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Desafios e horizontes da filosofia                                              Doc.2

Unidade Didáctica: A filosofia na cidade
Tema: O espaço público
Objectivo Específico(s): Conceptualizar a noção de espaço público.
Definir espaço público

Lê atentamente o texto que se segue

     Espaço Público

     “Noção frequentemente ignorada pelos dicionários, o espaço público está
 contudo no cerne do funcionamento democrático. (…) É o lugar, acessível a qualquer
 cidadão, no qual se reúne um público para formular uma opinião pública. O
 intercâmbio discursivo de posicionamentos razoáveis sobre problemas de interesse
 geral permite o surgimento da opinião pública. (…)
     O espaço público é um espaço simbólico onde se confrontam e se dão réplica aos
 discursos, na sua maior parte contraditórios, proferidos por diferentes actores
 políticos, sociais, religiosos, culturais e intelectuais que compõem a sociedade.
 Assim, é antes de mais um espaço simbólico, que requer para se formar um
 vocabulário e valores comuns, o reconhecimento mútuo de legitimidades; uma visão
 suficientemente aproximada das coisas que se devem discutir, das formas lícitas de
 oposição e dos mecanismos de deliberação. Não é possível decretar a existência de
 um espaço público da mesma forma que se organizam as eleições. Constata-se, ou
 não, a sua existência. O espaço público não é tributário de uma lógica de vontade.
 Ele simboliza simplesmente a realidade de uma democracia em acção, ou a
 expressão contraditória de informações, de opiniões, de interesses e de ideologias.
 Ele constitui o elo político que aglutina milhões de cidadãos anónimos, ao dar-lhes o
 sentimento de participarem efectivamente na política. Se bem que se institua volunta-
 riamente a liberdade de opinião, a liberdade de imprensa, a publicidade das decisões
 públicas, isso não é suficiente para que se produza um espaço público. (…)
     O espaço público é também o culminar do movimento de emancipação que
 consistiu em valorizar a liberdade individual, e tudo aquilo que é público, contra o
 que era «privado», identificado com o domínio dos interditos de outrora, e com as
 tradições. Defender o privado era, em última análise, defender as regras, as
 convenções, as tradições - ser conservador. Assim, teve lugar o encontro entre dois
 movimentos relativamente diferentes: o do movimento a favor da liberdade
 individual, logo de uma certa capacidade de projectar publicamente aquilo que se é, e
 o movimento democrático, que também favorecia a ideia de publicidade contra a
 ideia de segredo e de interdito. De ambos os lados, valorizou-se o que era "público".
 (…)
     É a ideia de uma argumentação possível contra o reino da violência libertadora, a
 ideia do reconhecimento do outro e não da sua redução ao estatuto de "sujeito
 alienado".
     O espaço público supõe (…) a existência de indivíduos mais ou menos
 autónomos, capazes de construir a sua própria opinião, não «alienados pelos
 discursos dominantes», acreditando em ideias e no poder da argumentação, e não
 apenas no confronto físico. A ideia da construção de opiniões por intermédio de
 informação e de valores, e em seguida da sua discussão, supõe igualmente que os
 indivíduos sejam relativamente autónomos em relação aos partidos políticos na
 construção das suas próprias opiniões. Numa palavra, com o conceito de espaço pú-
 blico é a legitimidade das palavras que se impõe contra a legitimidade dos golpes,
 das vanguardas e dos sujeitos da história.”

     Wolton, Dominique, E depois da Internet?, Difel, Viseu, 2000, pp.199-202

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