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Estão acabando com a Floresta Amazônica. E eu com isso, moro em Sampa?
Por Nurit Bensusan1
Era uma vez uma floresta. Ela era enorme, exuberante, e possuía uma quantidade
incalculável de plantas e animais que viviam só ali. Era responsável pelo controle do ciclo
hidrológico da região, evitando enchentes e inundações e garantindo a qualidade do ar,
da água e dos solos. O azar daquela floresta era estar justamente no caminho dos
homens que queriam dar àquela área outro destino e ignoravam a importância dela para a
qualidade de vida das populações humanas. O nome da floresta? Mata Atlântica. Com
mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, ela cobria toda a costa brasileira.
Apesar de restar apenas cerca de 7% de sua extensão original, a Mata Atlântica
ainda desempenha algumas de suas funções originais. Não faltam nos noticiários
histórias de desabamentos, enchentes, inundações e poluição crescente. Falta, no
entanto, revelar que fomos deserdados, que a floresta nos foi retirada e que nossa
qualidade de vida ficou comprometida em nome de um desenvolvimento excludente e
predatório. Falta dizer que as enchentes e as inundações ocorrem porque desmatamos
todas as margens dos rios da região; falta dizer que o preço dos alimentos resulta da
degradação dos solos da floresta e da extinção da fauna e da flora locais; falta dizer que a
precária qualidade do ar que respiramos se deve, em parte, à destruição da Mata
Atlântica; falta dizer que jogamos no lixo inúmeras oportunidades de usar os recursos
únicos dessa floresta para desenvolver novos remédios, alimentos, cosméticos e outros
materiais; falta dizer que as ondas de calor e as chuvas intensas também se devem ao
melancólico fim da floresta atlântica. E, acima de tudo, falta dizer que os sacrificados pelo
colapso dos serviços que a floresta não presta são os mais pobres. A substituição desses
serviços, quando é possível, é cara, tornando os produtos e bens deles derivados também
onerosos.
Em tempos de mudanças climáticas, percebemos, ainda que tardiamente, que os
processos relacionados com a natureza e com o clima ocorrem em dimensões
continentais e muitas vezes planetárias. A devastação quase completa da Mata Atlântica
teve consequências sobre os estoques de peixe do oceano Atlântico, sobre as diferentes
bacias hidrográficas que alimentam as diversas regiões da América do Sul e sobre o
aquecimento global.
Era uma vez uma floresta. Ela era enorme, exuberante, e possuía uma quantidade
incalculável de plantas e animais que viviam só ali. Era responsável pelo controle do ciclo
hidrológico da região, evitando enchentes e inundações e garantindo a qualidade do ar,
da água e dos solos. O azar daquela floresta era estar justamente no caminho dos
homens que queriam dar àquela área outro destino e ignoravam a importância dela para a
qualidade de vida das populações humanas. O nome da floresta? Amazônica.
Errar uma vez, dizem, é humano, mas duas vezes? A Floresta Amazônica está indo
pelo mesmo caminho que a Mata Atlântica... Esperamos? Herdamos o erre e
aprendemos, ou seremos deserdados por mais um erro?
1 Extraído do livro “Meio Ambiente. E eu com isso? Editora Petrópolis.

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  • 1. Estão acabando com a Floresta Amazônica. E eu com isso, moro em Sampa? Por Nurit Bensusan1 Era uma vez uma floresta. Ela era enorme, exuberante, e possuía uma quantidade incalculável de plantas e animais que viviam só ali. Era responsável pelo controle do ciclo hidrológico da região, evitando enchentes e inundações e garantindo a qualidade do ar, da água e dos solos. O azar daquela floresta era estar justamente no caminho dos homens que queriam dar àquela área outro destino e ignoravam a importância dela para a qualidade de vida das populações humanas. O nome da floresta? Mata Atlântica. Com mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, ela cobria toda a costa brasileira. Apesar de restar apenas cerca de 7% de sua extensão original, a Mata Atlântica ainda desempenha algumas de suas funções originais. Não faltam nos noticiários histórias de desabamentos, enchentes, inundações e poluição crescente. Falta, no entanto, revelar que fomos deserdados, que a floresta nos foi retirada e que nossa qualidade de vida ficou comprometida em nome de um desenvolvimento excludente e predatório. Falta dizer que as enchentes e as inundações ocorrem porque desmatamos todas as margens dos rios da região; falta dizer que o preço dos alimentos resulta da degradação dos solos da floresta e da extinção da fauna e da flora locais; falta dizer que a precária qualidade do ar que respiramos se deve, em parte, à destruição da Mata Atlântica; falta dizer que jogamos no lixo inúmeras oportunidades de usar os recursos únicos dessa floresta para desenvolver novos remédios, alimentos, cosméticos e outros materiais; falta dizer que as ondas de calor e as chuvas intensas também se devem ao melancólico fim da floresta atlântica. E, acima de tudo, falta dizer que os sacrificados pelo colapso dos serviços que a floresta não presta são os mais pobres. A substituição desses serviços, quando é possível, é cara, tornando os produtos e bens deles derivados também onerosos. Em tempos de mudanças climáticas, percebemos, ainda que tardiamente, que os processos relacionados com a natureza e com o clima ocorrem em dimensões continentais e muitas vezes planetárias. A devastação quase completa da Mata Atlântica teve consequências sobre os estoques de peixe do oceano Atlântico, sobre as diferentes bacias hidrográficas que alimentam as diversas regiões da América do Sul e sobre o aquecimento global. Era uma vez uma floresta. Ela era enorme, exuberante, e possuía uma quantidade incalculável de plantas e animais que viviam só ali. Era responsável pelo controle do ciclo hidrológico da região, evitando enchentes e inundações e garantindo a qualidade do ar, da água e dos solos. O azar daquela floresta era estar justamente no caminho dos homens que queriam dar àquela área outro destino e ignoravam a importância dela para a qualidade de vida das populações humanas. O nome da floresta? Amazônica. Errar uma vez, dizem, é humano, mas duas vezes? A Floresta Amazônica está indo pelo mesmo caminho que a Mata Atlântica... Esperamos? Herdamos o erre e aprendemos, ou seremos deserdados por mais um erro? 1 Extraído do livro “Meio Ambiente. E eu com isso? Editora Petrópolis.