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Agenda ambiental, política externa
e diplomacia descentralizada
Agenda ambiental, política externa
e diplomacia descentralizada
Marijane Vieira Lisboa1
RESUMO
O artigo pretende discutir como tem evoluído a atuação de Estados, Empresas e
Sociedade Civil nas negociações internacionais em meio ambiente desde os anos
70, o espaço que o sistema ONU reserva a cada um desses atores, bem como
sugerir uma periodização destas negociações em três fases, de acordo às suas
características e resultados, incluindo-se entre tais características a qualidade da
participação destes atores estatais.
ABSTRACT
The article pretends to discuss how the role of States, companies and the civil
society has evolved in international negotiations about the environment since
the 70s, the space that the UN system reserves for each one of these actors as
well as suggest a periodization of these negotiations in three phases according
to their characteristics and results, including within these characteristics the
quality of participation of these state actors.
1. Doutora em Ciências Sociais pela
PUC-SP. Professora de Sociologia na
Pós Graduação de Geografia e das
Graduações de Relações Internacio-
nais e Ciências Sociais da PUC-SP.
Recebido em:
27 de setembro de 2012
Aprovado em:
16 de novemro de 2012
estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94
84
O conceito de diplomacia descentralizada reconhece o fato de que a
diplomacia não é apenas resultado da atuação de órgãos estatais, mas tam-
bém de uma complexa interação entre esses órgãos e outros atores sociais
como empresas, organizações da sociedade civil e mesmo personalida-
des políticas, e do cenário acadêmico e artístico. Tal reconhecimento, no
entanto, não contesta o fato de que os principais atores nas negociações
internacionais continuem sendo os órgãos estatais, os únicos com efetivo
poder de voz e voto nas instituições internacionais governamentais.
Isto posto, como vêm se comportando estes três atores, Estado,
Mercado e Sociedade Civil na história relativamente recente das negocia-
ções internacionais em meio ambiente? E qual é o espaço que o sistema
ONU reserva a cada um desses atores?
As considerações teóricas que se seguem são resultado de uma
longa experiência pessoal em participar de convenções e reuniões sobre
meio ambiente desde 1992, iniciando-se com a Rio-92 e chegando até os
dias de hoje. Embora em quase todas essas ocasiões eu tenha compare-
cido na qualidade de consultora de diferentes organizações da sociedade
civil, o que certamente influenciou e segue influenciando minha perspec-
tiva sobre toda a problemática, acredito que tais considerações sejam tão
úteis a um debate acadêmico sobre relações internacionais quanto outras
que concedam maior valor, assessorem ou resultem do estudo da atuação
de atores estatais ou de mercado.
A diplomacia estatal em meio ambiente
As formas de representação e atuação da diplomacia estatal em meio
ambiente podem variar consideravelmente dependendo de uma série de
fatores políticos de ordem interna e externa. No âmbito interno, são de-
terminantes a arquitetura institucional da área ambiental de cada país, a
importância e a relativa autonomia da sua política ambiental em relação
a outras políticas de forte impacto na agenda ambiental como as políticas
referentes à mineração e energia, à ciência e tecnologia, à política agrária
e industrial, bem como a importância relativa dos diferentes temas am-
bientais para a agenda de um país determinado, além do maior ou menor
comprometimento de seus diferentes governos e forças políticas em relação
a agendas ambientais em geral e a temas ambientais em particular.
Em relação à arquitetura institucional da área ambiental, hoje em
dia a maioria dos países pertencentes ao sistema ONU possuem ministé-
rios de meio ambiente. Mas essa não foi a realidade nos primeiros tempos
da agenda internacional ambiental. Os primeiros países a criarem minis-
térios especializados em meio ambiente foram os países nórdicos e a Re-
pública Federal Alemã, sendo só muito mais tarde acompanhados pelos
demais países da OCDE e pelos países em desenvolvimento. No Brasil, só
com a ECO-92 é que a Secretaria de Meio Ambiente, SEMA, criada ainda
durante o governo militar, será transformada em ministério. Até o fim
do século XX, era comum que a política ambiental de muitos países em
desenvolvimento estivesse a cargo de ministérios da saúde, ou de minis-
térios de desenvolvimento ou ainda de departamentos ou agências encar-
regados da conservação de recursos florestais. Uma exceção nesse quadro
LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada
85
permanece sendo os EUA, cujo órgão responsável pela política ambiental
é uma agência com atribuições bastante restritas, a EPA, o que faz com
que sua política externa de meio ambiente seja, sobretudo, o resultado do
posicionamento de outros órgãos do poder executivo e mesmo do legisla-
tivo, cujas comissões especializadas exercem considerável pressão sobre
essas políticas externas.
A simples criação de um ministério de meio ambiente, no entanto,
pouco revelava sobre a importância que países atribuíram à questão am-
biental no âmbito interno e externo, tendo significado em muitos casos
mera concessão à crescente preocupação das opiniões públicas nacional
e internacional. A função decorativa dos ministérios de meio ambiente,
cuja atividade frequentemente se resume à conservação de áreas florestais
ou à mitigação dos impactos causados por atividades econômicas, torna-
-se meridianamente clara nas ocasiões em que se trata de definir posicio-
namentos a serem assumidos por seus governos em negociações interna-
cionais. Raramente são os ministérios do meio ambiente os encarregados
de propor as políticas, liderar o processo interno de discussão e chefiar
as delegações diplomáticas. É frequente que os órgãos diplomáticos pri-
vilegiem as preocupações de ordem econômica oriundas dos ministérios
respectivos (Indústria, comércio, tecnologia, agricultura, energia, mine-
ração) em detrimento do ministério de meio ambiente, e muitas vezes,
também do ministério de saúde. A composição das delegações é outro
claro indicativo da importância relativa que governos conferem à questão
ambiental, sendo comum, quase sempre a regra, que a maioria dos mem-
bros de delegações em negociações internacionais não pertençam à área
ambiental. Apenas quando se tratam de conferências ministeriais ou do
segmento ministerial de conferências de meio ambiente é que ministros
assumem a chefia da delegação, razão pela qual os órgãos diplomáticos
costumam evitá-las. Mais revelador ainda é o fato de que algumas vezes
não sejam autoridades ambientais as designadas para assumir os “pontos
focais” de convenções ambientais, mas sim ministérios econômicos ou
órgãos diplomáticos.
O exemplo brasileiro é ilustrativo. A concepção itamaratiana de po-
lítica ambiental como a compatibilização entre os interesses econômicos
do país de um lado e os objetivos de preservação dos recursos ambientais
de outro, tem levado o país a definir os seus posicionamentos em nego-
ciações internacionais como uma somatória dos diversos posicionamentos
de diversos ministérios, na qual raramente se respeita o ponto de vista do
Ministério do Meio Ambiente (LISBOA,2002). Nas poucas situações em que
a resistência do MMA em dobrar-se ao posicionamento da “maioria” gerou
um impasse, o Itamaraty recorreu à Casa Civil para solucioná-lo, a exemplo
do que aconteceu em várias das reuniões do Protocolo de Cartagena. Inva-
riavelmente nessas circunstâncias, o voto de minerva da Casa Civil vai para
os ministérios “econômicos”, cujos interesses são classificados como “estra-
tégicos” em detrimento dos pontos de vista sustentados pela área ambien-
tal. Como consequência destes arranjos políticos conjunturais e setoriais,
desvinculados de princípios, conceitos e políticas ambientais fundamentais,
carece a política externa brasileira de coerência, expertise e continuidade, o
que certamente não é um privilégio apenas seu.
estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94
86
No que tange ao envolvimento da sociedade na discussão e defi-
nição de posicionamentos a serem levados em reuniões internacionais
de meio ambiente pelo país, ou seja, no que se refere à legitimidade de
seus posicionamentos, o Itamaraty se restringe a adotar procedimentos
formalmente transparentes e democráticos, pois convida para reuniões
abertas empresas, academia e sociedade civil. As reuniões preparatórias
ocorrem em Brasília, para as quais são convidados todos os ministérios
eventualmente envolvidos com o assunto em questão, empresas e o Fó-
rum Brasileiro de Organizações e Movimentos Sociais (FBOMS), organi-
zação que tem sofrido um processo de esvaziamento político crescente,
entre outras razões pelo seu forte envolvimento com os últimos gover-
nos. ONGs interessadas em certos temas devem comunicar o desejo de
serem convidadas e arcar com os custos da viagem e hospedagem. Essa
questão dos custos, no entanto, introduz um elemento estrutural de de-
sigualdade entre empresas e sociedade civil, pois enquanto as primeiras
dispõem de recursos suficientes para enviarem seus representantes a vá-
rias reuniões em Brasília, as últimas dificilmente o podem fazer.
Momentos de maior abertura do Itamaraty para a sociedade civil
são apenas aqueles em que a diplomacia oficial busca apoio político para
fortalecer sua atuação e evitar desgastes resultantes de críticas vindas da
sua própria sociedade em reuniões nas quais estará sob uma forte expo-
sição midiática. Em vária dessas ocasiões, o governo brasileiro tem fo-
mentado e mesmo financiado a preparação dos fóruns de entidades inte-
ressadas em participar das reuniões, como foi o caso da ECO-92 (ALVES,
2001), no Rio de Janeiro ou a Rio+10, em Joanesburgo, na qual o governo
FHC ambicionava assumir maior protagonismo. Já no caso da preparação
da Rio+20, visando fugir às críticas conhecidas, a estratégia adotada pelo
governo foi a de esvaziamento da participação da sociedade civil, pois não
se tratou de fornecer um mínimo dos recursos necessários para garantir
o seu envolvimento.
A participação de representantes não governamentais em delegações
oficiais é outro aspecto no qual vemos refletida a desigualdade estrutural
de recursos entre empresas e sociedade civil, pois embora o Itamaraty acei-
te representantes de empresas e organizações da sociedade civil em suas
delegações oficiais, não assume os custos de suas viagens e estadas. Como
é bastante raro que ONGs tenham condição de arcar com tais gastos, a
superioridade numérica de representantes de empresas junto a diplomatas
e funcionários de governo envolvidos nas negociações é inconteste. Nos
poucos casos em que a delegação oficial incorporou número significativo
de representantes de empresas e sociedade civil, como na MOP3 do Proto-
colo de Cartagena, em Curitiba, em 2006, o Itamaraty fazia suas reuniões
de governo reservadamente, separadas daquelas que seriam as reuniões do
conjunto da delegação, transformadas em grandes assembleias sem poder
deliberativo. Nos grupos de contato, reuniões nas quais um grupo pequeno
de países busca solucionar os principais pontos que bloqueiam determina-
das negociações, ONGs são sumariamente excluídas, sendo possível que
até representantes do MMA também permaneçam do lado de fora.
A política externa de meio ambiente pode ser influenciada também
por considerações de política externa, muitas vezes inteiramente alheias
LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada
87
às questões ambientais, como a manutenção ou conquista de posições
de liderança nos cenários regionais ou internacional, a política de blocos
ou subordinação a países mais influentes e mesmo a troca de acordos,
o apoio e concessões das agendas ambientais por outros pertencentes a
agendas não ambientais de maior interesse dos países.
A política brasileira na Conferência Internacional sobre Baleias é
um caso clássico de oportunismo político, pois a mudança de posiciona-
mento do país, favorável inicialmente à caça da baleia e depois a favor
de uma moratória, deveu-se a considerações exclusivamente políticas, vi-
sando reduzir o isolamento do país, criticado internacionalmente entre
outras razões por não combater com a devida energia o desmatamento
na Amazônia e por não ter sido capaz de evitar o assassinato do líder dos
seringueiros, Chico Mendes. As preocupações relativas à manutenção e
reforço da liderança brasileira na América Latina e Caribe na agrupação
regional, que se denomina GRULAC, também explicam porque o Brasil
frequentemente acaba por acatar posições diferentes daquelas que ini-
cialmente pretenderia defender. O risco de isolamento diplomático pode
levar o Itamaraty a contrariar a orientação dos representantes dos minis-
térios econômicos e das empresas, pois se trataria de evitar que a defesa
de posições políticas sem chances de vitória trouxessem, além da evidente
derrota, isolamento e perda de poder político para o Brasil. A conclusão
das negociações do Protocolo de Cartagena em Montreal, 2001, é um
exemplo desta situação (NOGUEIRA, 2002), bem como as duas últimas
reuniões deste mesmo Protocolo.
Empresas
Somente na segunda metade dos anos 90, quando as principais con-
venções de meio ambiente já haviam sido assinadas – Basileia, Mudanças
Climáticas e Biodiversidade - foi que as empresas descobriram a impor-
tância decisiva de acompanhar, in loco, as negociações internacionais de
meio ambiente. Daí em adiante cresce a sua presença nos encontros e o
investimento na formação de consultores especializados nos seus diver-
sos assuntos, bem como na história e na metodologia das negociações
internacionais. Essa será uma das razões pelas quais as negociações para
a Convenção de Estocolmo, o Protocolo de Cartagena e as conferências
da Convenção de Biodiversidade e as grandes conferências ambientais do
meio da década de 90 vão se tornar cada vez mais difíceis. As empresas
participam de várias formas: diretamente como empresas, enquadradas
na categoria de organizações não governamentais conforme as regras
da ONU; como parte das delegações oficiais enquanto empresas; e como
grupos de cientistas ou entidades, promovendo tecnologias, realizando
eventos e distribuindo materiais. O surgimento de acordos do Type 2,
não vinculantes e possíveis de serem firmados entre Estados, empresas
e ONGs da Sociedade Civil foi uma das consequências de sua participa-
ção ativa. E já houve situações nas quais o texto básico sobre o qual se
desenvolveram as negociações foi um no-paper proposto por empresas,
como foi o caso da primeira proposta de um protocolo de responsabili-
dade legal dentro do Protocolo de Cartagena. As dificuldades crescentes
estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94
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em se negociarem questões ambientais que envolvem grandes interesses
econômicos tem tornado os Estados muito mais propensos a acatarem
sugestões e propostas vindas das suas próprias empresas.
Sociedade Civil
A atuação de ONGs e movimentos sociais em negociações interna-
cionais só se generalizou, e isso com limites, recentemente. No entanto,
algumas delas têm longa experiência neste tipo de atuação e tiveram par-
ticipação decisiva em algumas convenções, como foi o caso do Greenpeace
Internacional, que conta com um departamento especializado em nego-
ciações internacionais, a Policy Unity. Entre as suas atuações mais notáveis
estão aquelas ocorridas nas convenções sobre a Antártica (VILLA, 1994,
2005), sobre caça a Baleias, na Convenção de Londres sobre Despejo no
Mar (M’GONIGLE, 1999), na Convenção da Basileia sobre Movimentos
Transfronteiriços de Resíduos Perigosos (LISBOA,2009), na Convenção
sobre Mudanças Climáticas, na Convenção sobre Diversidade Biológica e
na Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes. Nos
últimos anos, contudo, a atuação do Greenpeace Internacional nas conven-
ções internacionais tem se enfraquecido consideravelmente, enquanto
outras grandes ONGs internacionais aí assumiram maior protagonismo,
como a Friends of the Earth (FoE), a Third World Network (TWN) e a Cris-
tian Aid, entre outras. Só recentemente ONGs nacionais ou locais têm
ampliado a sua participação, mas o tem feito de forma ainda muito limita-
da devido às dificuldades financeiras. Uma exceção a esse quadro é o caso
da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, na
qual a presença de ONGs é garantida por fundos postos à sua disposição
por países e indústrias membros do Intergovernamental Forum for Chemical
Safety, um fórum tripartite que assessora a Convenção. O resultado deste
arranjo é a participação muito mais massiva de ONGs locais dos cinco
continentes nas reuniões internacionais.
A 15ª Conferência das Partes (COP 15) da Convenção de Mudanças
Climáticas em Copenhague, em dezembro de 2009, no entanto, mostrou
uma situação excepcional, devido à presença de um enorme número de
entidades da sociedade civil, muitas delas já havendo participado de ou-
tras reuniões e encontros locais ou regionais, nos quais se tratou de de-
finir propostas a serem levadas à Copenhaguem ( ABRANCHES, 2010).
Diferentemente das reuniões e encontros em acordos multilaterais
de meio ambiente, as grandes conferências sobre Meio Ambiente – Esto-
colmo 72, Rio 92, Joanesburgo 2002 – sempre contaram com uma signifi-
cativa participação de ongues e movimentos sociais. Menos frequentes e
mais genéricas, amplamente divulgadas pelas mídias, atraíram a atenção
e os poucos recursos das organizações da sociedade civil.
De modo geral, embora a participação de organizações e mo-
vimentos da sociedade civil em negociações internacionais enfrente
limitações consideráveis, analistas e funcionários dos órgãos intergo-
vernamentais costumam reconhecer o seu papel de vanguarda na pro-
posição de políticas e nos resultados alcançados (ALVES, 2001; GUIMA-
RÃES,1992; LEIS, 1993 et LISZT,1997). Isso se faz notar principalmente
LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada
89
na representação daqueles países mais democráticos e, portanto, mais
sensíveis à pressão de sua cidadania, como é o caso mais paradigmático
da União Europeia.
O sistema ONU e as negociações de meio ambiente
As duas últimas décadas do século XX testemunharam um grande
avanço nas negociações internacionais de meio ambiente, quando impor-
tantes convenções foram assinadas e o conjunto de princípios, regras e
metodologia de negociações foi desenvolvido e consolidado. No entan-
to, o fim do século já sinalizava dificuldades crescentes na conclusão de
negociações em andamento, de que são exemplo o Protocolo de Quio-
to, a conclusão das negociações sobre a futura Convenção de Estocolmo
e também as longas e difíceis negociações do Protocolo de Cartagena
(BAIL: FALKNER; MARQUARD, 2002). Os resultados francamente insa-
tisfatórios da Rio+10 pareciam indicar o fim de uma era produtiva e o iní-
cio de uma fase na qual os custos políticos e econômicos de tais reuniões
pareciam exceder de muito os seus parcos resultados (LISBOA,2009).
As causas de tal fracasso são obviamente da ordem da macropo-
lítica a serem buscadas em grande parte na concepção desenvolvimen-
tista e economicista que ainda predomina nos círculos governamentais
na maioria esmagadora dos países, o que faz com que o meio ambiente
continue a ser visto como uma espécie de obstáculo ao desenvolvimento
e as políticas econômicas sejam concebidas a contrapelo das políticas am-
bientais (FÓRUM BRASILEIRO DE ONGs E MOVIMENTOS SOCIAIS
PARA O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO, 2007).
Também é fato que muitas das convenções internacionais de meio
ambiente, cujas negociações chegaram a bom termo na última década do
século XX, trataram de temas para os quais era possível alcançar acordos
cujo cumprimento não implicasse mudanças radicais no modo de pro-
dução e consumo das nossas sociedades: desertificação, comércio de es-
pécies ameaçadas, preservação da Antártica, caça à baleia, movimentos
transfronteiriços de resíduos perigosos, destruição da camada de ozônio,
despejo de resíduos perigosos no mar e controle do comércio de subs-
tâncias químicas entre outras. Mas com a Convenção sobre Mudanças
Climáticas e seu Protocolo de Quioto, bem como com a Convenção sobre
Diversidade Biológica e seu Protocolo de Cartagena, a comunidade inter-
nacional atinge um estágio em que um enfrentamento efetivo implica
questionar o modelo produtivista e consumista como um todo (DUPAS
2009; LISBOA,2009 et VEIGA, 2005). Este é um desafio que nem as forças
econômicas hegemônicas, nem os Estados na sua inércia e conservadoris-
mo político, são capazes de assumir. As negociações multilaterais de meio
ambiente patinam, portanto, na primeira década do século XXI entre so-
luções paliativas, mecanismos econômicos palatáveis ao mercado, mas
pouco eficientes, fracassos retumbantes ou avanços quase imperceptíveis,
como o ilustra a profusão os resultados da Rio+20.
Outra razão, ainda que secundária, para explicar a pouca eficácia
das negociações internacionais em enfrentar a degradação ambiental resi-
de na própria arquitetura da governança ambiental internacional (SILVA,
estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94
90
2009). Surgindo aos poucos, desde a constituição do PROGRAMA DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE (PNUMA) em 1972, o
conjunto de órgãos, entidades, conselhos e agências que tratam da ques-
tão ambiental conforma um todo caótico e fragmentado, no qual tanto
ocorrem sobreposições de atribuições, como grandes lacunas, sem que
haja coordenação eficiente entre todos eles (CAUBET, 2006, SOUZA,
2005). Daí resulta a falta de coerência, a baixa eficiência, a falta de financia-
mento adequado, a fragilidade institucional e o déficit de legitimidade das
várias instituições intergovernamentais encarregadas do meio ambiente
(FÓRUM BRASILEIRO DE ONGs E MOVIMENTOS SOCIAIS PARA O
MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO, 2007). As diversas ten-
tativas de criar instâncias de coordenação e articulação, raramente foram
bem sucedidas, significando simplesmente a criação de mais burocracia,
mais reuniões e mais custos.
As regras de procedimento do sistema ONU para elaboração de tra-
tados e compromissos também contribuem para esse baixo desempenho,
pois a exigência e a busca de consenso implicam muitas vezes em dema-
siadas concessões políticas que se traduzem na falta de metas que garan-
tam a implementação dos acordos, na inexistência de instâncias fiscaliza-
doras efetivas do seu cumprimento, bem como órgãos para resolução de
controvérsias e aplicação de sanções (VIEIRA, 2001) . Quando há metas,
elas são negociadas em acordos à parte, os protocolos. As negociações
desses últimos podem ser ainda mais demoradas e difíceis, como ilustram
os casos do Protocolo de Cartagena e de Quioto. O fato de que comis-
sões ou comitês de cumprimento de tratados ambientais apenas aceitem
denúncias de Países Partes, indica o quanto o sistema é feito para não
funcionar, pois diferentemente do que ocorre na OMC, Países Parte não
vêm nenhuma vantagem econômica em queixar-se do descumprimento
de medidas ambientais por outros países.
O sistema ONU também se mostra frágil quando se trata de garan-
tir a implementação de seus acordos nas circunstâncias em que estes con-
trariem programas, mecanismos e políticas das instituições financeiras
multilaterais do sistema Bretton Woods. Além do mais, programas de ajus-
tes estruturais e adoção de políticas macroeconômicas frequentemente
contribuem para a degradação ambiental e para o desrespeito a acordos
estabelecidos internacionalmente em relação ao meio ambiente.
A implementação de políticas aprovadas em acordos internacionais
também se vê muito comprometida pela falta de financiamento adequa-
do, pois o acesso ao GEF, o Fundo Ambiental Global gerido pelo Banco
Mundial, se mostra difícil para grande parte dos países, pouco transpa-
rente e influenciado pelas políticas e interesses dos países doadores.
Além disso, a falta de vontade política para implementar os acordos
também é uma das razões que explicam o fato de que estes permaneçam
letra morta em grande parte do globo. As autoridades que negociam os
acordos de meio ambiente em geral situam-se em posição subalterna na
definição das macropolíticas de seus países, o que lhes impede de fazer
valer os compromissos assumidos externamente.
A fragilidade do sistema ONU tornou-se mais evidente ainda com
a criação da OMC em 1995. Pouco acessível às ONGs, mas em uma quase
LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada
91
simbiose com as empresas, esta organização tem adotado políticas que
desconhecem e por vezes contrariam frontalmente princípios e políticas
ambientais consagrados, bem como tratados e acordos ambientais (SAN-
CHEZ, 2006 et RODRIGUEZ, 2005). O Acordo Fitossanitário da OMC,
por exemplo, não reconhece o Princípio da Precaução como justificativa
para que países estabeleçam restrições duradouras a produtos e serviços.
Várias são as áreas de potenciais conflitos entre a OMC e os trata-
dos multilaterais de meio ambiente, algumas delas já tendo sido objeto de
decisões de painéis de arbitragem, como o caso da importação de pneus
usados e reciclados da União Europeia para o Brasil, ou da importação de
transgênicos dos EUA e Argentina para a União Europeia. Finalmente um
terreno de crescente conflito entre a OMC e a Convenção Sobre Diver-
sidade Biológica tem sido aquele que se refere à propriedade intelectual,
opondo de um lado o Tratado sobre Aspectos do Direito de Propriedade
Intelectual da OMC e os tratados de meio ambiente voltados para a prote-
ção da biodiversidade e dos conhecimentos coletivos como a Convenção
sobre Diversidade Biológica (KWEITEL, SANCHEZ 2007). O Tratado
Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricul-
tura, aprovado em 2004, embora reconheça o direito dos agricultores a
guardar, usar e trocar sementes, não lhes reconhece tais direitos como
direitos humanos e tampouco estabelece regras internacionais para pro-
tegê-los (SANTILLI, 2005). O avanço sobre os conhecimentos agrícolas
visando a sua privatização, em particular daqueles referentes a sementes
e variedades de plantas motivaram a Via Campesina a reivindicar junto à
ONU a elaboração de um tratado sobre direito dos agricultores.
Fases da diplomacia descentralizada
Grosso modo, seria possível dividir as quatro últimas décadas das
negociações ambientais em meio ambiente em três fases de acordo às
suas características e resultados, aí incluindo-se a participação dos atores
estatais, sociedade civil e setor empresarial.
O período composto pela década de 70, 80 e pela metade da década
de 90 correspondeu à fase em que se criam e se desenvolvem as teorias,
conhecimentos, princípios, políticas mais gerais e órgãos encarregados
do meio ambiente, sendo assinada a maioria dos acordos ambientais im-
portantes. Os funcionários da ONU desempenham, nessa fase, um papel
fundamental, juntamente com técnicos de muitos países e ONGs (RIBEI-
RO 2005; SILVA 2010 et VIEIRA 2001). Os grandes progressos dessa época
podem ser atribuídos em parte, paradoxalmente, ao fato de que o meio
ambiente ainda não se tornara um elemento importante da agenda da
maioria dos países (LISBOA, 2009). Assim, diplomatas, técnicos e enti-
dades da sociedade civil desfrutaram de um maior espaço de manobra,
alcançando consensos consideráveis em torno de políticas que posterior-
mente encontrarão grande dificuldade em serem implementadas devido
a resistências locais e mesmo internacionais.
Joanesburgo, em 2002, com seus modestíssimos resultados assinala
a entrada em uma fase de estagnação nas negociações internacionais de
meio ambiente. O deslocamento da atenção mundial da questão ambien-
estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94
92
tal para os riscos do terrorismo após o 11 de setembro, a maior dimensão
dos desafios, a interferência cada vez mais forte das empresas são algu-
mas das causas desta estagnação. Outros sinais da debilidade das negocia-
ções foram a aprovação de acordos bilaterais de tipo não vinculante, bem
como o claro desvio da temática ambiental para a temática da pobreza.
	 Uma nova fase parece se iniciar com a ampla mobilização de mo-
vimentos sociais de base articulados por meio de amplas redes interna-
cionais em torno a temas de justiça ambiental. Desde Seattle e do surgi-
mento do Fórum Social Mundial temos visto a crescente participação de
movimentos sociais locais e regionais no chamado movimento antiglo-
balização, mas Copenhague 2010 foi a primeira vez em que um número
considerável de movimentos sociais de todo o planeta compareceu a uma
reunião como essa (ABRANCHES 2010). O fracasso dessa reunião e o
grau de radicalização dos movimentos sociais marcou o início de uma
fase de crescente confronto entre a Sociedade Civil e os governos nacio-
nais no que tange às questões ambientais, em particular no que tem a ver
com a justiça climática, a proteção dos modos de vida dos povos indíge-
nas e das populações tradicionais.
O desencontro entre as organizações e movimentos sociais da So-
ciedade Civil de um lado e seus governos, órgãos intergovernamentais
e empresas do outro parece ter atingido um novo patamar durante a
Rio+20, em junho de 2012. Enquanto governos, o PROGRAMA DAS NA-
ÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE e empresas desenvolveram
estudos e defenderam propostas de instrumentos de mercado para lidar
com os desafios ambientais, ONGs e movimentos sociais denunciavam
tais políticas como estratégias do capitalismo global visando garantir a
continuidade de seu modo de produção e consumo insustentáveis am-
bientalmente. Ao longo do ano 2011, nas discussões preparatórias para a
Rio+20, o fosso entre essas duas visões foi se aprofundando e, portanto, a
Rio+20, só não decepcionou mais, porque seu fracasso já era claramente
esperado, às suas vésperas.
Em resumo, à diferença de 1992, quando houve uma convergência
inesperada para muitos entre governos e movimentos sociais, a Rio+20
foi o marco de uma divergência radical. Se, e quando haverá novamente
uma convergência, não é possível prever. Por algum tempo, certamente
estes dois decisivos atores da política ambiental internacional caminharão
separados, até que os movimentos sociais sejam capazes de tornar mais
consistentes as suas propostas e transformá-las em uma agenda política
concreta, pressionando sociedades e governos a assumi-las, como ocor-
reu na ECO-92. Mas tal consenso mínimo será agora muito mais difícil,
senão impossível de ser atingido, pois o que esses movimentos defendem
hoje em dia, é o fim de uma economia produtivista e consumista, que
acredita poder resolver grande parte dos problemas econômicos, políticos
e ambientais do planeta por meio de uma crescimento econômico que
satisfaça a gregos e troianos, ou seja a capitalistas e populações excluí-
das. Tal perspectiva é incompatível com as limitações físicas do planeta,
não havendo mecanismos de mercado e novas tecnologias que possam fe-
char essa equação (ALIER, SCHLÜPMANN, 1991; DUPAS, 2007; LISBOA
2009; PORTO-GONÇALVES 2006; TIEZZI 1988), sem que as condições
LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada
93
de sobrevivência da espécie humana sejam profundamente prejudicadas .
Assim, ingressamos em um período das negociações internacionais
em meio ambiente onde a mediocridade dos resultados possivelmente
será a regra. A novidade passa a ser a presença ruidosa, rebelde e descon-
tente de uma sociedade civil mundial diversificada, composta de organi-
zações locais dos mais diversos matizes, mas crescentemente organizada
em rede, apropriando-se das temáticas ambientais, tecendo seus próprios
discursos e reivindicando uma ampliação do seu espaço de participação e
intervenção nessas negociações.
REFERÊNCIAS
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  • 1. 8383 Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada Marijane Vieira Lisboa1 RESUMO O artigo pretende discutir como tem evoluído a atuação de Estados, Empresas e Sociedade Civil nas negociações internacionais em meio ambiente desde os anos 70, o espaço que o sistema ONU reserva a cada um desses atores, bem como sugerir uma periodização destas negociações em três fases, de acordo às suas características e resultados, incluindo-se entre tais características a qualidade da participação destes atores estatais. ABSTRACT The article pretends to discuss how the role of States, companies and the civil society has evolved in international negotiations about the environment since the 70s, the space that the UN system reserves for each one of these actors as well as suggest a periodization of these negotiations in three phases according to their characteristics and results, including within these characteristics the quality of participation of these state actors. 1. Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professora de Sociologia na Pós Graduação de Geografia e das Graduações de Relações Internacio- nais e Ciências Sociais da PUC-SP. Recebido em: 27 de setembro de 2012 Aprovado em: 16 de novemro de 2012
  • 2. estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94 84 O conceito de diplomacia descentralizada reconhece o fato de que a diplomacia não é apenas resultado da atuação de órgãos estatais, mas tam- bém de uma complexa interação entre esses órgãos e outros atores sociais como empresas, organizações da sociedade civil e mesmo personalida- des políticas, e do cenário acadêmico e artístico. Tal reconhecimento, no entanto, não contesta o fato de que os principais atores nas negociações internacionais continuem sendo os órgãos estatais, os únicos com efetivo poder de voz e voto nas instituições internacionais governamentais. Isto posto, como vêm se comportando estes três atores, Estado, Mercado e Sociedade Civil na história relativamente recente das negocia- ções internacionais em meio ambiente? E qual é o espaço que o sistema ONU reserva a cada um desses atores? As considerações teóricas que se seguem são resultado de uma longa experiência pessoal em participar de convenções e reuniões sobre meio ambiente desde 1992, iniciando-se com a Rio-92 e chegando até os dias de hoje. Embora em quase todas essas ocasiões eu tenha compare- cido na qualidade de consultora de diferentes organizações da sociedade civil, o que certamente influenciou e segue influenciando minha perspec- tiva sobre toda a problemática, acredito que tais considerações sejam tão úteis a um debate acadêmico sobre relações internacionais quanto outras que concedam maior valor, assessorem ou resultem do estudo da atuação de atores estatais ou de mercado. A diplomacia estatal em meio ambiente As formas de representação e atuação da diplomacia estatal em meio ambiente podem variar consideravelmente dependendo de uma série de fatores políticos de ordem interna e externa. No âmbito interno, são de- terminantes a arquitetura institucional da área ambiental de cada país, a importância e a relativa autonomia da sua política ambiental em relação a outras políticas de forte impacto na agenda ambiental como as políticas referentes à mineração e energia, à ciência e tecnologia, à política agrária e industrial, bem como a importância relativa dos diferentes temas am- bientais para a agenda de um país determinado, além do maior ou menor comprometimento de seus diferentes governos e forças políticas em relação a agendas ambientais em geral e a temas ambientais em particular. Em relação à arquitetura institucional da área ambiental, hoje em dia a maioria dos países pertencentes ao sistema ONU possuem ministé- rios de meio ambiente. Mas essa não foi a realidade nos primeiros tempos da agenda internacional ambiental. Os primeiros países a criarem minis- térios especializados em meio ambiente foram os países nórdicos e a Re- pública Federal Alemã, sendo só muito mais tarde acompanhados pelos demais países da OCDE e pelos países em desenvolvimento. No Brasil, só com a ECO-92 é que a Secretaria de Meio Ambiente, SEMA, criada ainda durante o governo militar, será transformada em ministério. Até o fim do século XX, era comum que a política ambiental de muitos países em desenvolvimento estivesse a cargo de ministérios da saúde, ou de minis- térios de desenvolvimento ou ainda de departamentos ou agências encar- regados da conservação de recursos florestais. Uma exceção nesse quadro
  • 3. LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada 85 permanece sendo os EUA, cujo órgão responsável pela política ambiental é uma agência com atribuições bastante restritas, a EPA, o que faz com que sua política externa de meio ambiente seja, sobretudo, o resultado do posicionamento de outros órgãos do poder executivo e mesmo do legisla- tivo, cujas comissões especializadas exercem considerável pressão sobre essas políticas externas. A simples criação de um ministério de meio ambiente, no entanto, pouco revelava sobre a importância que países atribuíram à questão am- biental no âmbito interno e externo, tendo significado em muitos casos mera concessão à crescente preocupação das opiniões públicas nacional e internacional. A função decorativa dos ministérios de meio ambiente, cuja atividade frequentemente se resume à conservação de áreas florestais ou à mitigação dos impactos causados por atividades econômicas, torna- -se meridianamente clara nas ocasiões em que se trata de definir posicio- namentos a serem assumidos por seus governos em negociações interna- cionais. Raramente são os ministérios do meio ambiente os encarregados de propor as políticas, liderar o processo interno de discussão e chefiar as delegações diplomáticas. É frequente que os órgãos diplomáticos pri- vilegiem as preocupações de ordem econômica oriundas dos ministérios respectivos (Indústria, comércio, tecnologia, agricultura, energia, mine- ração) em detrimento do ministério de meio ambiente, e muitas vezes, também do ministério de saúde. A composição das delegações é outro claro indicativo da importância relativa que governos conferem à questão ambiental, sendo comum, quase sempre a regra, que a maioria dos mem- bros de delegações em negociações internacionais não pertençam à área ambiental. Apenas quando se tratam de conferências ministeriais ou do segmento ministerial de conferências de meio ambiente é que ministros assumem a chefia da delegação, razão pela qual os órgãos diplomáticos costumam evitá-las. Mais revelador ainda é o fato de que algumas vezes não sejam autoridades ambientais as designadas para assumir os “pontos focais” de convenções ambientais, mas sim ministérios econômicos ou órgãos diplomáticos. O exemplo brasileiro é ilustrativo. A concepção itamaratiana de po- lítica ambiental como a compatibilização entre os interesses econômicos do país de um lado e os objetivos de preservação dos recursos ambientais de outro, tem levado o país a definir os seus posicionamentos em nego- ciações internacionais como uma somatória dos diversos posicionamentos de diversos ministérios, na qual raramente se respeita o ponto de vista do Ministério do Meio Ambiente (LISBOA,2002). Nas poucas situações em que a resistência do MMA em dobrar-se ao posicionamento da “maioria” gerou um impasse, o Itamaraty recorreu à Casa Civil para solucioná-lo, a exemplo do que aconteceu em várias das reuniões do Protocolo de Cartagena. Inva- riavelmente nessas circunstâncias, o voto de minerva da Casa Civil vai para os ministérios “econômicos”, cujos interesses são classificados como “estra- tégicos” em detrimento dos pontos de vista sustentados pela área ambien- tal. Como consequência destes arranjos políticos conjunturais e setoriais, desvinculados de princípios, conceitos e políticas ambientais fundamentais, carece a política externa brasileira de coerência, expertise e continuidade, o que certamente não é um privilégio apenas seu.
  • 4. estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94 86 No que tange ao envolvimento da sociedade na discussão e defi- nição de posicionamentos a serem levados em reuniões internacionais de meio ambiente pelo país, ou seja, no que se refere à legitimidade de seus posicionamentos, o Itamaraty se restringe a adotar procedimentos formalmente transparentes e democráticos, pois convida para reuniões abertas empresas, academia e sociedade civil. As reuniões preparatórias ocorrem em Brasília, para as quais são convidados todos os ministérios eventualmente envolvidos com o assunto em questão, empresas e o Fó- rum Brasileiro de Organizações e Movimentos Sociais (FBOMS), organi- zação que tem sofrido um processo de esvaziamento político crescente, entre outras razões pelo seu forte envolvimento com os últimos gover- nos. ONGs interessadas em certos temas devem comunicar o desejo de serem convidadas e arcar com os custos da viagem e hospedagem. Essa questão dos custos, no entanto, introduz um elemento estrutural de de- sigualdade entre empresas e sociedade civil, pois enquanto as primeiras dispõem de recursos suficientes para enviarem seus representantes a vá- rias reuniões em Brasília, as últimas dificilmente o podem fazer. Momentos de maior abertura do Itamaraty para a sociedade civil são apenas aqueles em que a diplomacia oficial busca apoio político para fortalecer sua atuação e evitar desgastes resultantes de críticas vindas da sua própria sociedade em reuniões nas quais estará sob uma forte expo- sição midiática. Em vária dessas ocasiões, o governo brasileiro tem fo- mentado e mesmo financiado a preparação dos fóruns de entidades inte- ressadas em participar das reuniões, como foi o caso da ECO-92 (ALVES, 2001), no Rio de Janeiro ou a Rio+10, em Joanesburgo, na qual o governo FHC ambicionava assumir maior protagonismo. Já no caso da preparação da Rio+20, visando fugir às críticas conhecidas, a estratégia adotada pelo governo foi a de esvaziamento da participação da sociedade civil, pois não se tratou de fornecer um mínimo dos recursos necessários para garantir o seu envolvimento. A participação de representantes não governamentais em delegações oficiais é outro aspecto no qual vemos refletida a desigualdade estrutural de recursos entre empresas e sociedade civil, pois embora o Itamaraty acei- te representantes de empresas e organizações da sociedade civil em suas delegações oficiais, não assume os custos de suas viagens e estadas. Como é bastante raro que ONGs tenham condição de arcar com tais gastos, a superioridade numérica de representantes de empresas junto a diplomatas e funcionários de governo envolvidos nas negociações é inconteste. Nos poucos casos em que a delegação oficial incorporou número significativo de representantes de empresas e sociedade civil, como na MOP3 do Proto- colo de Cartagena, em Curitiba, em 2006, o Itamaraty fazia suas reuniões de governo reservadamente, separadas daquelas que seriam as reuniões do conjunto da delegação, transformadas em grandes assembleias sem poder deliberativo. Nos grupos de contato, reuniões nas quais um grupo pequeno de países busca solucionar os principais pontos que bloqueiam determina- das negociações, ONGs são sumariamente excluídas, sendo possível que até representantes do MMA também permaneçam do lado de fora. A política externa de meio ambiente pode ser influenciada também por considerações de política externa, muitas vezes inteiramente alheias
  • 5. LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada 87 às questões ambientais, como a manutenção ou conquista de posições de liderança nos cenários regionais ou internacional, a política de blocos ou subordinação a países mais influentes e mesmo a troca de acordos, o apoio e concessões das agendas ambientais por outros pertencentes a agendas não ambientais de maior interesse dos países. A política brasileira na Conferência Internacional sobre Baleias é um caso clássico de oportunismo político, pois a mudança de posiciona- mento do país, favorável inicialmente à caça da baleia e depois a favor de uma moratória, deveu-se a considerações exclusivamente políticas, vi- sando reduzir o isolamento do país, criticado internacionalmente entre outras razões por não combater com a devida energia o desmatamento na Amazônia e por não ter sido capaz de evitar o assassinato do líder dos seringueiros, Chico Mendes. As preocupações relativas à manutenção e reforço da liderança brasileira na América Latina e Caribe na agrupação regional, que se denomina GRULAC, também explicam porque o Brasil frequentemente acaba por acatar posições diferentes daquelas que ini- cialmente pretenderia defender. O risco de isolamento diplomático pode levar o Itamaraty a contrariar a orientação dos representantes dos minis- térios econômicos e das empresas, pois se trataria de evitar que a defesa de posições políticas sem chances de vitória trouxessem, além da evidente derrota, isolamento e perda de poder político para o Brasil. A conclusão das negociações do Protocolo de Cartagena em Montreal, 2001, é um exemplo desta situação (NOGUEIRA, 2002), bem como as duas últimas reuniões deste mesmo Protocolo. Empresas Somente na segunda metade dos anos 90, quando as principais con- venções de meio ambiente já haviam sido assinadas – Basileia, Mudanças Climáticas e Biodiversidade - foi que as empresas descobriram a impor- tância decisiva de acompanhar, in loco, as negociações internacionais de meio ambiente. Daí em adiante cresce a sua presença nos encontros e o investimento na formação de consultores especializados nos seus diver- sos assuntos, bem como na história e na metodologia das negociações internacionais. Essa será uma das razões pelas quais as negociações para a Convenção de Estocolmo, o Protocolo de Cartagena e as conferências da Convenção de Biodiversidade e as grandes conferências ambientais do meio da década de 90 vão se tornar cada vez mais difíceis. As empresas participam de várias formas: diretamente como empresas, enquadradas na categoria de organizações não governamentais conforme as regras da ONU; como parte das delegações oficiais enquanto empresas; e como grupos de cientistas ou entidades, promovendo tecnologias, realizando eventos e distribuindo materiais. O surgimento de acordos do Type 2, não vinculantes e possíveis de serem firmados entre Estados, empresas e ONGs da Sociedade Civil foi uma das consequências de sua participa- ção ativa. E já houve situações nas quais o texto básico sobre o qual se desenvolveram as negociações foi um no-paper proposto por empresas, como foi o caso da primeira proposta de um protocolo de responsabili- dade legal dentro do Protocolo de Cartagena. As dificuldades crescentes
  • 6. estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94 88 em se negociarem questões ambientais que envolvem grandes interesses econômicos tem tornado os Estados muito mais propensos a acatarem sugestões e propostas vindas das suas próprias empresas. Sociedade Civil A atuação de ONGs e movimentos sociais em negociações interna- cionais só se generalizou, e isso com limites, recentemente. No entanto, algumas delas têm longa experiência neste tipo de atuação e tiveram par- ticipação decisiva em algumas convenções, como foi o caso do Greenpeace Internacional, que conta com um departamento especializado em nego- ciações internacionais, a Policy Unity. Entre as suas atuações mais notáveis estão aquelas ocorridas nas convenções sobre a Antártica (VILLA, 1994, 2005), sobre caça a Baleias, na Convenção de Londres sobre Despejo no Mar (M’GONIGLE, 1999), na Convenção da Basileia sobre Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos (LISBOA,2009), na Convenção sobre Mudanças Climáticas, na Convenção sobre Diversidade Biológica e na Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes. Nos últimos anos, contudo, a atuação do Greenpeace Internacional nas conven- ções internacionais tem se enfraquecido consideravelmente, enquanto outras grandes ONGs internacionais aí assumiram maior protagonismo, como a Friends of the Earth (FoE), a Third World Network (TWN) e a Cris- tian Aid, entre outras. Só recentemente ONGs nacionais ou locais têm ampliado a sua participação, mas o tem feito de forma ainda muito limita- da devido às dificuldades financeiras. Uma exceção a esse quadro é o caso da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, na qual a presença de ONGs é garantida por fundos postos à sua disposição por países e indústrias membros do Intergovernamental Forum for Chemical Safety, um fórum tripartite que assessora a Convenção. O resultado deste arranjo é a participação muito mais massiva de ONGs locais dos cinco continentes nas reuniões internacionais. A 15ª Conferência das Partes (COP 15) da Convenção de Mudanças Climáticas em Copenhague, em dezembro de 2009, no entanto, mostrou uma situação excepcional, devido à presença de um enorme número de entidades da sociedade civil, muitas delas já havendo participado de ou- tras reuniões e encontros locais ou regionais, nos quais se tratou de de- finir propostas a serem levadas à Copenhaguem ( ABRANCHES, 2010). Diferentemente das reuniões e encontros em acordos multilaterais de meio ambiente, as grandes conferências sobre Meio Ambiente – Esto- colmo 72, Rio 92, Joanesburgo 2002 – sempre contaram com uma signifi- cativa participação de ongues e movimentos sociais. Menos frequentes e mais genéricas, amplamente divulgadas pelas mídias, atraíram a atenção e os poucos recursos das organizações da sociedade civil. De modo geral, embora a participação de organizações e mo- vimentos da sociedade civil em negociações internacionais enfrente limitações consideráveis, analistas e funcionários dos órgãos intergo- vernamentais costumam reconhecer o seu papel de vanguarda na pro- posição de políticas e nos resultados alcançados (ALVES, 2001; GUIMA- RÃES,1992; LEIS, 1993 et LISZT,1997). Isso se faz notar principalmente
  • 7. LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada 89 na representação daqueles países mais democráticos e, portanto, mais sensíveis à pressão de sua cidadania, como é o caso mais paradigmático da União Europeia. O sistema ONU e as negociações de meio ambiente As duas últimas décadas do século XX testemunharam um grande avanço nas negociações internacionais de meio ambiente, quando impor- tantes convenções foram assinadas e o conjunto de princípios, regras e metodologia de negociações foi desenvolvido e consolidado. No entan- to, o fim do século já sinalizava dificuldades crescentes na conclusão de negociações em andamento, de que são exemplo o Protocolo de Quio- to, a conclusão das negociações sobre a futura Convenção de Estocolmo e também as longas e difíceis negociações do Protocolo de Cartagena (BAIL: FALKNER; MARQUARD, 2002). Os resultados francamente insa- tisfatórios da Rio+10 pareciam indicar o fim de uma era produtiva e o iní- cio de uma fase na qual os custos políticos e econômicos de tais reuniões pareciam exceder de muito os seus parcos resultados (LISBOA,2009). As causas de tal fracasso são obviamente da ordem da macropo- lítica a serem buscadas em grande parte na concepção desenvolvimen- tista e economicista que ainda predomina nos círculos governamentais na maioria esmagadora dos países, o que faz com que o meio ambiente continue a ser visto como uma espécie de obstáculo ao desenvolvimento e as políticas econômicas sejam concebidas a contrapelo das políticas am- bientais (FÓRUM BRASILEIRO DE ONGs E MOVIMENTOS SOCIAIS PARA O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO, 2007). Também é fato que muitas das convenções internacionais de meio ambiente, cujas negociações chegaram a bom termo na última década do século XX, trataram de temas para os quais era possível alcançar acordos cujo cumprimento não implicasse mudanças radicais no modo de pro- dução e consumo das nossas sociedades: desertificação, comércio de es- pécies ameaçadas, preservação da Antártica, caça à baleia, movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos, destruição da camada de ozônio, despejo de resíduos perigosos no mar e controle do comércio de subs- tâncias químicas entre outras. Mas com a Convenção sobre Mudanças Climáticas e seu Protocolo de Quioto, bem como com a Convenção sobre Diversidade Biológica e seu Protocolo de Cartagena, a comunidade inter- nacional atinge um estágio em que um enfrentamento efetivo implica questionar o modelo produtivista e consumista como um todo (DUPAS 2009; LISBOA,2009 et VEIGA, 2005). Este é um desafio que nem as forças econômicas hegemônicas, nem os Estados na sua inércia e conservadoris- mo político, são capazes de assumir. As negociações multilaterais de meio ambiente patinam, portanto, na primeira década do século XXI entre so- luções paliativas, mecanismos econômicos palatáveis ao mercado, mas pouco eficientes, fracassos retumbantes ou avanços quase imperceptíveis, como o ilustra a profusão os resultados da Rio+20. Outra razão, ainda que secundária, para explicar a pouca eficácia das negociações internacionais em enfrentar a degradação ambiental resi- de na própria arquitetura da governança ambiental internacional (SILVA,
  • 8. estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94 90 2009). Surgindo aos poucos, desde a constituição do PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE (PNUMA) em 1972, o conjunto de órgãos, entidades, conselhos e agências que tratam da ques- tão ambiental conforma um todo caótico e fragmentado, no qual tanto ocorrem sobreposições de atribuições, como grandes lacunas, sem que haja coordenação eficiente entre todos eles (CAUBET, 2006, SOUZA, 2005). Daí resulta a falta de coerência, a baixa eficiência, a falta de financia- mento adequado, a fragilidade institucional e o déficit de legitimidade das várias instituições intergovernamentais encarregadas do meio ambiente (FÓRUM BRASILEIRO DE ONGs E MOVIMENTOS SOCIAIS PARA O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO, 2007). As diversas ten- tativas de criar instâncias de coordenação e articulação, raramente foram bem sucedidas, significando simplesmente a criação de mais burocracia, mais reuniões e mais custos. As regras de procedimento do sistema ONU para elaboração de tra- tados e compromissos também contribuem para esse baixo desempenho, pois a exigência e a busca de consenso implicam muitas vezes em dema- siadas concessões políticas que se traduzem na falta de metas que garan- tam a implementação dos acordos, na inexistência de instâncias fiscaliza- doras efetivas do seu cumprimento, bem como órgãos para resolução de controvérsias e aplicação de sanções (VIEIRA, 2001) . Quando há metas, elas são negociadas em acordos à parte, os protocolos. As negociações desses últimos podem ser ainda mais demoradas e difíceis, como ilustram os casos do Protocolo de Cartagena e de Quioto. O fato de que comis- sões ou comitês de cumprimento de tratados ambientais apenas aceitem denúncias de Países Partes, indica o quanto o sistema é feito para não funcionar, pois diferentemente do que ocorre na OMC, Países Parte não vêm nenhuma vantagem econômica em queixar-se do descumprimento de medidas ambientais por outros países. O sistema ONU também se mostra frágil quando se trata de garan- tir a implementação de seus acordos nas circunstâncias em que estes con- trariem programas, mecanismos e políticas das instituições financeiras multilaterais do sistema Bretton Woods. Além do mais, programas de ajus- tes estruturais e adoção de políticas macroeconômicas frequentemente contribuem para a degradação ambiental e para o desrespeito a acordos estabelecidos internacionalmente em relação ao meio ambiente. A implementação de políticas aprovadas em acordos internacionais também se vê muito comprometida pela falta de financiamento adequa- do, pois o acesso ao GEF, o Fundo Ambiental Global gerido pelo Banco Mundial, se mostra difícil para grande parte dos países, pouco transpa- rente e influenciado pelas políticas e interesses dos países doadores. Além disso, a falta de vontade política para implementar os acordos também é uma das razões que explicam o fato de que estes permaneçam letra morta em grande parte do globo. As autoridades que negociam os acordos de meio ambiente em geral situam-se em posição subalterna na definição das macropolíticas de seus países, o que lhes impede de fazer valer os compromissos assumidos externamente. A fragilidade do sistema ONU tornou-se mais evidente ainda com a criação da OMC em 1995. Pouco acessível às ONGs, mas em uma quase
  • 9. LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada 91 simbiose com as empresas, esta organização tem adotado políticas que desconhecem e por vezes contrariam frontalmente princípios e políticas ambientais consagrados, bem como tratados e acordos ambientais (SAN- CHEZ, 2006 et RODRIGUEZ, 2005). O Acordo Fitossanitário da OMC, por exemplo, não reconhece o Princípio da Precaução como justificativa para que países estabeleçam restrições duradouras a produtos e serviços. Várias são as áreas de potenciais conflitos entre a OMC e os trata- dos multilaterais de meio ambiente, algumas delas já tendo sido objeto de decisões de painéis de arbitragem, como o caso da importação de pneus usados e reciclados da União Europeia para o Brasil, ou da importação de transgênicos dos EUA e Argentina para a União Europeia. Finalmente um terreno de crescente conflito entre a OMC e a Convenção Sobre Diver- sidade Biológica tem sido aquele que se refere à propriedade intelectual, opondo de um lado o Tratado sobre Aspectos do Direito de Propriedade Intelectual da OMC e os tratados de meio ambiente voltados para a prote- ção da biodiversidade e dos conhecimentos coletivos como a Convenção sobre Diversidade Biológica (KWEITEL, SANCHEZ 2007). O Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricul- tura, aprovado em 2004, embora reconheça o direito dos agricultores a guardar, usar e trocar sementes, não lhes reconhece tais direitos como direitos humanos e tampouco estabelece regras internacionais para pro- tegê-los (SANTILLI, 2005). O avanço sobre os conhecimentos agrícolas visando a sua privatização, em particular daqueles referentes a sementes e variedades de plantas motivaram a Via Campesina a reivindicar junto à ONU a elaboração de um tratado sobre direito dos agricultores. Fases da diplomacia descentralizada Grosso modo, seria possível dividir as quatro últimas décadas das negociações ambientais em meio ambiente em três fases de acordo às suas características e resultados, aí incluindo-se a participação dos atores estatais, sociedade civil e setor empresarial. O período composto pela década de 70, 80 e pela metade da década de 90 correspondeu à fase em que se criam e se desenvolvem as teorias, conhecimentos, princípios, políticas mais gerais e órgãos encarregados do meio ambiente, sendo assinada a maioria dos acordos ambientais im- portantes. Os funcionários da ONU desempenham, nessa fase, um papel fundamental, juntamente com técnicos de muitos países e ONGs (RIBEI- RO 2005; SILVA 2010 et VIEIRA 2001). Os grandes progressos dessa época podem ser atribuídos em parte, paradoxalmente, ao fato de que o meio ambiente ainda não se tornara um elemento importante da agenda da maioria dos países (LISBOA, 2009). Assim, diplomatas, técnicos e enti- dades da sociedade civil desfrutaram de um maior espaço de manobra, alcançando consensos consideráveis em torno de políticas que posterior- mente encontrarão grande dificuldade em serem implementadas devido a resistências locais e mesmo internacionais. Joanesburgo, em 2002, com seus modestíssimos resultados assinala a entrada em uma fase de estagnação nas negociações internacionais de meio ambiente. O deslocamento da atenção mundial da questão ambien-
  • 10. estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94 92 tal para os riscos do terrorismo após o 11 de setembro, a maior dimensão dos desafios, a interferência cada vez mais forte das empresas são algu- mas das causas desta estagnação. Outros sinais da debilidade das negocia- ções foram a aprovação de acordos bilaterais de tipo não vinculante, bem como o claro desvio da temática ambiental para a temática da pobreza. Uma nova fase parece se iniciar com a ampla mobilização de mo- vimentos sociais de base articulados por meio de amplas redes interna- cionais em torno a temas de justiça ambiental. Desde Seattle e do surgi- mento do Fórum Social Mundial temos visto a crescente participação de movimentos sociais locais e regionais no chamado movimento antiglo- balização, mas Copenhague 2010 foi a primeira vez em que um número considerável de movimentos sociais de todo o planeta compareceu a uma reunião como essa (ABRANCHES 2010). O fracasso dessa reunião e o grau de radicalização dos movimentos sociais marcou o início de uma fase de crescente confronto entre a Sociedade Civil e os governos nacio- nais no que tange às questões ambientais, em particular no que tem a ver com a justiça climática, a proteção dos modos de vida dos povos indíge- nas e das populações tradicionais. O desencontro entre as organizações e movimentos sociais da So- ciedade Civil de um lado e seus governos, órgãos intergovernamentais e empresas do outro parece ter atingido um novo patamar durante a Rio+20, em junho de 2012. Enquanto governos, o PROGRAMA DAS NA- ÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE e empresas desenvolveram estudos e defenderam propostas de instrumentos de mercado para lidar com os desafios ambientais, ONGs e movimentos sociais denunciavam tais políticas como estratégias do capitalismo global visando garantir a continuidade de seu modo de produção e consumo insustentáveis am- bientalmente. Ao longo do ano 2011, nas discussões preparatórias para a Rio+20, o fosso entre essas duas visões foi se aprofundando e, portanto, a Rio+20, só não decepcionou mais, porque seu fracasso já era claramente esperado, às suas vésperas. Em resumo, à diferença de 1992, quando houve uma convergência inesperada para muitos entre governos e movimentos sociais, a Rio+20 foi o marco de uma divergência radical. Se, e quando haverá novamente uma convergência, não é possível prever. Por algum tempo, certamente estes dois decisivos atores da política ambiental internacional caminharão separados, até que os movimentos sociais sejam capazes de tornar mais consistentes as suas propostas e transformá-las em uma agenda política concreta, pressionando sociedades e governos a assumi-las, como ocor- reu na ECO-92. Mas tal consenso mínimo será agora muito mais difícil, senão impossível de ser atingido, pois o que esses movimentos defendem hoje em dia, é o fim de uma economia produtivista e consumista, que acredita poder resolver grande parte dos problemas econômicos, políticos e ambientais do planeta por meio de uma crescimento econômico que satisfaça a gregos e troianos, ou seja a capitalistas e populações excluí- das. Tal perspectiva é incompatível com as limitações físicas do planeta, não havendo mecanismos de mercado e novas tecnologias que possam fe- char essa equação (ALIER, SCHLÜPMANN, 1991; DUPAS, 2007; LISBOA 2009; PORTO-GONÇALVES 2006; TIEZZI 1988), sem que as condições
  • 11. LISBOA, M. V. Agenda ambiental, política externa e diplomacia descentralizada 93 de sobrevivência da espécie humana sejam profundamente prejudicadas . Assim, ingressamos em um período das negociações internacionais em meio ambiente onde a mediocridade dos resultados possivelmente será a regra. A novidade passa a ser a presença ruidosa, rebelde e descon- tente de uma sociedade civil mundial diversificada, composta de organi- zações locais dos mais diversos matizes, mas crescentemente organizada em rede, apropriando-se das temáticas ambientais, tecendo seus próprios discursos e reivindicando uma ampliação do seu espaço de participação e intervenção nessas negociações. REFERÊNCIAS ABRANCHES, S. Copenhague, Antes e Depois. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. ALIER, J.M., SCHLÜPMANN, K. La Ecología y la Economía. México: Fondo de Cultura Econó- mica, 1991. ALVES, J.A.L. Relações Internacionais e Temas Sociais: A década de conferências. Brasília: IBRI, 2001. BAIL, C., FALKNER, R, & MARQUARD, H. (Org.). The Cartagena Protocol on Biosafety: reconcil- ing Trade in Biotechnology and Environment & Development. Londres: Earthscan, 2002. CAUBET, C.G. A Água Doce nas Relações Internacionais. Barueri: Editora Manole, 2006. DUPAS, G. A Questão Ambiental e o Futuro da Humanidade. In: Política Externa, São Paulo, vol. 16, n.1, p.9-23, 2007. FÓRUM BRASILEIRO DE ONGs E MOVIMENTOS SOCIAIS PARA O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO (FBOMS); VITAE CIVILIS INSTITUTO PARA O DESENVOLVI- MENTO, MEIO AMBIENTE E PAZ. Governança Ambiental Internacional: perspectivas, cenários e recomendações, Brasília, [s.n.], 2007. GUIMARÃES, R., El Discreto Encanto de la Cumbre de la Tierra. Evaluación impresionista de Rio-92. In: Nueva Sociedad, Caracas, n.122, p.86-103, 1992. LEIS, H.R., Ambientalismo e Relações Internacionais na Rio-92. In: Lua Nova. São Paulo, n.31. p.79-97, 1993. LISBOA, M. Ética e Cidadania Planetárias na Era Tecnológica: o caso da Proibição da Basileia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. LISBOA, M. Em Busca de uma Política Externa Brasileira de Meio Ambiente: três exemplos e uma exceção à regra. In: São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v. 16, n.2. p.44-52, 2002. KWEITEL, J., SANCHEZ, M. R. Participação da Sociedade Civil: comércio, saúde e meio am- biente na OMC – versus Comunidade Europeia: o caso dos pneus. In: Cadernos Direito GV, Semi- nários. São Paulo, nº17, maio 2007. M’GONIGLE, R. M. The Political Economy of Precaution. Protecting Public Health & the Environ- ment. RAFFENSPERGER, C.; TICKNER, J. (Ed.), Washington D.C.: Island Press, 1999. NOGUEIRA, A.V. Brazil, In: BAIL, C., FALKNER, R, & MARQUARD, H. (Org.), The Cartagena Protocol on Biosafety: reconciling Trade in Biotechnology and Environment & Development. Londres: Earthscan, 2002. Cap.7, p.123-147. PORTO-GONÇALVES, C.W. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Ja- neiro: Civilização Brasileira, 2006. RIBEIRO, W. A Ordem Ambiental Internacional. São Paulo: Contexto, 2001. RODRIGUEZ, S., Estrategias Cambiantes y Combinadas para Consolidar la Propriedad Inte- lectual sobre la Vida y el Conocimiento. In: FRANK AUGSTEN et al. Un Mundo Patenteado? La Privatización de la Vida y del Conocimiento. Córdoba: FUNDACIÓN HEINRICH BÖLL, p.56-67. SANCHEZ, M.R. Breves Considerações sobre os Mecanismos de Participação de ONGs na OMC. In: Sur: revista internacional de direitos humanos. São Paulo, n.4, 2006. SANTILLI, J. Agrobiodiversidade e Direito dos Agricultores. Peirópolis, IEB. São Paulo: 2005. SILVA, S.T. da. O Direito Internacional Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
  • 12. estudos internacionais • v. 1 n. 1 jan-jun 2013 p. 83-94 94 SOUZA, M. de, Os Recursos Hídricos e a Agenda Social das Relações Internacionais. In: SOU- ZA, M. de. (Org.) A Agenda Social das Relações Internacionais. Belo Horizonte: Editora PUCMinas, 2005, Cap.2 p.48-83. TIEZZI, E. Tempos Históricos, Tempos Biológicos. São Paulo: Nobel, 1988. VEIGA, E. da. Desenvolvimento Sustentável, O Desafio do Século XXI. São Paulo: Garamond, 2005. VIEIRA, L. Os Argonautas da Cidadania. A Sociedade Civil na Globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001. VIEIRA, L., Cidadania e Globalização, Rio de Janeiro, Record, 1997. VILLA, R.D., Agenda Ecológica Global e Regimes Internacionais do Meio Ambiente. In: SOU- ZA, M. de. (Org.) A Agenda Social das Relações Internacionais, Belo Horizonte, Editora PUCMinas, 2005, Cap.5. VILLA, R. D. Insegurança Internacional: Novos Atores e a Ampliação da Agenda. In: Lua Nova. São Paulo. N. 34, p. 71 a 86, 1994.