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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
       CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

          PRIMEIRA VERSÃO
                                                             PRIMEIRA VERSÃO
    ANO VIII, Nº 241 - MAIO - PORTO VELHO, 2009.                       ISSN 1517-5421        lathé biosa
            VOLUME XXV – Maio/Agosto
                       ISSN 1517-5421

                 Capa: Flávio Duktra

                         EDITOR
                   NILSON SANTOS

                CONSELHO EDITORIAL
         ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO
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              EDITORAÇÃO GRÁFICA
      ELIAQUIM DA CUNHA & SHEILA CASTRO

  Os textos devem conter no mínimo 3 laudas, tamanho de
folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados   O Argumento Luciferiano em Nietzsche
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      EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
O Argumento Luciferiano em Nietzsche
Celso Ferrarezi Junior
Pós-Doutorado em Semântica. Professor da Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil.

Resumo: Embora Nietzsche arrogue para sua obra, em vários ocasiões, uma originalidade absoluta, na verdade é ela perpassada por uma linha mestra - que pode ser
chamada de argumento luciferiano – que aparece registrada na Bíblia há mais de três mil e quatrocentos anos. Da mesma forma que em Nietzsche, o argumento
luciferiano primordial se fundamenta na idéia de que a aceitação da existência de Deus inibe a completude das Suas criaturas. O presente artigo não apresenta um
juízo de valores sobre o argumento luciferiano, mas apresenta sua ocorrência na Bíblia e sua recorrência em Nietzsche.

Palavras-Chaves: 1. Filosofia. 2. Teologia. 3. Nietzsche. 4. Argumento luciferiano. 5. Super-homem (Übermensch).


0. Apresentação: Nietzsche por Nietzsche.

       Provavelmente, não haja na história da Filosofia algum outro autor que tenha escrito um livro no formato de Ecce Homo (EH), como Nietzsche o fez.
Constituindo-se, primordialmente, como uma apresentação de sua própria excelência e da de seus livros, Ecce Homo pode ser visto, numa primeira e rasa percepção,
como um exercício de narcisismo doentio de uma mente em decadência. Mas, o livro é muito mais do que isso. Também, é muito mais do que uma mera
autobiografia embora, já no primeiro parágrafo, Nietzsche afirme: “E assim eu me conto a minha vida.” (EH, p.21)
Realmente, o livro transpira decadência: não há mais o estilo harmonioso e fluente de Nietzsche, as frases poderosas tornaram-se raras, o livro é marcado por
repetições desnecessárias e divagações quase inúteis, além de ser recoberto por um amargor que não aparece nas obras da fase áurea do filósofo que se dizia polonês,
como em Assim Falava Zaratustra (AFZ), esta aliás, reconhecida por ele como seu legado maior à humanidade:

“Entre minhas obras, o meu Zaratustra ocupa um lugar à parte. Com ele dei à humanidade o maior presente que lhe foi dado até hoje.”(EH, p.18)

       Mas, longe de ser um exercício de narcisismo, Ecce Homo é a pintura impressionante do desespero de um homem pelo reconhecimento de si mesmo – e,
conseqüentemente - da missão que ele a si atribuiu, a missão de mudar completamente o mundo. Nos capítulos em que ele se dedica a caracterizar-se como o mais
inteligente e o mais sábio de todos os homens antes e depois dele, Nietzsche se define como sendo detentor de uma divindade que pareceria negar sua própria origem
humana, não fosse a citação sobre o fato de que ele representa uma raça quase extinta de homens superiores:
“Eu sou um nobre polonês pur sang, no qual não se misturou uma gota sequer de sangue ruim, muito menos de sangue alemão . Quando eu procuro o mais
        profundo dos antagonismos a mim mesmo, a baixeza incalculável dos instintos, eu sempre encontro minha mãe e minha irmã – acreditar no parentesco com
        uma canaille do tipo seria uma blasfêmia contra minha divindade.”(EH, p. 29)


        “Ter-se-á que voltar séculos no tempo para encontrar essa mais nobre das raças que jamais existiu sobre a terra, na proporção livre dos instintos
        em que eu a represento.”(EH, p. 30)

       Na verdade, a idéia de que Nietzsche é e representa o que há de mais elevado na humanidade perpassa todo o livro. Isso fica claro na afirmação que segue,
em que ele fala das coisas que escreveu em certo período da vida:

“Coisas que nenhum ser humano é capaz de fazer depois de mim, imitando... ou de fazer antes de mim, fingindo.” (EH, p. 67)

       O interessante nessa caracterização de si mesmo como o mais sábio, o mais inteligente e, no final do livro, como “um destino” é que Nietzsche utiliza os
argumentos mais prosaicos para justificar sua grandeza. Além de atribuir sua sabedoria e inteligência ao fato de ter um instinto peculiar, ele atribui o resultado
insuperável de ser humano que ele diz representar a coisas como sua alimentação, lazer, clima, lugares em que morava e escrevia, leituras e não-leituras, vontade
própria, etc., eliminando qualquer relação de sua grandeza com uma suposta força divina exterior. Ele diz;

        “Essas pequenas coisas – alimentação, lugar, clima, recreação e toda casuística do egocentrismo – são mais importantes – quaisquer que sejam os conceitos –
        do que tudo aquilo que foi tido como importante até o momento.” (EH, p. 65)

       “Tudo aquilo que foi tido como importante até o momento” é uma referência direta - e repetida muitas vezes no transcurso do livro - a tudo aquilo que se
acreditou ser verdade até Nietzsche, ou seja, que a grandeza verdadeira do homem vem da moral e é comunicada por Deus. Em relação a isso o filósofo introduz o
conceito de “décadence”, que se resume a tudo que se opõe ao que ele chama de “naturalidade” da vida. Para Nietzsche, o cristianismo e o próprio Deus são
representantes desse espírito de “décadence”, porque defendem a humilhação, a negação de si mesmo e dos prazeres corporais, a humilhação como virtude, entre
outras coisas que Nietzsche considerava antinaturais e, portanto, descabidas. E é nesse ponto, em especial, em que Deus é acusado de ser o maior empecilho para a
própria existência humana plena:
       “Qual foi a maior objeção à existência feita até hoje? Deus...” (EH, p. 54)




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Essa posição assumida por Nietzsche acaba colocando-o na posição de um igual-a-Deus. Isso porque, a partir do momento em que ele afirma ser Deus um
empecilho à vida e afirma ser ele próprio o detentor da verdade jamais conhecida pela humanidade e necessária à sua reconstrução num “formato” superior, ele se
coloca diante dessa mesma humanidade como um novo deus. Ele afirma, em certa passagem:


         “O ato de tomar em suas mãos um livro meu – eu suponho que, inclusive, ele tire as sandálias para fazê-lo.” (EH, p. 69)
         O que é uma referência direta à ordem de Deus a Moisés em Êxodo 3, verso 5:
         “Deus continuou: Não te chegues para cá; tiras as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa.”
         Essa disposição de Nietzsche em ser visto como um igual-a-Deus se repete em várias passagens de suas obras, principalmente naquelas em que ele fala de
sua disposição e preparação para governar o mundo no lugar de Deus, uma vez que, para ele
         “Esse Deus antigo já não é vivo; está morto e bem morto.”(AFZ, p. 219)
         E, embora essa seja uma fala atribuída a Zaratustra, Nietzsche nunca negou – muito pelo contrário – sua identidade com o personagem que ele criou:
         “... pode-se, sem a menor consideração, colocar o meu nome ou a palavra Zaratustra... (no texto que fala de Wagner)” (EH, p. 87)
         Em outra passagem, Nietzsche se apresenta assim:
         “Aquilo que eu hoje sou, onde hoje estou – em uma altura na qual eu não falo mais através de palavras, mas sim através de raios.” (EH, p. 94)
         Essa pintura de si mesmo pode ser vista como referência a Zeus, o deus maior da mitologia grega (ou Júpiter, na mitologia latina), que era o deus do raio e
do trovão, mas seria mais próprio vê-la como uma provocação e uma referência direta ao Deus hebraico, no alto do Sinai, conforme se vê em Êxodo 19: 16 a 18:
         “Ao amanhecer do terceiro dia, houve trovões e raios, e uma espessa nuvem sobre o monte, e foi mui forte clangor de trombetas, de maneira que todo o povo
que estava no arraial estremeceu. E Moisés levou o povo fora do arraial ao encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. Todo o monte Sinai fumegava, porque o
senhor descera sobre ele em fogo; a sua fumaça subiu como fumaça de uma fornalha, e todo o monte tremia grandemente.”
         Entretanto, é imprescindível notar que Nietzsche não quer ser um igual-a-Deus no mesmo formato em que ele vê o Deus de Israel. Ele quer ser um deus que
permita – contrariamente ao que ele crê que o Deus do cristianismo faz - aos homens o crescimento e a auto-superação. Nesses termos, Nietzsche se identifica de
duas formas: primeiramente, como o Anticristo, aquele que nega a Deus - e conseqüentemente a Cristo – e aos valores do cristianismo, principalmente os de caráter
moral:
         “Eu sou o antiasno par excellence e por isso um monstro histórico-universal – eu sou, em grego, e não apenas em grego, o Anticristo.” (EH, p. 74)
         “Eu sou o primeiro imoralista.” (EH, p. 93)

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A segunda é a identificação com Dioniso, deus grego do vinho e da noite, um deus dançarino e alegre, segundo Nietzsche, que prezava pela vida e por seus
prazeres, mas, acima de tudo, um deus incapaz de dizer “não” ao homem. O filósofo assim se descreve:

       “o problema daquele que tem a mais dura, a mais terrível visão da realidade, que pensou o “pensamento mais abismal”, mas apesar disso não
       encontra nesse fado qualquer objeção à existência, nem mesmo contra seu eterno retorno – mas vê nele, muito antes, um motivo para ser, ele
       mesmo, o sim eterno a todas as coisas, “o monstruoso e ilimitado dizer-sim e amém”... Mas isso é a idéia de Dioniso mais uma vez.” (EH, p. 122)
       E, para não deixar dúvidas, ele encerra o livro com a seguinte afirmação:
       “– Fui compreendido? – Dioniso contra o crucificado...” (EH, p. 154)
Na construção crescente de sua imagem em Ecce Homo, finalmente, Nietzsche se apresenta como a única alternativa à humanidade:

       “Só eu é que alcancei ter o parâmetro para a “verdade” nas mãos, só eu é que posso decidir. Como se em mim tivesse crescido uma segunda consciência, como se
       em mim “a vontade” tivesse acendido uma luz sobre a pista torta, sobre a qual o parâmetro até hoje apenas corria abaixo... A pista torta – ela era chamada de
       caminho para a “verdade”. É chegado o fim para todos os impulsos sombrios.” (EH, p. 132)


       Como esse outro deus, como um igual-a-Deus que teria o poder de demolir e reconstruir, Nietzsche fala sobre sua “missão”, afirmando-a claramente em
diversos trechos de Ecce Homo, como os que seguem:

       “... pelo fato de eu estar destinado a representar tarefas grandiosas.” (EH, p. 65)
       “... aquilo que virá após mim, uma revolução e uma reconstrução sem igual.” (EH, p. 66)
       “ter entendido seis frases desse livro (AFZ)- isso quer dizer, vivenciá-las – já elevaria a um nível mais alto da escala mortal, mais alto do que homens
“modernos” jamais poderiam alcançar.” (EH, p. 70)
       “Minha tarefa de preparar para a humanidade um momento de suprema tomada de consciência.” (EH, p. 105)
       “Redimir o passado e transformar tudo aquilo que “era uma vez” em “era assim que eu queria!” – apenas isso seria redenção para mim.” (EH, p. 125)

       Para que pudesse realizar essa missão, o filósofo se definia como um guerreiro, alguém que precisava fazer todas as guerras necessárias e sem culpa,
primeiramente contra Deus e a moral, por conseguinte contra o cristianismo e toda forma de idealismo e, finalmente, contra aqueles homens que não
compreendessem a grandeza desse novo ideal. Nas palavras de Nietzsche, esse guerreiro assim se caracteriza:
       “ A minha maneira de ser é guerreira.” (EH, p. 37)



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“Um filósofo que é guerreiro também desafia os problemas a duelar com ele. A tarefa não é, absolutamente, se tornar senhor sobre as resistências comuns, mas
        sim sobre aquelas que exigem que a gente acione toda a força, toda a flexibilidade e a maestria nas armas – subjugar inimigos iguais.” (EH, p. 38)


        Em primeiro lugar, depois de compreender que Nietzsche se colocava como um igual-a-Deus, pode-se perceber que “subjugar inimigos iguais” se refere,
basicamente, a subjugar o conceito de Deus e todas as suas implicações entre a humanidade, até porque o pensador já havia sobejamente exposto sua superioridade
sobre todos os homens, logo, caracterizando a total impossibilidade de que houvesse entre os mortais um que lhe fosse um “inimigo igual”. Isso fica mais claro
quando Nietzsche apresenta as quatro características desse guerreiro. São elas:
        “Primeiro: eu apenas ataco coisas que são vitoriosas.” (EH, p. 38)
        Com base nessa característica, o próprio Nietzsche apresenta seu inimigo quando fala dos conceitos que ele precisava combater para redimir a humanidade:
Deus, alma, pecado, livre-arbítrio, ausência-de-si, homem bom, entre outros. A respeito deles, o filósofo afirma que foram transformados em idéias vencedoras no
meio dos homens, que tomaram conta da humanidade e que precisam ser destruídas. A segunda característica assim é apresentada:
“Segundo: eu apenas ataco coisas contra as quais jamais encontraria aliados, contra as quais tenho que me virar sozinho.” (EH, p. 38)
        A referência aqui parece ser, claramente, Deus e o cristianismo, que eram, à época de Nietzsche forças hegemônicas na Europa, mesmo após a Revolução
Francesa e seus ideais anti-religiosos. Sobre a terceira característica do filósofo guerreiro:
        “Terceiro: eu jamais ataco pessoas.” (EH, p.38)
        Certamente, Deus e a moral não são “pessoas”, no sentido humano atribuído à palavra nesse trecho. Finalmente, a quarta característica é:
        “Quarto: eu apenas ataco coisas contra as quais todo tipo de diferença pessoal é excluído, contra as quais não existe qualquer segundo plano relativo a más
intenções.” (EH, pp. 38-9)
        Esta quarta característica parece mais uma justificativa do que uma peculiaridade do guerreiro. É como se Nietzsche estivesse tentando se desculpar com os
cristão a respeito de seus ataques, deixando claro que não era nada contra eles, mas contra o inumano neles. Isso fica ainda mais evidente se continuamos na leitura
do parágrafo, ainda mais quando ele fala de suas “boas relações” com os “cristãos mais sérios”:
        “Atacar é uma prova de bem-querer em mim e. conforme as circunstâncias, de agradecimento. Eu honro, eu distingo com o fato de unir meu nome a uma
coisa, a uma pessoa : contra ou a favor.”(EH, p. 39)
        “- os cristãos mais sérios sempre foram ponderados em relação a mim.” (EH, p. 39)
        Esse Nietzsche que se via como um ser superior ao homem comum, que se identificava por si mesmo como um deus, a única esperança da humanidade,
porém, se via como um incompreendido – e, provavelmente, foi esta a razão maior da escritura de Ecce Homo. Ele diz:

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“Mas, seria um contradição total a mim mesmo esperar ouvidos e mãos para as minhas verdades já hoje em dia: o fato de hoje não me ouvirem, o fato de ao
saberem o que fazer de mim não é apenas compreensível, ele inclusive me parece ser a coisa mais correta.” (EH, p. 69)
        Este parece ser o trecho em que Nietzsche mais se identifica com o Crucificado em Ecce Homo. A Bíblia assim descreve a aceitação de Jesus na terra:
        “Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes nas escrituras “A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular.”?” (Mateus 21: 42)
        “ Se alguém lhe disser: Que feridas são essas nas tuas mãos? Responderá Ele: São as feridas com que fui ferido na casa dos amigos meus.” (Zacarias 13: 6)
        “Replicou-lhe Pilatos: Que farei eu, então, deste Jesus chamado o Cristo?” (Mateus 27: 22)
        E, assim como Jesus deixou claro, segundo o registro bíblico, no final de sua vida na cruz que não se magoava e não se importava com a reação daqueles que
não o compreenderam, Nietzsche faz crer que ele também não se importa.
        Como se vê, Ecce Homo é a descrição do nascimento de um deus, mas não apenas um deus novo: de um deus substituto, com regras substitutas e uma
pretensa felicidade substituta para a humanidade que nunca poderiam ser proporcionadas pelo Deus que ele pretendia substituir. É importante compreender isso nesta
parte deste artigo em que terminamos a apresentação de Nietzsche por ele mesmo, porque agora importa a idéia que esse homem tinha da pretensa “originalidade
absoluta” de suas concepções. E é justamente isso que o artigo pretende enfocar.
        Já vimos, acima, que o filósofo se pretendia como o único que jamais tinha alcançado a “verdade”. Isso, por si só, pressupõe originalidade absoluta. Mas,em
outro trecho, Nietzsche deixa essa questão da originalidade ainda mais evidente:
        “Zaratustra foi o primeiro a ver na luta entre o bem e o mal a verdadeira roda motriz na engrenagem das coisas – a transposição da moral para o metafísico,
na condição de força, causa e objetivo em si, é obra sua.” (EH, p. 146)
        “O que me separa, o que me coloca à parte de todo o resto da humanidade, é haver descoberto a moral cristã.” (EH, 151)
        E, a esta altura desta Introdução, parece que estamos prontos para a apresentação, afinal, dessa tal “verdade” de Nietzsche, o seu argumento maior, aquele
que perpassa toda sua obra e no qual todos os seus outros argumentos se baseiam, a razão de sua “declaração de guerra”. E somente vamos encontrá-lo em sua
formulação mais límpida na voz de Zaratustra:
        “Para aprender a crer na vossa “veracidade” necessitava ver-vos romper com a vossa vontade veneradora.
        Por mim, chamo de verídico àquele que vai para os desertos sem Deus, aniquilando o seu coração reverente.
        No meio da amarela arena e abrasado pelo sol acontece-lhe olhar com avidez para as ilhas de copiosas fontes, sob umbrosas árvores repousa a vida.
        Faminta, violenta, solitária, sem deuses: assim se quer a si própria a vontade-leão.” (AFZ, p. 94)



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Como se pode notar, o argumento é, em essência, bem simples: “o homem com Deus se faz fraco e decadente; o homem sem Deus se faz forte e cada vez
melhor.” Este argumento pode assim ser explicado:
1. a própria existência do conceito de Deus no “deserto” da vida, isto é, diante dos problemas, gera no homem uma vontade veneradora que, para Nietzsche, é
antinatural e antivida, porque essa vontade veneradora inibe a ação natural do homem em favor de si mesmo ;
2. ao libertar-se totalmente de Deus e da vontade veneradora que Ele gera no homem, esse mesmo homem estaria se habilitando a descobrir a verdadeira “vida” que
há no exercício de viver;
3. posto faminto, porque não saciado por um Deus e posto sozinho, porque não acompanhado por forças sobrenaturais, o homem teria necessidade de superar-se a si
mesmo, tornando-se o super-homem (o Übermensch, o homem-além-do-homem), porque não estaria sendo humilhado, aniquilado por um Deus, mas teria que ser,
ele mesmo, seu próprio deus. Despertaria nele a vontade-leão, a força maior do homem.
        Minha preocupação aqui deve ficar bem clara: não é avaliar os valores morais que existem nesse argumento, a que eu chamo de “argumento luciferiano” e
com o qual - também deve ficar bem claro - não concordo, mas em mostrar que ele não é original, como Nietzsche apregoava ser. Avaliar os efeitos e as
conseqüências da adoção desse argumento como regra de vida pela humanidade não é trabalho para este artigo. Apenas ressalto que a pré-existência desse
argumento, devidamente registrada e como será aqui demonstrado, reduz em grande monta a importância que o próprio Nietzsche dava à sua obra e a si mesmo. E é
isto que passaremos a ver doravante.


1. O Argumento Luciferiano Original.

        O nome Lúcifer não ocorre na Bíblia. É, na verdade, uma tradução do epíteto “Filho da Alva”, ocorrente em Isaías 14: 12. Entretanto, sua popularização no
mundo cristão e não cristão nos permite utilizar, sem maiores problemas, esse nome relacionado ao anjo ao qual alguns escritores bíblicos atribuíram o pecado
original de insubmissão a Deus e a Sua lei, antes mesmo da criação do mundo.
        As informações bíblicas dadas como correspondendo à pessoa de Lúcifer, antes e no período de sua rebelião contra Deus, e ao pecado original são
resumidas. Seus registros são feitos no livro do profeta Isaías, no capítulo 14, versos 12 a 20 (datado de 713 a.C.), no livro do profeta Ezequiel, no capítulo 28,
versos 1 a 19 (datado de 588 a.C.) e no livro do Apocalipse, ou da Revelação, capítulo 12, versos 4 e 7 a 9 (datado de 96 d.C.). Outras citações bíblicas acerca de
Lúcifer referem-se ao período após o pecado do homem.
        A descrição que a Bíblia faz de Lúcifer é de um ser superior, um anjo destacado e especial que desfrutava de privilégios e bênçãos igualmente especiais que
o diferenciavam dos demais. Ele é assim apresentado:
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“Tu eras querubim ungido para proteger, e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus
        caminhos, desde o dia em que foste criado.”(Ezequiel 28: 14 e 15)


“Mais sábio és que Daniel; não há segredo algum que se possa esconder de ti. Pela tua sabedoria e pelo teu entendimento alcançaste o teu poder.” (Ezequiel 28: 3 e
4)
        Outras referências ainda no capítulo 38 de Ezequiel fazem menção à formosura de Lúcifer. Todas essas características especiais, porém, não faziam de
Lúcifer um igual-a-Deus. O que poderíamos esperar, tomando como base os princípios da moral cristã, é que um conjunto tão grande de bênçãos advindas da parte
do Criador gerasse um profundo sentimento de gratidão e reconhecimento. Em diversas ocasiões, os registros bíblicos fazem menção a ações de graças e submissão
voluntária dos homens como forma de gratidão a Deus por suas bênçãos.
        Mas, a despeito de todas as suas virtudes, ele era colocado abaixo do Criador, servindo-O como os demais anjos faziam. E a história Bíblica diz que é neste
fato de ser submisso a Deus, embora tão maravilhoso em formosura e sabedoria, ou melhor, de não aceitar essa submissão como sendo constrangedora e limitante,
que reside o princípio do mal universal e a insubmissão a Deus como pecado original. A descrição da insubmissão é assim dada nos escritos bíblicos:
        “Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor.” (Ezequiel 28: 17)
        “Visto como se eleva o teu coração e dizes: Eu sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento... e estimas o teu coração como se fora o coração de Deus.”
(Ezequiel 28: 2)
        “Pois que estimas o teu coração como se fora o coração de Deus.” (Ezequiel 28: 6)
        “E tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei. Subirei acima das
mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.” (Isaías 14: 13)
        A descrição bíblica é bem clara em relação ao que é atribuído a Lúcifer como insubmissão original. A despeito de sua posição já elevada, o escrito bíblico dá
a entender que Lúcifer alimentava uma profunda insatisfação em relação à sua própria condição. A superação de sua condição, que, ele pensava, poderia torná-lo um
igual-a-Deus, requeria a negação e a superação de Deus.
        O princípio dessa tentativa de superação teria sido a auto-consideração como sendo um igual-a-Deus, que é expressa na afirmativa “estimas o teu coração
como sendo o coração de Deus”. O segundo passo, que se segue à auto-consideração como Deus, é a negação da autoridade de Deus, de sua lei e, por conseguinte,
de sua moral. O “trono” é um claro símbolo de autoridade e direito de legislar nos relatos bíblicos. Seguindo o raciocínio desses relatos, ao colocar-se a si mesmo
sentado “na cadeira de Deus”, Lúcifer estaria:

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1. negando a autoridade de Deus, sua lei e sua moral;
2. estabelecendo-se como uma nova autoridade, devidamente capacitada para estabelecer novos parâmetros de lei e de moral e;
3. estabelecendo-se como igual-a-Deus e substituindo-o.
        Assim Lúcifer acabaria dominando o universo no lugar de Deus, estabelecendo-se “acima das estrelas de Deus”, ou seja, acima dos demais anjos.
        É interessante notar que Lúcifer (assim como o fez Nietzsche), não aparece no relato bíblico como desejando ser “maior do que Deus”. É como se,
tacitamente, se reconhecesse que a perfeição absoluta está diretamente vinculada ao conceito de “Deus”, como ele aparece no mundo cristão e nas culturas que
observam os escritos bíblicos do Velho Testamento, como é o caso de certos povos médio-orientais. Lúcifer queria, segundo o relato, ser um igual-a-Deus, sentar-se
no trono de Deus, ter o poder de Deus sobre as demais criaturas, estabelecer novas leis como se fosse Deus. Se usássemos as palavras de Nietzsche, diríamos que
Lúcifer cria que estava pronto para governar o universo após a “morte” de Deus.
        Assim se construiu o argumento Luciferiano original. A idéia de que a existência de Deus, sua autoridade e suas leis subjugam as criaturas a uma espécie de
“décadence” escrava, fomentou a contra-idéia de que a morte de Deus permitiria a Lúcifer assumir uma posição de perfeição total e grandeza inigualável por outra
criatura. Ele se tornaria o super-anjo, em analogia ao super-homem de Nietzsche.
        Comentando o argumento luciferiano original, a teóloga americana Ellen G. White , contemporânea de Nietzsche, afirma que, com base no relato bíblico
sobre o pecado original universal, Lúcifer demonstrava não poder mais suportar a lei de Deus sobre si e as imposições que ela lhe representava, mesmo que fossem
as mais amorosas possíveis. O pressuposto dessa insubordinação era a necessidade de substituição da lei divina por uma outra de liberdade total e sem restrições (e
“eterno-sim e amém” de Nietzsche), fundamentado na idéia de que a perfeição e a consciência naturais dos anjos seriam suficientes para guiá-los a um pretendido
“estágio mais avançado” do que aquele em que se encontravam.
        Ao que tudo indica, Lúcifer, para fazer valer seu argumento de insubordinação a Deus, estava pronto a lutar todas as guerras que foram necessárias. A Bíblia
continua o relato do pecado original universal afirmando que o argumento luciferiano original foi muito bem sucedido no céu. As passagens bíblicas que se referem
a isso são as que seguem:
        “E a sua cauda (do dragão) levou após si a terça parte das estrelas do céu.” (Apocalipse 12: 4)
        “E houve guerra no céu. Miguel e seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhava o dragão e seus anjos. Mas, estes não prevaleceram, e não se achou
mais seu lugar no céu.” (Apocalipse 12: 7 e 8)
        Creio ser oportuno esclarecer aqui, até porque esse esclarecimento será necessário ao subtítulo que segue, que quando a Bíblia fala de “dragão”, está falando
de Lúcifer. Isto é apresentado logo a seguir no Apocalipse:

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“E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo e Satanás que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra e seus anjos foram
precipitados com ele.” (Apocalipse 12: 9)
        Isto esclarecido, podemos voltar aos versículos anteriores. O primeiro (Apocalipse 12:4), fala do fato de que um terço dos anjos do céu teria sido convencido
pelo argumento luciferiano original e, por isso, “arrastado do céu pela sua cauda”. Levando-se em consideração que a própria Bíblia apresenta o número dos anjos de
Deus como “milhares de milhares e milhões de milhões” , esse número de um terço, dado como prova da força e eficácia do argumento luciferiano, não é nada
desprezível.
        Em seguida, a história bíblica fala da disposição de Lúcifer em guerrear por seu argumento. O verso 7 diz que houve “guerra no céu”. Mas, guerra entre
quem? O verso 8 fala de dois exércitos: Miguel e seu exército (ou seja, Cristo e seus anjos) e o dragão e seu exército, ou seja (Lúcifer e os anjos convencidos pelo
seu argumento). A Bíblia apresenta o exército de Cristo como vencedor e o banimento de Lúcifer e seus anjos do ambiente celestial.
        Agora, Lúcifer não seria mais chamado de “Lúcifer”, ou “Filho da Alva”, mas passaria a ser conhecido como Satanás, ou “adversário”.
Como disse anteriormente, não pretendo aqui fazer uma avaliação moral ou da veracidade histórica do argumento luciferiano em si ou dos fatos relatos na Bíblia e
dos valores neles implícitos. Só o que pretendo mostrar é que o argumento luciferiano, o mesmo utilizado por Nietzsche (como vimos em parte anterior e veremos
detalhadamente a seguir) estava construído e registrado em escritos de sete séculos (Isaías) e cinco séculos (Ezequiel) antes de Cristo, e um século (João de Patmos)
depois de Cristo. Logo, o ataque contra Deus, Sua lei e a moral que dela advém não pode ser considerada original em Nietzsche.
        Entretanto, o relato bíblico do pecado original universal não é o único que faz registro do uso do argumento luciferiano. A Bíblia, no relato do pecado
original do homem, no Éden, também aciona esse argumento, como veremos a seguir.




2. O Argumento Luciferiano no Éden Bíblico


        Como vimos acima, a insubmissão de Lúcifer ocorre antes do pecado do homem. Ele, Lúcifer, teria sido precipitado sobre a terra como o grande Adversário
e, passaria a dedicar seus esforços em malefício da humanidade. O relato da insubmissão do homem se encontra no livro de Gênesis, no capítulo 3, versículos 1 a 8
(datado de em cerca de 1.480 a.C.)




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A descrição bíblica da criação do homem retrata uma imagem de grande harmonia e perfeição. A Bíblia diz que Deus considerava tudo o que tinha sido feito
“muito bom” . Se levarmos em conta que Deus era tido como padrão supremo de perfeição – inclusive para o próprio Lúcifer, como vimos – “muito bom” assume
um grau de excelência absoluta.
       Segundo Bíblia, assim como Lúcifer no céu, o primeiro casal vivia em estado privilegiado e cercado de regalias, em profunda interligação e submissão a
Deus. A interligação e a submissão, assim como a existência de princípios morais e de conduta, é claramente expressa nos versos que seguem:
       “E tomou o Senhor Deus o homem e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e guardar. E ordenou o Senhor Deus ao homem dizendo: De toda a árvore do
jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás, porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gênesis 2: 15 a
17)
       Como se vê, no Éden não imperava o “eterno-sim e amém”. Havia pelo menos duas normas estabelecidas: a ordem de cuidar do jardim e a proibição de
comer do fruto de uma certa árvore. Havia restrições. Foi justamente por essa razão que o argumento luciferiano, o mesmo relatado como tendo sido utilizado
anteriormente no céu e que é contra o dizer-não, logo, que é o argumento do “eterno-sim e amém”, encaixa-se tão bem no relato bíblico. A história bíblica traz
detalhes de como esse argumento teria sido introduzido entre os homens:
       “Ora, a serpente era a mais astuta que todas as alimárias do campo que o Senhor tinha feito. E esta disse à mulher:
       - É assim que Deus disse: Não comerás de toda a árvore do jardim?
       E disse a mulher à serpente:
       - Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que
não morrais.
       Então a serpente disse à mulher:
       - Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.
       E vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e considerando-a árvore desejável para dar entendimento, tomou de seu
fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.” (Gênesis 3: 1 a 6)
       A profusão de detalhes relativos ao argumento luciferiano aqui é espantosa.
       Em primeiro lugar, a Serpente faz a mulher dar-se conta da existência de restrições: “É assim que Deus disse: Não comereis de todas as árvores do jardim?”.
Ao raciocinar sobre a pergunta da Serpente, a mulher pode-se dar conta de que, embora sua liberdade de ação seja visivelmente muito maior do que o conjunto de



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restrições, as restrições estão ali, elas são reais. E a pergunta da Serpente faz a mulher crer que é justamente nesse pequeno espaço limitado pelas restrições de Deus
que pode estar a verdadeira grandeza da criatura, a essência da liberdade e da superação de si mesmo.
        No segundo momento, a Serpente toma a resposta da mulher sobre o “certamente morrereis” como uma acusação direta de um suposto interesse de Deus em
manter a espécie humana subjugada, escravizada, distante das suas possibilidades máximas naturais de desenvolvimento. A Serpente acusa o Criador de “fazer
sombra” aos homens, impedindo-os de conhecer a verdade, a verdadeira grandeza, de galgar os seus limites. E o Criador teria feito isso de duas formas: 1. mentindo:
“Certamente morrereis”, quando a verdade seria outra: “Certamente não morrereis” e; 2. utilizando a mentira com poder de chantagem: a obediência incondicional
em troca da vida.
        A Serpente, então, insinua que essa restrição que Deus faz sobre suas criaturas pode ser quebrada se, tão-somente, as ordens do Criador forem desacatadas.
Isso implicava, pelo menos, cinco coisas:
1. a “morte” de Deus para o homem, e não a do próprio homem por Deus;
2. a conseqüente “morte” da lei de Deus e da moral que desta advém;
3. a retirada do destino humano da “sombra de Deus” e seu reposicionamento nas próprias mãos humanas;
4. a superação de si mesmo com o conhecimento do bem e do mal, ou seja, da verdade absoluta e;
5 como detentor da verdade absoluta, a possibilidade de auto-superação do homem e a geração de uma nova raça de homens “além-dos-homens”, pois agora, seriam
estes homens iguais-a-Deus (“E sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.”).
        Como se pode ver, esse é o argumento luciferiano original em sua essência e plenitude.
        A visão da Serpente sobre Deus, da forma como foi elaborada no texto de Gênesis, é revista em Nietzsche com a seguinte formulação:
        “A noção de “Deus”, inventada como noção antítese à vida – tudo nocivo, tudo venenoso, caluniador, toda a hostilidade moral contra a vida enfeixada em
uma unidade horrível.” (EH, p. 153)
        A mulher, então, convencida pelo argumento da Serpente, não somente come do fruto, como o dá ao homem, que também dele come. E, na seqüência:
        “Então, foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus.” (Gênesis 3: 7)
        O relato de Moisés no Gênesis, como disse, remonta a um período próximo de 1.480 a.C. Esse relato de utilização do argumento luciferiano – pois ele está
ali, em sua essência, de forma incontestável – demonstra como a idéia de que o homem sem Deus se superaria a si mesmo por pura necessidade e se tornaria um
super-homem, um igual-a-Deus, é antiga - muito mais antiga - do que Nietzsche faz-nos pensar que ela era.



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3. O Argumento Luciferiano em Nietzsche (de novo e mais fundo)


       Agora que já vimos como o argumento luciferiano original e sua reedição no Éden aparecem nos antigos relatos bíblicos, neste subtítulo, quero retomar de
forma mais completa esse argumento como formulado por Nietzsche em “Assim Falava Zaratustra”, já que, como vimos, este era seu legado preferido. Essa
retomada dará oportunidade para alguns comentários complementares e permitirá ao leitor uma visão mais completa da formulação nietzscheana do argumento
luciferiano e sua aplicação em sua obra-prima. Creio não ser necessário retomar aqui a essência do argumento luciferiano como aparece em AFZ, conforme o
apresentei na Introdução deste artigo. Vamos partir dessa idéia geral do argumento como já trabalhada para os passos que Nietzsche define para o homem comum
tornar-se o super-homem.
       Em primeiro plano, Nietzsche ataca diretamente o conceito de Deus. Como vimos, ele achava necessário livrar-se Deus e de que qualquer outra forma de
reverência a qualquer coisa que fosse, para que o homem fosse forçado, por necessidade, a superar-se, com seu próprio instinto, com sua força natural, guiado pela
própria consciência. Então, Nietzsche configura Deus como um traço da imaginação humana, como uma mera conjectura. Ele assim apresenta o conceito de Deus:

        “Deus é uma conjectura; mas eu quero que a vossa conjectura não vá mais longe do que a vossa vontade criadora. Poderíeis criar um Deus? Pois então não me
        faleis de deuses! Poderíeis, contudo criar um Super-Homem. Deus é uma conjectura; mas eu quero que a vossa conjectura se circunscreva ao imaginável.
        Poderíeis imaginar um Deus? Signifique, para vos outros, a vontade de verdade, que tudo se transforme no que o homem pode pensar, ver e sentir! Deveis cuidar
        até o ultimo dos vossos próprios sentidos.” (AFZ, p. 80)

       Tomado como uma conjectura e não com um ser real, Nietzsche acreditava ser mais fácil aos homens abandonar o conceito de Deus, sem culpas, sem
prejuízo. Porém, mais do que isso, Nietzsche caracteriza essa conjectura de Deus como uma conjectura malévola, um perigo ao ser humano. Um Deus concebido
como alguém verdadeiramente ímpio, a despeito das tentativas - humanas e divinas - de ser mostrado como bom. Há trechos bastante reveladores dessa idéia em
AFZ:
       “Na verdade, a minha morte será afogar-me em riso, vendo asnos embriagados e ouvindo assim morcegos duvidarem de Deus. Não passou há muito o tempo
de tais dúvidas? Quem teria ainda o direito de despertar do seu sono coisas tão inimigas da luz? Há muito que se acabaram os antigos deuses, e na verdade tiveram
um bom e alegre fim divino. Não passaram pelo “crepúsculo” para caminhar para a morte – é uma mentira dizê-lo! - - Pelo contrário: mataram-se a si mesmos a
poder de... riso!Sucedeu isso quando chegaram a pronunciar-se por um deus as palavras mais ímpias – as palavras: Só há um Deus! Não terás outros deuses a par de




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mim. Um deus velho, colérico e zeloso, que se excedeu a esse ponto. Então todos os deuses se puseram a rir, e agitando-se em seus assentos, exclamaram: ‘ Não se
baseia precisamente a divindade em haver deuses e não Deus?’”(AFZ, p. 157)


E, ainda:


        “Quando moço, esse Deus do Oriente era ríspido e estava sedento de vingança: criou um inferno para deleite dos seus prediletos. Por fim fez-se velho e
brando e terno e compassivo, assemelhando-se mais a um avô do que a um pai, e até mais a uma avó decrépita.” (AFZ, p. 218)
        A idéia fundamental desses ataques ao conceito de um Deus como o conceito hebraico seguido pelo cristianismo parece ser a sua caracterização como algo
que, além de inútil, era perigoso ao homem. Mesmo tentando se fazer, nos últimos tempos, de um Deus compassivo, esse Deus hebraico, “do Oriente”, era, na
verdade, prejudicial justamente por ser presumidamente tão grande e poderoso e zeloso de seu próprio nome e benévolo e longânimo, fazendo, como disse, uma
“sombra” que impedia o crescimento dos homens. Por isso, era essencial para Nietzsche “matar” esse Deus. Não matá-lo fisicamente. Isso pouco importava a
Nietzsche. A idéia era matá-lo na mente dos homens: “romper com a vossa vontade veneradora; aniquilando o vosso coração reverente.”
Porém, a despeito de muitos homens já terem conseguido isso em si mesmos, e Nietzsche costumava citar os franceses da Revolução como um exemplo disso, o
filósofo temia que o homem estivesse criando outros deuses para si. Pensando, provavelmente, nos próprios - e por ele tão amados - franceses da Revolução, um dos
deuses que poderiam fazer sombra para o homem era o próprio Estado. Nietzsche chamou o estado de “monstro”. Sobre o Estado, ele afirma:
        “‘Na terra nada há maior do que eu; eu sou o dedo ordenador de Deus’ – assim grita o monstro. Sim: adivinha-vos a vós também, vencedores do antigo
Deus. Saístes rendidos do combate e agora a vossa fadiga ainda serve ao novo ídolo.” (AFZ, p. 53)
        Um outro problema visto por Nietzsche era de que os homens, no processo de superação de si mesmos, alcançassem tal progresso que acabassem criando,
para si próprios, um mundo que lhes servisse de deus, um mundo ao qual venerariam. Mais uma vez, o ataque do filósofo é incisivo. Ele chama essa necessidade de
veneração de “embriaguez”, mas uma embriaguez que estava sendo curada, segundo ele:
        “Eis aqui a vossa vontade, sapientíssimos, como uma vontade de poder; e isto ainda que faleis do bem e do mal e das apreciações de valores. Quereis ainda
criar um mundo perante o qual possais ajoelhar-vos: é esta a vossa última esperança e a vossa última embriaguez.” (AFZ, p. 102)
        O princípio de tudo, porém, era mesmo a destruição de Deus, de Sua lei e da moral que dela advém. Então, como era urgente destruir na mente dos homens
toda vontade veneradora, de quaisquer que fossem os deuses, Nietzsche resolve declarar morto a Deus e aos outros deuses e declarar os motivos dessas mortes. E,
para Nietzsche, o nascimento do super-homem seria uma conseqüência natural da morte da vontade veneradora na humanidade:

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“Que é que toda gente sabe hoje? – perguntou Zaratustra. – Talvez já não esteja vivo o Deus antigo, o Deus em que dantes acreditava toda a gente?
Sabes como morreu? É certo o que se diz, que o asfixiou a compaixão? O ver o homem suspenso na cruz e não poder suportar que o amor pelos homens viesse a ser
o seu inferno e afinal a sua morte?”(AFZ, 216-7)
        “ ‘Todos os deuses morreram; agora viva o Super-Homem!’ Seja esta, chegado o grande meio-dia, a vossa última vontade.” (AFZ, p.76)
        É interessante notar que na passagem sobre “a asfixia de compaixão” Nietzsche está abrindo caminho para um conceito que vai ser mais claramente
desenvolvido no Ecce Homo: o conceito de “egoísmo natural”. Segundo o filósofo, todos somos fisiologicamente egoístas. Cada parte de nós luta pela
sobrevivência, cada parte de nós é egoísta. Isso é natural e não deveria despertar culpa no homem. Ele diz, em Ecce Homo , que a piedade é uma virtude apenas nos
decadentes. Assim também seria Deus no princípio: um Deus egoísta. Mas, quando Deus tentou se fazer de compassivo, teria se asfixiado na própria compaixão. A
lição da morte de Deus, segundo Nietzsche, deveria servir aos homens. Nada de compaixão, nada de altruísmo, nada de dizer-se não: apenas o “eterno-sim e amém”,
a satisfação do nosso egoísmo natural que seria guiado pela “vontade-leão”. Livre de todo e qualquer deus e de toda e qualquer compaixão, o homem poderia, enfim,
alcançar as alturas:


        “Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar, por conseguinte não quero que me empurrem para mudar de sítio. Agora sou leve agora vôo;
agora vejo por baixo de mim mesmo, agora salta de mim um Deus.” (AFZ, p. 46)
Nietzsche parecia ver nesse processo de transformação um caminho sem volta a partir de sua obra. Ele se via como um marco divisor na história. Como aniquilador
do mundo antes dele e reconstrutor de um novo mundo, com um novo homem, o filósofo cria que todo o homem sedento de crescimento, mais cedo ou mais tarde,
acabaria abandonando o conceito de Deus e seguindo a “Zaratustra”. Ele assim caracterizou essa esperança pessoal:
        “Porque a caminho para ti se encontra também o último resto de Deus entre os homens; quer dizer, todos os homens de grande anelo, do grande tédio, da
grande sociedade. Todos os que não querem viver sem poder aprender a esperar novamente; a aprender contigo, Zaratustra, a grande esperança.” (AFZ, 235)
        Entretanto, o mesmo Nietzsche parecia antever que suas idéias não seriam aceitas por todos. A um número significativo de pessoas inferiores, a que ele
chamava ora de “populaça”, ora de “gentalha”, o pensador não atribuía qualquer possibilidade de esperança, pois eles manteriam, até sua própria morte, a idéia de
um Deus bem viva em suas mentes,e alimentariam, assim, a idéia de que o super-homem é um “demônio”. Apenas aqueles que viessem a compreender a
profundidade das palavras de Zaratustra seriam capazes de se tornar homens superiores. Estes não deveriam se preocupar com os demais: pelo contrário, deveriam
deles se afastar:



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“Homens superiores, aprendei isto comigo; na praça pública ninguém acredita em homens superiores. E se teimais em falar lá, a populaça diz: ‘Todos somos
iguais’ . ‘Homens superiores – assim diz a populaça – todos somos iguais; perante Deus um homem não é mais do que o outro: todos somos iguais!’ Perante Deus!
Mas agora esse Deus morreu; e perante a populaça nós não queremos ser iguais. Homens superiores, fugi da praça pública!
Perante Deus! Mas agora esse Deus morreu! Homens superiores, esse Deus foi o vosso maior perigo. Ressuscitastes desde que ele jaz na sepultura. Só agora torna o
Grande Meio-Dia; agora torna-se o senhor o homem superior. Homens superiores! Só agora vai dar a luz a montanha do futuro humano. Deus morreu: agora nós
queremos que viva o super-homen.” (AFZ, pp. 238-9)
        Em Ecce Homo, ele faz, entre outras tantas sobre o asco que sentia pela “gentalha” uma declaração que corrobora a passagem acima:
        “Não é a todos que é dado ter ouvidos para Zaratustra.” (EH, p. 19)
        Mas, retomemos o “Grande Meio-Dia”, o momento máximo da luz da humanidade, de uma luz que, para Nietzsche estava dentro dos próprios homens e que
era mantida oculta pela mera existência do conceito de Deus. Uma luz como a da aurora, da “alva”. Via-se Nietzsche a si mesmo como “o Filho da Alva”, o
propagador da luz, da luz que supostamente nasceria no homem pela morte de Deus. A luz que irradiaria da montanha dos homens e não mais do “Monte Santo de
Deus”. “E tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei. Subirei acima das
mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.” (Isaías 14: 13)




4. A Identidade entre Zaratustra e Lúcifer (pelo próprio Nietzsche)


        A esta altura das considerações, é inevitável a associação de Zaratustra, a voz mais audível do filósofo, e Lúcifer, o arquiteto do argumento luciferiano
original, conforme aparece na Bíblia. Creio que as passagens que citei acima, tanto de Nietszche como da Bíblia, seriam suficientes para essa identificação. Mas, há
passagens mais explícitas de Nietzsche que podem ser evocadas aqui. Vejamos algumas delas retiradas de Ecce Homo:
        “Eu sou a antítese de uma natureza heróica.” (EH, p. 64)
        “(Tenho) o direito de reivindicar para mim a palavra grandeza.” (EH, p. 66)
        “Zaratustra, o aniquilador da moral.” (EH, p. 72)
        “Eu sou o primeiro imoralista.” (EH, p. 93)
        “Eu sou o aniquilador par excellence.” (EH, p. 146)

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“Eu reconheci que havia chegado o tempo de me voltar para mim mesmo.” (EH, p. 99)
          “A gente paga caro por ser imortal.” (EH, p. 118)
          “Zaratustra se sente a mais alta espécie de tudo aquilo que é.” (EH, p. 121)
          Embora tais passagens ora refiram-se nominalmente a Nietzsche, ora a Zaratustra, todas elas, em essência, falam de um mesmo caráter. Todas são altamente
idenficadoras de Zaratustra com as características atribuídas biblicamente a Lúcifer. A sensação de ser maior que os outros, a ausência de abnegação e compaixão, o
desejo de aniquilação de Deus, da lei e da moral que desta procede, o desejo de voltar-se de um Deus para si mesmo e suas próprias vontades, a presunção da
imortalidade que somente pertenceria a um criador.
Mas, merece atenção a citação:
          “Nem sequer se mostram dignos de atar as sandálias de Zaratustra.” (EH, p. 119)
          em que se fala de “atar sandálias”. Essa é uma referência direta à célebre frase de João Batista a respeito de Jesus, registrada na Bíblia em Lucas 3, versículo
16. Nesse ponto, Nietzsche coloca Zaratustra no mesmo nível de Cristo. Essa idéia é corroborada nas passagens:
          “Eu sou aquele que traz a boa nova.” (EH., 132)
          “Pois eu trago o destino da humanidade sobre os ombros.” (EH, p. 143)
          que, obviamente, são, a primeira, uma referência direta a um novo evangelho, uma nova “boa nova”, não mais de Cristo, o Filho do Deus bíblico, mas de
Zaratustra e, a segunda, ao fato de que, biblicamente, o pagamento pela remissão do homem recaiu sobre os ombros de Cristo, conforme atesta o livro do profeta
Isaías:
          “Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas
suas pisaduras fomos sarados.” (Isaías 53: 5)
          Essa equalização de si mesmo à pessoa de Cristo, dá abertura para que ele possa afirmar categoricamente:
          “Eu sou o anticristo.” (EH, p. 74)
          E assim, identificando Zaratustra ao anticristo e a si mesmo, como fica claro na passagem abaixo,
          “Zaratustra determina uma vez, com dureza, a sua tarefa – e ela é também minha.” (EH, p.125)




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Nietzsche cria uma identidade inegável com o personagem bíblico de Lúcifer, que se opõe abertamente ao personagem de Cristo. Essa oposição entre
Lúcifer e Cristo fica clara na passagem bíblica citada anteriormente sobre a guerra no céu entre Miguel e o dragão, assim como a aparece objetivamente na passagem
da tentação de Cristo, em Mateus 4, versos 8 a 10:
        “Levou-o ainda o Diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me
adorares. Então, Jesus lhe ordenou: Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto.”
        Nietzsche reforça essa oposição contra Cristo e sua identidade com Lúcifer, na sentença final de Ecce Homo:
        “Fui compreendido? – Dioniso contra o crucificado...” (EH, p. 154)
        Mas, tal identidade assume uma forma muito mais impressionante nas palavras do próprio Zaratustra, citadas em EH, p. 123:
        “Luz eu sou: Ah se eu fosse noite! Mas, esta é a minha solitude, estar cercado de luz!”
        Sobre essa passagem, Nietzsche comenta:
        “Coisa semelhante jamais foi escrita, jamais foi sentida, jamais foi sofrida: assim sofre um Deus, um Dioniso.” (EH, p. 125)


5. Conclusão


        Embora Nietzsche tenha apregoado uma absoluta originalidade em relação ao seu argumento para a construção de um super-homem e alimentado um
irrevogável rancor para com a Bíblia, mau grado seu, é justamente na Bíblia, em registros que remontam a cerca de 1.480 anos a.C. (Moisés), que o argumento
luciferiano, adotado por Nietzsche como linha mestra de toda sua filosofia, aparece pela primeira vez, repetindo-se em registros de cerca de 700 a.C (Isaías), 580 a.C
(Ezequiel).
        Essa presença precedente do argumento luciferiano na Bíblia, diminui bastante o valor auto-atribuído por Nietzsche a si mesmo como filósofo e ao seu
trabalho como demolidor de valores e criador de uma nova era. Na verdade, o filósofo alemão não apresentou ao mundo um novo e destruidor argumento no corpo
de sua obra, tampouco, por isso mesmo, mostrou ser o maior, mais sábio e o mais inteligente de todos os homens, como afirma em Ecce Homo. Em sua ânsia de uma
pretensa grandeza para a humanidade e no exercício constante da solitude, Nietzsche pode ter deixado passar despercebido que sua obra não era original em sua
essência.




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Referências Bibliográficas

Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Atualizada de 1999. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil.
NIETZSCHE, F. (S/D). Assim Falava Zaratustra. Tradução de José Mendes de Souza. São Paulo: Ediouro. (Coleção Clássicos de Bolso)
NIETZSCHE, F. (2005). Ecce Homo: De como a gente se torna o que a gente é. Tradução de Marcelo Backes. Porto Alegre: L&PM Editores. (Coleção L&PM
Pocket).
                        WHITE, Ellen G. (1999). História da Redenção. Tradução de Ivan Shimidt. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira.




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O MUNDO URBANO: MOSAICO DE MANIFESTAÇÕES DO SAGRADO, CREDOS E DIÁLOGOSO

Msc. Valmir Flores Pinto

Professor de Filosofia e Filosofia da Educação
Universidade Federal do Amazonas – UFAM/HUMAITÁ, AM
valmirfp@ufam.edu.br

INTRODUÇÃO

        Em cada época histórica existem pessoas, sejam da hierarquia de grupos majoritários ou minoritários, que julgam ter descoberto, ou pelo menos pensam
viver o tipo mais genuíno de credo religioso. Desde o século XX, época marcada por avanços tecnológicos e também de desvios, não apenas no campo moral mas
também de soberania e diplomacia, descobre-se no auge da secularização que a vida humana, na busca pelo sagrado, não está na sua última fase sobre o mundo,
como alguns profetizaram. Esta fase constitui uma oportunidade a mais para aguçar um critério que possa distinguir o essencial do acidental da vida religiosa e agora
diante de um cenário gritante: a cidade secularizada.
        A secularização urbana deve ser situada dentro de uma filosofia dialética da história. O sucesso de uma sociedade exige racionalidade, planificação,
organização e esta conduta vem ameaçar, comumente, ou restringir a liberdade. Daí a reação provável de pequenos grupos menos engajados nos circuitos
econômicos ou mais sensíveis a valores extra-econômicos – estudantes, minorias religiosas, marginais sociais e outros. Mas o dinamismo humano não é só na área
econômica. Sua psique profunda também é libido, é agressividade e em termos do humanismo religioso, aspiração ao amor, para amar e ser amado.
        Todo movimento de secularização, que é coroado com o fenômeno da urbanização, se apresenta como promoção do ser humano. Gradativamente ele foi
evoluindo de maneira a escravizar o sujeito sob o peso de novas estruturas, dando, assim, a seu ‘humanismo’ um cunho imprevisto: não sabemos o que será do ser
humano amanhã. Sob o impacto do consumo, da mudança em questão de segundos, da cultura materialista e descartável, os valores humanísticos, que já foram
característicos, estão sendo rapidamente desagregados e mesmo desaparecendo. Esta realidade acontece em todo o planeta. Feitas estas constatações cabe-nos saber
como nos comportamos neste meio, conceber algumas diretrizes de ação, atuação efetiva e afetiva das diversas denominações religiosas e suas motivações.

1 – Comportamento religioso na cidade




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Começamos falando de comportamento na cidade e não da cidade. Isto implica necessariamente a uma inclusão pessoal, grupal ou institucional na vida da
cidade. Somos membros dessa coletividade que tem muitos pontos de vista. Não se trata aqui de substituir o papel dos aspectos religiosos, mas propor sugestões e
acertar na reação exigirá muito diálogo.
        Em primeiro lugar devemos salientar o valor positivo de certa dessacralização: ela é boa e necessária quando consiste em liquidar todo um folclore religioso.
Também tem um limite: o respeito pelo caminho próprio de cada povo, pela sua cultura e momento de sua maturidade na evolução religioso-cultural das elites
intelectuais e do povo em geral. Quando os primeiros querem arrasar a religião do povo sem distinguir entre práticas ou crenças que não podem ser substituídas
imediatamente, ocorre a catástrofe. O efeito imediato é a fuga dos ‘crentes’, de maneira maciça para outros ambientes religiosos ou seitas, mais tracidionais e abertas
aos olhos do povo, ou perdem individualmente a sua forma de fé e prática religiosa, ou ainda mantém um mundo muito pessoal e intimista ao seu estilo, mesmo não
saindo de sua denominação religiosa.
        Embora a mudança de comportamento na cidade seja algo cotidiano, até por frações de segundos, no quesito religioso trazemos elementos que são
constitutivos de nossa cultura. Por isso as supressões devem ser explicadas, justificadas diante do povo, na sua linguagem. Devem ser prudentes e progressivas,
destituídas de arbítrios e de agressividades, atentas ao conjunto do condicionamento cultural. Purista na sua dogmática as Igrejas cristãs históricas erraram muito na
sua pastoral concreta, diante das atitudes, devoções e tradições locais.
        O processo de secularização e comportamento urbano ultrapassa em muito a iniciativa de qualquer denominação religiosa de controle. A questão maior é:
como as religiões vão se capacitarem para desempenhar conveniente e efizcamente suas funções neste contexto? Não podemos, nem devemos esperar uma resposta
para todos, universal, mas tentar elaborar uma praxi iluminada pelo teologal, respostas bem situadas a cada realidade, do micro ao macro. A distinção entre acidental
e essencial não é para a obra teórica, é experiência histórica.

2 – Elementos da religiosidade


        Passemos a pontuar alguns elementos que são essenciais na formação do universo de compreensão da religiosidade.
2.1 – Espiritualidade
        A espiritualidade reduzida à espiritualidade de ação, rejeitando todos os valores não pragmáticos, parece-nos suspeita de uma moda reversível, de uma
atitude incompleta. Nessa linha, desaparece o ritual como ritual. A cultura mergulha, hoje como ontem, no simbolismo, irredutível ao empirismo. Um exemplo típico
é o sucesso que tem, em alguns países ocidentais, as religiões orientais, indicam que o sentido do silêncio, da contemplação, da meditação, da interioridade, não pode


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desaparecer para sempre das aspirações humanas. “Do ponto de vista da vida, por assim dizer ‘animal’, Deus não entra como elemento ‘útil’ e ‘necessário’”
(BINGMER, 1998, p. 82). O sagrado não acrescenta nada à vida biológica. Ao contrário, exige o despojamento dos bens sensíveis.
        Apesar dos diagnósticos ‘terríveis’ feitos por muitos sobre a religião diante da secularização da modernidade, “nos encontramos ainda com pessoas capazes
de passar horas de seu tempo em cultos, celebrações e cerimônias de louvor. Pessoas capazes de, em nome de seu Deus ‘inútil’ e entregar suas vidas num sacrifício”
(BINGMER, 1998, p.82).
2.2 – Sentido de pertença
        Outro risco que nos ameaça é a política do tudo ou nada. Podemos contestar os defeitos das Igrejas, das religiões, sem rejeitar as Igrejas ou religiões.
Podemos trabalhar para melhorar o culto, sem pretender que ele não tenha mais sentido; aproveitar idéias e técnicas, sem cair numa desmitização radical, sem
pretender afirmar que as palavras sagrado, Deus, religião estão superadas. O que nos falta, muitas vezes, é um sentido equilibrado das coisas.
        O Brasil está praticamente em pé de igualdade com o ocidente em se tratando do elemento secular, mas tem um outro pé num cristianismo e num universo
bem tradicionais. Há desentendimentos entre lideranças religiosas e fiéis devido a algumas generalizações e que na realidade são aspectos parciais. No caso da Igreja
Católica Romana, Bispos que procuram presbíteros em toda parte, até no exterior, não entendem a desorientação ou fuga de presbíteros, enquanto tantas pessoas
procuram os mesmos para a sacramentalização. Por outro lado, os presbíteros que estão mais próximos à secularização não compreendem a importância que a
hierarquia dá à administração curial, à manutenção de atitudes da cristandade.
        Algo é certo, mais de 70% dos cristãos do Brasil se dizem cristãos católicos e outra parte cristãos de outras denominações portanto, a maioria da população
cristã. Mas a expressão “maior país católico do mundo” não é motivo de glória e esplendor e já foi justamente denunciada. Deve ser data maior atenção às diferenças
entre religião do clero e a religião popular, entre teoria e prática, entre planos bem elaborados e sua real aplicação a partir do universo religioso. De qualquer forma a
solução não será mais voltar para o dualismo: ou isso ou aquilo. A vida urbana e secular recusa isso. A relação religião e secularização não se torna mais fácil, mas
pode e deve tornar-se tão humana, aceitável, eticamente possível e com muito mais realismo.


3 – Diretrizes de julgamento


        As mudanças contínuas no universo secular-urbano, não se apresentam como modo de viver mais definitivo ou provisório. Chegou a ter mais consciência da
precariedade e do relativismo da toda cultura humana. Em si não é contra nem a favor das religiões, enquanto essas são fermento que transformam a humanidade.



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O papel do cristianismo e por extensão das diferentes denominações religiosas, não é apontar uma organização terrena definitiva. Não há nada definitivo nesta terra,
a não ser o amor (BÍBLIA DO PEREGRINO, 1Cor. 13, 1-13. Trad. BORTOLINI, José eSTORNIOLO, Ivo. São Paulo: Paulus, 2002). O papel das religiões é
manifestar a presença do Absoluto no relativo da história. Pois, renunciar a testemunhar Deus como Absoluto seria abrir mão, renunciar aos propósitos de bondade,
alteridade, gratidão e serviço. Neste sentido a secularização torna-se secularismo. Mas testemunhar é referir-se a uma dimensão invisível da realidade, a partir da
realidade terrestre. Não pode haver testemunho de Deus sem aceitação plena do relativismo da história, da cultura, da finitude e da precariedade de toda posição
atual do ser humano.
        Faz-se necessário afirmar que este testemunho não pode se limitar a alguns enunciados dogmáticos. As pessoas crentes devem acreditar no que diz, antes de
propô-lo ao mundo; isso significa fazer esforços sérios para viver os enunciados. O testemunho religioso numa era secular será mais do que nunca testemunho do
Absoluto, tendo como referência a convivência pacífica, numa palavra: o amor.
        Para nada servem as teorias e proclamações de uma entidade se sua política utiliza outros caminhos, mesmo no intento de fazer triunfar sua mensagem. Isso
não serve apenas para o campo religioso, mas também nas relações de políticas internacionais. Seria como se as Igrejas ou grupos religiosos realizassem alianças
com grupos que estão ligados ao narcotráfico, sonegações, seqüestros, roubos, etc, para fazer uso do dinheiro em benefício de obras sociais ou religiosas.
        Às vezes queremos fazer o bem ao próximo, quando ainda não descobrimos o nosso próximo em casa. Elementos dessa natureza estão ordinariamente
presentes em nossos lares, Igrejas, comunidades religiosas e organizações institucionais. Não que não haja comunidades exemplares no seu testemunho, mas é
preciso que se constate essa realidade.

4 – O conceito de Deus

        Graças à reflexão da idéia que tínhamos de Deus, no ocidente, juntamente com as mudanças no mundo urbano-secular, instalou-se certa contestação nas
Igrejas cristãs. Quem ainda guarda um conceito de Deus ‘Todo-Poderoso’ ditatorial, patriarcal não pode passar sem uma estrutura autoritária, com uma submissão
sem reservas às autoridades. Muitos que se encaixam nessa categoria, tanto entre líderes religiosos como entre os fiéis, talvez por insegurança em tomar decisões ou
mesmo submissão sem restrições.
        A crise instaurada no mundo secularizado é de crescimento e não pode deixar de repercutir sobre o aspecto religioso. A questão é saber se haverá uma reação
institucional e pessoal de maneira aceitável ou não. É certo que assim como o clericalismo – em todas as denominações – não pode sobrepor sobre as pessoas,
também não pode ocorrer um ‘vale-tudo’ no sei das comunidades religiosas. Não se trata de tirar ou colocar elementos para determinados cultos, mas julgar o
desempenho das atividades que favoreçam o cultivo dos valores religiosos e culturais de determinado povo. A sociedade mudou e muda, e com ela as denominações

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religiosas vão incorporando novos elementos. Todas as sedimentações que vêm de tempos passados e que paralisam a vitalidade, impedem o desempenho da função
profético-religiosa.
        Em pleno século XXI ainda há grandes disputas por terrenos no campo religioso, seja de cunho geográfico ou de adeptos. As pessoas não são mercadorias
em prateleiras do grande shopping que é a cidade, onde posso escolhê-las ou excluí-las. Foram dados grandes passos em direção às “águas mais profundas” (BÍBLIA
O PEREGRINO. Evangelho de Lucas 5, 3-4. Op. Cit.), mas há necessidade de uma presença mais humana e fraterna. A sociedade urbana e secularizada está
machucada e, em certos casos, doente e na UTI. Não bastam normas e regras entre das denominações religiosas, é preciso adequar a mensagem às pessoas, não de
maneira generalizada, mas personalizada e com clareza do que se pretende, e muito menos de maneira utilitarista, aceitando qualquer situação.

5 – Ações das religiões

        Face aos problemas do meio urbano, pode-se fazer a aprendizagem da condição dos cidadãos. Por isso a necessidade de dar prioridade à realidade urbana e a
somar esforços de pressão e ação. A política não se aprende apenas nas reuniões, mas na rua e nos seus desafios. Houve épocas e ainda há locais que fazem exageros
de reuniões. Em meio a esse cenário surgem muitos personagens, mas os que mais sofrem com a situação de certo caos sãos os pobres. “A urbanização rápida mostra
claramente que o problema é a cidade. Para os pobres a grande política fica muito distante. Não entendem e se deixam confundir pelos demagogos. A grande
economia é incompreensível. A sociedade nacional é uma abstração e a internacional, mais ainda” (COMBLIM. 1996, p.361).
5.1 – Aspecto efetivo
        As religiões não estão em crise, mas uma forma de religião. Aquelas formas de expressões burocratizadas e nacionalistas perdem a capacidade de responder
às expectativas de ordenar a vida das pessoas dando-lhe um sentido. Com a secularização surge uma crise de uma forma social de religião, a estrutural, e o que com
isso surge uma subjetivação da religião. A identificação entre estrutura e religião é a raiz dos equívocos.
        A atuação das expressões religiosas não tem como não ser no mundo secularizado. Ou elas se incorporam, fazendo parte do mesmo, ou estarão condenadas
ao desaparecimento. No mundo pós-moderno o processo de socialização – a integração do indivíduo na vida social – é cada vez mais realizado por instâncias
seculares e secundárias, isto é, por instâncias de livre escolha dos indivíduos. Perdem relevância significativa os meios de socialização primários, como a família,
igrejas, Estado e a própria escola.
        Na sociedade urbana e tecnológica esta socialização torna-se secundária, isto é, radica-se na esfera da escolha pessoal. Passou-se a tornar o indivíduo livre
para escolher, não dar-lhe um quadro de valores prontos. Assim cresce a idéia de pessoas que não gostariam de, por exemplo, batizar a criança, pois quem deve



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escolher a religião ou o credo é ela mesma quando crescer, embora esta posição ainda seja minoritária, visto que muitos fazem os ritos mais por superstição e
tradição do que por convicção. “É o que se pode chamar de religião privatizada, localizada na esfera da escolha pessoal, subjetiva” (LIBÂNIO. 1994. p. 67).


5.2 – Aspecto afetivo
          Dentro da perspectiva afetiva, acreditamos que as denominações religiosas não podem se refugiar em seus ambientes religiosos, mas juntamente com outras
instituições e com o apoio da ciência formar um corpo social de presença no mundo. Isso poderá soar como perde de identidade. Mas toda identidade se constrói a
partir de referências e de relações. Para os cristãos a referência é Jesus Cristo; os judeus, a fé e testemunho de Abraão e Moises; os islâmicos o profeta Maomé,
apenas para citar as chamadas religiões monoteístas. E todos os outros credos têm suas referências e códigos de ação.
As formas de ação envolvem alguns níveis fundamentais. Estamos no mundo urbano-secular e formamos o contingente de milhões de pessoas que buscam o sagrado,
o absoluto neste ambiente. Enfocaremos dois níveis de maior relevância: o pessoal e o grupal.
5.2.1 – Busca pessoal

          A escolha religiosa hoje pode ser mais livre e com mais freqüência, porque existe um pluralismo de alternativas religiosas – principalmente nos países mais
pobres-as quais crescem e emergem em instantes. Criam-se necessidades e a partir delas busca-se respostas no aspecto religioso: é o mercado. Há respostas para
todos os gostos, tornando-as utilizáveis ou descartáveis, conforme a necessidade. No Brasil este reflexo se tornou mais visível dos anos 60 e 70 do século passado
para cá. Quem chega à cidade moderna deve escolher a sua religião, que pode ser a mesma da tradição rural, reinterpretada em função do contexto urbano, ou pode
ser outra, e ainda não é certo que nela fique para sempre. A mudança contínua de paradigmas na sociedade urbana leva a questionar sempre a todas as opções,
mesmo aquelas que poderiam parecer ‘eternas’.
          Na busca pessoal emerge a subjetividade. Este é um elemento de suma importância para a vida de qualquer pessoa, religiosa ou não. Percebe-se mesmo em
pequenos grupos, um subjetivismo latente no campo religioso. É momento de não desprezar ou ignorar, mas levar a sério a experiência religiosa das pessoas, mesmo
que estejam distantes dos objetivos das religiões. De princípio a experiência pode até ser superficial. Os líderes poderão sofrer a tentação de recusar ou corrigir tal
exigência. Somente o diálogo juntamente com uma postura autenticamente interconfessional poderão ajudar e emergir o sentido profundo da busca religiosa de uma
pessoa.
          Devemos estar atentos à pessoa em sua integridade, evitando acentuar um aspecto em prejuízo de outros. Se no passado a pastoral tridentina no ocidente
acentuou os aspectos jurídicos em prejuízo da dimensão afetiva e simbólica, esse erro deve ser corrigido. Nessa linha destaca-se nos centros urbanos, a atitude de
abertura à pessoa, também chamado de ‘pastoral da acolhida’. A sabedoria estará no uso da interdisciplinaridade, nunca os extremos.

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É um desafio, na sociedade atual, a distância que se acentua entre expressão religiosa de fé e de cultura. Por outro lado a própria estruturação da vida urbana
moderna é geradora desse fenômeno. Ela tende a separar as esferas da vida, afastando as religiões da ética, política, economia, ciências e atividades profissionais.
Abre-se aqui uma possibilidade de um trabalho que contribua partindo de valores mais generalizados como: paz, amor, respeito, dignidade, acolhida e outros. ´
No entanto, é preciso ressaltar que apesar dos valores dos aspectos pessoais, a pessoa não se realiza a não ser no relacionamento com outras pessoas, seja a nível
religioso e mais ainda a nível afetivo e social.


5.2.2 – Busca a nível grupal
        Há muitos elementos que contribuem para uma busca de formas comunitárias de vida no atual contexto. Temos o pluralismo cultural, a estrutura social e o
comportamento diferenciado dos fiéis no plano religioso. No Brasil temos algumas faixas da população: “os que seguem a religiosidade popular; os que seguem o
aspecto tradicional, rejeitando inovações; os que procuram viver a sua fé mais pelo compromisso ético do que pelo culto; os que estão marginalizados religiosa e
socialmente; e os que entraram na modernidade e não têm uma perspectiva religiosa marcante” (AZEVEDO, 1990. p. 15).
        Diante desse cenário acrescentamos, embora em menor número, os que buscam uma religiosidade marcada pelo elemento pessoal e subjetivo – há uma sede
de Deus -. E questões emergentes surgem: o que fazer? Como fazer? Onde fazer? Uma primeira resposta é pensar uma solução não de maneira única, mas
diversificada, pluralista. Pois, existem os extremos: os que aderiram ou não à modernidade e estão afastados da prática religiosa e de qualquer comunidade religiosa;
os que mantêm alguns contatos em ocasiões - casamentos, datas importantes, morte, nascimento -; e outra ponta são as comunidades ou movimentos religiosos que
procuram orientar toda a vida de seus membros, oferecendo até serviços, geralmente recusam o mundo moderno. No meio dos extremos temos a grande massa dos
praticantes com seus diversos níveis.
        O desafio é reconstruir a cidade como mediação da nossa concepção de vida e de nossa prática, não apenas para os praticantes de algum credo. Quando
afirmamos reconstruir, não trata apenas dos espaços físicos, da renda, da moradia, da saúda, mas também do modo de pensar a si mesmos e a cultura, o sentido das
coisas e das relações humanas. Se falamos de subjetividade pessoal, porque não uma cidade subjetiva? A reconstrução passa pela introdução da ética nas atividades,
seja em âmbito pessoal, grupal ou estrutural.

CONCLUSÃO

        O que temos hoje é uma ‘ética’ do mercado. Esta não apenas exclui pessoas, mas as torna mercadoria do mesmo mercado. A contribuição das expressões
religiosas começa na superação de todo e qualquer fundamentalismo, não apenas o religioso. Muitos criticam os mulçumanos ou judeus pelo acirrado

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fundamentalismo religioso, misturado com questões culturais e políticas. Mas vale ressaltar que estamos vendo e vivendo outro fundamentalismo que está sendo
imposto em toda parte do planeta e até fora dele: das super-potências econômicas, que ‘governam’ o mundo. É a tentativa de substituição de um fundamentalismo
por outro: um de capital, onde as armas são os poderes bélico e econômico que está sendo despejado sobre o mundo, assim como a poluição e destruição do meio-
ambiente.
       Diante desse cenário de disputas e intrigas, mesmo no sei de muitas religiões, queremos resgatar um elemento que é de fundamental importância para a vida
do ser humano: o testemunho ético. Em um mundo urbano e secularizado o testemunho ético revela a confiança e a esperança da presença do sagrado. Nesta ótica,
supõe-se a solidariedade com as pessoas, partindo dos excluídos. Este desejo não é apenas mais um recheio no grande ‘bolo dos sonhos’. A presença pública das
religiões deve ser questionadora, não utilização ambígua do poder. Há séculos alguns monumentos expressam a centralidade do sagrado via o poder estabelecido.
Hoje pauta-se por uma presença mais crítica e espiritual. As manifestações e movimentos deverão ser expressões de comunhão e solidariedade com as pessoas,
independente do credo. Enfim, depois de séculos dando ênfase à instituição, as religiões são desafiadas para a ação, testemunho, a ser constantemente recriada: um
mosaico em construção.

BIBLIOGRAFIA
-AZEVEDO, Marcelo C. de. Dinâmicas atuais da cultura brasileira. Estudos da CNBB nº 58. São Paulo: Paulinas, 1990.
-BETTENCOURT, Estevão Tavares. Crenças, religiões, igrejas & seitas: quem são? Santo André, SP: Mensageiro de Santo Antônio, 1995.
-BÍBLIA DO PEREGRINO. Luís Alonso Schökel. Trad. Ivo Storniolo e José Bortolini. São Paulo: Paulus, 2002.
-BINGEMER, Maria Clara L. A Sedução do sagrado. In. A Sedução do Sagrado. O fenômeno religioso da virada do milênio. Org. Cleto Caliman. Petrópolis, RJ:
Vozes, p. 79-115, 1998.
-CASPAR, Robert. Cristianismo/Islamismo. Trad. Maia da Rocha. Porto – Portugal: Editorial Perpétuo Socorro.
-COMBLIN, José. Cristãos rumo ao século XXI. São Paulo: Paulus, 1996.
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-KÜNG, Hans. Ser cristão. Trad. José W. Filho. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974.
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-PINTO, Valmir Flores. O Ser humano entre o sagrado e o secular. Dissertação de mestrado em teologia sistemática pela PUC-RS. Porto Alegre, 2005.
-SEGUNDO, Juan Luis. Que mundo? Que homem? Que Deus? Aproximações entre ciência, filosofia e teologia. Trad. Magda Furtado. São Paulo: Paulinas, 1995
.




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Entrevista com João Marcos Rainho

Revista Educação, Editora Segmento, número 238
www.editorasegmento.com.br.
Educadora cubana afirma que a construção de uma nova sociedade latino-americana passa pela pedagogia de Paulo Freire


        O Brasil está exportando para a América Latina um modelo bem-sucedido de educação. Nada a ver com as atuais mudanças propostas pela Lei de Diretrizes
e Bases (LDB), com os sistemas de avaliação ou os processos de modernização através do uso de computadores em sala de aula. Aliás, tudo o que é feito nas classes
tradicionais vai na contramão desse modelo, que na verdade não é tão novo assim. Estamos falando da educação popular proposta por Paulo Freire, cuja metodologia
está servindo de base para a criação de diversas organizações não-governamentais e incentivando uma nova maneira de enxergar os espaços educativos. Em países
que ainda não usufruem um regime democrático no sentido lato do termo e buscam um novo modelo de sociedade, mais justa, igualitária e participativa, a obra de
Paulo Freire pode ajudar no processo de transição. O que não deixa de gerar conflitos com o poder local, seja em relação ao estado ou à instituição escola, por
promover a reflexão profunda dos sistemas políticos e sociais. É exatamente esse o estágio da educação popular em Cuba, que chegou por ali tardiamente em relação
a outros países da América Central e do Sul, e que hoje se orgulha de possuir um dos principais pólos internacionais de formação de educadores - o Centro Memorial
Dr. Martin Luther King Jr, cujas oficinas atenderam diretamente 1.500 pessoas desde 1993. Esther Pérez, licenciada em letras e ex-representante de Cuba nas Nações
Unidas, coordena a área de educação popular do centro. Ela conversou com a Revista Educação sobre a influência de Paulo Freire em seu trabalho e como um
sistema de ensino não-convencional pode ajudar no desenvolvimento de habilidades e competências pessoais tão almejadas pelos métodos "modernos".
Revista Educação - O que são os educadores populares?
        Esther Pérez - Educadores populares são pessoas que trabalham com grupos humanos na sociedade. No caso cubano, com organizações populares,
governos, programas sociais, como o médico de família, e instituições de diversos tipos, inclusive escolas.
        Educação - O "inclusive escolas", significa que esse não é o foco principal do programa?
        Esther - Professores participam de nossos programas atualmente, mas no começo o trabalho não estava aberto a eles. A educação popular trabalha com um
espaço diferente da escola tradicional e em certo ponto até critica o modelo tradicional do professor todo onipotente de um lado e os alunos passivos, recebendo
informações, de outro.

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Educação - Qual o objetivo almejado?
        Esther - Buscamos o pensamento crítico da sociedade. Trabalhamos com psicologia de grupo, análises de contexto, entre outras técnicas e também ênfase na
questão de gênero.
        Educação - É possível avaliar os resultados da educação popular?
        Esther - Isso é uma questão complexa porque nosso trabalho atinge a subjetividade das pessoas. Não dá para medir em número e sim na qualidade.
Percebemos mudanças na prática social mais democrática, a utilização de colegiados para a tomada de decisões e ações efetivas mais perto das reais preocupações da
população, com maior capacidade criativa.
        Educação - É quase um tipo de terapia...
        Esther - Terapia em muitos lugares visa à adaptação das pessoas ao existente. Nosso trabalho, ao contrário, objetiva que as pessoas sejam capazes de
transformar o ambiente. É até certo ponto um trabalho político.
        Educação - Há um certo choque entre os educadores tradicionais e os adeptos da educação popular?
        Esther - Existem preconceitos por parte dos educadores ditos tradicionais e até por nós, pois, como disse antes, no início nossos programas não estavam
abertos para professores. Depois mudamos de idéia, pois os professores também são agentes sociais fora do ambiente da escola, eles interagem com outros grupos e
é esse tipo de relação que visamos transformar. Mas no caso dos professores formados por instituições tradicionais - com diplomas, passagem pela academia e tudo
mais -, eles também costumam enxergar nosso trabalho de maneira preconceituosa e desinformada.
        Educação - Qual o motivo?
        Esther - Principalmente por uma questão de poder. O que acontece em sala de aula é um jogo de poder onde o professor exercer o domínio absoluto, que é
aceito ou não pelos outros participantes. Às vezes com certa passividade ou aceitação total. Tentamos fazer um processo de aprendizagem cuja intenção é desmontar
esse poder concentrado, não apenas para que a relação seja mais democrática, mas também para mostrar às pessoas que tudo não passa de um jogo de poder, uma
metáfora do que acontece em outros grupos sociais. É cômodo saber que temos poder e pensar que ninguém vai desafiá-lo. Por isso que é mais fácil trabalhar com
mulheres em nossos programas. Os homens têm mais medo de repensar esse modelo. Quando trabalhamos com grupos de homens vamos mais devagar na
abordagem. A mulher está mais acostumada a compartilhar o poder ou a nem exercê-lo.
        Educação - O que acontece exatamente? Os professores têm medo de perder esse poder?




                                                                                                                                                              30
Esther - O preconceito às vezes se expressa em declarações como "se não é um modelo tradicional, com professor de pé na frente da sala e os alunos
sentados em fila, não é um modelo sério, é apenas uma brincadeira". Aí convidamos esse professor a experimentar. Perguntamos: "Quer brincar conosco?" A maioria
aceita e percebe que não se trata de uma brincadeira.
        Educação - Que tipo de informação o profissional de diferentes áreas procura na educação popular?
        Esther - Basicamente aprender a trabalhar com pessoas. E de forma democrática, participativa. Logo de início avisamos: uma coisa é tratar o tema da
medicina e psicologia no ambiente acadêmico. Outra coisa é atuar com a população. Esse tipo de profissional deve ter conhecimentos em psicologia grupal, social.
Eles estudaram formalmente na escola, em nossas oficinas convivem com colegas que não são profissionais e descobrem muitas coisas novas. A troca de
experiências entre acadêmicos e instrutores tem sido muito rica. Por isso o preconceito tem diminuído. Um exemplo é o programa Médico de Família, que existe em
Cuba. O conceito é de um médico por quadra, ou trecho de um bairro. No convívio com as pessoas em seu dia-a-dia esses médicos descobriram que não exerciam
somente a medicina. Atuavam também como agentes sociais, ouvindo os problemas das pessoas, suas queixas em relação ao convívio familiar, a vizinhança, a
política. Um profissional atuando nessas condições deve estar preparado. E nós oferecemos formação específica para esse grupo.
Educação - Como vocês trabalham com educação popular em Cuba? Há um modelo próprio?
        Esther - A educação popular, a pedagogia Paulo Freire chegou atrasada em Cuba. Foi na década de 80, através do Brasil. E chegou num momento político
de profunda autocrítica da sociedade cubana, quando as organizações foram questionadas internamente. Temas como a burocratização, relações das organizações e
os movimentos, capacidade de auto-organização e de participação das pessoas estavam sendo discutidos. E nos deparamos com a experiência do trabalho de Paulo
Freire no Brasil e na América Central. Encontramos uma pista para começar a responder as perguntas que a sociedade estava pleiteando. Dizíamos: este é um
caminho não para produzir as respostas, mas um caminho que poderíamos seguir para encontrar as respostas. Trabalhamos modestamente no início, realizamos
intercâmbios e finalmente em 1990 foi decidido que iríamos começar o programa baseado na nossa realidade.
        Educação - Que tipo de conteúdo é abordado?
        Esther - Temos programas diversos que tratam de desenvolver a educação popular no contexto cubano, que é diferente de outros contextos latino-
americanos. Não tratamos de complementar falências do estado, não fazemos educação complementar, porque a totalidade da população cubana é escolarizada. O
ensino é obrigatório até o nível secundário. Trabalhamos com pessoas que tenham, no mínimo, essa escolaridade. Não atuamos, por exemplo, com alfabetização de
adultos como no Brasil. Trabalhamos mais com a questão da subjetividade, da passividade das pessoas em ler a realidade social em que estão envolvidas e a
capacidade de participar de forma mais politizada, protagonista, ativa. Assim, o Centro Memorial Martin Luther King criou o Programa de Formação de Educadores
Populares, com a participação de educadores, centros de pesquisas e universidades.


                                                                                                                                                            31
Educação - O governo subsidia esse trabalho?
       Esther Péres - Não, nós recebemos cooperação internacional para nossas oficinas e projetos e também nos financiamos com esforço próprio, através da
venda de publicações e vídeos. Nossas oficinas são gratuitas. O ensino é totalmente gratuito em Cuba, do fundamental à faculdade.
       Educação - Atualmente o trabalho tem se expandido para outros países...
       Esther - A princípio, pensamos esse trabalho só para Cuba. Pelo momento que Cuba estava passando com o embargo econômico. A crise econômica nunca
vem sozinha, vem junto com a crise de identidade. Fica mais fácil discutir coisas íntimas, dolorosas, quando estamos junto de nossos pares. Entretanto, nos últimos
quatro anos recebemos muitas solicitações de pessoas de outros países latino-americanos. Convocamos um seminário de Educação Popular, em 1998, em Havana,
com 40 educadores populares da América Latina, inclusive do Brasil. Em 1999, fizemos um encontro em Olinda (PE) e outro na América Central. Nesse momento,
pensamos outras possibilidades de formação conjunta, entre as diversas partes da América Latina, para debater a educação popular, as especificidade de cada país e
as coisas comuns no processo de formação.
       Educação - Até que ponto a educação popular influencia o currículo da escola tradicional?
       Esther - A sociedade cubana, como a maioria dos países do mundo, está discutindo uma nova forma de educação que leve o estudante a pensar e não apenas
a decorar conteúdos. Essa é uma revolução em curso em nosso país e não está sendo patrocinada pelo Ministério da Educação. Não irá acontecer por decreto. As
coisas estão mudando a partir da base, por exigência das comunidades, dos professores e alunos.
       Educação - Estamos descobrindo que o ensino pode ser mais que uma mera transmissão de informações...
       Esther - A questão é complexa. A educação deve ser muito sofisticada e mais participativa, criativa, deve ser uma manifestação de arte. Minha vida mudou
com a educação popular. Paulo Freire foi um iluminado e sua mensagem é muito importante em sociedades em transformação. E tem tudo a ver com a América
Latina. Ele propõe uma nova sociabilidade, que deve ser construída a partir de novas formas de relações sociais. Formas mais democráticas, mais participativas,
comunitárias, solidárias, menos mediadas pelo mercado, e mais mediada pelo lado humano. Mais inclusivas, respeitando o meio-ambiente, e menos preconceituosa.
E que facilitem o desenvolvimento de cada pessoa, que é a condição de desenvolvimento do todo. Quando chegarmos a isso, buscaremos novos objetivos. Não há
fim na história nem na cultura. Enquanto houver pessoas no mundo devemos estar permanentemente discutindo e reaprendendo.




                                                                                                                                                               32
En las manos un fuzil, en los pies una bola: una relectura sobre el joven en la novela Inferno de Patricia Melo.
Daiana Nascimento dos Santo
santos.daiana@bol.com.br.


Resumen:

        El pretendido trabajo intentará a partir de novela brasileña Inferno de Patricia Melo analizar el escenario violento de las grandes ciudades brasileñas y
principalmente de Rio de Janeiro. De esta manera, intentaremos construir el perfil del joven de la favela, desde su personaje principal, Reizinho. Al mismo tiempo,
plantearemos el tema de las expectativas de este joven que vive en la favela y antes que todo del poder que la criminalidad ejerce sobre los jóvenes sin recursos de la
actualidad.

INTRODUCCIÓN
        A partir de los años 70, la violencia en Brasil se fue presentando paulatinamente en las grandes ciudades brasileñas, alcanzando un alto nivel en la
actualidad, produciendo un escenario de miedo, inseguridad y cambios profundos en la población, sobre todo en los jóvenes.
El presente trabajo intentará- a partir de la novela Inferno de la escritora brasileña Patricia Melo- analizar la violencia en la juventud brasileña de bajo poder
adquisitivo presente en las grandes ciudades, a priori se planteará estas perspectivas a partir de esta obra que desarrolla muy bien esta temática.
La novela Inferno es el libro más denso y profundo de Patricia Melo, pues traza un escenario de personajes de Río de Janeiro y narra la historia de José Luis Reis,
más conocido por Reizinho, un chico de 11 años, ex viciado en crack y que posteriormente se torna el jefe del tráfico en el “Morro do Berimbau”.
Es necesario decir que el libro presenta la violencia en varias fases, disfraces e intensidades. Las situaciones de violencia presentadas en la novela se relacionan con
los problemas sociales que son mostrados a lo largo de la narrativa y que se refieren- básicamente- al tráfico de drogas, a la desigualdad social presentes en el
escenario brasileño.
        Sin embargo, en el presente trabajo el cuestionamiento apunta a explicar como la violencia se hace presente en la vida del joven y como interfiere en su
formación personal y adulta, produciendo un cambio de manera prematura de la infancia a la etapa adulta. Al mismo tiempo, será planteada la hipótesis de cómo los
factores externos (sociales y familiares) son importantes para la construcción de este joven, inserto en un escenario de violencia.


                                                                                                                                                                    33
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O Argumento Luciferiano em Nietzsche

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ANO VIII, Nº 241 - MAIO - PORTO VELHO, 2009. ISSN 1517-5421 lathé biosa VOLUME XXV – Maio/Agosto ISSN 1517-5421 Capa: Flávio Duktra EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia – PUC-RGS MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC EDITORAÇÃO GRÁFICA ELIAQUIM DA CUNHA & SHEILA CASTRO Os textos devem conter no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados O Argumento Luciferiano em Nietzsche em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e- mail: nilson@unir.br CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO Celso Ferrarezi Junior EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
  • 2. O Argumento Luciferiano em Nietzsche Celso Ferrarezi Junior Pós-Doutorado em Semântica. Professor da Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil. Resumo: Embora Nietzsche arrogue para sua obra, em vários ocasiões, uma originalidade absoluta, na verdade é ela perpassada por uma linha mestra - que pode ser chamada de argumento luciferiano – que aparece registrada na Bíblia há mais de três mil e quatrocentos anos. Da mesma forma que em Nietzsche, o argumento luciferiano primordial se fundamenta na idéia de que a aceitação da existência de Deus inibe a completude das Suas criaturas. O presente artigo não apresenta um juízo de valores sobre o argumento luciferiano, mas apresenta sua ocorrência na Bíblia e sua recorrência em Nietzsche. Palavras-Chaves: 1. Filosofia. 2. Teologia. 3. Nietzsche. 4. Argumento luciferiano. 5. Super-homem (Übermensch). 0. Apresentação: Nietzsche por Nietzsche. Provavelmente, não haja na história da Filosofia algum outro autor que tenha escrito um livro no formato de Ecce Homo (EH), como Nietzsche o fez. Constituindo-se, primordialmente, como uma apresentação de sua própria excelência e da de seus livros, Ecce Homo pode ser visto, numa primeira e rasa percepção, como um exercício de narcisismo doentio de uma mente em decadência. Mas, o livro é muito mais do que isso. Também, é muito mais do que uma mera autobiografia embora, já no primeiro parágrafo, Nietzsche afirme: “E assim eu me conto a minha vida.” (EH, p.21) Realmente, o livro transpira decadência: não há mais o estilo harmonioso e fluente de Nietzsche, as frases poderosas tornaram-se raras, o livro é marcado por repetições desnecessárias e divagações quase inúteis, além de ser recoberto por um amargor que não aparece nas obras da fase áurea do filósofo que se dizia polonês, como em Assim Falava Zaratustra (AFZ), esta aliás, reconhecida por ele como seu legado maior à humanidade: “Entre minhas obras, o meu Zaratustra ocupa um lugar à parte. Com ele dei à humanidade o maior presente que lhe foi dado até hoje.”(EH, p.18) Mas, longe de ser um exercício de narcisismo, Ecce Homo é a pintura impressionante do desespero de um homem pelo reconhecimento de si mesmo – e, conseqüentemente - da missão que ele a si atribuiu, a missão de mudar completamente o mundo. Nos capítulos em que ele se dedica a caracterizar-se como o mais inteligente e o mais sábio de todos os homens antes e depois dele, Nietzsche se define como sendo detentor de uma divindade que pareceria negar sua própria origem humana, não fosse a citação sobre o fato de que ele representa uma raça quase extinta de homens superiores:
  • 3. “Eu sou um nobre polonês pur sang, no qual não se misturou uma gota sequer de sangue ruim, muito menos de sangue alemão . Quando eu procuro o mais profundo dos antagonismos a mim mesmo, a baixeza incalculável dos instintos, eu sempre encontro minha mãe e minha irmã – acreditar no parentesco com uma canaille do tipo seria uma blasfêmia contra minha divindade.”(EH, p. 29) “Ter-se-á que voltar séculos no tempo para encontrar essa mais nobre das raças que jamais existiu sobre a terra, na proporção livre dos instintos em que eu a represento.”(EH, p. 30) Na verdade, a idéia de que Nietzsche é e representa o que há de mais elevado na humanidade perpassa todo o livro. Isso fica claro na afirmação que segue, em que ele fala das coisas que escreveu em certo período da vida: “Coisas que nenhum ser humano é capaz de fazer depois de mim, imitando... ou de fazer antes de mim, fingindo.” (EH, p. 67) O interessante nessa caracterização de si mesmo como o mais sábio, o mais inteligente e, no final do livro, como “um destino” é que Nietzsche utiliza os argumentos mais prosaicos para justificar sua grandeza. Além de atribuir sua sabedoria e inteligência ao fato de ter um instinto peculiar, ele atribui o resultado insuperável de ser humano que ele diz representar a coisas como sua alimentação, lazer, clima, lugares em que morava e escrevia, leituras e não-leituras, vontade própria, etc., eliminando qualquer relação de sua grandeza com uma suposta força divina exterior. Ele diz; “Essas pequenas coisas – alimentação, lugar, clima, recreação e toda casuística do egocentrismo – são mais importantes – quaisquer que sejam os conceitos – do que tudo aquilo que foi tido como importante até o momento.” (EH, p. 65) “Tudo aquilo que foi tido como importante até o momento” é uma referência direta - e repetida muitas vezes no transcurso do livro - a tudo aquilo que se acreditou ser verdade até Nietzsche, ou seja, que a grandeza verdadeira do homem vem da moral e é comunicada por Deus. Em relação a isso o filósofo introduz o conceito de “décadence”, que se resume a tudo que se opõe ao que ele chama de “naturalidade” da vida. Para Nietzsche, o cristianismo e o próprio Deus são representantes desse espírito de “décadence”, porque defendem a humilhação, a negação de si mesmo e dos prazeres corporais, a humilhação como virtude, entre outras coisas que Nietzsche considerava antinaturais e, portanto, descabidas. E é nesse ponto, em especial, em que Deus é acusado de ser o maior empecilho para a própria existência humana plena: “Qual foi a maior objeção à existência feita até hoje? Deus...” (EH, p. 54) 3
  • 4. Essa posição assumida por Nietzsche acaba colocando-o na posição de um igual-a-Deus. Isso porque, a partir do momento em que ele afirma ser Deus um empecilho à vida e afirma ser ele próprio o detentor da verdade jamais conhecida pela humanidade e necessária à sua reconstrução num “formato” superior, ele se coloca diante dessa mesma humanidade como um novo deus. Ele afirma, em certa passagem: “O ato de tomar em suas mãos um livro meu – eu suponho que, inclusive, ele tire as sandálias para fazê-lo.” (EH, p. 69) O que é uma referência direta à ordem de Deus a Moisés em Êxodo 3, verso 5: “Deus continuou: Não te chegues para cá; tiras as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa.” Essa disposição de Nietzsche em ser visto como um igual-a-Deus se repete em várias passagens de suas obras, principalmente naquelas em que ele fala de sua disposição e preparação para governar o mundo no lugar de Deus, uma vez que, para ele “Esse Deus antigo já não é vivo; está morto e bem morto.”(AFZ, p. 219) E, embora essa seja uma fala atribuída a Zaratustra, Nietzsche nunca negou – muito pelo contrário – sua identidade com o personagem que ele criou: “... pode-se, sem a menor consideração, colocar o meu nome ou a palavra Zaratustra... (no texto que fala de Wagner)” (EH, p. 87) Em outra passagem, Nietzsche se apresenta assim: “Aquilo que eu hoje sou, onde hoje estou – em uma altura na qual eu não falo mais através de palavras, mas sim através de raios.” (EH, p. 94) Essa pintura de si mesmo pode ser vista como referência a Zeus, o deus maior da mitologia grega (ou Júpiter, na mitologia latina), que era o deus do raio e do trovão, mas seria mais próprio vê-la como uma provocação e uma referência direta ao Deus hebraico, no alto do Sinai, conforme se vê em Êxodo 19: 16 a 18: “Ao amanhecer do terceiro dia, houve trovões e raios, e uma espessa nuvem sobre o monte, e foi mui forte clangor de trombetas, de maneira que todo o povo que estava no arraial estremeceu. E Moisés levou o povo fora do arraial ao encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. Todo o monte Sinai fumegava, porque o senhor descera sobre ele em fogo; a sua fumaça subiu como fumaça de uma fornalha, e todo o monte tremia grandemente.” Entretanto, é imprescindível notar que Nietzsche não quer ser um igual-a-Deus no mesmo formato em que ele vê o Deus de Israel. Ele quer ser um deus que permita – contrariamente ao que ele crê que o Deus do cristianismo faz - aos homens o crescimento e a auto-superação. Nesses termos, Nietzsche se identifica de duas formas: primeiramente, como o Anticristo, aquele que nega a Deus - e conseqüentemente a Cristo – e aos valores do cristianismo, principalmente os de caráter moral: “Eu sou o antiasno par excellence e por isso um monstro histórico-universal – eu sou, em grego, e não apenas em grego, o Anticristo.” (EH, p. 74) “Eu sou o primeiro imoralista.” (EH, p. 93) 4
  • 5. A segunda é a identificação com Dioniso, deus grego do vinho e da noite, um deus dançarino e alegre, segundo Nietzsche, que prezava pela vida e por seus prazeres, mas, acima de tudo, um deus incapaz de dizer “não” ao homem. O filósofo assim se descreve: “o problema daquele que tem a mais dura, a mais terrível visão da realidade, que pensou o “pensamento mais abismal”, mas apesar disso não encontra nesse fado qualquer objeção à existência, nem mesmo contra seu eterno retorno – mas vê nele, muito antes, um motivo para ser, ele mesmo, o sim eterno a todas as coisas, “o monstruoso e ilimitado dizer-sim e amém”... Mas isso é a idéia de Dioniso mais uma vez.” (EH, p. 122) E, para não deixar dúvidas, ele encerra o livro com a seguinte afirmação: “– Fui compreendido? – Dioniso contra o crucificado...” (EH, p. 154) Na construção crescente de sua imagem em Ecce Homo, finalmente, Nietzsche se apresenta como a única alternativa à humanidade: “Só eu é que alcancei ter o parâmetro para a “verdade” nas mãos, só eu é que posso decidir. Como se em mim tivesse crescido uma segunda consciência, como se em mim “a vontade” tivesse acendido uma luz sobre a pista torta, sobre a qual o parâmetro até hoje apenas corria abaixo... A pista torta – ela era chamada de caminho para a “verdade”. É chegado o fim para todos os impulsos sombrios.” (EH, p. 132) Como esse outro deus, como um igual-a-Deus que teria o poder de demolir e reconstruir, Nietzsche fala sobre sua “missão”, afirmando-a claramente em diversos trechos de Ecce Homo, como os que seguem: “... pelo fato de eu estar destinado a representar tarefas grandiosas.” (EH, p. 65) “... aquilo que virá após mim, uma revolução e uma reconstrução sem igual.” (EH, p. 66) “ter entendido seis frases desse livro (AFZ)- isso quer dizer, vivenciá-las – já elevaria a um nível mais alto da escala mortal, mais alto do que homens “modernos” jamais poderiam alcançar.” (EH, p. 70) “Minha tarefa de preparar para a humanidade um momento de suprema tomada de consciência.” (EH, p. 105) “Redimir o passado e transformar tudo aquilo que “era uma vez” em “era assim que eu queria!” – apenas isso seria redenção para mim.” (EH, p. 125) Para que pudesse realizar essa missão, o filósofo se definia como um guerreiro, alguém que precisava fazer todas as guerras necessárias e sem culpa, primeiramente contra Deus e a moral, por conseguinte contra o cristianismo e toda forma de idealismo e, finalmente, contra aqueles homens que não compreendessem a grandeza desse novo ideal. Nas palavras de Nietzsche, esse guerreiro assim se caracteriza: “ A minha maneira de ser é guerreira.” (EH, p. 37) 5
  • 6. “Um filósofo que é guerreiro também desafia os problemas a duelar com ele. A tarefa não é, absolutamente, se tornar senhor sobre as resistências comuns, mas sim sobre aquelas que exigem que a gente acione toda a força, toda a flexibilidade e a maestria nas armas – subjugar inimigos iguais.” (EH, p. 38) Em primeiro lugar, depois de compreender que Nietzsche se colocava como um igual-a-Deus, pode-se perceber que “subjugar inimigos iguais” se refere, basicamente, a subjugar o conceito de Deus e todas as suas implicações entre a humanidade, até porque o pensador já havia sobejamente exposto sua superioridade sobre todos os homens, logo, caracterizando a total impossibilidade de que houvesse entre os mortais um que lhe fosse um “inimigo igual”. Isso fica mais claro quando Nietzsche apresenta as quatro características desse guerreiro. São elas: “Primeiro: eu apenas ataco coisas que são vitoriosas.” (EH, p. 38) Com base nessa característica, o próprio Nietzsche apresenta seu inimigo quando fala dos conceitos que ele precisava combater para redimir a humanidade: Deus, alma, pecado, livre-arbítrio, ausência-de-si, homem bom, entre outros. A respeito deles, o filósofo afirma que foram transformados em idéias vencedoras no meio dos homens, que tomaram conta da humanidade e que precisam ser destruídas. A segunda característica assim é apresentada: “Segundo: eu apenas ataco coisas contra as quais jamais encontraria aliados, contra as quais tenho que me virar sozinho.” (EH, p. 38) A referência aqui parece ser, claramente, Deus e o cristianismo, que eram, à época de Nietzsche forças hegemônicas na Europa, mesmo após a Revolução Francesa e seus ideais anti-religiosos. Sobre a terceira característica do filósofo guerreiro: “Terceiro: eu jamais ataco pessoas.” (EH, p.38) Certamente, Deus e a moral não são “pessoas”, no sentido humano atribuído à palavra nesse trecho. Finalmente, a quarta característica é: “Quarto: eu apenas ataco coisas contra as quais todo tipo de diferença pessoal é excluído, contra as quais não existe qualquer segundo plano relativo a más intenções.” (EH, pp. 38-9) Esta quarta característica parece mais uma justificativa do que uma peculiaridade do guerreiro. É como se Nietzsche estivesse tentando se desculpar com os cristão a respeito de seus ataques, deixando claro que não era nada contra eles, mas contra o inumano neles. Isso fica ainda mais evidente se continuamos na leitura do parágrafo, ainda mais quando ele fala de suas “boas relações” com os “cristãos mais sérios”: “Atacar é uma prova de bem-querer em mim e. conforme as circunstâncias, de agradecimento. Eu honro, eu distingo com o fato de unir meu nome a uma coisa, a uma pessoa : contra ou a favor.”(EH, p. 39) “- os cristãos mais sérios sempre foram ponderados em relação a mim.” (EH, p. 39) Esse Nietzsche que se via como um ser superior ao homem comum, que se identificava por si mesmo como um deus, a única esperança da humanidade, porém, se via como um incompreendido – e, provavelmente, foi esta a razão maior da escritura de Ecce Homo. Ele diz: 6
  • 7. “Mas, seria um contradição total a mim mesmo esperar ouvidos e mãos para as minhas verdades já hoje em dia: o fato de hoje não me ouvirem, o fato de ao saberem o que fazer de mim não é apenas compreensível, ele inclusive me parece ser a coisa mais correta.” (EH, p. 69) Este parece ser o trecho em que Nietzsche mais se identifica com o Crucificado em Ecce Homo. A Bíblia assim descreve a aceitação de Jesus na terra: “Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes nas escrituras “A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular.”?” (Mateus 21: 42) “ Se alguém lhe disser: Que feridas são essas nas tuas mãos? Responderá Ele: São as feridas com que fui ferido na casa dos amigos meus.” (Zacarias 13: 6) “Replicou-lhe Pilatos: Que farei eu, então, deste Jesus chamado o Cristo?” (Mateus 27: 22) E, assim como Jesus deixou claro, segundo o registro bíblico, no final de sua vida na cruz que não se magoava e não se importava com a reação daqueles que não o compreenderam, Nietzsche faz crer que ele também não se importa. Como se vê, Ecce Homo é a descrição do nascimento de um deus, mas não apenas um deus novo: de um deus substituto, com regras substitutas e uma pretensa felicidade substituta para a humanidade que nunca poderiam ser proporcionadas pelo Deus que ele pretendia substituir. É importante compreender isso nesta parte deste artigo em que terminamos a apresentação de Nietzsche por ele mesmo, porque agora importa a idéia que esse homem tinha da pretensa “originalidade absoluta” de suas concepções. E é justamente isso que o artigo pretende enfocar. Já vimos, acima, que o filósofo se pretendia como o único que jamais tinha alcançado a “verdade”. Isso, por si só, pressupõe originalidade absoluta. Mas,em outro trecho, Nietzsche deixa essa questão da originalidade ainda mais evidente: “Zaratustra foi o primeiro a ver na luta entre o bem e o mal a verdadeira roda motriz na engrenagem das coisas – a transposição da moral para o metafísico, na condição de força, causa e objetivo em si, é obra sua.” (EH, p. 146) “O que me separa, o que me coloca à parte de todo o resto da humanidade, é haver descoberto a moral cristã.” (EH, 151) E, a esta altura desta Introdução, parece que estamos prontos para a apresentação, afinal, dessa tal “verdade” de Nietzsche, o seu argumento maior, aquele que perpassa toda sua obra e no qual todos os seus outros argumentos se baseiam, a razão de sua “declaração de guerra”. E somente vamos encontrá-lo em sua formulação mais límpida na voz de Zaratustra: “Para aprender a crer na vossa “veracidade” necessitava ver-vos romper com a vossa vontade veneradora. Por mim, chamo de verídico àquele que vai para os desertos sem Deus, aniquilando o seu coração reverente. No meio da amarela arena e abrasado pelo sol acontece-lhe olhar com avidez para as ilhas de copiosas fontes, sob umbrosas árvores repousa a vida. Faminta, violenta, solitária, sem deuses: assim se quer a si própria a vontade-leão.” (AFZ, p. 94) 7
  • 8. Como se pode notar, o argumento é, em essência, bem simples: “o homem com Deus se faz fraco e decadente; o homem sem Deus se faz forte e cada vez melhor.” Este argumento pode assim ser explicado: 1. a própria existência do conceito de Deus no “deserto” da vida, isto é, diante dos problemas, gera no homem uma vontade veneradora que, para Nietzsche, é antinatural e antivida, porque essa vontade veneradora inibe a ação natural do homem em favor de si mesmo ; 2. ao libertar-se totalmente de Deus e da vontade veneradora que Ele gera no homem, esse mesmo homem estaria se habilitando a descobrir a verdadeira “vida” que há no exercício de viver; 3. posto faminto, porque não saciado por um Deus e posto sozinho, porque não acompanhado por forças sobrenaturais, o homem teria necessidade de superar-se a si mesmo, tornando-se o super-homem (o Übermensch, o homem-além-do-homem), porque não estaria sendo humilhado, aniquilado por um Deus, mas teria que ser, ele mesmo, seu próprio deus. Despertaria nele a vontade-leão, a força maior do homem. Minha preocupação aqui deve ficar bem clara: não é avaliar os valores morais que existem nesse argumento, a que eu chamo de “argumento luciferiano” e com o qual - também deve ficar bem claro - não concordo, mas em mostrar que ele não é original, como Nietzsche apregoava ser. Avaliar os efeitos e as conseqüências da adoção desse argumento como regra de vida pela humanidade não é trabalho para este artigo. Apenas ressalto que a pré-existência desse argumento, devidamente registrada e como será aqui demonstrado, reduz em grande monta a importância que o próprio Nietzsche dava à sua obra e a si mesmo. E é isto que passaremos a ver doravante. 1. O Argumento Luciferiano Original. O nome Lúcifer não ocorre na Bíblia. É, na verdade, uma tradução do epíteto “Filho da Alva”, ocorrente em Isaías 14: 12. Entretanto, sua popularização no mundo cristão e não cristão nos permite utilizar, sem maiores problemas, esse nome relacionado ao anjo ao qual alguns escritores bíblicos atribuíram o pecado original de insubmissão a Deus e a Sua lei, antes mesmo da criação do mundo. As informações bíblicas dadas como correspondendo à pessoa de Lúcifer, antes e no período de sua rebelião contra Deus, e ao pecado original são resumidas. Seus registros são feitos no livro do profeta Isaías, no capítulo 14, versos 12 a 20 (datado de 713 a.C.), no livro do profeta Ezequiel, no capítulo 28, versos 1 a 19 (datado de 588 a.C.) e no livro do Apocalipse, ou da Revelação, capítulo 12, versos 4 e 7 a 9 (datado de 96 d.C.). Outras citações bíblicas acerca de Lúcifer referem-se ao período após o pecado do homem. A descrição que a Bíblia faz de Lúcifer é de um ser superior, um anjo destacado e especial que desfrutava de privilégios e bênçãos igualmente especiais que o diferenciavam dos demais. Ele é assim apresentado: 8
  • 9. “Tu eras querubim ungido para proteger, e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado.”(Ezequiel 28: 14 e 15) “Mais sábio és que Daniel; não há segredo algum que se possa esconder de ti. Pela tua sabedoria e pelo teu entendimento alcançaste o teu poder.” (Ezequiel 28: 3 e 4) Outras referências ainda no capítulo 38 de Ezequiel fazem menção à formosura de Lúcifer. Todas essas características especiais, porém, não faziam de Lúcifer um igual-a-Deus. O que poderíamos esperar, tomando como base os princípios da moral cristã, é que um conjunto tão grande de bênçãos advindas da parte do Criador gerasse um profundo sentimento de gratidão e reconhecimento. Em diversas ocasiões, os registros bíblicos fazem menção a ações de graças e submissão voluntária dos homens como forma de gratidão a Deus por suas bênçãos. Mas, a despeito de todas as suas virtudes, ele era colocado abaixo do Criador, servindo-O como os demais anjos faziam. E a história Bíblica diz que é neste fato de ser submisso a Deus, embora tão maravilhoso em formosura e sabedoria, ou melhor, de não aceitar essa submissão como sendo constrangedora e limitante, que reside o princípio do mal universal e a insubmissão a Deus como pecado original. A descrição da insubmissão é assim dada nos escritos bíblicos: “Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor.” (Ezequiel 28: 17) “Visto como se eleva o teu coração e dizes: Eu sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento... e estimas o teu coração como se fora o coração de Deus.” (Ezequiel 28: 2) “Pois que estimas o teu coração como se fora o coração de Deus.” (Ezequiel 28: 6) “E tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei. Subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.” (Isaías 14: 13) A descrição bíblica é bem clara em relação ao que é atribuído a Lúcifer como insubmissão original. A despeito de sua posição já elevada, o escrito bíblico dá a entender que Lúcifer alimentava uma profunda insatisfação em relação à sua própria condição. A superação de sua condição, que, ele pensava, poderia torná-lo um igual-a-Deus, requeria a negação e a superação de Deus. O princípio dessa tentativa de superação teria sido a auto-consideração como sendo um igual-a-Deus, que é expressa na afirmativa “estimas o teu coração como sendo o coração de Deus”. O segundo passo, que se segue à auto-consideração como Deus, é a negação da autoridade de Deus, de sua lei e, por conseguinte, de sua moral. O “trono” é um claro símbolo de autoridade e direito de legislar nos relatos bíblicos. Seguindo o raciocínio desses relatos, ao colocar-se a si mesmo sentado “na cadeira de Deus”, Lúcifer estaria: 9
  • 10. 1. negando a autoridade de Deus, sua lei e sua moral; 2. estabelecendo-se como uma nova autoridade, devidamente capacitada para estabelecer novos parâmetros de lei e de moral e; 3. estabelecendo-se como igual-a-Deus e substituindo-o. Assim Lúcifer acabaria dominando o universo no lugar de Deus, estabelecendo-se “acima das estrelas de Deus”, ou seja, acima dos demais anjos. É interessante notar que Lúcifer (assim como o fez Nietzsche), não aparece no relato bíblico como desejando ser “maior do que Deus”. É como se, tacitamente, se reconhecesse que a perfeição absoluta está diretamente vinculada ao conceito de “Deus”, como ele aparece no mundo cristão e nas culturas que observam os escritos bíblicos do Velho Testamento, como é o caso de certos povos médio-orientais. Lúcifer queria, segundo o relato, ser um igual-a-Deus, sentar-se no trono de Deus, ter o poder de Deus sobre as demais criaturas, estabelecer novas leis como se fosse Deus. Se usássemos as palavras de Nietzsche, diríamos que Lúcifer cria que estava pronto para governar o universo após a “morte” de Deus. Assim se construiu o argumento Luciferiano original. A idéia de que a existência de Deus, sua autoridade e suas leis subjugam as criaturas a uma espécie de “décadence” escrava, fomentou a contra-idéia de que a morte de Deus permitiria a Lúcifer assumir uma posição de perfeição total e grandeza inigualável por outra criatura. Ele se tornaria o super-anjo, em analogia ao super-homem de Nietzsche. Comentando o argumento luciferiano original, a teóloga americana Ellen G. White , contemporânea de Nietzsche, afirma que, com base no relato bíblico sobre o pecado original universal, Lúcifer demonstrava não poder mais suportar a lei de Deus sobre si e as imposições que ela lhe representava, mesmo que fossem as mais amorosas possíveis. O pressuposto dessa insubordinação era a necessidade de substituição da lei divina por uma outra de liberdade total e sem restrições (e “eterno-sim e amém” de Nietzsche), fundamentado na idéia de que a perfeição e a consciência naturais dos anjos seriam suficientes para guiá-los a um pretendido “estágio mais avançado” do que aquele em que se encontravam. Ao que tudo indica, Lúcifer, para fazer valer seu argumento de insubordinação a Deus, estava pronto a lutar todas as guerras que foram necessárias. A Bíblia continua o relato do pecado original universal afirmando que o argumento luciferiano original foi muito bem sucedido no céu. As passagens bíblicas que se referem a isso são as que seguem: “E a sua cauda (do dragão) levou após si a terça parte das estrelas do céu.” (Apocalipse 12: 4) “E houve guerra no céu. Miguel e seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhava o dragão e seus anjos. Mas, estes não prevaleceram, e não se achou mais seu lugar no céu.” (Apocalipse 12: 7 e 8) Creio ser oportuno esclarecer aqui, até porque esse esclarecimento será necessário ao subtítulo que segue, que quando a Bíblia fala de “dragão”, está falando de Lúcifer. Isto é apresentado logo a seguir no Apocalipse: 10
  • 11. “E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo e Satanás que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra e seus anjos foram precipitados com ele.” (Apocalipse 12: 9) Isto esclarecido, podemos voltar aos versículos anteriores. O primeiro (Apocalipse 12:4), fala do fato de que um terço dos anjos do céu teria sido convencido pelo argumento luciferiano original e, por isso, “arrastado do céu pela sua cauda”. Levando-se em consideração que a própria Bíblia apresenta o número dos anjos de Deus como “milhares de milhares e milhões de milhões” , esse número de um terço, dado como prova da força e eficácia do argumento luciferiano, não é nada desprezível. Em seguida, a história bíblica fala da disposição de Lúcifer em guerrear por seu argumento. O verso 7 diz que houve “guerra no céu”. Mas, guerra entre quem? O verso 8 fala de dois exércitos: Miguel e seu exército (ou seja, Cristo e seus anjos) e o dragão e seu exército, ou seja (Lúcifer e os anjos convencidos pelo seu argumento). A Bíblia apresenta o exército de Cristo como vencedor e o banimento de Lúcifer e seus anjos do ambiente celestial. Agora, Lúcifer não seria mais chamado de “Lúcifer”, ou “Filho da Alva”, mas passaria a ser conhecido como Satanás, ou “adversário”. Como disse anteriormente, não pretendo aqui fazer uma avaliação moral ou da veracidade histórica do argumento luciferiano em si ou dos fatos relatos na Bíblia e dos valores neles implícitos. Só o que pretendo mostrar é que o argumento luciferiano, o mesmo utilizado por Nietzsche (como vimos em parte anterior e veremos detalhadamente a seguir) estava construído e registrado em escritos de sete séculos (Isaías) e cinco séculos (Ezequiel) antes de Cristo, e um século (João de Patmos) depois de Cristo. Logo, o ataque contra Deus, Sua lei e a moral que dela advém não pode ser considerada original em Nietzsche. Entretanto, o relato bíblico do pecado original universal não é o único que faz registro do uso do argumento luciferiano. A Bíblia, no relato do pecado original do homem, no Éden, também aciona esse argumento, como veremos a seguir. 2. O Argumento Luciferiano no Éden Bíblico Como vimos acima, a insubmissão de Lúcifer ocorre antes do pecado do homem. Ele, Lúcifer, teria sido precipitado sobre a terra como o grande Adversário e, passaria a dedicar seus esforços em malefício da humanidade. O relato da insubmissão do homem se encontra no livro de Gênesis, no capítulo 3, versículos 1 a 8 (datado de em cerca de 1.480 a.C.) 11
  • 12. A descrição bíblica da criação do homem retrata uma imagem de grande harmonia e perfeição. A Bíblia diz que Deus considerava tudo o que tinha sido feito “muito bom” . Se levarmos em conta que Deus era tido como padrão supremo de perfeição – inclusive para o próprio Lúcifer, como vimos – “muito bom” assume um grau de excelência absoluta. Segundo Bíblia, assim como Lúcifer no céu, o primeiro casal vivia em estado privilegiado e cercado de regalias, em profunda interligação e submissão a Deus. A interligação e a submissão, assim como a existência de princípios morais e de conduta, é claramente expressa nos versos que seguem: “E tomou o Senhor Deus o homem e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e guardar. E ordenou o Senhor Deus ao homem dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás, porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gênesis 2: 15 a 17) Como se vê, no Éden não imperava o “eterno-sim e amém”. Havia pelo menos duas normas estabelecidas: a ordem de cuidar do jardim e a proibição de comer do fruto de uma certa árvore. Havia restrições. Foi justamente por essa razão que o argumento luciferiano, o mesmo relatado como tendo sido utilizado anteriormente no céu e que é contra o dizer-não, logo, que é o argumento do “eterno-sim e amém”, encaixa-se tão bem no relato bíblico. A história bíblica traz detalhes de como esse argumento teria sido introduzido entre os homens: “Ora, a serpente era a mais astuta que todas as alimárias do campo que o Senhor tinha feito. E esta disse à mulher: - É assim que Deus disse: Não comerás de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: - Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: - Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e considerando-a árvore desejável para dar entendimento, tomou de seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.” (Gênesis 3: 1 a 6) A profusão de detalhes relativos ao argumento luciferiano aqui é espantosa. Em primeiro lugar, a Serpente faz a mulher dar-se conta da existência de restrições: “É assim que Deus disse: Não comereis de todas as árvores do jardim?”. Ao raciocinar sobre a pergunta da Serpente, a mulher pode-se dar conta de que, embora sua liberdade de ação seja visivelmente muito maior do que o conjunto de 12
  • 13. restrições, as restrições estão ali, elas são reais. E a pergunta da Serpente faz a mulher crer que é justamente nesse pequeno espaço limitado pelas restrições de Deus que pode estar a verdadeira grandeza da criatura, a essência da liberdade e da superação de si mesmo. No segundo momento, a Serpente toma a resposta da mulher sobre o “certamente morrereis” como uma acusação direta de um suposto interesse de Deus em manter a espécie humana subjugada, escravizada, distante das suas possibilidades máximas naturais de desenvolvimento. A Serpente acusa o Criador de “fazer sombra” aos homens, impedindo-os de conhecer a verdade, a verdadeira grandeza, de galgar os seus limites. E o Criador teria feito isso de duas formas: 1. mentindo: “Certamente morrereis”, quando a verdade seria outra: “Certamente não morrereis” e; 2. utilizando a mentira com poder de chantagem: a obediência incondicional em troca da vida. A Serpente, então, insinua que essa restrição que Deus faz sobre suas criaturas pode ser quebrada se, tão-somente, as ordens do Criador forem desacatadas. Isso implicava, pelo menos, cinco coisas: 1. a “morte” de Deus para o homem, e não a do próprio homem por Deus; 2. a conseqüente “morte” da lei de Deus e da moral que desta advém; 3. a retirada do destino humano da “sombra de Deus” e seu reposicionamento nas próprias mãos humanas; 4. a superação de si mesmo com o conhecimento do bem e do mal, ou seja, da verdade absoluta e; 5 como detentor da verdade absoluta, a possibilidade de auto-superação do homem e a geração de uma nova raça de homens “além-dos-homens”, pois agora, seriam estes homens iguais-a-Deus (“E sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.”). Como se pode ver, esse é o argumento luciferiano original em sua essência e plenitude. A visão da Serpente sobre Deus, da forma como foi elaborada no texto de Gênesis, é revista em Nietzsche com a seguinte formulação: “A noção de “Deus”, inventada como noção antítese à vida – tudo nocivo, tudo venenoso, caluniador, toda a hostilidade moral contra a vida enfeixada em uma unidade horrível.” (EH, p. 153) A mulher, então, convencida pelo argumento da Serpente, não somente come do fruto, como o dá ao homem, que também dele come. E, na seqüência: “Então, foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus.” (Gênesis 3: 7) O relato de Moisés no Gênesis, como disse, remonta a um período próximo de 1.480 a.C. Esse relato de utilização do argumento luciferiano – pois ele está ali, em sua essência, de forma incontestável – demonstra como a idéia de que o homem sem Deus se superaria a si mesmo por pura necessidade e se tornaria um super-homem, um igual-a-Deus, é antiga - muito mais antiga - do que Nietzsche faz-nos pensar que ela era. 13
  • 14. 3. O Argumento Luciferiano em Nietzsche (de novo e mais fundo) Agora que já vimos como o argumento luciferiano original e sua reedição no Éden aparecem nos antigos relatos bíblicos, neste subtítulo, quero retomar de forma mais completa esse argumento como formulado por Nietzsche em “Assim Falava Zaratustra”, já que, como vimos, este era seu legado preferido. Essa retomada dará oportunidade para alguns comentários complementares e permitirá ao leitor uma visão mais completa da formulação nietzscheana do argumento luciferiano e sua aplicação em sua obra-prima. Creio não ser necessário retomar aqui a essência do argumento luciferiano como aparece em AFZ, conforme o apresentei na Introdução deste artigo. Vamos partir dessa idéia geral do argumento como já trabalhada para os passos que Nietzsche define para o homem comum tornar-se o super-homem. Em primeiro plano, Nietzsche ataca diretamente o conceito de Deus. Como vimos, ele achava necessário livrar-se Deus e de que qualquer outra forma de reverência a qualquer coisa que fosse, para que o homem fosse forçado, por necessidade, a superar-se, com seu próprio instinto, com sua força natural, guiado pela própria consciência. Então, Nietzsche configura Deus como um traço da imaginação humana, como uma mera conjectura. Ele assim apresenta o conceito de Deus: “Deus é uma conjectura; mas eu quero que a vossa conjectura não vá mais longe do que a vossa vontade criadora. Poderíeis criar um Deus? Pois então não me faleis de deuses! Poderíeis, contudo criar um Super-Homem. Deus é uma conjectura; mas eu quero que a vossa conjectura se circunscreva ao imaginável. Poderíeis imaginar um Deus? Signifique, para vos outros, a vontade de verdade, que tudo se transforme no que o homem pode pensar, ver e sentir! Deveis cuidar até o ultimo dos vossos próprios sentidos.” (AFZ, p. 80) Tomado como uma conjectura e não com um ser real, Nietzsche acreditava ser mais fácil aos homens abandonar o conceito de Deus, sem culpas, sem prejuízo. Porém, mais do que isso, Nietzsche caracteriza essa conjectura de Deus como uma conjectura malévola, um perigo ao ser humano. Um Deus concebido como alguém verdadeiramente ímpio, a despeito das tentativas - humanas e divinas - de ser mostrado como bom. Há trechos bastante reveladores dessa idéia em AFZ: “Na verdade, a minha morte será afogar-me em riso, vendo asnos embriagados e ouvindo assim morcegos duvidarem de Deus. Não passou há muito o tempo de tais dúvidas? Quem teria ainda o direito de despertar do seu sono coisas tão inimigas da luz? Há muito que se acabaram os antigos deuses, e na verdade tiveram um bom e alegre fim divino. Não passaram pelo “crepúsculo” para caminhar para a morte – é uma mentira dizê-lo! - - Pelo contrário: mataram-se a si mesmos a poder de... riso!Sucedeu isso quando chegaram a pronunciar-se por um deus as palavras mais ímpias – as palavras: Só há um Deus! Não terás outros deuses a par de 14
  • 15. mim. Um deus velho, colérico e zeloso, que se excedeu a esse ponto. Então todos os deuses se puseram a rir, e agitando-se em seus assentos, exclamaram: ‘ Não se baseia precisamente a divindade em haver deuses e não Deus?’”(AFZ, p. 157) E, ainda: “Quando moço, esse Deus do Oriente era ríspido e estava sedento de vingança: criou um inferno para deleite dos seus prediletos. Por fim fez-se velho e brando e terno e compassivo, assemelhando-se mais a um avô do que a um pai, e até mais a uma avó decrépita.” (AFZ, p. 218) A idéia fundamental desses ataques ao conceito de um Deus como o conceito hebraico seguido pelo cristianismo parece ser a sua caracterização como algo que, além de inútil, era perigoso ao homem. Mesmo tentando se fazer, nos últimos tempos, de um Deus compassivo, esse Deus hebraico, “do Oriente”, era, na verdade, prejudicial justamente por ser presumidamente tão grande e poderoso e zeloso de seu próprio nome e benévolo e longânimo, fazendo, como disse, uma “sombra” que impedia o crescimento dos homens. Por isso, era essencial para Nietzsche “matar” esse Deus. Não matá-lo fisicamente. Isso pouco importava a Nietzsche. A idéia era matá-lo na mente dos homens: “romper com a vossa vontade veneradora; aniquilando o vosso coração reverente.” Porém, a despeito de muitos homens já terem conseguido isso em si mesmos, e Nietzsche costumava citar os franceses da Revolução como um exemplo disso, o filósofo temia que o homem estivesse criando outros deuses para si. Pensando, provavelmente, nos próprios - e por ele tão amados - franceses da Revolução, um dos deuses que poderiam fazer sombra para o homem era o próprio Estado. Nietzsche chamou o estado de “monstro”. Sobre o Estado, ele afirma: “‘Na terra nada há maior do que eu; eu sou o dedo ordenador de Deus’ – assim grita o monstro. Sim: adivinha-vos a vós também, vencedores do antigo Deus. Saístes rendidos do combate e agora a vossa fadiga ainda serve ao novo ídolo.” (AFZ, p. 53) Um outro problema visto por Nietzsche era de que os homens, no processo de superação de si mesmos, alcançassem tal progresso que acabassem criando, para si próprios, um mundo que lhes servisse de deus, um mundo ao qual venerariam. Mais uma vez, o ataque do filósofo é incisivo. Ele chama essa necessidade de veneração de “embriaguez”, mas uma embriaguez que estava sendo curada, segundo ele: “Eis aqui a vossa vontade, sapientíssimos, como uma vontade de poder; e isto ainda que faleis do bem e do mal e das apreciações de valores. Quereis ainda criar um mundo perante o qual possais ajoelhar-vos: é esta a vossa última esperança e a vossa última embriaguez.” (AFZ, p. 102) O princípio de tudo, porém, era mesmo a destruição de Deus, de Sua lei e da moral que dela advém. Então, como era urgente destruir na mente dos homens toda vontade veneradora, de quaisquer que fossem os deuses, Nietzsche resolve declarar morto a Deus e aos outros deuses e declarar os motivos dessas mortes. E, para Nietzsche, o nascimento do super-homem seria uma conseqüência natural da morte da vontade veneradora na humanidade: 15
  • 16. “Que é que toda gente sabe hoje? – perguntou Zaratustra. – Talvez já não esteja vivo o Deus antigo, o Deus em que dantes acreditava toda a gente? Sabes como morreu? É certo o que se diz, que o asfixiou a compaixão? O ver o homem suspenso na cruz e não poder suportar que o amor pelos homens viesse a ser o seu inferno e afinal a sua morte?”(AFZ, 216-7) “ ‘Todos os deuses morreram; agora viva o Super-Homem!’ Seja esta, chegado o grande meio-dia, a vossa última vontade.” (AFZ, p.76) É interessante notar que na passagem sobre “a asfixia de compaixão” Nietzsche está abrindo caminho para um conceito que vai ser mais claramente desenvolvido no Ecce Homo: o conceito de “egoísmo natural”. Segundo o filósofo, todos somos fisiologicamente egoístas. Cada parte de nós luta pela sobrevivência, cada parte de nós é egoísta. Isso é natural e não deveria despertar culpa no homem. Ele diz, em Ecce Homo , que a piedade é uma virtude apenas nos decadentes. Assim também seria Deus no princípio: um Deus egoísta. Mas, quando Deus tentou se fazer de compassivo, teria se asfixiado na própria compaixão. A lição da morte de Deus, segundo Nietzsche, deveria servir aos homens. Nada de compaixão, nada de altruísmo, nada de dizer-se não: apenas o “eterno-sim e amém”, a satisfação do nosso egoísmo natural que seria guiado pela “vontade-leão”. Livre de todo e qualquer deus e de toda e qualquer compaixão, o homem poderia, enfim, alcançar as alturas: “Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar, por conseguinte não quero que me empurrem para mudar de sítio. Agora sou leve agora vôo; agora vejo por baixo de mim mesmo, agora salta de mim um Deus.” (AFZ, p. 46) Nietzsche parecia ver nesse processo de transformação um caminho sem volta a partir de sua obra. Ele se via como um marco divisor na história. Como aniquilador do mundo antes dele e reconstrutor de um novo mundo, com um novo homem, o filósofo cria que todo o homem sedento de crescimento, mais cedo ou mais tarde, acabaria abandonando o conceito de Deus e seguindo a “Zaratustra”. Ele assim caracterizou essa esperança pessoal: “Porque a caminho para ti se encontra também o último resto de Deus entre os homens; quer dizer, todos os homens de grande anelo, do grande tédio, da grande sociedade. Todos os que não querem viver sem poder aprender a esperar novamente; a aprender contigo, Zaratustra, a grande esperança.” (AFZ, 235) Entretanto, o mesmo Nietzsche parecia antever que suas idéias não seriam aceitas por todos. A um número significativo de pessoas inferiores, a que ele chamava ora de “populaça”, ora de “gentalha”, o pensador não atribuía qualquer possibilidade de esperança, pois eles manteriam, até sua própria morte, a idéia de um Deus bem viva em suas mentes,e alimentariam, assim, a idéia de que o super-homem é um “demônio”. Apenas aqueles que viessem a compreender a profundidade das palavras de Zaratustra seriam capazes de se tornar homens superiores. Estes não deveriam se preocupar com os demais: pelo contrário, deveriam deles se afastar: 16
  • 17. “Homens superiores, aprendei isto comigo; na praça pública ninguém acredita em homens superiores. E se teimais em falar lá, a populaça diz: ‘Todos somos iguais’ . ‘Homens superiores – assim diz a populaça – todos somos iguais; perante Deus um homem não é mais do que o outro: todos somos iguais!’ Perante Deus! Mas agora esse Deus morreu; e perante a populaça nós não queremos ser iguais. Homens superiores, fugi da praça pública! Perante Deus! Mas agora esse Deus morreu! Homens superiores, esse Deus foi o vosso maior perigo. Ressuscitastes desde que ele jaz na sepultura. Só agora torna o Grande Meio-Dia; agora torna-se o senhor o homem superior. Homens superiores! Só agora vai dar a luz a montanha do futuro humano. Deus morreu: agora nós queremos que viva o super-homen.” (AFZ, pp. 238-9) Em Ecce Homo, ele faz, entre outras tantas sobre o asco que sentia pela “gentalha” uma declaração que corrobora a passagem acima: “Não é a todos que é dado ter ouvidos para Zaratustra.” (EH, p. 19) Mas, retomemos o “Grande Meio-Dia”, o momento máximo da luz da humanidade, de uma luz que, para Nietzsche estava dentro dos próprios homens e que era mantida oculta pela mera existência do conceito de Deus. Uma luz como a da aurora, da “alva”. Via-se Nietzsche a si mesmo como “o Filho da Alva”, o propagador da luz, da luz que supostamente nasceria no homem pela morte de Deus. A luz que irradiaria da montanha dos homens e não mais do “Monte Santo de Deus”. “E tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei. Subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.” (Isaías 14: 13) 4. A Identidade entre Zaratustra e Lúcifer (pelo próprio Nietzsche) A esta altura das considerações, é inevitável a associação de Zaratustra, a voz mais audível do filósofo, e Lúcifer, o arquiteto do argumento luciferiano original, conforme aparece na Bíblia. Creio que as passagens que citei acima, tanto de Nietszche como da Bíblia, seriam suficientes para essa identificação. Mas, há passagens mais explícitas de Nietzsche que podem ser evocadas aqui. Vejamos algumas delas retiradas de Ecce Homo: “Eu sou a antítese de uma natureza heróica.” (EH, p. 64) “(Tenho) o direito de reivindicar para mim a palavra grandeza.” (EH, p. 66) “Zaratustra, o aniquilador da moral.” (EH, p. 72) “Eu sou o primeiro imoralista.” (EH, p. 93) “Eu sou o aniquilador par excellence.” (EH, p. 146) 17
  • 18. “Eu reconheci que havia chegado o tempo de me voltar para mim mesmo.” (EH, p. 99) “A gente paga caro por ser imortal.” (EH, p. 118) “Zaratustra se sente a mais alta espécie de tudo aquilo que é.” (EH, p. 121) Embora tais passagens ora refiram-se nominalmente a Nietzsche, ora a Zaratustra, todas elas, em essência, falam de um mesmo caráter. Todas são altamente idenficadoras de Zaratustra com as características atribuídas biblicamente a Lúcifer. A sensação de ser maior que os outros, a ausência de abnegação e compaixão, o desejo de aniquilação de Deus, da lei e da moral que desta procede, o desejo de voltar-se de um Deus para si mesmo e suas próprias vontades, a presunção da imortalidade que somente pertenceria a um criador. Mas, merece atenção a citação: “Nem sequer se mostram dignos de atar as sandálias de Zaratustra.” (EH, p. 119) em que se fala de “atar sandálias”. Essa é uma referência direta à célebre frase de João Batista a respeito de Jesus, registrada na Bíblia em Lucas 3, versículo 16. Nesse ponto, Nietzsche coloca Zaratustra no mesmo nível de Cristo. Essa idéia é corroborada nas passagens: “Eu sou aquele que traz a boa nova.” (EH., 132) “Pois eu trago o destino da humanidade sobre os ombros.” (EH, p. 143) que, obviamente, são, a primeira, uma referência direta a um novo evangelho, uma nova “boa nova”, não mais de Cristo, o Filho do Deus bíblico, mas de Zaratustra e, a segunda, ao fato de que, biblicamente, o pagamento pela remissão do homem recaiu sobre os ombros de Cristo, conforme atesta o livro do profeta Isaías: “Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.” (Isaías 53: 5) Essa equalização de si mesmo à pessoa de Cristo, dá abertura para que ele possa afirmar categoricamente: “Eu sou o anticristo.” (EH, p. 74) E assim, identificando Zaratustra ao anticristo e a si mesmo, como fica claro na passagem abaixo, “Zaratustra determina uma vez, com dureza, a sua tarefa – e ela é também minha.” (EH, p.125) 18
  • 19. Nietzsche cria uma identidade inegável com o personagem bíblico de Lúcifer, que se opõe abertamente ao personagem de Cristo. Essa oposição entre Lúcifer e Cristo fica clara na passagem bíblica citada anteriormente sobre a guerra no céu entre Miguel e o dragão, assim como a aparece objetivamente na passagem da tentação de Cristo, em Mateus 4, versos 8 a 10: “Levou-o ainda o Diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. Então, Jesus lhe ordenou: Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto.” Nietzsche reforça essa oposição contra Cristo e sua identidade com Lúcifer, na sentença final de Ecce Homo: “Fui compreendido? – Dioniso contra o crucificado...” (EH, p. 154) Mas, tal identidade assume uma forma muito mais impressionante nas palavras do próprio Zaratustra, citadas em EH, p. 123: “Luz eu sou: Ah se eu fosse noite! Mas, esta é a minha solitude, estar cercado de luz!” Sobre essa passagem, Nietzsche comenta: “Coisa semelhante jamais foi escrita, jamais foi sentida, jamais foi sofrida: assim sofre um Deus, um Dioniso.” (EH, p. 125) 5. Conclusão Embora Nietzsche tenha apregoado uma absoluta originalidade em relação ao seu argumento para a construção de um super-homem e alimentado um irrevogável rancor para com a Bíblia, mau grado seu, é justamente na Bíblia, em registros que remontam a cerca de 1.480 anos a.C. (Moisés), que o argumento luciferiano, adotado por Nietzsche como linha mestra de toda sua filosofia, aparece pela primeira vez, repetindo-se em registros de cerca de 700 a.C (Isaías), 580 a.C (Ezequiel). Essa presença precedente do argumento luciferiano na Bíblia, diminui bastante o valor auto-atribuído por Nietzsche a si mesmo como filósofo e ao seu trabalho como demolidor de valores e criador de uma nova era. Na verdade, o filósofo alemão não apresentou ao mundo um novo e destruidor argumento no corpo de sua obra, tampouco, por isso mesmo, mostrou ser o maior, mais sábio e o mais inteligente de todos os homens, como afirma em Ecce Homo. Em sua ânsia de uma pretensa grandeza para a humanidade e no exercício constante da solitude, Nietzsche pode ter deixado passar despercebido que sua obra não era original em sua essência. 19
  • 20. Referências Bibliográficas Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Atualizada de 1999. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil. NIETZSCHE, F. (S/D). Assim Falava Zaratustra. Tradução de José Mendes de Souza. São Paulo: Ediouro. (Coleção Clássicos de Bolso) NIETZSCHE, F. (2005). Ecce Homo: De como a gente se torna o que a gente é. Tradução de Marcelo Backes. Porto Alegre: L&PM Editores. (Coleção L&PM Pocket). WHITE, Ellen G. (1999). História da Redenção. Tradução de Ivan Shimidt. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira. 20
  • 21. O MUNDO URBANO: MOSAICO DE MANIFESTAÇÕES DO SAGRADO, CREDOS E DIÁLOGOSO Msc. Valmir Flores Pinto Professor de Filosofia e Filosofia da Educação Universidade Federal do Amazonas – UFAM/HUMAITÁ, AM valmirfp@ufam.edu.br INTRODUÇÃO Em cada época histórica existem pessoas, sejam da hierarquia de grupos majoritários ou minoritários, que julgam ter descoberto, ou pelo menos pensam viver o tipo mais genuíno de credo religioso. Desde o século XX, época marcada por avanços tecnológicos e também de desvios, não apenas no campo moral mas também de soberania e diplomacia, descobre-se no auge da secularização que a vida humana, na busca pelo sagrado, não está na sua última fase sobre o mundo, como alguns profetizaram. Esta fase constitui uma oportunidade a mais para aguçar um critério que possa distinguir o essencial do acidental da vida religiosa e agora diante de um cenário gritante: a cidade secularizada. A secularização urbana deve ser situada dentro de uma filosofia dialética da história. O sucesso de uma sociedade exige racionalidade, planificação, organização e esta conduta vem ameaçar, comumente, ou restringir a liberdade. Daí a reação provável de pequenos grupos menos engajados nos circuitos econômicos ou mais sensíveis a valores extra-econômicos – estudantes, minorias religiosas, marginais sociais e outros. Mas o dinamismo humano não é só na área econômica. Sua psique profunda também é libido, é agressividade e em termos do humanismo religioso, aspiração ao amor, para amar e ser amado. Todo movimento de secularização, que é coroado com o fenômeno da urbanização, se apresenta como promoção do ser humano. Gradativamente ele foi evoluindo de maneira a escravizar o sujeito sob o peso de novas estruturas, dando, assim, a seu ‘humanismo’ um cunho imprevisto: não sabemos o que será do ser humano amanhã. Sob o impacto do consumo, da mudança em questão de segundos, da cultura materialista e descartável, os valores humanísticos, que já foram característicos, estão sendo rapidamente desagregados e mesmo desaparecendo. Esta realidade acontece em todo o planeta. Feitas estas constatações cabe-nos saber como nos comportamos neste meio, conceber algumas diretrizes de ação, atuação efetiva e afetiva das diversas denominações religiosas e suas motivações. 1 – Comportamento religioso na cidade 21
  • 22. Começamos falando de comportamento na cidade e não da cidade. Isto implica necessariamente a uma inclusão pessoal, grupal ou institucional na vida da cidade. Somos membros dessa coletividade que tem muitos pontos de vista. Não se trata aqui de substituir o papel dos aspectos religiosos, mas propor sugestões e acertar na reação exigirá muito diálogo. Em primeiro lugar devemos salientar o valor positivo de certa dessacralização: ela é boa e necessária quando consiste em liquidar todo um folclore religioso. Também tem um limite: o respeito pelo caminho próprio de cada povo, pela sua cultura e momento de sua maturidade na evolução religioso-cultural das elites intelectuais e do povo em geral. Quando os primeiros querem arrasar a religião do povo sem distinguir entre práticas ou crenças que não podem ser substituídas imediatamente, ocorre a catástrofe. O efeito imediato é a fuga dos ‘crentes’, de maneira maciça para outros ambientes religiosos ou seitas, mais tracidionais e abertas aos olhos do povo, ou perdem individualmente a sua forma de fé e prática religiosa, ou ainda mantém um mundo muito pessoal e intimista ao seu estilo, mesmo não saindo de sua denominação religiosa. Embora a mudança de comportamento na cidade seja algo cotidiano, até por frações de segundos, no quesito religioso trazemos elementos que são constitutivos de nossa cultura. Por isso as supressões devem ser explicadas, justificadas diante do povo, na sua linguagem. Devem ser prudentes e progressivas, destituídas de arbítrios e de agressividades, atentas ao conjunto do condicionamento cultural. Purista na sua dogmática as Igrejas cristãs históricas erraram muito na sua pastoral concreta, diante das atitudes, devoções e tradições locais. O processo de secularização e comportamento urbano ultrapassa em muito a iniciativa de qualquer denominação religiosa de controle. A questão maior é: como as religiões vão se capacitarem para desempenhar conveniente e efizcamente suas funções neste contexto? Não podemos, nem devemos esperar uma resposta para todos, universal, mas tentar elaborar uma praxi iluminada pelo teologal, respostas bem situadas a cada realidade, do micro ao macro. A distinção entre acidental e essencial não é para a obra teórica, é experiência histórica. 2 – Elementos da religiosidade Passemos a pontuar alguns elementos que são essenciais na formação do universo de compreensão da religiosidade. 2.1 – Espiritualidade A espiritualidade reduzida à espiritualidade de ação, rejeitando todos os valores não pragmáticos, parece-nos suspeita de uma moda reversível, de uma atitude incompleta. Nessa linha, desaparece o ritual como ritual. A cultura mergulha, hoje como ontem, no simbolismo, irredutível ao empirismo. Um exemplo típico é o sucesso que tem, em alguns países ocidentais, as religiões orientais, indicam que o sentido do silêncio, da contemplação, da meditação, da interioridade, não pode 22
  • 23. desaparecer para sempre das aspirações humanas. “Do ponto de vista da vida, por assim dizer ‘animal’, Deus não entra como elemento ‘útil’ e ‘necessário’” (BINGMER, 1998, p. 82). O sagrado não acrescenta nada à vida biológica. Ao contrário, exige o despojamento dos bens sensíveis. Apesar dos diagnósticos ‘terríveis’ feitos por muitos sobre a religião diante da secularização da modernidade, “nos encontramos ainda com pessoas capazes de passar horas de seu tempo em cultos, celebrações e cerimônias de louvor. Pessoas capazes de, em nome de seu Deus ‘inútil’ e entregar suas vidas num sacrifício” (BINGMER, 1998, p.82). 2.2 – Sentido de pertença Outro risco que nos ameaça é a política do tudo ou nada. Podemos contestar os defeitos das Igrejas, das religiões, sem rejeitar as Igrejas ou religiões. Podemos trabalhar para melhorar o culto, sem pretender que ele não tenha mais sentido; aproveitar idéias e técnicas, sem cair numa desmitização radical, sem pretender afirmar que as palavras sagrado, Deus, religião estão superadas. O que nos falta, muitas vezes, é um sentido equilibrado das coisas. O Brasil está praticamente em pé de igualdade com o ocidente em se tratando do elemento secular, mas tem um outro pé num cristianismo e num universo bem tradicionais. Há desentendimentos entre lideranças religiosas e fiéis devido a algumas generalizações e que na realidade são aspectos parciais. No caso da Igreja Católica Romana, Bispos que procuram presbíteros em toda parte, até no exterior, não entendem a desorientação ou fuga de presbíteros, enquanto tantas pessoas procuram os mesmos para a sacramentalização. Por outro lado, os presbíteros que estão mais próximos à secularização não compreendem a importância que a hierarquia dá à administração curial, à manutenção de atitudes da cristandade. Algo é certo, mais de 70% dos cristãos do Brasil se dizem cristãos católicos e outra parte cristãos de outras denominações portanto, a maioria da população cristã. Mas a expressão “maior país católico do mundo” não é motivo de glória e esplendor e já foi justamente denunciada. Deve ser data maior atenção às diferenças entre religião do clero e a religião popular, entre teoria e prática, entre planos bem elaborados e sua real aplicação a partir do universo religioso. De qualquer forma a solução não será mais voltar para o dualismo: ou isso ou aquilo. A vida urbana e secular recusa isso. A relação religião e secularização não se torna mais fácil, mas pode e deve tornar-se tão humana, aceitável, eticamente possível e com muito mais realismo. 3 – Diretrizes de julgamento As mudanças contínuas no universo secular-urbano, não se apresentam como modo de viver mais definitivo ou provisório. Chegou a ter mais consciência da precariedade e do relativismo da toda cultura humana. Em si não é contra nem a favor das religiões, enquanto essas são fermento que transformam a humanidade. 23
  • 24. O papel do cristianismo e por extensão das diferentes denominações religiosas, não é apontar uma organização terrena definitiva. Não há nada definitivo nesta terra, a não ser o amor (BÍBLIA DO PEREGRINO, 1Cor. 13, 1-13. Trad. BORTOLINI, José eSTORNIOLO, Ivo. São Paulo: Paulus, 2002). O papel das religiões é manifestar a presença do Absoluto no relativo da história. Pois, renunciar a testemunhar Deus como Absoluto seria abrir mão, renunciar aos propósitos de bondade, alteridade, gratidão e serviço. Neste sentido a secularização torna-se secularismo. Mas testemunhar é referir-se a uma dimensão invisível da realidade, a partir da realidade terrestre. Não pode haver testemunho de Deus sem aceitação plena do relativismo da história, da cultura, da finitude e da precariedade de toda posição atual do ser humano. Faz-se necessário afirmar que este testemunho não pode se limitar a alguns enunciados dogmáticos. As pessoas crentes devem acreditar no que diz, antes de propô-lo ao mundo; isso significa fazer esforços sérios para viver os enunciados. O testemunho religioso numa era secular será mais do que nunca testemunho do Absoluto, tendo como referência a convivência pacífica, numa palavra: o amor. Para nada servem as teorias e proclamações de uma entidade se sua política utiliza outros caminhos, mesmo no intento de fazer triunfar sua mensagem. Isso não serve apenas para o campo religioso, mas também nas relações de políticas internacionais. Seria como se as Igrejas ou grupos religiosos realizassem alianças com grupos que estão ligados ao narcotráfico, sonegações, seqüestros, roubos, etc, para fazer uso do dinheiro em benefício de obras sociais ou religiosas. Às vezes queremos fazer o bem ao próximo, quando ainda não descobrimos o nosso próximo em casa. Elementos dessa natureza estão ordinariamente presentes em nossos lares, Igrejas, comunidades religiosas e organizações institucionais. Não que não haja comunidades exemplares no seu testemunho, mas é preciso que se constate essa realidade. 4 – O conceito de Deus Graças à reflexão da idéia que tínhamos de Deus, no ocidente, juntamente com as mudanças no mundo urbano-secular, instalou-se certa contestação nas Igrejas cristãs. Quem ainda guarda um conceito de Deus ‘Todo-Poderoso’ ditatorial, patriarcal não pode passar sem uma estrutura autoritária, com uma submissão sem reservas às autoridades. Muitos que se encaixam nessa categoria, tanto entre líderes religiosos como entre os fiéis, talvez por insegurança em tomar decisões ou mesmo submissão sem restrições. A crise instaurada no mundo secularizado é de crescimento e não pode deixar de repercutir sobre o aspecto religioso. A questão é saber se haverá uma reação institucional e pessoal de maneira aceitável ou não. É certo que assim como o clericalismo – em todas as denominações – não pode sobrepor sobre as pessoas, também não pode ocorrer um ‘vale-tudo’ no sei das comunidades religiosas. Não se trata de tirar ou colocar elementos para determinados cultos, mas julgar o desempenho das atividades que favoreçam o cultivo dos valores religiosos e culturais de determinado povo. A sociedade mudou e muda, e com ela as denominações 24
  • 25. religiosas vão incorporando novos elementos. Todas as sedimentações que vêm de tempos passados e que paralisam a vitalidade, impedem o desempenho da função profético-religiosa. Em pleno século XXI ainda há grandes disputas por terrenos no campo religioso, seja de cunho geográfico ou de adeptos. As pessoas não são mercadorias em prateleiras do grande shopping que é a cidade, onde posso escolhê-las ou excluí-las. Foram dados grandes passos em direção às “águas mais profundas” (BÍBLIA O PEREGRINO. Evangelho de Lucas 5, 3-4. Op. Cit.), mas há necessidade de uma presença mais humana e fraterna. A sociedade urbana e secularizada está machucada e, em certos casos, doente e na UTI. Não bastam normas e regras entre das denominações religiosas, é preciso adequar a mensagem às pessoas, não de maneira generalizada, mas personalizada e com clareza do que se pretende, e muito menos de maneira utilitarista, aceitando qualquer situação. 5 – Ações das religiões Face aos problemas do meio urbano, pode-se fazer a aprendizagem da condição dos cidadãos. Por isso a necessidade de dar prioridade à realidade urbana e a somar esforços de pressão e ação. A política não se aprende apenas nas reuniões, mas na rua e nos seus desafios. Houve épocas e ainda há locais que fazem exageros de reuniões. Em meio a esse cenário surgem muitos personagens, mas os que mais sofrem com a situação de certo caos sãos os pobres. “A urbanização rápida mostra claramente que o problema é a cidade. Para os pobres a grande política fica muito distante. Não entendem e se deixam confundir pelos demagogos. A grande economia é incompreensível. A sociedade nacional é uma abstração e a internacional, mais ainda” (COMBLIM. 1996, p.361). 5.1 – Aspecto efetivo As religiões não estão em crise, mas uma forma de religião. Aquelas formas de expressões burocratizadas e nacionalistas perdem a capacidade de responder às expectativas de ordenar a vida das pessoas dando-lhe um sentido. Com a secularização surge uma crise de uma forma social de religião, a estrutural, e o que com isso surge uma subjetivação da religião. A identificação entre estrutura e religião é a raiz dos equívocos. A atuação das expressões religiosas não tem como não ser no mundo secularizado. Ou elas se incorporam, fazendo parte do mesmo, ou estarão condenadas ao desaparecimento. No mundo pós-moderno o processo de socialização – a integração do indivíduo na vida social – é cada vez mais realizado por instâncias seculares e secundárias, isto é, por instâncias de livre escolha dos indivíduos. Perdem relevância significativa os meios de socialização primários, como a família, igrejas, Estado e a própria escola. Na sociedade urbana e tecnológica esta socialização torna-se secundária, isto é, radica-se na esfera da escolha pessoal. Passou-se a tornar o indivíduo livre para escolher, não dar-lhe um quadro de valores prontos. Assim cresce a idéia de pessoas que não gostariam de, por exemplo, batizar a criança, pois quem deve 25
  • 26. escolher a religião ou o credo é ela mesma quando crescer, embora esta posição ainda seja minoritária, visto que muitos fazem os ritos mais por superstição e tradição do que por convicção. “É o que se pode chamar de religião privatizada, localizada na esfera da escolha pessoal, subjetiva” (LIBÂNIO. 1994. p. 67). 5.2 – Aspecto afetivo Dentro da perspectiva afetiva, acreditamos que as denominações religiosas não podem se refugiar em seus ambientes religiosos, mas juntamente com outras instituições e com o apoio da ciência formar um corpo social de presença no mundo. Isso poderá soar como perde de identidade. Mas toda identidade se constrói a partir de referências e de relações. Para os cristãos a referência é Jesus Cristo; os judeus, a fé e testemunho de Abraão e Moises; os islâmicos o profeta Maomé, apenas para citar as chamadas religiões monoteístas. E todos os outros credos têm suas referências e códigos de ação. As formas de ação envolvem alguns níveis fundamentais. Estamos no mundo urbano-secular e formamos o contingente de milhões de pessoas que buscam o sagrado, o absoluto neste ambiente. Enfocaremos dois níveis de maior relevância: o pessoal e o grupal. 5.2.1 – Busca pessoal A escolha religiosa hoje pode ser mais livre e com mais freqüência, porque existe um pluralismo de alternativas religiosas – principalmente nos países mais pobres-as quais crescem e emergem em instantes. Criam-se necessidades e a partir delas busca-se respostas no aspecto religioso: é o mercado. Há respostas para todos os gostos, tornando-as utilizáveis ou descartáveis, conforme a necessidade. No Brasil este reflexo se tornou mais visível dos anos 60 e 70 do século passado para cá. Quem chega à cidade moderna deve escolher a sua religião, que pode ser a mesma da tradição rural, reinterpretada em função do contexto urbano, ou pode ser outra, e ainda não é certo que nela fique para sempre. A mudança contínua de paradigmas na sociedade urbana leva a questionar sempre a todas as opções, mesmo aquelas que poderiam parecer ‘eternas’. Na busca pessoal emerge a subjetividade. Este é um elemento de suma importância para a vida de qualquer pessoa, religiosa ou não. Percebe-se mesmo em pequenos grupos, um subjetivismo latente no campo religioso. É momento de não desprezar ou ignorar, mas levar a sério a experiência religiosa das pessoas, mesmo que estejam distantes dos objetivos das religiões. De princípio a experiência pode até ser superficial. Os líderes poderão sofrer a tentação de recusar ou corrigir tal exigência. Somente o diálogo juntamente com uma postura autenticamente interconfessional poderão ajudar e emergir o sentido profundo da busca religiosa de uma pessoa. Devemos estar atentos à pessoa em sua integridade, evitando acentuar um aspecto em prejuízo de outros. Se no passado a pastoral tridentina no ocidente acentuou os aspectos jurídicos em prejuízo da dimensão afetiva e simbólica, esse erro deve ser corrigido. Nessa linha destaca-se nos centros urbanos, a atitude de abertura à pessoa, também chamado de ‘pastoral da acolhida’. A sabedoria estará no uso da interdisciplinaridade, nunca os extremos. 26
  • 27. É um desafio, na sociedade atual, a distância que se acentua entre expressão religiosa de fé e de cultura. Por outro lado a própria estruturação da vida urbana moderna é geradora desse fenômeno. Ela tende a separar as esferas da vida, afastando as religiões da ética, política, economia, ciências e atividades profissionais. Abre-se aqui uma possibilidade de um trabalho que contribua partindo de valores mais generalizados como: paz, amor, respeito, dignidade, acolhida e outros. ´ No entanto, é preciso ressaltar que apesar dos valores dos aspectos pessoais, a pessoa não se realiza a não ser no relacionamento com outras pessoas, seja a nível religioso e mais ainda a nível afetivo e social. 5.2.2 – Busca a nível grupal Há muitos elementos que contribuem para uma busca de formas comunitárias de vida no atual contexto. Temos o pluralismo cultural, a estrutura social e o comportamento diferenciado dos fiéis no plano religioso. No Brasil temos algumas faixas da população: “os que seguem a religiosidade popular; os que seguem o aspecto tradicional, rejeitando inovações; os que procuram viver a sua fé mais pelo compromisso ético do que pelo culto; os que estão marginalizados religiosa e socialmente; e os que entraram na modernidade e não têm uma perspectiva religiosa marcante” (AZEVEDO, 1990. p. 15). Diante desse cenário acrescentamos, embora em menor número, os que buscam uma religiosidade marcada pelo elemento pessoal e subjetivo – há uma sede de Deus -. E questões emergentes surgem: o que fazer? Como fazer? Onde fazer? Uma primeira resposta é pensar uma solução não de maneira única, mas diversificada, pluralista. Pois, existem os extremos: os que aderiram ou não à modernidade e estão afastados da prática religiosa e de qualquer comunidade religiosa; os que mantêm alguns contatos em ocasiões - casamentos, datas importantes, morte, nascimento -; e outra ponta são as comunidades ou movimentos religiosos que procuram orientar toda a vida de seus membros, oferecendo até serviços, geralmente recusam o mundo moderno. No meio dos extremos temos a grande massa dos praticantes com seus diversos níveis. O desafio é reconstruir a cidade como mediação da nossa concepção de vida e de nossa prática, não apenas para os praticantes de algum credo. Quando afirmamos reconstruir, não trata apenas dos espaços físicos, da renda, da moradia, da saúda, mas também do modo de pensar a si mesmos e a cultura, o sentido das coisas e das relações humanas. Se falamos de subjetividade pessoal, porque não uma cidade subjetiva? A reconstrução passa pela introdução da ética nas atividades, seja em âmbito pessoal, grupal ou estrutural. CONCLUSÃO O que temos hoje é uma ‘ética’ do mercado. Esta não apenas exclui pessoas, mas as torna mercadoria do mesmo mercado. A contribuição das expressões religiosas começa na superação de todo e qualquer fundamentalismo, não apenas o religioso. Muitos criticam os mulçumanos ou judeus pelo acirrado 27
  • 28. fundamentalismo religioso, misturado com questões culturais e políticas. Mas vale ressaltar que estamos vendo e vivendo outro fundamentalismo que está sendo imposto em toda parte do planeta e até fora dele: das super-potências econômicas, que ‘governam’ o mundo. É a tentativa de substituição de um fundamentalismo por outro: um de capital, onde as armas são os poderes bélico e econômico que está sendo despejado sobre o mundo, assim como a poluição e destruição do meio- ambiente. Diante desse cenário de disputas e intrigas, mesmo no sei de muitas religiões, queremos resgatar um elemento que é de fundamental importância para a vida do ser humano: o testemunho ético. Em um mundo urbano e secularizado o testemunho ético revela a confiança e a esperança da presença do sagrado. Nesta ótica, supõe-se a solidariedade com as pessoas, partindo dos excluídos. Este desejo não é apenas mais um recheio no grande ‘bolo dos sonhos’. A presença pública das religiões deve ser questionadora, não utilização ambígua do poder. Há séculos alguns monumentos expressam a centralidade do sagrado via o poder estabelecido. Hoje pauta-se por uma presença mais crítica e espiritual. As manifestações e movimentos deverão ser expressões de comunhão e solidariedade com as pessoas, independente do credo. Enfim, depois de séculos dando ênfase à instituição, as religiões são desafiadas para a ação, testemunho, a ser constantemente recriada: um mosaico em construção. BIBLIOGRAFIA -AZEVEDO, Marcelo C. de. Dinâmicas atuais da cultura brasileira. Estudos da CNBB nº 58. São Paulo: Paulinas, 1990. -BETTENCOURT, Estevão Tavares. Crenças, religiões, igrejas & seitas: quem são? Santo André, SP: Mensageiro de Santo Antônio, 1995. -BÍBLIA DO PEREGRINO. Luís Alonso Schökel. Trad. Ivo Storniolo e José Bortolini. São Paulo: Paulus, 2002. -BINGEMER, Maria Clara L. A Sedução do sagrado. In. A Sedução do Sagrado. O fenômeno religioso da virada do milênio. Org. Cleto Caliman. Petrópolis, RJ: Vozes, p. 79-115, 1998. -CASPAR, Robert. Cristianismo/Islamismo. Trad. Maia da Rocha. Porto – Portugal: Editorial Perpétuo Socorro. -COMBLIN, José. Cristãos rumo ao século XXI. São Paulo: Paulus, 1996. -CRESPI, Franco. A Experiência religiosa na pós-modernidade. Trad. Antonio Angonese. Bauru, SP: Editora Universidade do Sagrado Coração. -KÜNG, Hans. Ser cristão. Trad. José W. Filho. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974. -LIBÂNIO, João Batista. O Sagrado na pós-modernidade. In. A Sedução do Sagrado (org. Cleto Caliman). Petrópolis, RJ: Vozes, p. 61-78, 1998. -______. As Lógicas da cidade. Impacto sobre a fé e sob o impacto da fé. São Paulo: Loyola, 2001. -PINTO, Valmir Flores. O Ser humano entre o sagrado e o secular. Dissertação de mestrado em teologia sistemática pela PUC-RS. Porto Alegre, 2005. -SEGUNDO, Juan Luis. Que mundo? Que homem? Que Deus? Aproximações entre ciência, filosofia e teologia. Trad. Magda Furtado. São Paulo: Paulinas, 1995 . 28
  • 29. Entrevista com João Marcos Rainho Revista Educação, Editora Segmento, número 238 www.editorasegmento.com.br. Educadora cubana afirma que a construção de uma nova sociedade latino-americana passa pela pedagogia de Paulo Freire O Brasil está exportando para a América Latina um modelo bem-sucedido de educação. Nada a ver com as atuais mudanças propostas pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), com os sistemas de avaliação ou os processos de modernização através do uso de computadores em sala de aula. Aliás, tudo o que é feito nas classes tradicionais vai na contramão desse modelo, que na verdade não é tão novo assim. Estamos falando da educação popular proposta por Paulo Freire, cuja metodologia está servindo de base para a criação de diversas organizações não-governamentais e incentivando uma nova maneira de enxergar os espaços educativos. Em países que ainda não usufruem um regime democrático no sentido lato do termo e buscam um novo modelo de sociedade, mais justa, igualitária e participativa, a obra de Paulo Freire pode ajudar no processo de transição. O que não deixa de gerar conflitos com o poder local, seja em relação ao estado ou à instituição escola, por promover a reflexão profunda dos sistemas políticos e sociais. É exatamente esse o estágio da educação popular em Cuba, que chegou por ali tardiamente em relação a outros países da América Central e do Sul, e que hoje se orgulha de possuir um dos principais pólos internacionais de formação de educadores - o Centro Memorial Dr. Martin Luther King Jr, cujas oficinas atenderam diretamente 1.500 pessoas desde 1993. Esther Pérez, licenciada em letras e ex-representante de Cuba nas Nações Unidas, coordena a área de educação popular do centro. Ela conversou com a Revista Educação sobre a influência de Paulo Freire em seu trabalho e como um sistema de ensino não-convencional pode ajudar no desenvolvimento de habilidades e competências pessoais tão almejadas pelos métodos "modernos". Revista Educação - O que são os educadores populares? Esther Pérez - Educadores populares são pessoas que trabalham com grupos humanos na sociedade. No caso cubano, com organizações populares, governos, programas sociais, como o médico de família, e instituições de diversos tipos, inclusive escolas. Educação - O "inclusive escolas", significa que esse não é o foco principal do programa? Esther - Professores participam de nossos programas atualmente, mas no começo o trabalho não estava aberto a eles. A educação popular trabalha com um espaço diferente da escola tradicional e em certo ponto até critica o modelo tradicional do professor todo onipotente de um lado e os alunos passivos, recebendo informações, de outro. 29
  • 30. Educação - Qual o objetivo almejado? Esther - Buscamos o pensamento crítico da sociedade. Trabalhamos com psicologia de grupo, análises de contexto, entre outras técnicas e também ênfase na questão de gênero. Educação - É possível avaliar os resultados da educação popular? Esther - Isso é uma questão complexa porque nosso trabalho atinge a subjetividade das pessoas. Não dá para medir em número e sim na qualidade. Percebemos mudanças na prática social mais democrática, a utilização de colegiados para a tomada de decisões e ações efetivas mais perto das reais preocupações da população, com maior capacidade criativa. Educação - É quase um tipo de terapia... Esther - Terapia em muitos lugares visa à adaptação das pessoas ao existente. Nosso trabalho, ao contrário, objetiva que as pessoas sejam capazes de transformar o ambiente. É até certo ponto um trabalho político. Educação - Há um certo choque entre os educadores tradicionais e os adeptos da educação popular? Esther - Existem preconceitos por parte dos educadores ditos tradicionais e até por nós, pois, como disse antes, no início nossos programas não estavam abertos para professores. Depois mudamos de idéia, pois os professores também são agentes sociais fora do ambiente da escola, eles interagem com outros grupos e é esse tipo de relação que visamos transformar. Mas no caso dos professores formados por instituições tradicionais - com diplomas, passagem pela academia e tudo mais -, eles também costumam enxergar nosso trabalho de maneira preconceituosa e desinformada. Educação - Qual o motivo? Esther - Principalmente por uma questão de poder. O que acontece em sala de aula é um jogo de poder onde o professor exercer o domínio absoluto, que é aceito ou não pelos outros participantes. Às vezes com certa passividade ou aceitação total. Tentamos fazer um processo de aprendizagem cuja intenção é desmontar esse poder concentrado, não apenas para que a relação seja mais democrática, mas também para mostrar às pessoas que tudo não passa de um jogo de poder, uma metáfora do que acontece em outros grupos sociais. É cômodo saber que temos poder e pensar que ninguém vai desafiá-lo. Por isso que é mais fácil trabalhar com mulheres em nossos programas. Os homens têm mais medo de repensar esse modelo. Quando trabalhamos com grupos de homens vamos mais devagar na abordagem. A mulher está mais acostumada a compartilhar o poder ou a nem exercê-lo. Educação - O que acontece exatamente? Os professores têm medo de perder esse poder? 30
  • 31. Esther - O preconceito às vezes se expressa em declarações como "se não é um modelo tradicional, com professor de pé na frente da sala e os alunos sentados em fila, não é um modelo sério, é apenas uma brincadeira". Aí convidamos esse professor a experimentar. Perguntamos: "Quer brincar conosco?" A maioria aceita e percebe que não se trata de uma brincadeira. Educação - Que tipo de informação o profissional de diferentes áreas procura na educação popular? Esther - Basicamente aprender a trabalhar com pessoas. E de forma democrática, participativa. Logo de início avisamos: uma coisa é tratar o tema da medicina e psicologia no ambiente acadêmico. Outra coisa é atuar com a população. Esse tipo de profissional deve ter conhecimentos em psicologia grupal, social. Eles estudaram formalmente na escola, em nossas oficinas convivem com colegas que não são profissionais e descobrem muitas coisas novas. A troca de experiências entre acadêmicos e instrutores tem sido muito rica. Por isso o preconceito tem diminuído. Um exemplo é o programa Médico de Família, que existe em Cuba. O conceito é de um médico por quadra, ou trecho de um bairro. No convívio com as pessoas em seu dia-a-dia esses médicos descobriram que não exerciam somente a medicina. Atuavam também como agentes sociais, ouvindo os problemas das pessoas, suas queixas em relação ao convívio familiar, a vizinhança, a política. Um profissional atuando nessas condições deve estar preparado. E nós oferecemos formação específica para esse grupo. Educação - Como vocês trabalham com educação popular em Cuba? Há um modelo próprio? Esther - A educação popular, a pedagogia Paulo Freire chegou atrasada em Cuba. Foi na década de 80, através do Brasil. E chegou num momento político de profunda autocrítica da sociedade cubana, quando as organizações foram questionadas internamente. Temas como a burocratização, relações das organizações e os movimentos, capacidade de auto-organização e de participação das pessoas estavam sendo discutidos. E nos deparamos com a experiência do trabalho de Paulo Freire no Brasil e na América Central. Encontramos uma pista para começar a responder as perguntas que a sociedade estava pleiteando. Dizíamos: este é um caminho não para produzir as respostas, mas um caminho que poderíamos seguir para encontrar as respostas. Trabalhamos modestamente no início, realizamos intercâmbios e finalmente em 1990 foi decidido que iríamos começar o programa baseado na nossa realidade. Educação - Que tipo de conteúdo é abordado? Esther - Temos programas diversos que tratam de desenvolver a educação popular no contexto cubano, que é diferente de outros contextos latino- americanos. Não tratamos de complementar falências do estado, não fazemos educação complementar, porque a totalidade da população cubana é escolarizada. O ensino é obrigatório até o nível secundário. Trabalhamos com pessoas que tenham, no mínimo, essa escolaridade. Não atuamos, por exemplo, com alfabetização de adultos como no Brasil. Trabalhamos mais com a questão da subjetividade, da passividade das pessoas em ler a realidade social em que estão envolvidas e a capacidade de participar de forma mais politizada, protagonista, ativa. Assim, o Centro Memorial Martin Luther King criou o Programa de Formação de Educadores Populares, com a participação de educadores, centros de pesquisas e universidades. 31
  • 32. Educação - O governo subsidia esse trabalho? Esther Péres - Não, nós recebemos cooperação internacional para nossas oficinas e projetos e também nos financiamos com esforço próprio, através da venda de publicações e vídeos. Nossas oficinas são gratuitas. O ensino é totalmente gratuito em Cuba, do fundamental à faculdade. Educação - Atualmente o trabalho tem se expandido para outros países... Esther - A princípio, pensamos esse trabalho só para Cuba. Pelo momento que Cuba estava passando com o embargo econômico. A crise econômica nunca vem sozinha, vem junto com a crise de identidade. Fica mais fácil discutir coisas íntimas, dolorosas, quando estamos junto de nossos pares. Entretanto, nos últimos quatro anos recebemos muitas solicitações de pessoas de outros países latino-americanos. Convocamos um seminário de Educação Popular, em 1998, em Havana, com 40 educadores populares da América Latina, inclusive do Brasil. Em 1999, fizemos um encontro em Olinda (PE) e outro na América Central. Nesse momento, pensamos outras possibilidades de formação conjunta, entre as diversas partes da América Latina, para debater a educação popular, as especificidade de cada país e as coisas comuns no processo de formação. Educação - Até que ponto a educação popular influencia o currículo da escola tradicional? Esther - A sociedade cubana, como a maioria dos países do mundo, está discutindo uma nova forma de educação que leve o estudante a pensar e não apenas a decorar conteúdos. Essa é uma revolução em curso em nosso país e não está sendo patrocinada pelo Ministério da Educação. Não irá acontecer por decreto. As coisas estão mudando a partir da base, por exigência das comunidades, dos professores e alunos. Educação - Estamos descobrindo que o ensino pode ser mais que uma mera transmissão de informações... Esther - A questão é complexa. A educação deve ser muito sofisticada e mais participativa, criativa, deve ser uma manifestação de arte. Minha vida mudou com a educação popular. Paulo Freire foi um iluminado e sua mensagem é muito importante em sociedades em transformação. E tem tudo a ver com a América Latina. Ele propõe uma nova sociabilidade, que deve ser construída a partir de novas formas de relações sociais. Formas mais democráticas, mais participativas, comunitárias, solidárias, menos mediadas pelo mercado, e mais mediada pelo lado humano. Mais inclusivas, respeitando o meio-ambiente, e menos preconceituosa. E que facilitem o desenvolvimento de cada pessoa, que é a condição de desenvolvimento do todo. Quando chegarmos a isso, buscaremos novos objetivos. Não há fim na história nem na cultura. Enquanto houver pessoas no mundo devemos estar permanentemente discutindo e reaprendendo. 32
  • 33. En las manos un fuzil, en los pies una bola: una relectura sobre el joven en la novela Inferno de Patricia Melo. Daiana Nascimento dos Santo santos.daiana@bol.com.br. Resumen: El pretendido trabajo intentará a partir de novela brasileña Inferno de Patricia Melo analizar el escenario violento de las grandes ciudades brasileñas y principalmente de Rio de Janeiro. De esta manera, intentaremos construir el perfil del joven de la favela, desde su personaje principal, Reizinho. Al mismo tiempo, plantearemos el tema de las expectativas de este joven que vive en la favela y antes que todo del poder que la criminalidad ejerce sobre los jóvenes sin recursos de la actualidad. INTRODUCCIÓN A partir de los años 70, la violencia en Brasil se fue presentando paulatinamente en las grandes ciudades brasileñas, alcanzando un alto nivel en la actualidad, produciendo un escenario de miedo, inseguridad y cambios profundos en la población, sobre todo en los jóvenes. El presente trabajo intentará- a partir de la novela Inferno de la escritora brasileña Patricia Melo- analizar la violencia en la juventud brasileña de bajo poder adquisitivo presente en las grandes ciudades, a priori se planteará estas perspectivas a partir de esta obra que desarrolla muy bien esta temática. La novela Inferno es el libro más denso y profundo de Patricia Melo, pues traza un escenario de personajes de Río de Janeiro y narra la historia de José Luis Reis, más conocido por Reizinho, un chico de 11 años, ex viciado en crack y que posteriormente se torna el jefe del tráfico en el “Morro do Berimbau”. Es necesario decir que el libro presenta la violencia en varias fases, disfraces e intensidades. Las situaciones de violencia presentadas en la novela se relacionan con los problemas sociales que son mostrados a lo largo de la narrativa y que se refieren- básicamente- al tráfico de drogas, a la desigualdad social presentes en el escenario brasileño. Sin embargo, en el presente trabajo el cuestionamiento apunta a explicar como la violencia se hace presente en la vida del joven y como interfiere en su formación personal y adulta, produciendo un cambio de manera prematura de la infancia a la etapa adulta. Al mismo tiempo, será planteada la hipótesis de cómo los factores externos (sociales y familiares) son importantes para la construcción de este joven, inserto en un escenario de violencia. 33