutrina. Meio de pagamento ou título de crédito ? O Cheque em si não é um meio de pagamento6, é tão só um título de crédito, é uma ordem de pagamento, apesar de funcionalmente nos surgir como um meio de pagamento7 Por um lado, a simples entrega do Cheque não extingue a dívida do devedor ao credor, esta só será extinta com o boa cobrança desse título. É uma ordem de pagamento do sacador ao sacado, para que este entregue o correspondente valor ao tomador do cheque. É pois uma dação em função do cumprimento, conforme prevê o artº 840º do Código Civil. Por outro, tem como previsto no artº 29º LUC, tem um prazo de validade para ser utilizado como Cheque, ou como documento quirografo8 se apresentado fora de prazo, podendo ser utilizado como título executivo nos termos da alínea c) do nº1 do artº 46 do Código de Processo Civil ( daqui em diante CPC ). Natureza Jurídica do Contrato/Convenção de Cheque O Cheque e o contrato de Cheque não são a mesma coisa. Aquele, sendo um título de crédito diz respeito ao direito dos títulos de crédito, de que emergem obrigações cartulares, o contrato de Cheque diz respeito ao Direito Bancário9. O contrato/convenção de Cheque, normalmente decorre do contrato de depósito, e permite ao depositante o acesso aos fundos disponíveis na sua conta. Desta Convenção, bilateral /sinalagmática, de que emergem para ambas as partes, não apenas os direitos e deveres principais, mais do que a relação de confiança defendida por não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam.‖ (cf., Dr. Almeno de Sá, in ―Direito Bancário‖, 2008, p. 19 e o Acórdão do STJ de 31 de Março de 2009 – 09 A197 6 Posição de inúmeros professores, de entre eles Ferrer Correia. 7 “ Contributo para o estudo do Contrato de Cheque”de Sofia de Sequeira Galvão, 1992 8 Acórdão TRC nº 39/06.2TBSCG-A.C1, de 28 de Outubro de 2008 9 “Contributo para o estudo do Contrato de Cheque”de Sofia de Sequeira Galvão, 1992 9
  • 10. CW Canaris, resultam verdadeiras obrigações laterais ou deveres de conduta, que se traduzem na lealdade, protecção dos interesses, cooperação, é como já referimos atrás, a compreensão contratualista defendida por Almeno de Sá. Assim, no que toca ao banco, obriga-o, a pagar os cheques emitidos pelo seu cliente, ou a não pagar quando o seu cliente o ordene, mas também , mesmo que o seu cliente não lhe ordene, deve o banco, proceder de forma diligente, por forma a assegurar a regularidade do cheque , pois o banco deve acautelar os interesses do seu cliente Neste sentido o Acórdão do TRC, de 19 de Dezembro de 2007, proc. 5975/04.8 TBLRA.C1 ―(…) I – Um cheque configura uma ordem dada por uma pessoa (sacador) a um banco (sacado) para que pague, ao primeiro ou a terceira pessoa, determinada quantia nele inscrita e por conta dos fundos disponíveis no banco sacado. (…)‖ No que toca ao depositante, deve utilizar o cheque de acordo com a LUC. Podemos concluir sem grande dificuldade que a maioria da doutrina e jurisprudência deefende que o contrato de cheque se enquadra num tipo de mandato, previsto no artº 1170º e ss CC, sendo que este se subsume no mandato sem representação, previsto no artº 1180º e ss CC, na realidade o Banco compromete-se a obedecer às ordens do seu cliente, mas sendo o banco que paga, é ele que tem o dinheiro do cliente em depósito e à sua guarda, age em nome próprio. Esta conclusão reflecte, desde logo o sentido que toma a LUC no nº2 do artº 1, e da maioria da doutrina, nomeadamente como nos ensinam Filinto Elisio, Ferrer Correia, Almeno de Sá, Sofia Sequeira Galvão, de entre outros. Quais são os sujeitos da relação do cheque ? Como ressalta do artº 3º LUC, a emissão de um Cheque pressupõe duas relações, uma de provisão, que pode ser por exemplo um contrato de depósito, e uma convenção de cheque que pode decorrer daquela. ― (…) na base da emissão de um Cheque, há duas relações distintas; a relação de provisão e o contrato ou convenção de Cheque (…)‖, e que esclarecem, “na convenção de cheque tudo se passa entre o banco e o titular (…) só o sacador possa accioná-lo para obter reparação de todos os prejuízos que lhe advenham da recusa de pagamento.‖ 10 10 Ferrer Correia / Almeno de Sá, “Cessão de créditos, emissão de cheque e compensação”, Revista de Direito e Economia, 15, 1989. 10
  • 11. Neste sentido também o Acórdão do TRC, de 8 de Maio de 2007, processo nº240/2002.C1 De acordo com esta decisão a Convenção de Cheque constitui uma modalidade de mandato específico, sem representação, inerentes ao pagamento do cheque, sendo sujeitos desta convenção apenas o sacador e o sacado. Argumentando que o tomador não é parte da relação entre o sacador e o sacado, este é livre de optar por pagar ou não ao tomador. A relação Cartular Já vimos que a emissão de cheque, é um negócio entre o sacador e o beneficiário/tomador, não existindo uma relação jurídica directa entre o Banco e o Beneficiário/tomador do cheque.11 Decorre também do artº 40º da LUC, que o banco sacado não é obrigado cambiário, e significa que o beneficiário do cheque nunca poderá accionar directamente o banco sacado com base na relação cartular. Por outras palavras, o banco não intervém no negócio de emissão do cheque, não sendo por isso sujeito da relação cartular. O ― banco é estranho à relação cartular” 12 Em resumo, o cheque e o contrato de cheque são coisas distintas. Se o banco está obrigado pelo contrato de cheque, celebrado entre esle e o seu cliente, e quanto ao cheque, cumpre- lhe, como mandatário, executar a ordem dada pelo seu mandante, não está obrigado pelo cheque. Por consequência do banco não ser obrigado cartular, não poderá nunca ser responsabilizado pelo não pagamento de um Cheque. 11 idem, 12 Sofia de Sequeira Galvão, Contributo para o estudo do contrato de cheque,” 1990, referindo Ferrer Correia e Almeno de Sá. 11
  • 12. A questão da vigência do D/L 13004 de 1027 A responsabilidade do sacado perante o sacador ou perante o tomador/portador, é consequência da posição das diferentes interpretações do artº 32º LUC e a vigência ou não da 2ª parte do artº 14º do D/L 13004 de 1927 O já referido Acórdão do STJ nº 9/2008 de 25 de Setembro de 2008, vem de certa forma exaustiva, fazer uma resenha da jurisprudência e da doutrina sobre o assunto da responsabilidade do sacado. O Artº 32º LUC diz-nos que a revogação só terá efeitos findo o prazo de apresentação. Não subsistem dúvidas relativamente à eficácia da revogação depois de findo o prazo de apresentação, e neste caso, o banco ao pagar, desobedecendo a uma contraordem do sacador, incorre em responsabilidade pelos danos causados ao sacador. Ora a dúvida coloca-se com pertinência, quanto à legitimidade do sacado pagar ou não um cheque revogado antes de decorrido o prazo de apresentação. No fundo, é saber se o banco deve obedecer a contraordem do sacador ou, decidir livremente se o faz ou não. Na introdução deste trabalho foram identificadas várias situações. A doutrina divide-se, e vamos apreciar quais as soluções doutrinárias e seus argumentos e analisar as decisões dos tribunais. Coloca-se a questão da vigência ou não deste D/L. esta questão é importante, pois como vimos, tem por consequência a responsabilidade do sacado perante o portador. Doutrina que defende a não vigência A entrada em vigor da LUC, revogou aquele decreto pois versa a mesma matéria, a decisão do acórdão do STJ de 16 de Junho de 1990 assim conclui. Neste sentido os Prof.s Ferrer Correia e Almeno de Sá13, defendem que o banco sacado, não incorre em responsabilidade perante o portador, pela recusa de pagamento, justificada ou não, doutrina utilizada no acórdão de 8 Julho de 2004, do Tribunal da Relação de Lisboa14 13 “Cessão de créditos, emissão de cheque, compensação”, Ferrer Correia e Almeno de Sá, parecer publicado na CJ, 1990, Tomo I pág 43, e também o já referido na Revista de Direito e Economia, 15, de 1989. 14 “(…) o pagamento do cheque pode ser recusado pelo sacado com base numa justificação válida (antes de todas, a inexistência de fundos) ou mesmo sem qualquer justificação (por erro ou até por mero arbítrio)”, distinção que tem interesse “pelo que toca à definição da responsabilidade do Banco perante o sacador, 12
  • 13. No mesmo sentido o Acórdão do TRP de 14 de Outubro de 2008, apelação nº 3892/08-215 Ferrer Correia, adianta que tendo por base os trabalhos da convenção de Genebra, ao ser regeitada a proposta do delegado português que de alguma forma pretendia manter a responsabilidade do sacado prevista no artº 14 do D/L 13 004, se este não pagasse no prazo de apresentação, a Convenção afinal quis desresponsabilizar o sacado por obedecer à ordem de revogação durante o prazo de apresentação, e só poderá, pelas razões que já apontamos, ser esta a opção correcta. Esta posição é seguida por outros doutrinadores, como Almeno de Sá, Sofia de Sequeira Galvão, e já referimos Filinto Elísio. Também neste sentido a opinião de Germano Marques da Silva, que vem mais uma vez sobre este assunto reforçar a sua posição16, que nos diz que o tomador, não tem o direito de acção nem cambiária nem de responsabilidade civil por facto ilícito sobre o banco sacado, defendendo a não vigência da 2ª parte do artº 14º do D/L 13004. Doutrina que defende a vigência Os argumentos que sustentam a posição dos acórdãos nº4/2000 17 e nº4 2008 18 , já aqui dada a existência de convenção de cheque”, “ pelo contrário, a mesma distinção não tem qualquer importância, segundo a tese absolutamente prevalecente na doutrina e na jurisprudência, no que toca ao portador do cheque, em face do qual o banco não incorre em qualquer responsabilidade pelo facto de lhe recusar injustificadamente o pagamento. Com efeito, é opinião geralmente aceite que o portador do cheque não tem nenhuns direitos contra o sacado; não tem nenhuma acção, cambiária ou extra-cambiária, para o constranger ao pagamento da soma inscrita no cheque, ainda que tao-só até ao limite dos fundos existentes na conta-corrente do sacador” 15 (…) FERRER CORREIA e ALMENO DE SÁ, em parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XV- 1990, tomo I, pp. 40-56, defendem que o portador de um cheque não tem direito de acção contra o Banco sacado que se recusa a pagá-lo dentro de prazo de apresentação, seja com fundamento em responsabilidade civil de natureza contratual, como a fundada em cessão de créditos, seja com fundamento em responsabilidade extracontratual, como a emergente de violação da lei, por considerarem, neste âmbito, que a Lei Uniforme sobre Cheques revogou tacitamente todo o art. 14.º do Decreto n.º 13004, cujo regime consideram "frontalmente contrário ao sistema da L.U. e designadamente ao disposto no art. 32.º, que assenta na ideia de não vinculação do sacado perante o portador (…)". 16 Silva, Germano Marques da, “ Proibição de pagamento de cheque (…) “ Estudos de homenagem ao Prof. Raul ventura, vol II. 17 “(…) Resumindo: ao iniciar-se a vigência da LUC em Portugal, deixaram de vigorar a 1.a parte do corpo do artigo 14.o do Decreto n.o 13 004 e o seu § único; a 2.a parte do corpo do artigo, pelo contrário, continuou em vigor.(…)” 18 «Uma instituição de crédito sacada que recuse o pagamento de cheque emitido através de módulo por ela fornecido, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUC, alegando cumprimento de ordem de revogação que lhe fora dirigida pelo sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º do Código Civil.» 13
  • 14. referidos, que expressamente defendem a vigência da segunda parte do artº 14º do D/L 13004, são os mesmos. Sendo que o acórdão nº4/2008 vem fixar jurisprudência, o que não acontecia com o acórdão nº4/2000, pois este por extravasar a matéria controvertida no recurso, não vinculava, e serviria quando muito como doutrina. Esta posição é sustentada pelo argumento de que a Convenção deixou para o direito comum de cada Estado, no que se refere à responsabilidade civil extracontrual, e por consequência não poderia considerar-se como revogada a 2ª parte do artº 14º do D/L 13004. Ora, como já se referiu, esta posição é claramente antagónica da posição que propugna a revogação da 2ª parte daquela norma, como a de Ferrer Correia, António Caeiro, Almeno de Sá, Sofia Galvão, de entre outros, e que é a posição doutrinária maioritária. 14
  • 15. V. A REVOGAÇÂO Nada impede que o titular de uma conta depósito, que depois de emitir um cheque, se dirija ao seu banco e levante todo o dinheiro da sua conta, por forma a que o beneficiário, quando pretenda trocar o título de crédito por dinheiro, veja gorada essa pretenção, pelo simples facto que o banco sacado, não lho pagará, por falta de provisão. Neste caso, não há dúvidas que o beneficiário/tomador, se voltará para o sacador, exigindo- lhe responsabilidades, eventualmente exercendo o seu direito de acção civil e criminal. Tudo se passa entre o sacador e o beneficiário. Não vai o beneficiário, apesar de apresentar o cheque no prazo legal de pagamento, exigir responsabilidades ao banco por não lhe ter pago o cheque válido. É pacífico. Da mesma forma, se o sacador, em vez de ir ao banco levantar todo o seu dinheiro, ordenar ao banco que não pague determinado cheque, revogando uma ordem prévia, o beneficiário também verá gorada a sua pretenção, ou seja, não trocará o título por dinheiro, apesar do sacador ter a conta sacada provisionada. Tudo se deve passar entre o beneficiário e o emissor do título. O banco não poderá ser responsabilizado. Mas não é pacífico que assim seja, pelo menos para parte da doutrina. A posição do Banco de Portugal19, e que os bancos seguem, é no sentido da possibilidade da revogação antes do prazo legal de apresentação desde que justificado com um dos motivos previstos na lei. Diz ainda que se o beneficiário do cheque considerar que a justificação para a proibição do pagamento foi falsa, poderá agir judicialmente contra o emitente, pois a conduta deste pode configurar um crime de emissão de cheque sem provisão, ou de burla. Constata-se que a Revogação de cheque está delimitada por dois pressupostos. Pela natureza do contrato de cheque, e pelo artº 32º LUC. Ambos os pressupostos geram doutrinas e jurisprudência divergentes. 19 Posição difundida pelos bancos, nomeadamente nas suas páginas web. 15
  • 16. Primeiro devemos esclarecer; revoga-se o quê ? o cheque ou a ordem de pagamento ? Germano Marques da Silva, na sua obra “Proibição de pagamento de Cheque (…)” , liga a Revogação à proibição de pagamento e distingue a proibição da revogação. Diz que a proibição se dirige directamente ao sacado, enquanto que a Revogação no significado do artº 32º LUC se refere ao próprio título cambiário. E esta conclusão decorre dos pressupostos que já analisamos, quando à natureza do contrato e dos sujeitos da relação cartular. Mas esta corrente doutrinal vai contra o acórdão de fixação de jurisprudência nº4/2008 do STJ, de fixação de jurisprudência que responsabiliza o sacado perante o tomador, pelo não pagamento dentro do prazo legal. Em que ficamos ? A posição do assento nº4/2000, refere que quando se trate de justa causa, não se está perante uma revogação, mas de uma proibição de pagamento dirigida ao sacado pelo sacador. O assento faz referência aos doutrinadores que defendem esta posição. Argumentam que os motivos previstos na lei que justificam a proibição de pagamento, implica que o cheque não é válido, ou porque foi furtado ou roubado, extraviado e eventual falsificação, ou outro motivo justificativo, por consequência não se revoga um título nestas condições. Um cheque falsificado, é nulo, não se revoga um título nulo. Por outras palavras, não faz sentido que o portador de um cheque que tenha sido proibido ser pago por justificadamente preencher os motivos previstos na lei, o possa utilizar para uma acção executiva. Este tomador, não tem em mãos um título executivo. Para esta doutrina, a revogação refere-se ao próprio título, mas por aplicação do artº 32º LUC, este título mantém-se válido por ineficácia da revogação antes de decorrido o prazo de apresentação. Se há justa causa, não se coloca a questão da revogação, o que há é a proibição de pagamento do cheque. Tendo por base o pressuposto da natureza de mandato do contrato de cheque, emerge a possibilidade de revogação, prevista no nº1 do artº 1170º CC. A revogação é uma proibição de pagamento do sacador ao sacado, revogando o contrato de cheque, e não o cheque, e o seu único limite de licitude, como nos diz Sofia de Sequeira 16
  • 17. Galvão, é a justa causa, como previsto no nº2 do artº 1170º, Poderá o tomador, nos termos do artº 40º LUC, accionar o sacador e outros obrigados, se o portador entender injustificada a ordem de não pagamento, que sabemos, ocorre com frequência. Ferrer Correia, ao dizer que o cheque continuava a ser um título válido, “ mau grado a sua revogação” ao abrigo do artº 32º , interpreta no sentido de que tal revogação no prazo legal de apresentação, não é eficaz, quer dizer não anula o cheque, como título, nesse prazo, e o tomador apesar da revogação, continua a poder accionar os obrigados cambiários, e refere- se necessariamente a um título válido, ou seja, não viciado por alguma justa causa. Em resumo o que a LUC nos diz é que apesar da revogação, se o cheque, válido, é apresentado no prazo legal de apresentação, não segue o regime da revogabilidade onde a revogação anula o cheque. Também Germano Marques da Silva, vai no sentido de que o tomador não tem direito de acção, nem cambiária, nem de responsabilidade civil por factos ilícitos, contra o sacado, que obedece às ordens do sacador, mesmo dentro do prazo legal de apresentação. Sendo sempre e apenas o sacador que responde por falsas justificações, pois nos termos da lei do cheque sem provisão, um cheque não pago com a falsa justificação prevista na lei, será entendido como cheque sem provisão, com as consequências penais previstas na lei20 Assim, é por consequência do pressuposto da existência de um contrato de cheque, com a natureza de mandato, que o cheque mantém a sua validade, pois o que sacador revoga não é o Cheque, o que o sacador revoga é o Contrato de Cheque, emitindo uma contra-ordem relativamente a uma ordem previa, e não por força da ineficácia da revogação do cheque no prazo de apresentação, como disposto no artº 32º LUC A responsabilidade do sacador perante o tomador, será apurada em conformidade com o nº2 do artº 1170º , ou seja, se existe ou não justa causa. Nesta conformidade o beneficiário/tomador, apesar de não ser pago pelo sacado que obedece a uma ordem de revogação de contrato de cheque, continua com um título 20 Acórdão STJ n.º 9/2008 Processo n.º 3394/07 - 5.ª Secção - Fixação de jurisprudência 17
  • 18. executivo, e se for apresentado depois do prazo legal para pagamento, não com o valor de cheque, mas como documento quirógrafo, que de acordo com a alínea c) do nº1 do artº 46º do Código de Processo civil, constitui um título executivo. Neste sentido o Acórdão TRC nº 39/06.2TBSCG-A.C1, de 28 de Outubro de 2008 Posição mais ou menos divergente têm outros doutrinadores, como por exemplo, Oliveira Ascenção e Alberto Luís, essencialmente porque partem de pressupostos distintos quanto à natureza do contrato de cheque. Temos assim as seguintes posições; - uma defende que é a revogação do próprio título, e que se for dentro do prazo de apresentação é ineficaz, por isso mantém o cheque válido como título. Para outra, a revogação é eficaz porque se dirige-se ao contrato de cheque, que proibe o pagamento do cheque, e não ao título, este mantém-se por consequência válido, enquanto título de crédito. Parece dar no mesmo, mas quanto à imputação da responsabilidade do sacado, já as consequências são distintas. Como vamos ver mais adiante, a primeira admite a responsabilidade do sacado perante o tomador se o sacado não paga o cheque revogado dentro do prazo de apresentação, e a segunda rejeita a responsabilidade do sacado. 18
  • 19. Eficácia ou ineficácia da revogação de cheque no prazo de apresentação. A favor da ineficácia da revogação antes de decorrido o prazo de apresentação O mesmo é dizer que a ordem de pagamento emitida pelo sacador, é irrevogável, dentro do prazo de apresentação. O que acontece se o sacado decide pelo pagamento, ignorando a ordem de revogação ? A consequência é que o Banco sacado tem a obrigação de pagar ao tomador, desobedecendo a uma ordem de revogação do seu cliente, o sacador, apesar das relações de convenção de cheque, e de provisão. 21 , e nesta posição o banco não incorre em responsabilidade pelos prejuízos causados ao sacador. Neste sentido são os Acórdãos que se apresenta como exemplo o Acórdão do STJ de 18 de Novembro de 1996, BMJ 461, pág 515, que nos adianta que o banco sacado não incorre em responsabilidade por não ter acatado a contra-ordem do sacador. Mas se o sacado decide pelo não pagamento, obedecendo à contraordem de revogação, esta corrente doutrinária e jurisprudêncial defende que o banco sacado tem responsabilidade por não ter pago o cheque, e não apenas os obrigados nos termos do artº 44º LUC. Esta tese assenta na segunda parte do artº 14º do D/L nº 13004 de 27 de Janeiro de 192722 Neste sentido primeiramente o Acórdão do STJ de 18 de maio de 1999, BMJ 487, pág 364, que esclarece que se o banco sacado se recusar ao pagamento dentro do prazo de apresentação, incorre em responsabilidade civil extracontratual perante o portador. Depois no mesmo sentido o acórdão do STJ nº4/2000, de 19 de Janeiro de 200023: E finalmente o Acórdão do STJ nº 4/2008 , de 28 de Fevereiro de 200824, que vem fixar jurisprudência. Neste último caso, embora para a ordem de revogação tenha sido apresentada causa de justificação, na realidade, era ficcionada 25 , sendo a ordem de revogação considerada mera ordem de revogação, em violação do disposto artº 32º LUC, o 21 Neste sentido o Prof Olavo Cunha, “ estudos de direito bancário”, 1999, Coimbra Editora 22 “(…) No decurso do mesmo prazo, o sacado não pode, sob pena de responder por perdas e danos, recusar o pagamento do cheque com fundamento na referida revogação.” 23 Diário da república, séri e I-A, nº 40, de 17 de Fevereiro de 2000.pág 584 24 Diário da República, 1ª série – nº 67 de 4 de Abril de 2008, pág 2060 25 Que nos coloca outra questão, a veracidade da justa causa, e o dever de diligência do sacador. 19
  • 20. sacado incorre em responsabilidade perante o portador. Por consequência, na posição da doutrina e jurisprudência que agora se aprecia, o sacado, não poderia deixar de ser responsabilizado por danos, pelo não pagamento do cheque no prazo legal de apresentação. Ainda o Acórdão do STJ nº4 / 2008 de 28 de Fevereiro de 200826 ―(…) II.B.5 — A recusa do pagamento constitui o Banco sacado, desde que verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, na obrigação de indemnizar o tomador do cheque.(…)‖ A favor da eficácia da revogação do cheque De acordo com Filinto Elísio, o Cheque é sempre revogável pelo sacador, quer antes quer depois de findo o prazo de apresentação, pois parte da doutrina da existência de um contrato de mandato entre o sacador e o sacado. Também Ferrer Correia, adianta que se o sacado não pagar o cheque, o tomador apenas poderá accionar o sacador ( e restantes obrigados cartulares), o Banco apenas está obrigado face ao seu cliente o sacador, pela relação contratual com natureza de mandato, do contrato de cheque. Nas palavras de Sofia de Sequeira Galvão ― a livre revogabilidade por parte do cliente/sacador encontra, no interesse do banco e do beneficiário do cheque, o limite da justa causa ( artigo 1170º nº2 CC )‖27 Defende esta corrente doutrinária, que não é o sacado que incorre em responsabilidade, são o sacador e demais obrigados, e apresenta como argumentos básicos por um lado a natureza do contrato de cheque, e por consequência a revogação dirige-se ao contrato de cheque e não ao próprio cheque, e por outro, relativamente ao cheque, o sacado não é obrigado cartular, e por isso não pode ser responsabilizado. Quanto ao primeiro argumento desde logo o nº2 do artº 1170º , que nos diz que a revogação do mandato só será ilicita se não preencher os requisitos previstos, nomeadamente a justa causa, qualquer que ela seja. Daqui ressalta que se não for cumprido, 26 Idem, pág 2067 27 Galvão, Sofia de Sequeira, “Contributo para o Estudo do Contrato de Cheque”, relatório de Mestrado 20
  • 21. é apenas do “mandante”/sacador, e solidariamente, os demais subsequentes obrigados se os houver. Decorre também do artº 40º LUC que o tomador, portador do cheque não tem acção contra o sacado, e neste sentido a doutrina do Prof Ferrer Correia e Almeno de Sá28, que vale a pena reproduzir pela sua clareza: ― (…) na convenção de cheque, tudo se passa entre o banco e o titular da provisão – são eles as partes no dito contrato. Daí que, uma vez celebrado o acordo, se o banqueiro sacado se nega injustificadamente a pagar um cheque sobre ele emitido, só o sacador possa accioná-lo para obter reparação de todos os prejuízos que lhe advenham da recusa de pagamento.(…). O portador, que não é parte na convenção de cheque, não tem acção contra o banco sacado, apenas podendo accionar em via de regresso os signatários do título: o sacador e os eventuais endossantes e avalistas‖ Como corolário desta posição, a própria LUC prevê no seu artº 44º , que o sacador e todos os obrigados, são solidariamente responsáveis perante o tomador, portador do cheque. Nunca refere que poderá também ser o sacado. Nestes termos, o portador pode exigir a responsabilidade aos obrigados, mas não ao sacado, que como já vimos, não tem para com o portador qualquer obrigação29. Neste sentido, por exemplo o Acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 2000, BMJ 494 pág 333, o Acórdão do TRC de 8 de Maio de 2007, processo nº240/2002.C130 . Sendo eficaz, o sacado deve actar a ordem de revogação. Neste sentido o acórdão do TRC de 19 de Dezembro de 2007, processo 5875/04.8 TBLRA.C1 28 Ferrer Correia e Almeno de Sá, “Cessão de Créditos, Emissão de Cheque e Compensação”, Revista de Direito e Economia, 15, 1989 29 salvo se o tomador também for cliente do banco sacado. Neste caso o sacado é colocado perante um potencial conflito de deveres laterais emergentes de dois contratos bancários e deverá tomar uma atitude. Este situação merecerá um estudo mais aprofundado, mas desde já, na minha opinião é que deverá tomar aquela que melhor salvaguarde os dois interesses, estando numa prosição previligiada para mediar antes que a situação evolua para litigio, por vezes um simples telefonema poderá resolver a situação. 30 I – Na convenção de cheque tudo se passa entre o Banco e o titular da provisão – são eles as partes do dito contrato. II – Uma vez celebrado o contrato de “emissão de cheque”, se o banqueiro sacado se negar injustificadamente a pagar um cheque sobre ele emitido, só o sacador pode accioná-lo. III – O portador, que não é parte na convenção de cheque, não tem acção contra o banco sacado, apenas podendo accionar, em via de regresso, os signatários do título: o sacador e os eventuais endossantes e avalistas (artº 40º LUs/C). IV- Não há, salvo dolo, mera culpa ou abuso de direito (responsabilidade aquiliana), qualquer relação entre o portador ou beneficiário de um cheque e o banqueiro, a menos que a convenção de cheque tenha sido estipulada como contrato a favor de terceiros. 21
  • 22. Quanto ao argumento da relação cartular, já foi esclarecido que o sacado não é obrigado cartular e por consequência não poderá ser responsabilidado. O dever de diligência do sacado. Sobre este aspecto apenas se apresenta algumas citações de jurisprudência, que é unânime em salientar o dever de diligência do sacado, nomeadamente no que diz respeito a verificar os requisitos do Cheque, e eventualmente os pressupostos circunstânciais, sejam os referentes às justificações que acompanham a ordem de revogação, sejam aquando da apresentação do Cheque a pagamento. No entanto convém distinguir as situações relativas aos deveres de diligência que decorrem da actividade bancária, mas que não têm directamente a ver com a revogação, das situações onde são evidentes os deveres laterais que emergem do vinculo contratual. Quanto ao primeiro aspecto O Acórdão do STJ nº4 / 2008 de 28 de Fevereiro de 2008. ― (…) Conforme decidido nos Acórdãos deste STJ de 2 de Junho de 1997, processo n.º 96B503, e de 7 de Dezembro de 2005, processo n.º 3451/05 -6.ª, o primeiro inserto em www.dgsi.pt e o segundo em Sumários «o Banco sacado que aceita, sem mais, a ordem de revogação de cheque antes de findo o prazo de apresentação a pagamento, e com violação, por isso, do artigo 32.º, n.º 1, da LUCH, não procede com a diligência de pessoa normal, medianamente capaz, prudente, avisada e cuidadosa, e impedindo indevidamente com a sua omissão a cobrança do cheque pelo seu legítimo portador, causando -lhe prejuízo, torna –se civilmente responsável perante o portador por tal prejuízo, na conformidade do disposto no artigo 483.º do CCIV66». O Banco sacado comete, assim, um acto ilícito e culposo e será responsável pelos danos que, em relação de causalidade adequada, tal comportamento determine.(…) ― Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, de 8 de Julho de 2004, processo nº 4062/2004-8 “(…) I- O banqueiro que cobra um cheque cruzado de um cliente nos termos do artigo 38º/3 da L.U.Ch. pode incorrer em responsabilidade extracontratual face a terceiro, aquele a favor de quem foi emitido o cheque cruzado, se não usar da diligência que as circunstâncias concretas do caso justificam ( legibilidade das assinaturas apostas no endosso, montante do cheque, capacidade económica evidenciada pela sua cliente, ritmo de cheques cruzados depositados pela cliente provindos de uma empresa que, pela actividade e dimensão, não é suposta endossar cheques e muito menos continuadamente à 22
  • 23. mesma pessoa singular etc). II- Assim sendo, a responsabilidade do banqueiro não fica excluída liminarmente com a demonstração de que o título, designadamente o endosso (falsificado), não revelavam adulterações materiais (falso grosseiro).(…)‖ ― No assinalado estudo António Caeiro e Nogueira Serens referem precisamente que ― o Banco que se encarrega da cobrança do título, porque não está vinculado à legitimação, não se pode bastar com o mero exame da cártula, devendo antes, sob pena de comportamento culposo, valorar todas as circunstâncias dele conhecidas ou cognoscíveis para atribuir carácter de univocidade à aparência e, desse jeito, afastar toda a dúvida de não correspondência entre ambas as situações (titularidade e legitimação (…)‖. Quanto ao aspecto dos deveres laterais Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 de Dezembro de 2007, processo 5975/04.8 TBLRA.C1 ( sublinhado meu) ―(…) VI – Quanto ao banco, no que respeita aos seus deveres laterais ou colaterais emergente deste tipo de contrato, há que salientar, entre muitos outros, o dever de fiscalização e de conferência da assinatura; o dever de rescindir o contrato de cheque em caso de utilização indevida destes; o dever de observar a revogação do cheque; o dever de esclarecer um terceiro que reclame informações sobre essa revogação; o dever de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados; o dever de, em regra, não pagar o cheque para levar em conta; o dever de informar o cliente sobre o destino e tratamento do cheque. (…)” Acórdão do STJ de 7 de Maio de 2009, processo 195/2000.C2.S1 ( sublinhado meu) ―(…) Mas o Banco ―em razão da sua profissionalidade e competência específica‖ (…) tem uma ―obrigação de acautelamento dos interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro. Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma actividade continuada de promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado.‖ (…) e ―desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam.‖ (cf., Dr. Almeno de Sá, in ―Direito Bancário‖, 2008, p. 19 e o Acórdão do STJ de 31 de Março de 2009 – 09 A197 – ao referir: ―Essenciais na relação Banco-cliente são procedimentos de confiança e de confidencialidade, sobretudo aquele (…) sendo de exigir ao Banco uma actuação de promoção e vigilância em ordem a preservar os interesses do seu cliente. Essa relação de confiança implica que o cliente sinta que o Banco depositário do seu dinheiro acautela os seus interesses, sendo diligente nos pagamentos à custa da conta do depositante.(…)‖. 23
  • 24. Quais as soluções apontadas pelas divergentes Jurisprudência e Doutrina ? Para a resposta à questão “ qual a responsabilidade do banco sacado por não cumprir uma ordem de revogação do sacador seu cliente, ?”, podemos encontrar, consequência de diferentes pressupostos, diferentes soluções, que de seguida se resume. Encontramos desde logo soluções que não apresentam controvérsia, para a situação da Revogação fora do prazo de apresentação. 1. Depois de uma ordem de revogação simples ou idoneamente justificada, se o Cheque é apresentado depois do prazo de apresentação previsto no artº 29º LUC, toda a Jurisprudência e Doutrina está de acordo com a eficácia da revogação, embora com pressupostos distintos, seja porque para uma corrente é conforme à norma do artº 32º LUC, seja porque pra outra corrente nunca deixa de ser eficaz. O mesmo é dizer que se o banco sacado paga um Cheque nesta situação, é por consequência responsável pelos prejuízos que possam advir ao sacador. Mas dentro do prazo previsto no artº 29º LUC, já encontramos diferentes posições. 2. A doutrina e jurisprudência, que segue o acórdão de fixação nº4/2008 ambos do STJ, defende que o sacado é obrigado, por força do artº 32º LUC, a pagar um Cheque apresentado dentro do prazo, e que se o não fizer incorre directamente em responsabilidade perante o tomador/portador, por um lado porque defende a ineficácia da revogação de cheque no prazo de apresentação, e por outro, defende a vigência da segunda parte do artº 14º do decreto lei 13004 de 1927. O mesmo é dizer, que para esta corrente Doutrinária e Jurisprudêncial, o sacado não responde perante os eventuais prejuízos causados ao sacador seu cliente, se pagar um cheque em desobediência a uma ordem de revogação. 3. A doutrina, defendida por, de entre outros, Ferrer Correia, António Caeiro e Almeno de Sá, nunca o sacado poderá ser responsabilizado perante o tomador, com os fundamentos de que, por um lado, no contrato de Cheque estamos perante um contrato 24
  • 25. de mandato31, a relação é apenas entre o sacador e o sacado, não sendo parte da relação o tomador/portador, seja qual for o motivo, o sacado deve sempre obedecer à ordem de revogação. Por outro lado o sacado não é parte da relação cartular. Ainda, ao contrário de que veio fixar a jurisprudência, defende a revogação de todo o artº 14º do Decreto lei 13004 de 1927, e não apenas a primeira parte deste artigo. O mesmo é dizer que se o sacado paga, incorre em responsabilidade perante o sacador, pelos prejuízos que lhe possa ter causado. Revogação acompanhada de justificação falsa. 4. No caso da revogação com uma justificação que fosse previsivel que fosse ficcionada, seja por exemplo o facto do cliente ter por hábito emitir cheques, que aparentemente preenchem todos os requisitos de validade do cheque, mas que depois revoga com um dos motivos previstos, sendo o mais habitual o de “extravio”, ou “ falta ou vicio na formação da vontade”, é de esperar que o sacado, presuma que o seu cliente não tem um verdadeira justificação mas pretende é não cumprir com os seus compromissos, e o que pretende é tentar evitar uma acção penal32. Por consequênciae deve, devolver o cheque ao beneficiário, com a justificação de “ sem provisão”, e não com a justificação presumivelmente falsa, sendo esta a posição que a jurisprudência fixou com o acórdão nº9/2008.33 31 Posição partilhada, quanto a este aspecto, pela maioria d Jurisprudência 32 O sacador neste caso, comete um ilícito para esconder outro ilícito. 33 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2008. Processo n.º 3394/07 - 5.ª Secção - Fixação de jurisprudência. Conselheiro Artur Rodrigues da Costa. “a) Fixar a seguinte jurisprudência: Verificados que sejam todos os restantes elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo do ilícito, integra o crime de emissão de cheque sem provisão previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto- Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, a conduta do sacador de um cheque que, após a emissão deste, falsamente comunica ao banco sacado que o cheque se extraviou, assim o determinando a recusar o seu pagamento com esse fundamento ; 25
  • 26. VII. CONCLUSÃO Não perdendo o sentido da questão deste trabalho, que se traduz na responsabilidade do sacado perante o sacador no caso deste pagar um cheque revogado dentro do prazo de apresentação. De acordo com o se apresentou neste trabalho, podemos chegar a algumas conclusões: 1. A importância de assumir a existência de uma verdadeiro contrato bancário, sempre presente, para além das obrigações directamente emergentes de outros contratos em particular. Neste sentido o acórdão do STJ de 7 de Maio de 2009, processo 195/2000.C2.S1 2. A natureza de mandato do contrato de cheque, cujo regime está previsto nos artº 1170º e ss CC, sendo sujeitos o sacador e o sacado. Este pressuposto é seguido pela maioria da doutrina e da jurispudência. Só o sacador poderá exigir responsabilidades ao sacado, na eventualidade de este lhe desobedecer. Em boa verdade, não sendo assim, qual seria a eficácia, de que valeria o contrato sinalagmático como os contratos de provisão e de cheque, designadamente quanto aos direitos e obrigações emergentes? 3. O sacado não é obrigado cartular. No cheque, a relação cartular é apenas entre o sacador e o tomador 4. A não vigência de todo o artº 14º do D/L 13004 de !927 5. O tomador, mantendo-se válido o título de crédito, mesmo depois da ordem de revogação do sacador, poderá sempre accionar o sacador pelo não pagamento, pois não é o Cheque que é revogado, mas o contrato de Cheque. Tem o artº 40º LUC que o protege. 6. O Acórdão nº4/2008 do STJ veio fixar a jurisprudência no sentido de que, nos termos do artº 32º a revogação não tem eficácia dentro do prazo de apresentação, e o banco sacado não pode recusar o pagamento, e o mesmo é dizer, que é obrigado a pagar o cheque. Também defende que, matendo-se em vigência a segunda parte do artº 14º do D/L 13004 de 27 de Janeiro de 1927, o banco incorre em responsabilidade perante o portador por se recusar a pagar um cheque no prazo de apresentação. 26
  • 27. 7. O acórdão de nº9/2008 do STJ de 25 de Setembro de 2008 8. Os deveres de diligência, que reflectem os deveres laterais ou de conduta, emergentes da relação obrigacional complexa. Que se traduz na obrigação do sacado ter em atenção os interesses do seu cliente, contudo é razoável que o banco apenas obedeça quando o seu cliente justificadamente lhe contra-ordene, revogando a ordem de pagamento nos termos do nº2 do artº 1170 CC, para além disso também o cliente está vinculado a obrigações emergentes do contrato de cheque, nomeadamente a fazer boa utilização do cheque, e obedecer à lei do cheque. Qual a posição a seguir ? Resumidamente, perante o que se apresentou, sou de opinião que se deve seguir a doutrina que propugna que o sacado por via de regra nunca será responsável perante o tomador , e seguindo o tema a que me propuz, o sacado será responsável perante o sacador se desobedecer a uma sua ordem de revogação, sustentada por várias ordens de razão ; 1. A natureza de mandato do contrato de cheque, sendo os sujeitos desse contrato apenas o sacador e o sacado e a ordem de revogação se dirige ao contrato de cheque e não ao cheque propriamente dito, que se manterá como título executivo, salvo se transporta vicio que o torne nulo. 2. O sacado não é obrigado cartular. 3. A revogação total do artº 14º do D/L 13004 de 1927. 4. O tomador terá sempre ao abrigo da LUC nomeadamente como disposto e nos termos do artº 40º, a faculdade de accionar o sacador, não ficando por conseguinte diminuidos os seus direitos, 27
  • 28. BIBLIOGRAFIA Correia, Ferrer / Caeiro, A. Revista de Direito e Economia, ano IV, nº2, 1978 Correia, Ferrer / Sá, Almeno de “Cessão de créditos, emissão de cheque, compensação” Revista de Direito e Economia, 15, 1989 Galvão , Sofia de Sequeira “Contributo para o estudo do Contrato de Cheque”, 1992 Cunha, Olavo “ Estudos de direito bancário”, 1999, Coimbra Editora Sá, Almeno de “Direito bancário, 2008, Coimbra Editora Silva, Germano Marques da, “ Proibição de pagamento de cheque (…) “ Estudos de homenagem ao Prof. Raul ventura, vol II. Outros trabalhos Banco de Portugal “Cadernos do Banco de Portugal”, nº3 – Cheques, Regras Gerais, 2008 Teixeira, Alexandra Dias “ a Revogação do Cheque – e a ordem de não pagamento”, 2007 Acórdãos STJ de 7 de maio de 2009, processo 195/2000.C2.S1 STJ nº9/2008 25 de Setembro de 2008. Processo n.º 3394/07 - 5.ª Secção STJ nº4/2008 Diário da República, 1ª série – nº 67, 4 de Abril de 2008, pág 2060 STJ nº4/2000 Diário da República, série I-A, nº 40, 17 de Fevereiro de 2000.pág 584 TRC de 28 de Outubro de 2008, nº 39/06.2TBSCG-A.C1 TRC de 19 de Dezembro de 2007 TRC de 8 de Maio de 2007, processo nº240/2002.C1 TRP Apelação nº 3892/08 - 2ª Sec. De 14/10/2008 Legislação Lei Uniforme do Cheque decreto 23721 de 29 de Março de 193434 Regime Jurídico do Cheque sem Provisão (com as alterações do DL 316/97 e a Rectificação 1-C/98) Código Civil de 1966 34 Versão da Ordem dos Advogados disponibilizada no sitio www.oa.pt 28