1) O livro analisa a modernidade nas literaturas africanas de língua portuguesa através da obra do escritor António Jacinto.
2) Ele explora encruzilhadas metodológicas que mostram o diálogo entre contextos culturais diversos e a presença do outro na formação de identidades.
3) Ao colocar em interação literaturas africanas de língua portuguesa, o livro mapeia traços plurais de solidariedade cultural e convida o leitor a transitar por zonas do imagin
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Todas as musas renha
1. Figurações da modernidade: traços da solidariedade
africana
Ezilda Maciel da Silva1
Resenha de:
TAVARES, Ana Paula, SILVA, Fabio Mario da, PINHEIRO, Luís (Orgs.). António
Jacinto e sua época: a modernidade nas literaturas africanas de
língua portuguesa. ed. Lisboa: CLEPUL - Centro de Literaturas e Culturas
Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras de Lisboa. 2015.
O livro António Jacinto e sua época: a modernidade nas literaturas de língua
portuguesa é resultado de um olhar lançado sobre a produção literária de António
Jacinto, com foco na modernidade desenhada nas literaturas africanas de língua
portuguesa. Organizado em cinco partes o livro é lugar desde onde pensadores e
críticos das literaturas africanas de língua Portuguesa expõem com esmero pesquisas e
estudos recentes sobre a produção literária de António Jacinto.
Desse locus discursivo brota uma rede de percepção inter, trans e multidisciplinar,
de modo que os textos projetam, discursivamente, a força das trocas culturais como
chave de leitura sine qua non para mergulhar no labirinto das narrativas africanas.
Concebendo-as como lugares de trânsitos multimodais, a escrita envolvente deste
trabalho desloca o leitor para dentro e fora das redes de heterogeneidade cultural, abrindo
horizontes teórico-crítico que aportam na dinâmica da percepção da diferença através da
cartografia do imaginário híbrido africano.
Posicionada na encruzilhada do imaginário intercultural, os ensaios do livro
deslizam entre as malhas discursivas das Áfricas de língua portuguesa. Esse
deslizamento pelas comarcas culturais, como diria Angel Rama, serve para traduzir as
opacidades, as marcas e marcos da diligência do encontro entre o próprio e o alheio
africano. Entre (re)costurar as brechas de sentidos, (re)configurando-os como integrantes
de uma geografia do deslocamento, do atrito cultural cuja senha faculta a ida e volta em
meio às rodovias interculturais, os caminhos trilhados pelo livro apontam para exploração
1
Doutoranda em Teoria Literária pela UNB. Professora da Universidade Federal do Sul
e Sudeste do Pará.
2. de encruzilhadas metodológicas que testemunham a força motriz do diálogo entre
contextos plurais.
Tendo como epicentro esse fio argumentativo, o percurso de leitura construído
denuncia como a voz etnocêntrica tentou apagar os vestígios do imaginário dos contextos
heterogêneos, fazendo-os viver sob os limites da tentativa de uma vida de pureza cultural,
que se viu abalada com o reconhecimento das conexões e mobilidades espraiadas entre
as tramas do Novo Mundo. Com o abalo das redes eurocêntricas, vistas como limitadoras,
tornou possível revisitar as cenas do encontro entre sociedades, línguas e culturas das
Áfricas. Assim, o deslocamento em direção à geografia do encontro serve de veículo para
decifrar o itinerário de outros sujeitos guiados pelo sentimento da errância intercultural.
Mais ainda, o retorno ao cenário dos enredos da história cindida permite projetar outras
fricções que, longe de fecharem-se na redoma do medo de interagir, oportunizam a
travessia crítica pelos imaginários da solidariedade africana.
Agindo dessa forma, a escritura movente projeta a presença do alheio na zona do
próprio das Áfricas, bem como cartografa as interfaces das conexões europeias, asiáticas
e africanas. Disso resulta a expansão dos fios da relação rizomática entre as culturas
móveis, abrindo reflexões balizadas pela constelação do intercâmbio cuja lógica não se
faz pela edificação do polo superior ou inferior. Por conseguinte, a tônica do encontro
entre culturas e continentes vem alimentada pela percepção de histórias sobrepostas
testemunhadas pelo alcance da voz de atores culturais híbridos. Ao adotar a envergadura
múltipla das relações, os nortes da leitura do trabalho revelam-se cadênciadores da
coesão e coerência das redes de conexão de alteridades radicadas na zona da interação
africana.
Vistos enquanto ferramentas da elasticidade do fazer crítico, os pontos de
irradiação do debate proposto pelos capítulos do livro rasuram o poder das tintas
logocêntricas, deslocando-as da prateleira da biblioteca, com a finalidade de pontuar a
força com que atuaram na formação do imaginário das culturas em contato. Com isso,
percebe-se que os territórios de averiguação das marcas e marcos das mobilidades
estéticas tornam-se um espaço para detalhar os cruzamentos oriundos da
intercambialidade entre histórias, discursos e linguagens, os mais variados possíveis.
Concebidas na visada de uma estratégia interdisciplinar, como apregoa Carvalhal
(2003), ou um espaço nômade do saber, seguindo a dianteira de Souza (2002), as
3. práticas de leitura lançadas sobre a escrita de António Jacinto revelam a face múltipla
deste autor africano. Mais ainda, abrem caminhos de análise cuja focalização recaia na
tradução de cenários culturais nascidos da experiência narrativa do desmembramento
estético de passagens, travessias, trânsitos, mediações, errâncias, diásporas,
transculturações, fronteiras, bordas, frestas, dentre outros termos que sustentam os
pilares dos ensaios, artigos e livros acadêmicos publicados em torno desse temário.
A figuração da modernidade, nas literaturas africanas de língua portuguesa,
obedece, portanto, à premissa que de o outro é parte indissociável do processo de
reconhecimento da diferença interna que sustenta a formação do imaginário de
alteridades cruzadas para além do simples fortalecimento do ciclo do mesmo. Ligar esses
lugares de vacância permite perceber que a alteridade africana integra a própria
constituição do sujeito que se desprega das amarras da ilusão de dono de si mesmo,
reconhecendo-se participante de um jogo identitário composto de várias faces. Nessa
relação intercultural identifica-se, como cada momento do convívio com o outro de si
produz realinhamentos capazes de ler as incompletudes que atravessam a cadeia das
formações culturais que o indagam constantemente na trama do cotidiano.
Por essa via interpretativa, a atmosfera da figuração da modernidade respalda-se
na projeção do encontro entre as literaturas africanas de língua portuguesa. Ao serem
colocadas em interação, essas literaturas são tecidas a partir de traços plurais da
solidariedade, convidam o leitor a transitar pelas zonas do imaginário das trocas culturais.