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Baixar para ler offline
1
2
Uga
O homem que fala
de Constantino Mendes Alves
ao meu filho Miguel
“A humanidade não é um estado a que se ascenda. É uma dignidade
que se conquista “
Jean Vercors
Personagens:
Uga
Arra (homem pré- histórico)
Tarra (homem pré- histórico)
Urra (homem pré- histórico)
Farra (homem pré- histórico)
Sarra (mulher pré-historica)
Larra (mulher pré-historica)
Homem da mala
3
1.
Algumas mulheres e homens do Paleolítico, uma mulher está grávida.
Dois homens vêm com um animal morto pendurado num pau. Os outros rodeiam-
nos, roubam o animal e esquartejam-no como a pior cena animal e sanguinária
daquele tempo. Lutam entre si. Comem os pedaços que sobram para cada um, na luta
espezinham a mulher grávida que grita sem parar, todos urram para seu lado como
de animais se tratassem. A mulher dá há luz uma criança, ninguém pára de comer. A
nova mãe corta o cordão umbilical, embala a criança nos braços. A criança chora. A
mãe canta uma melopeia indizível, de urros e grunhidos, passado um pouco a criança
diz:
Uga- Ma-mã! Mamã! Belo dia para nascer, não é mamã?
Estupefactos, todos fogem, incluído a nova mãe.
Uga fica sozinho.
Uga – Esperava mais do mundo, dos homens… não sei se terá valido a pena ter
nascido!
Apaga-se a luz.
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2.Uga corre atrás dos outros que fogem dele.
Uga – Fogem de mim todo o tempo, que diabo de gente, parece que têm o demónio no
corpo. Esperem por mim, tenho de vos ensinar umas coisas, não o poderei fazer se
fogem de mim.
Os homens andam dobrados, fogem de Uga, este tenta aproximar-se de eles.
A certa altura, juntam-se todos e apanham-no, tentam descobri-lo como se de um
objecto se tratasse, experimentam, vêem como funciona. Fazem – lhe cócegas…
Uga – Ai! Ui! Isso faz cócegas. Porque fazem isso comigo, eu não sou uma brincadeira
qualquer. Não, não sou de comer, sou até muito indigesto, sou da raça humana, sim
qualquer coisa de que vocês se tornarão um dia. Ai! Ui! Ponham-me no chão, espécie de
hominídeos sanguinários, não comecem já a vossa longa saga de crimes…Eu venho por
bem, não sou qualquer farsante, não sou um colector de impostos, podem estar certos.
Põem-no no chão.
Uga – Isso, (olhando bem para eles) bem parece que temos aqui um problema de
comunicação, ora vamos lá ver…
Uga bate palmas, eles batem com as mãos no rabo, na cabeça, em qualquer lado,
depois uga bate com as palmas nas coxas eles lentamente repetem.
Uga - Ouçam, não estão fartos de andarem assim dobrados passando a vida dando urros
e grunhidos? Há outras coisas que podem fazer…Não querem, são preguiçosos, afinal
5
não devia estar surpreendido, não passam de simples primatas praticamente, gente
ociosa, para quem a sobrevivência se resume a um cacho de bananas caindo sobre eles.
Sim? Ah! Acham isso bem. Claro temos que aproveitar o que a natureza nos oferece,
mas que tal um pouco de ambição, que tal? Será abrir a caixa de pandora? Talvez
tenham razão, claro, mas quem manda aqui? Claro, sou o rei da selva não se esqueçam.
Bem hoje vamos treinar o aperfeiçoamento da caça, introduziremos o trabalho em
equipa…
Ora vamos lá começar…Revisitaremos o vosso modus operendi
Não sabem falar? E isso que tem? A linguagem virá na altura certa, por agora trata-se de
copiar os meus gestos e movimentos. (andam atrás dele como sombras, copiam tudo o
que faz: não, agora estou a explicar, ainda não é para copiar, aparece uma abelha tenta
afastá-la (copiam sempre); foge, salta, a abelha entra para as calças, começa a
dançar. Isso continuem, assim aprendem a dança antes da caça para vos estimular e
dar coragem para o acto.)
Pronto, vamos então agora à caça: as lanças por favor, nisto são melhores do que eu.
Arra! Faz de veado, sim tu tens mais graça para fazer de animal selvagem (Arra faz de
veado com dois paus na cabeça atados com uma folha de palmeira, no rabo põem
outra folha)
Arra vai-se meneando, todos riem
Uga - Isto não é para ser engraçado mas vá, estamos na Pré-história e isto é tudo muito
austero e cruel.
6
Rebolam-se a rir
Nunca tinha assistido a stand up comedy gestual, este Arra é espectacular, e pensar que
alguém daqui a uns milhares de anos pensa ter inventado isto!
É verdade, há muito que vos queria perguntar, quem inventou a pedra lascada? (todos
apontam Urra) Ah! Foste tu? Como a inventaste (Urra faz piruetas, cambalhotas,
saltos, gestos, caretas todo o tipo de maluquices e exercícios)
Pois, percebi, foi por acaso (aparte), o que faz de ti um ser especial Urra. Vêem nem
sempre o tipo tido como o mais esperto e inteligente será o melhor. Pois, não querem
compreender isso? Pois a hipocrisia já está a nascer agora.
A caça, devo dizer-vos umas palavras antes de começarmo-nos a perder-nos em
detalhes.
A caça….Caça é a perseguição de um animal a outro, normalmente com intenção de
abate sic (wikipédia) A caça permite-vos sair desse estado letárgico de colectores em
que vocês se encontram. A procura de mais e melhores alimentos permite-vos aumentar
a vossa capacidade de sobrevivência da espécie. (Começam a jogar às palmadas uns
com os outros) A ética da caça é outro conceito que precisam de adquirir. A nobreza da
caça está em colocarmo-nos em pé de igualdade com outra espécie animal,
demonstrando com a nossa coragem e bravura a nossa legítima superioridade. Claro é
vantajoso ao caçador ter um handicap superior à sua presa, homem que é homem sabe
isso, por isso há tantos caçadores. O quê Urra? És mais forte que eu? Não espera eu não
sou a tua caça, eu sou, eu sou (com medo) o vosso professor, não gostas de professores?
O que tens contra eles? Há! Pois são uma maçada. (tenta agradar a Xarra que se torna
7
feroz) “ler é uma maçada, estudar é nada…” (Urra fica calmo), eu sou uma espécie de
artista, devoras artistas? Como te tornaste canibal? Isso só está programado, daqui uns
milénios, quando criares gosto, não percebes quando adquirires gosto já o podes
estragar, é essa a base do canibalismo, sim uma espécie de gente do contra (Xarra
ameaça-o) não, sim és canibal por outro motivo qualquer, talvez por quereres chegar ao
topo da cadeia alimentar (Xarra acalma) devo dizer a esse respeito:
A cadeia alimentar: é uma sequência de seres vivos/populações que se alimentam uns
dos outros. É a maneira de expressar as relações de alimentação entre os organismos de
uma comunidade/ecossistema, iniciando-se nos produtores e passando para os
consumidores (herbívoros, predadores) e decompositores, por esta ordem. Ao longo da
cadeia alimentar há uma transferência de energia e de nutrientes, sempre no sentido dos
produtores para os consumidores. A transferência de nutrientes fecha-se com o retorno
dos nutrientes aos produtores, possibilitado pelos decompositores que transformam a
matéria orgânica dos cadáveres e excrementos em compostos mais simples, pelo que
falamos de um ciclo de transferência de nutrientes. A energia, por outro lado, é utilizada
por todos os seres que se inserem na cadeia alimentar para sustentar as suas funções,
diminuindo ao longo da cadeia alimentar (perde-se na forma de calor),não sendo
reaproveitável. A Energia tem portanto um percurso acíclico. Esse processo é conhecido
pelos ecologistas como fluxo de energia.
A posição que cada um ocupa na cadeia alimentar é um nível hierárquico que os
classifica entre produtores (como as plantas), consumidores (como os animais) e
decompositores (fungos e bactérias).
No topo da cadeia alimentar está o homem… mas que diabo estão a fazer, a
comportarem-se assim não concluem o ensino obrigatório quanto mais chegar à
8
universidade. Ah a universidade só será inventada na Idade Média, estava já repetir a
aula que dei nesse período…
Mas, bom, vou ser mais concreto,
Bom, vocês já caçam, mas se me permitem a opinião fazem-no de forma atabalhoada.
Trata-se evoluir, de dar o próximo passo, de sofisticar a vossa aprendizagem. Preciso de
uma pedra lascada, isto sem PowerPoint vai ser um pouco complicado, bom cá está,
obrigado Arra, mas está tudo sujo, vocês não têm cuidados nenhuns de higiene, sim
lavar as mãos, o quê, fazes isso? Lavas as mãos enquanto urinas? Devias ter mais
cuidado, os cuidados de higiene são essenciais para que vivam com alguma salubridade.
Bom, (limpa a pedra à manga) isto é uma pedra lascada como vocês sabem, é o grande
invento da vossa era, vocês não se apercebem do passo que deram, daqui para os
tanques Abraham é um pulo, bom vamos por partes. Agora preciso de uma vara, um
pau, não uma moca não dá, isso, um pau de vassoura, um pau de vassoura, onde diabo
arranjaram uma vassoura, quem a inventou, tu? Foste tu Larra? Mas isso estava-te
proibido, eu sei, eu sei és muito avançada, mas isso não é adequado ao tempo que vives,
sim devias preocupar-te apenas em catar piolhos da cabeça dos pequenos. Bom, tira-se a
cabeleira (começam todos a puxar os cabelos) Não, não é a vossa cabeleira, é disto.
Pronto cá está, agora aproveitando um pouco de ráfia da própria vassoura, atamos a
pedra lascada na ponta do pau, não deixem os pequenos fazer isto em casa sozinhos,
podem cortar-se. Pronto cá está. Vejam homo sapiens, acabámos de atravessar um
deserto de ignorância, a vossa avó Lucy deve estar a dar saltos de alegria lá no seu
tumulo africano. Não, não registarei a patente em meu nome, está na altura de
compreenderem o significado do altruísmo, um valor que caracterizará a vossa espécie.
Esta lança ficará em nome da humanidade. Embora vocês no futuro a usarem como
9
arma de ataque contra os vossos próprios irmãos, a vossa espécie ficará indelevelmente
ligada à invenção do genocídio, e nessa altura conhecerão o paradoxo da vossa própria
natureza, característica que perdurará por milénios e que apaixonará filósofos e será o
ganha-pão de políticos hipócritas.
Bom mas a lança está inventada, não vale a pena chorar lágrimas de crocodilos
Tarra, vem cá. Coloca-te na posição de tiro, ou lançamento. Isso, preciso agora do
veado outra vez. Eis o vosso alvo. Agora demonstra como fazes… (corre atrás do
homem-veado)
Isso é muito linear, e expões-te de uma forma descuidada. Agora vamos trabalhar em
equipa (juntam-se todos rapidamente), não, tu és veado, não és hominídeo.
Observa, isso, tu, Tarra! Espreita a presa, observa, colhe informações sobre a presa e
comunica aos colegas. O quê não partilhas informação com concorrentes? Mas estamos
na mesma equipa. Ao menos diz-lhes onde é que está a presa? Ah! A sim vai ser muito
difícil. Vejam o que é ter uma ovelha negra na equipa. Bom passaremos sem essa
informação. Tu! Colocas-te aqui à frente de forma a afugentares o animal e vocês (o
veado marra no afugentador, os outros instintivamente ajudam-no, um vai para
rabejador.) Ora aqui está uma forma sui generis de caçar, haverá um povo assim com
costumes muito próprios, poderão no Verão ir até lá passear e passar uma boa época de
férias, um povo muito acolhedor. Agora tu, espeta-lhe a lança. E voilá, eis que emergem
da bruma do esquecimento. Serão matadores exímios, Deus não se esquecerá de vós.
Apaga-se a luz.
10
3.
E como estamos de religião? Não, já disse que não sou o vosso deus. Eu vou-vos pôr em
dia. Vocês são homo sapiens, recentes, já têm a pedra lascada, exercitam a mão, o vosso
cérebro está suficientemente desenvolvido para adquirirem gramática, e para se
distraírem podem pintar umas coisas nas rochas e cavernas, quando tiverem medo
podem acreditar e ter fé em alguma coisa. Por exemplo é tempo de abandonarem
alguma selvajaria como foi aquela do meu primeiro dia entre vós. Quase me destruíam,
pisaram a minha mãe que estava grávida. A mulher é um ser adorável, por exemplo é
aquela que nos dá vida, isso não é extraordinário, não acham (estão todos a dormir)
acordem! Ah! Não acham? (todos abanam a cabeça dizendo que sim) claro a mulher é
um ser extraordinário, surpreendam-me façam um verdadeiro ritual pré-histórico à
fertilidade
(começam a imitar a cópula) Vá mudem de canal, façam um verdadeiro ritual sagrado.
As mulheres dançam ao ritmo, salientando com as mãos os seios e o ventre os
homens batem ritmos (fazem o intenso e verdadeiro rito de fertilidade e de devoção à
mulher)
Isso, façamos um semi-circulo, sim Arra um semi circulo como a lua, sim também é
redonda, mais tarde verão que o mundo é também redondo e isso será um problema,
pois teremos de nos entender todos à escala global, isso Arra ficaremos às bulhas uns
com os outros, pois estão a gostar, porrada é do que vocês gostam.
Bom hoje vamos tentar a linguagem gestual:
11
Primeiro levantamos o braço, isso muito bem (aparte) ainda faltarão uns séculos até
que inventem o desodorizante, que chatice!
Bom o braço levantado, pois Farra, estás a ficar mais inteligente, mas ainda não disseste
nada, vamos lá ver que gestos já conhecem…
Fazem manguitos, corninhos piretes.
Excelente, é claro que tudo nasce de uma grande ordinarice, ou por outra do santo sexo,
um dia um de vós se chamará Freud e dará cabo da alma, uma coisa que demorou tantos
genocídios a criar. Que pena!
Agora vamos a gestos que se entendam….
Levanta o braço. Isto é sinal de quê? De parar…? (renitente) pode ser! Depois
começam a inventar sinais de trânsito, imitam veículos no tráfego, gera-se um intenso
tráfego com colisões, bichas, discussões.
Bom não inventaram uma verdadeira linguagem gestual, claro eu sei a vossa paixão é o
trânsito.
4.
Uga - Estou farto de tentar qualquer coisa convosco, vamos fazer um jogo, dou-vos
estes pauzinhos que Tarra colheu do saque quando do ataque a outro bando. Enquanto
não aprendem a falar, vá façam um pouco pela vida…sim, eu já venho… vou como hei-
de dizer… apanhar flores.
Primeiro experimentam riscar em cada um no seu corpo, depois nos outros,
Depois desenham nas paredes do cenário
Fazem modelos com homens com lanças na mão, fazem com os tiques de pintores da
renascença
12
Desenham e apagam muitas vezes os desenhos
Acabam por fazer uma réplica da pintura de Picasso guernica
Uga- O que estás a fazer? Excelente! Mas não será um pouco cedo para isso, deixem-se
ficar por Miró, verão que isso trará mais vantagens, a evolução é uma coisa danada,
cada coisa a seu tempo
Uga – A Arte é Arte e Arte é arte, estão a entender? Se não entendem eu aviso-vos.
Alguém vai dizer o que é e não é arte, nessa altura vocês ouvem e dizem que sim,
depois farão ao contrário de tudo o que alguém disser, aí terão de novo a arte. O que
vocês inventaram é que é importante. Na verdade só vocês sabem o que inventaram,
teríamos que perguntar-vos sobre o que inventaram, mas como vocês não falam…ficará
o mistério da Arte. Se querem um conselho: nunca parem de fazer isso que inventaram
agora, parece-me que é o jogo mais interessante que se poderá inventar.
5 .
Uga é massajado por várias mulheres
Uga - Hoje estou melancólico, apetecia-me inventar a poesia…
Na poesia trata-se de colocar o homem na sua relação com a natureza, ser a própria
natureza. É a mais nobre das artes, não há verdadeiro artista que não quisesse ter sido
poeta, colocarmo-nos como testemunho da criação e ser o próprio criador. Na poesia…
Dormem?
Vamos lá praticar…
13
Ah! Pois vocês não falam, talvez com vocábulos possamos conseguir
Trilorerei, totó trolerei
Titorafame, chitogame, trolerei
E chegu e fojoga, e vadadria, trolerei
Vamo, camo, famo, gamo
Sintiatrosta, sintriatosta
Trolerei, trolerei, trolerei…
Repitam. Dizem com diversas entoações
Passa um homem com uma mala. Pára junto de Uga, abre a mala e dá-lhe uma folha
de papel
Uga - Está bem. O homem sai com a mala
Uga – Não liguem (fazendo alusão ao homem que acabou de passar)
Uga – Temos de acabar aqui. Morreu alguém muito importante, tenho de…Não estão a
compreender? Pois não. Amanhã encontramo-nos aqui. Sai.
Todos ficam a falar entre si com os vocábulos do poema.
Como que aprendendo a própria compreensão, como se tornando gente.
A luz vai fechando-se lentamente…
14
6.
Uga está num trono feito de troncos de madeira, aos seus pés acumulam-se
oferendas, frutos, flores e ossos de animais.
Uga – Hoje faço 25 anos, tenho direito a uma mulher. Não, não me dêem mais comida e
esses ossos horríveis, já vos disse não sou um deus. Sim Arra, sou o vosso rei, pois, há
falta de melhor dá-me vinte flores. Quanto é vinte flores? Olha aqui estão dez, sim
quantos dedos tens nas mãos e nos pés, pois, isso, faltam os dedos de Barra. Isso dez
mais dez são vinte. Sim vinte luas, pois ou vinte sóis, vai dar no mesmo. Claro não é a
mesma coisa. Eu sei és um poeta gostas mais da lua, pois é mais romântico. Pois mas
não te esqueças da mulher, é isso a que tenho direito. Não queres dar a tua mulher? Não
te esqueças eu sou um rei, tenho direito a escolher qualquer uma desta tribo. Não, não
entro nessa, eu sei querem-me fazer de deus, um santo. Tá bem, posso negociar isso,
mas serei um santo com uma mulher. Um santo não tem uma mulher? Espera pela
história da humanidade que se irá seguir a nós e verás que houve muitos homens
religiosos com as suas mulheres, pois amantes. Putas? Onde aprendeste isso? Algures
no mato? Tens que cuidar desse vocabulário, velho pirata. Tá bem vá lá mas não te
esqueças da mulher a que tenho direito.
De qualquer modo faremos uma orgia, copiaremos o caos, um novo big bang, seremos
átomos e moléculas loucos de sexo é preciso dar cabo deste estado de coisas, vocês têm
de evoluir que diabo!
Fazem uma orgia, com falos e transvestidos de tudo e mais alguma coisa
Passado um pouco começam todos à batatada
Um passo em frente, dois atrás, bom recomeçaremos,
15
Uga- Escutem! (aparte) escutem, vocês não percebem nada do que eu digo. Ah!
Gostam de me ouvir falar? Muito bem prosseguirei. Faço hoje vinte e cinco anos, uma
data importante, pois para mim e para todos nesta tribo. Completam-se hoje vinte e
cinco anos desde que nasci e comecei a falar. Faz hoje vinte e cinco anos que se
introduziu a fala nesta tribo. Para comemorar este evento, vou implementar um novo
processo de civilização: a disseminação da fala na nossa tribo, e por conseguinte por
toda a humanidade. Sim? O que é a humanidade é uma coisa que os selvagens que são
vocês um dia se hão-de tornar, a comunidade da espécie humana, sim isso mesmo
Carra, os animais eleitos, pois dotados de cabeça, de inteligência. Sim no futuro irão
derrotar todos os mamutes, crocodilos, deixará de haver deuses animais, num futuro
mais longínquo deixará de haver deuses humanos que vocês agora estão gostando tanto,
tentando tornar-me de um deus. Não no futuro só haverá carros eléctricos e casas pré
fabricadas ecológicas biológicas. Sim será um mundo são sem mal nem pecado nem
religião. Muito bem Farra, seremos todos deus, flores animais pedras, todos deus, sim
deus dividiu-se em todas as coisas, mas só nessa altura em que a inteligência
prevalecerá, até lá terão que fazer muitas guerras e matarão o que puderem. Ah! Gostam
desta parte? Pois matarão a vosso bel-prazer. Pronto está prometido.
Ah! Cá está a minha mulher (Sarra), obrigado, bom povo,
Agora festejaremos esta efeméride.
Repetiremos aquela coisa mexidinha, sim das ancas a abanar mas agora com ritmos
Fazem um percurso do ritual ao rock, com ritmos
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Uga- Ok, divertimo-nos à brava, sim, há por aí umas ervas poderemos fazer uma tisana,
acho que bebi demais daquele óleo de palmeira estou um bocado tonto!
O quê ervas das outras, ah seus malandros, ainda não sabem falar e já só pensam em
curtir…
Apaga-se a luz.
7.
Uga e a mulher
Uga - Ainda não és mulher, quero dizer completa, não és bonita e nem por isso muito
asseada, não és terna, mas tens um jeito animal que me aquece o coração, e não só, sim?
Gostas de sexo? Estaremos um para o outro. O que te posso ensinar? Na cama? Deixo
isso ao teu instinto pré – histórico, posso adicionar uns fetiches, poderás dar um passo
na civilização, e ultrapassarás a fase feminista…o que é o feminismo, qualquer coisa
muito importante para ti, bom para mim também claro, uma mulher independente é
outra coisa, mas tenho de te pedir uma coisa, não cedas eternamente á tua futura
“maternalidade”, põe sempre qualquer coisa de primitiva à nossa relação, sim sex
appeal forever, farei de ti assim uma verdadeira mulher, claro, a tua inteligência também
virá a seu tempo. E escuta, alguém virá dizer que advéns da minha costela, (ela reage)
sim, poder-lhe-ás chamar de pederasta, sim a bíblia está cheia deles.
Queres que eu cace, sim? Não? Ah, um beijo? Sim dar-te-ei também o amor (beijam-se
e fazem sexo loucamente)
Passa o homem da mala, atira um preservativo para cima deles.
17
Fecha-se a luz.
8.
Nunca falarão como eu?
Que importa isso? Poderão fazer outras coisas também úteis, como descascar cocos e
fazer nascer as batatas, verão que no futuro isso terá mais proveito que a fala, demasiada
importância na minha perspectiva. Mantenham-se assim, assim serão bons servos, e eu
cuidarei de todos.
Então hoje aprenderemos o som “A”. Todos terão de abrir a boca. Isso mesmo abrir a
boca, agora empurrarão ar que está nos vossos pulmões, sim com toda a força. o ar
passará pelas vossas cordas vocais e fará um som, neste caso “A”. Sim repitam o que eu
disser: “A” aaaaaaaaaaaaaaaaa! Isso mesmo todos ao mesmo tempo
“AAAAAAAAAAAAAAA” , não te atrases Urra. O “a” é um som importante. A partir
de agora já te poderás queixar dizendo “ai!” ou “Arre!” já não serás o eterno atrasado da
tribo. Podermo-nos queixar é uma dádiva, num futuro longínquo, numa coisa que se
chamará democracia, a reclamação será a chave para a liberdade individual e colectiva,
verão contudo que não será a chave para a plena felicidade como muitos apregoarão.
Mas vamos por partes com o som”A” repitam. Isso mesmo muito bem, que excelentes
alunos eu tenho! Com “A” dizia eu podem aprender palavras como amor, um conceito
de enormes consequências, verão, pois trará enormes responsabilidades também, será
maravilhoso quando forem civilização. Mas outras palavras como “até”, que é uma
espécie de instrumento da linguagem para vocês localizarem no tempo ou nas
quantidades. Com até, por exemplo, vocês podem perceber os limites das coisas e de
18
vocês próprios. Estão a ver, pequena palavra, mas muito útil, o problema são outras
como “mais”, “vontade”e “quero” que são levadas do diabo, então os verbos, bom mas
isso será uma aula lá mais para a frente, quando vocês já souberem o b -a -ba de gente.
Agora o “e”. Vá: “eeeeeeeeeeeeeeeeeeeee” isso muito bem. Bem nem tudo o que parece
é mas “E” é som da existência. O que é existência? É do que estamos a trabalhar,
aprender a falar é existência. Vão ver que é uma coisa levada da breca isso da
existências, vai vos dar que pensar e geralmente não leva a lado nenhum. Bom, está
bem, deixo isso ao vosso critério. Haverá alguns filósofos entre nós, são os ossos do
ofício, não nos poderemos livrar deles. Sim, sim, barra algum dia algum filósofo fará
qualquer coisa de importante por todos nós, esperemos…pois pôr-nos a pensar. Sim
será importante.
Bom, por hoje a aula acabou. Já sabem o vosso tpc será “A” e “E”. Farão um exercício
com os dois sons: “Ah é?” Um dito muito importante no quotidiano de um povo daqui a
muito tempo? Isso Arra.”Ah é?”, Repitam!
Podem trabalhar em grupo. Depois podem fazer o diálogo:
- Ah! É?
Resposta:
- É
Muito bem, estão no bom caminho. (aparte) que excelentes alunos, acho que vou dar
um SB a todos: (aparte). Não levam excelente porque todos cheiram mal da boca, coisa
que não tolero nas minhas aulas.
19
9.
Dois homens treinam o tpc
Farra (bate com uma moca na cabeça do outro) – Ah! É?
Urra (bate com uma moca na cabeça do outro) – É!
Repetem várias vezes e depois entram outros que fazem a mesma coisa.
Entra Uga
Uga – Assistir ao nascimento de uma nova linguagem é uma coisa linda, não é?
(leva com uma moca)
Farra – É!
Uga – Pronto chega de treino! Estão prontos para nova lição
Um homem chega com um peixe.
Uga- Já disse que não podem trazer comida para as aulas.
Ah tenho de ler as entranhas do peixe para saber o futuro do bando?
Mas isso é uma crendice sem fundamento teórico científico (ameaçam-no com uma
moca) pronto eu leio…
Uga – A vossa vida vai ser maravilhosa, vão começar a domesticar os animais, inventar
a agricultura, pôr um foguetão em Marte e ver muitas telenovelas na tv
(ameaçam-no com a moca)
20
O quê um futuro mais recente? Pronto vão inventar o fogo!
Fogo, ora digam lá fogo!
Homens- Fo-go; fogo! Fogo! (começam a dançar)
Uga- Não, não comecem já a dançar isso será mais tarde, depois de inventar o fogo.
Agora é preciso puxar pela inteligência, pelos fusíveis entendem?
Urra- fogo! FOGO
Uga – Não vos posso dizer como é, depois não tinha graça nenhuma, vá é como um
jogo vejam lá como se vai inventar o fogo?
Homens - Fogo! Fogo!
Uga - Ah não sabem o que é o fogo (puxa de um isqueiro) é isto que é o fogo (todos
fogem)
Uga - Vá lá não tenham medo, têm de descobrir o fogo
Homens- Fogo! Fogo!
Uga - Já cá não está, (esconde o isqueiro atrás das costas) podem voltar, não tenham
medo, já fiz desaparecer este artefacto do futuro, foi o autor do texto que me emprestou,
(atira-o fora) pronto foi-se embora, já não faz parte da peça.
Homens – Fogo! Fogo! (começam a dar mocadas uns nos outros)
Uga – Não, não é assim, isso é a lição da fala. Vá não estejam sempre a copiar tudo.
Puxem do vosso substrato aí, qualquer coisa que aí tenham dentro. (aparte) será que são
mesmo burros?
Inventam vários exercícios e coisas para inventar o fogo, tipo, coçar as costas dos
outros, etc.
Uga – (faz o jogo do frio-quente) Frio! Mais frio, morno, quase quente e a escaldar
(acendem uma fogueira)
21
Uga – Pronto agora podem dançar, mas não se esqueçam de agradecer aqui ao moi, isso
primitivos, mas educados
Uga – Isto vai de vento em popa, não tarda ficam por conta deles
10.
Tarra - xxx!
Arra - Com esforço – xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (cospe toda a gente, todos riem e
lavam-se com o cuspo)
Tarra – bis!
Arra – xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (cospe toda a gente outra vez)
Farra - XXXXXXuveiro
Tarra - Sim, xuveiro, ya!
Urra – peida-se
Tarra – pum?
Arra - pum, riem.
Farra – (tem uns óculos arcaicos – ar de intelectual) – pum? Pum? Não pum! É
melhor com um ditongo
Arra – Ei pá!
Farra – Sim ei, pode ficar peido, é mais bonito, peido – diz com várias entoações
pretensamente intelectuais.
Todos repetem peido, em várias entoações, levantam-se e recitam:
Vim agora da caça e dei um peido! Todos aplaudem
22
Amar, amar perdidamente, Amar amar peididamente-
Todos - bravo, good!
Uga que agora assiste – aparte- Odeio esta gente sem qualquer educação, é certo que
irão acabar em supermercados e centros comerciais como forma de educarem a sua
natural ignorância.
Tarra – Larra, tens umas belas (apalpa-lhe os seios)
Larra – Bom, isto é bom!
Arra - Pode ser larra, larra, larranjas!
Uga- Sim como as laranjas, está melhor assim, não recusem o sexo, mas não
façam gato-sapato da cultura.
Já falam! Todos os cuidados são poucos!
11.
Farra – Yam ha-Melah;!
Tarra- Al Bahr al Mayyit!
Uga- Sim este mar está morto, chama-se de Mar Morto mas o quê, vocês falam línguas
diferentes? Como é possível se nasceram aqui no mesmo país? Claro, deve ser qualquer
brincadeira do autor do texto. Ora vejam lá eu com tanto trabalhinho a ensiná-los a falar
e aparecem-me de repente a falar duas línguas fluentemente. Ah, já sei devo falar da
Bíblia. Pois então, ouçam:
Aqui é a terra prometida, uma designação do Antigo testamento, sim parece que foi aqui
que se escreveu esse livro, porque foi aqui que o homem erectus que são vocês
23
passaram a ser homo sapiens, um homo sapiens todo novinho, todo inchado de
imaginação, começou a delirar e escreveu coisas tão extraordinárias, outras nem tanto
(assim tipo para todos os gostos) tão extraordinárias que ainda hoje andam à procura da
rolha, que são vocês também a partir de agora. (ora é vê-los todos inchados) (fazem
mímica e algumas frases simulando a civilização). Depois outro alguém muito
espertinho escreveu um livrinho a dizer que deus isto, deus aquilo (Farra e Tarra,
olham-se com ar ameaçador) Querem lutar? Pois bem vamos a uma partida de
wrestling, também me está a apetecer
Uga - Farra! Vai para ali.
Tarra - Al Tarra
Uga- Al Arra pois muito bem o teu novo nome. Tu Farra vais para o outro lado…
Farra – El Farra
Uga- El Farra muito bem. Al Tarra estás proibido de puxar a barbicha de El Farra. E tu
El Farra não podes puxar o lencinho da cabeça do teu adversário. Prontos? Podem
começar.
(os dois fazem precisamente aquilo a que estão proibidos)
Uga – Parem! Párem! (não param) Não param, terei de tomar medidas. Aniquilarei
Jerusalém! Farei cair uma bomba atómica em cima do grande templo (param e
choramingam) Ora aqui está uma solução que certos senhores ainda não se lembraram,
pararia num instante a chatice do Médio Oriente. Desclassificados!
Chega de novo o homem da mala mas desta vez traz um nariz de palhaço. Tira uma
folha de papel e dá a Uga.
24
Um homem pré-histórico recita o poema da outra cena de poesia. O homem da mala
foge
Todos riem e ficam contentes.
Uga- Isso mesmo, quando não perceberem alguma coisa leiam poemas…
Olha agora para desanuviar um pouco desta coisa da religião vou-vos ensinar o
dinheiro.
Urra - Money
Uga – Sim Urra, dinheiro escreve-se em inglês, infelizmente é verdade ainda não tem
tradução em todas as línguas.
Então é assim, eu sou o rei, todo o mundo é meu, pois o poder, o poder faz o dinheiro e
eu digo assim este metal amarelo vale mais do que o que tu estejas a pensar.
Ora diz lá o que estás a pensar
Arra – Tulicreme
Uga- Pronto isto vale mais que tulicreme. Tu agora.
Tarra – Mulher
Uga – Pronto isto vale mais que uma mulher
Urra – Céu
Uga- Isto vale mais que o céu
Larra- Andar, rir
Uga- Isto vale mais que um verbo qualquer. Pronto estou a ver que estão a
compreender, agora quem tiver mais é que ganha
Larra – Jogo
Uga- Claro é um jogo
25
Jogam à roleta, divertem-se comprando palavras e coisas.
A determinada altura do jogo…
Tarra – Ele não poderia comprar-me a mulher. Ele tem devolver
Larra – Urra comprar-me céu. O céu era meu
Lutam, a luta estende-se a todos
Uga – Sopra num apito, todos se calam. Claro, o dinheiro é um problema também.
Nunca se esqueçam: têm de controlar o que inventam. Os vossos jogos têm de ter regras
e leis. Senão como será?
Um dia não estarei cá, nessa altura terão que ascender a outro patamar, bem difícil de
alcançar: responsabilidade.
Tarra- Tem cor a responsabilidade?
Uga- Sim, todas as cores.
12.
Todos em fila à frente de Uga.
Uga- Podes ficar mais um tempo na pedra lascada, ainda tens de aprender muita coisa,
toma lá o teu machadinho. O próximo!
Uga- Ah tu, farra és bom nos desenhos e nas pinturas, agora podes começar a desenhar
noutro material
Farra – Em telas e com acrílico?
Uga – Não nada disso, ainda não evoluíste o suficiente para essa técnica
Farra – Então pintarei em peles de animais e farei joalharia em marfim
Uga – Parece-me adequado. Próximo!
Larra – Eu gostaria de inventar a agricultura.
26
Uga – Muito bem, é uma boa atividade, ecológica e de grande sustentabilidade, não te
apresses a inventar transgénicos e sementes dopadas isso será o teu fim, começa com
um pequeno arado de madeira, plantação de videiras em socalcos, coisas assim, e
principalmente não te queixes constantemente do clima
Uga – Sarra! Darias uma boa costureira
Sarra – Eu querer ser prostituta.
Uga- O quê? O que sabes sobre isso?
Sarra – Disseram-me que ser a mais velha profissão, e como eu querer ser de
vanguarda…
Uga- Não, não sabes o que isso é. Isso é uma profissão malvada, deixa isso para outra
mulher de um bando inimigo.
Sarra – Então, eu querer ser pin up
Uga- Hummm, Até que eu gostaria…mas… ainda não existem certas
condições…digamos mediáticas. Podes no entanto dedicar-te a trazer água do rio
durante todo o dia e podes subir um pouco o saiote, ou mesmo continuar de tanga, tens
umas lindas pernas por acaso… (tenta apalpá-la) (leva um estalo)
Sarra – HiiiiiHiii (ri-se) É por isso que queria ser pin up, só para provocar….(sai)
Uga – As mulheres, esse ser inconstante e mal compreendido. Próximo
Arra – Querer circo
Uga – Sim Arra, podes ser um bom acrobata, assim não terias de falar muito e como
pensar não é o teu forte… Meu bom Arra poderias ser um bom palhaço, mas estamos
ainda tão distantes da civilização. Até lá ainda teremos de passar pelos bobos e
comediantes del’arte, Molíére eu sei lá. Olha! Vai para as colheitas, junto dos outros,
27
assim terás oportunidade de trabalhar e divertir a gente do teu bando, poderás entrar-
lhes no coração.
Arra – Do coração?
Uga – Sim Arra! Desse órgão que toma conta todo de ti. És um enorme coração, não te
esquecerei. (abraça-o)
13.
Troa um trovão, acende-se um relâmpago
Todos tentam esconder-se, dão pulos, fazem cruzes, chocalham conchas em direcção
ao relâmpago, grunhem qualquer coisa indicando e dando a perceber que aquilo é ele
alguém superior a eles.
Uga – Ah! Sim, um velho concorrente, na verdade não é ninguém, não acreditem em
tudo o que vos parece, na verdade tudo isto é um verdadeiro mistério, se eu conseguisse
comunicar convosco e vos explicasse, que ainda há coisa de alguns milhares de milhões
de anos vocês eram átomos e moléculas, sim, coisas mais rudimentares que o próprio
trovão, isso também seria um grande mistério para vós, se calhar estavam agora a adorar
um grão de areia ou uma teia de aranha. Na verdade é um assunto que nos teremos de
reflectir mas sem exageros, têm ainda outros milhares de milhões de anos para resolver
a charada
Agora chove…. É bonito não é, o pôr-do-sol, a chuva e olhem além o arco-íris…
Isto é a dádiva, o que colhemos desse mistério (juntam-se a ele todos anichados
olhando o espetáculo) pausa grande, é bonito não é? Bem mas tenho de vos contar…
posso contar-vos uma história, ora ouçam:
28
Há muito tempo, no tempo dos dinossauros, havia uma manada de hgfretrd na savana,
viviam em paz com todas as coisas, as mães cuidavam dos filhos, os machos
procuravam pastagens, vigiavam a manada tentando-os proteger dos predadores, mesmo
assim eram atacados regularmente por predadores, estes faziam autenticas razias na
manada, a manada cada vez mais reduzida todos os dias ia acima de um monte ao pôr-
do-sol, absorvendo aquela melancolia, procurando esquecer as suas tristezas e por outro
lado como pedindo ao Sol que regressasse no novo dia com mais poderes para os
proteger. Eles julgavam que quem quer que fosse que incendiasse o Sol e lhes desse
aquele espectáculo magnífico, um dia viria em seu socorro para os salvar de outros
predadores. Em vez disso um dia ao pôr-do-sol, o Sol, parece que explodiu e veio de lá
uma enorme língua de fogo que acabou por os dizimar.
Uma história triste não é, a parte boa da história são vocês, a vossa própria existência
passado uns milhões de anos. Agora vocês podem iniciar uma outra história, ninguém
sabe como acabará, talvez acabe mesmo como os dinossauros, mas quem sabe milhões
de anos depois nascerá outro bando mais sofisticado que vocês em qualquer outro
lugar? De qualquer modo temos de aproveitar a dádiva, desfrutá-la evolui-la eis a nossa
grande missão, a vida!
29
14.
Sarra e Uga fazem amor (beijam-se e acariciam-se) debaixo de uma pele de animal.
Depois Sarra levanta-se e vai buscar uma pequena malga que enche de um liquido
que está numa pequena panela ao lume de uma pequena fogueira. Uga tira algures
dos seus pertences um pequeno cachimbo.
Sarra- Queres que te traga um fogo?
Uga – Sim Sarra, uma pequena chama.
Sarra vem sentar-se ao pé de Uga, dá-lhe um pavio com uma pequena chama, Uga
acende o seu cachimbo. Sarra bebe da malga.
Sarra – Arra parte hoje com o seu bando
Uga – Sim, uma longa jornada o espera
Sarra – A sua jornada (diz com alguma dificuldade) terá um fim?
Uga – Para dizer a verdade não sei. Mas os bandos continuarão a partir.
Sarra - O que somos nós?
Uga - Vocês são a Humanidade.
Sarra - Para onde vamos?
Uga – Nós? Pois, não sabemos muito bem, mas vamos e é mesmo o que interessa, ir…
Sarra – Estou grávida…
Uga – Beija-a. Isso é maravilhoso, ninguém troca um momento destes. Beija-a outra
vez
Sarra – Isto faz de nós qualquer coisa
Uga – Sim
Sarra deita a cabeça no colo de Uga
Sarra - Quem és?
30
Uga - Sou o que vocês chamarão por exemplo de imaginação ou fantasia e esperteza ou
inteligência.
Sarra - Isso é uma pessoa? (rindo-se)
Uga - É, mas poderá não ser.
Sarra - O que queres dizer com isso
Uga - Por exemplo agora que falas como eu, o que sou eu para ti?
Sarra - És o meu homem.
Uga -Pois um homem como outro, já não sou o rei, o único que fala
Sarra - Sim…
Uga - Tudo isso já é outra coisa
(Pausa)
Sarra levanta-se para beber da malga, Uga deita a sua cabeça no colo de Sarra
Caem folhas dispersas pelo vento
Uga - Quem faz cair as folhas?
Sarra - Também não sei.
Uga - Talvez apenas o vento, talvez, é a última palavra que te ensino.
Sarra - Tal-vez, é uma bonita palavra…
Uga -É!
Sarra - Ah é?
31
Apaga-se a luz.
Depois dos espectadores baterem palmas e os actores agradecerem,
Todos dançam o Africa Reggae da Nina Hagen
Fim

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  • 2. 2 Uga O homem que fala de Constantino Mendes Alves ao meu filho Miguel “A humanidade não é um estado a que se ascenda. É uma dignidade que se conquista “ Jean Vercors Personagens: Uga Arra (homem pré- histórico) Tarra (homem pré- histórico) Urra (homem pré- histórico) Farra (homem pré- histórico) Sarra (mulher pré-historica) Larra (mulher pré-historica) Homem da mala
  • 3. 3 1. Algumas mulheres e homens do Paleolítico, uma mulher está grávida. Dois homens vêm com um animal morto pendurado num pau. Os outros rodeiam- nos, roubam o animal e esquartejam-no como a pior cena animal e sanguinária daquele tempo. Lutam entre si. Comem os pedaços que sobram para cada um, na luta espezinham a mulher grávida que grita sem parar, todos urram para seu lado como de animais se tratassem. A mulher dá há luz uma criança, ninguém pára de comer. A nova mãe corta o cordão umbilical, embala a criança nos braços. A criança chora. A mãe canta uma melopeia indizível, de urros e grunhidos, passado um pouco a criança diz: Uga- Ma-mã! Mamã! Belo dia para nascer, não é mamã? Estupefactos, todos fogem, incluído a nova mãe. Uga fica sozinho. Uga – Esperava mais do mundo, dos homens… não sei se terá valido a pena ter nascido! Apaga-se a luz.
  • 4. 4 2.Uga corre atrás dos outros que fogem dele. Uga – Fogem de mim todo o tempo, que diabo de gente, parece que têm o demónio no corpo. Esperem por mim, tenho de vos ensinar umas coisas, não o poderei fazer se fogem de mim. Os homens andam dobrados, fogem de Uga, este tenta aproximar-se de eles. A certa altura, juntam-se todos e apanham-no, tentam descobri-lo como se de um objecto se tratasse, experimentam, vêem como funciona. Fazem – lhe cócegas… Uga – Ai! Ui! Isso faz cócegas. Porque fazem isso comigo, eu não sou uma brincadeira qualquer. Não, não sou de comer, sou até muito indigesto, sou da raça humana, sim qualquer coisa de que vocês se tornarão um dia. Ai! Ui! Ponham-me no chão, espécie de hominídeos sanguinários, não comecem já a vossa longa saga de crimes…Eu venho por bem, não sou qualquer farsante, não sou um colector de impostos, podem estar certos. Põem-no no chão. Uga – Isso, (olhando bem para eles) bem parece que temos aqui um problema de comunicação, ora vamos lá ver… Uga bate palmas, eles batem com as mãos no rabo, na cabeça, em qualquer lado, depois uga bate com as palmas nas coxas eles lentamente repetem. Uga - Ouçam, não estão fartos de andarem assim dobrados passando a vida dando urros e grunhidos? Há outras coisas que podem fazer…Não querem, são preguiçosos, afinal
  • 5. 5 não devia estar surpreendido, não passam de simples primatas praticamente, gente ociosa, para quem a sobrevivência se resume a um cacho de bananas caindo sobre eles. Sim? Ah! Acham isso bem. Claro temos que aproveitar o que a natureza nos oferece, mas que tal um pouco de ambição, que tal? Será abrir a caixa de pandora? Talvez tenham razão, claro, mas quem manda aqui? Claro, sou o rei da selva não se esqueçam. Bem hoje vamos treinar o aperfeiçoamento da caça, introduziremos o trabalho em equipa… Ora vamos lá começar…Revisitaremos o vosso modus operendi Não sabem falar? E isso que tem? A linguagem virá na altura certa, por agora trata-se de copiar os meus gestos e movimentos. (andam atrás dele como sombras, copiam tudo o que faz: não, agora estou a explicar, ainda não é para copiar, aparece uma abelha tenta afastá-la (copiam sempre); foge, salta, a abelha entra para as calças, começa a dançar. Isso continuem, assim aprendem a dança antes da caça para vos estimular e dar coragem para o acto.) Pronto, vamos então agora à caça: as lanças por favor, nisto são melhores do que eu. Arra! Faz de veado, sim tu tens mais graça para fazer de animal selvagem (Arra faz de veado com dois paus na cabeça atados com uma folha de palmeira, no rabo põem outra folha) Arra vai-se meneando, todos riem Uga - Isto não é para ser engraçado mas vá, estamos na Pré-história e isto é tudo muito austero e cruel.
  • 6. 6 Rebolam-se a rir Nunca tinha assistido a stand up comedy gestual, este Arra é espectacular, e pensar que alguém daqui a uns milhares de anos pensa ter inventado isto! É verdade, há muito que vos queria perguntar, quem inventou a pedra lascada? (todos apontam Urra) Ah! Foste tu? Como a inventaste (Urra faz piruetas, cambalhotas, saltos, gestos, caretas todo o tipo de maluquices e exercícios) Pois, percebi, foi por acaso (aparte), o que faz de ti um ser especial Urra. Vêem nem sempre o tipo tido como o mais esperto e inteligente será o melhor. Pois, não querem compreender isso? Pois a hipocrisia já está a nascer agora. A caça, devo dizer-vos umas palavras antes de começarmo-nos a perder-nos em detalhes. A caça….Caça é a perseguição de um animal a outro, normalmente com intenção de abate sic (wikipédia) A caça permite-vos sair desse estado letárgico de colectores em que vocês se encontram. A procura de mais e melhores alimentos permite-vos aumentar a vossa capacidade de sobrevivência da espécie. (Começam a jogar às palmadas uns com os outros) A ética da caça é outro conceito que precisam de adquirir. A nobreza da caça está em colocarmo-nos em pé de igualdade com outra espécie animal, demonstrando com a nossa coragem e bravura a nossa legítima superioridade. Claro é vantajoso ao caçador ter um handicap superior à sua presa, homem que é homem sabe isso, por isso há tantos caçadores. O quê Urra? És mais forte que eu? Não espera eu não sou a tua caça, eu sou, eu sou (com medo) o vosso professor, não gostas de professores? O que tens contra eles? Há! Pois são uma maçada. (tenta agradar a Xarra que se torna
  • 7. 7 feroz) “ler é uma maçada, estudar é nada…” (Urra fica calmo), eu sou uma espécie de artista, devoras artistas? Como te tornaste canibal? Isso só está programado, daqui uns milénios, quando criares gosto, não percebes quando adquirires gosto já o podes estragar, é essa a base do canibalismo, sim uma espécie de gente do contra (Xarra ameaça-o) não, sim és canibal por outro motivo qualquer, talvez por quereres chegar ao topo da cadeia alimentar (Xarra acalma) devo dizer a esse respeito: A cadeia alimentar: é uma sequência de seres vivos/populações que se alimentam uns dos outros. É a maneira de expressar as relações de alimentação entre os organismos de uma comunidade/ecossistema, iniciando-se nos produtores e passando para os consumidores (herbívoros, predadores) e decompositores, por esta ordem. Ao longo da cadeia alimentar há uma transferência de energia e de nutrientes, sempre no sentido dos produtores para os consumidores. A transferência de nutrientes fecha-se com o retorno dos nutrientes aos produtores, possibilitado pelos decompositores que transformam a matéria orgânica dos cadáveres e excrementos em compostos mais simples, pelo que falamos de um ciclo de transferência de nutrientes. A energia, por outro lado, é utilizada por todos os seres que se inserem na cadeia alimentar para sustentar as suas funções, diminuindo ao longo da cadeia alimentar (perde-se na forma de calor),não sendo reaproveitável. A Energia tem portanto um percurso acíclico. Esse processo é conhecido pelos ecologistas como fluxo de energia. A posição que cada um ocupa na cadeia alimentar é um nível hierárquico que os classifica entre produtores (como as plantas), consumidores (como os animais) e decompositores (fungos e bactérias). No topo da cadeia alimentar está o homem… mas que diabo estão a fazer, a comportarem-se assim não concluem o ensino obrigatório quanto mais chegar à
  • 8. 8 universidade. Ah a universidade só será inventada na Idade Média, estava já repetir a aula que dei nesse período… Mas, bom, vou ser mais concreto, Bom, vocês já caçam, mas se me permitem a opinião fazem-no de forma atabalhoada. Trata-se evoluir, de dar o próximo passo, de sofisticar a vossa aprendizagem. Preciso de uma pedra lascada, isto sem PowerPoint vai ser um pouco complicado, bom cá está, obrigado Arra, mas está tudo sujo, vocês não têm cuidados nenhuns de higiene, sim lavar as mãos, o quê, fazes isso? Lavas as mãos enquanto urinas? Devias ter mais cuidado, os cuidados de higiene são essenciais para que vivam com alguma salubridade. Bom, (limpa a pedra à manga) isto é uma pedra lascada como vocês sabem, é o grande invento da vossa era, vocês não se apercebem do passo que deram, daqui para os tanques Abraham é um pulo, bom vamos por partes. Agora preciso de uma vara, um pau, não uma moca não dá, isso, um pau de vassoura, um pau de vassoura, onde diabo arranjaram uma vassoura, quem a inventou, tu? Foste tu Larra? Mas isso estava-te proibido, eu sei, eu sei és muito avançada, mas isso não é adequado ao tempo que vives, sim devias preocupar-te apenas em catar piolhos da cabeça dos pequenos. Bom, tira-se a cabeleira (começam todos a puxar os cabelos) Não, não é a vossa cabeleira, é disto. Pronto cá está, agora aproveitando um pouco de ráfia da própria vassoura, atamos a pedra lascada na ponta do pau, não deixem os pequenos fazer isto em casa sozinhos, podem cortar-se. Pronto cá está. Vejam homo sapiens, acabámos de atravessar um deserto de ignorância, a vossa avó Lucy deve estar a dar saltos de alegria lá no seu tumulo africano. Não, não registarei a patente em meu nome, está na altura de compreenderem o significado do altruísmo, um valor que caracterizará a vossa espécie. Esta lança ficará em nome da humanidade. Embora vocês no futuro a usarem como
  • 9. 9 arma de ataque contra os vossos próprios irmãos, a vossa espécie ficará indelevelmente ligada à invenção do genocídio, e nessa altura conhecerão o paradoxo da vossa própria natureza, característica que perdurará por milénios e que apaixonará filósofos e será o ganha-pão de políticos hipócritas. Bom mas a lança está inventada, não vale a pena chorar lágrimas de crocodilos Tarra, vem cá. Coloca-te na posição de tiro, ou lançamento. Isso, preciso agora do veado outra vez. Eis o vosso alvo. Agora demonstra como fazes… (corre atrás do homem-veado) Isso é muito linear, e expões-te de uma forma descuidada. Agora vamos trabalhar em equipa (juntam-se todos rapidamente), não, tu és veado, não és hominídeo. Observa, isso, tu, Tarra! Espreita a presa, observa, colhe informações sobre a presa e comunica aos colegas. O quê não partilhas informação com concorrentes? Mas estamos na mesma equipa. Ao menos diz-lhes onde é que está a presa? Ah! A sim vai ser muito difícil. Vejam o que é ter uma ovelha negra na equipa. Bom passaremos sem essa informação. Tu! Colocas-te aqui à frente de forma a afugentares o animal e vocês (o veado marra no afugentador, os outros instintivamente ajudam-no, um vai para rabejador.) Ora aqui está uma forma sui generis de caçar, haverá um povo assim com costumes muito próprios, poderão no Verão ir até lá passear e passar uma boa época de férias, um povo muito acolhedor. Agora tu, espeta-lhe a lança. E voilá, eis que emergem da bruma do esquecimento. Serão matadores exímios, Deus não se esquecerá de vós. Apaga-se a luz.
  • 10. 10 3. E como estamos de religião? Não, já disse que não sou o vosso deus. Eu vou-vos pôr em dia. Vocês são homo sapiens, recentes, já têm a pedra lascada, exercitam a mão, o vosso cérebro está suficientemente desenvolvido para adquirirem gramática, e para se distraírem podem pintar umas coisas nas rochas e cavernas, quando tiverem medo podem acreditar e ter fé em alguma coisa. Por exemplo é tempo de abandonarem alguma selvajaria como foi aquela do meu primeiro dia entre vós. Quase me destruíam, pisaram a minha mãe que estava grávida. A mulher é um ser adorável, por exemplo é aquela que nos dá vida, isso não é extraordinário, não acham (estão todos a dormir) acordem! Ah! Não acham? (todos abanam a cabeça dizendo que sim) claro a mulher é um ser extraordinário, surpreendam-me façam um verdadeiro ritual pré-histórico à fertilidade (começam a imitar a cópula) Vá mudem de canal, façam um verdadeiro ritual sagrado. As mulheres dançam ao ritmo, salientando com as mãos os seios e o ventre os homens batem ritmos (fazem o intenso e verdadeiro rito de fertilidade e de devoção à mulher) Isso, façamos um semi-circulo, sim Arra um semi circulo como a lua, sim também é redonda, mais tarde verão que o mundo é também redondo e isso será um problema, pois teremos de nos entender todos à escala global, isso Arra ficaremos às bulhas uns com os outros, pois estão a gostar, porrada é do que vocês gostam. Bom hoje vamos tentar a linguagem gestual:
  • 11. 11 Primeiro levantamos o braço, isso muito bem (aparte) ainda faltarão uns séculos até que inventem o desodorizante, que chatice! Bom o braço levantado, pois Farra, estás a ficar mais inteligente, mas ainda não disseste nada, vamos lá ver que gestos já conhecem… Fazem manguitos, corninhos piretes. Excelente, é claro que tudo nasce de uma grande ordinarice, ou por outra do santo sexo, um dia um de vós se chamará Freud e dará cabo da alma, uma coisa que demorou tantos genocídios a criar. Que pena! Agora vamos a gestos que se entendam…. Levanta o braço. Isto é sinal de quê? De parar…? (renitente) pode ser! Depois começam a inventar sinais de trânsito, imitam veículos no tráfego, gera-se um intenso tráfego com colisões, bichas, discussões. Bom não inventaram uma verdadeira linguagem gestual, claro eu sei a vossa paixão é o trânsito. 4. Uga - Estou farto de tentar qualquer coisa convosco, vamos fazer um jogo, dou-vos estes pauzinhos que Tarra colheu do saque quando do ataque a outro bando. Enquanto não aprendem a falar, vá façam um pouco pela vida…sim, eu já venho… vou como hei- de dizer… apanhar flores. Primeiro experimentam riscar em cada um no seu corpo, depois nos outros, Depois desenham nas paredes do cenário Fazem modelos com homens com lanças na mão, fazem com os tiques de pintores da renascença
  • 12. 12 Desenham e apagam muitas vezes os desenhos Acabam por fazer uma réplica da pintura de Picasso guernica Uga- O que estás a fazer? Excelente! Mas não será um pouco cedo para isso, deixem-se ficar por Miró, verão que isso trará mais vantagens, a evolução é uma coisa danada, cada coisa a seu tempo Uga – A Arte é Arte e Arte é arte, estão a entender? Se não entendem eu aviso-vos. Alguém vai dizer o que é e não é arte, nessa altura vocês ouvem e dizem que sim, depois farão ao contrário de tudo o que alguém disser, aí terão de novo a arte. O que vocês inventaram é que é importante. Na verdade só vocês sabem o que inventaram, teríamos que perguntar-vos sobre o que inventaram, mas como vocês não falam…ficará o mistério da Arte. Se querem um conselho: nunca parem de fazer isso que inventaram agora, parece-me que é o jogo mais interessante que se poderá inventar. 5 . Uga é massajado por várias mulheres Uga - Hoje estou melancólico, apetecia-me inventar a poesia… Na poesia trata-se de colocar o homem na sua relação com a natureza, ser a própria natureza. É a mais nobre das artes, não há verdadeiro artista que não quisesse ter sido poeta, colocarmo-nos como testemunho da criação e ser o próprio criador. Na poesia… Dormem? Vamos lá praticar…
  • 13. 13 Ah! Pois vocês não falam, talvez com vocábulos possamos conseguir Trilorerei, totó trolerei Titorafame, chitogame, trolerei E chegu e fojoga, e vadadria, trolerei Vamo, camo, famo, gamo Sintiatrosta, sintriatosta Trolerei, trolerei, trolerei… Repitam. Dizem com diversas entoações Passa um homem com uma mala. Pára junto de Uga, abre a mala e dá-lhe uma folha de papel Uga - Está bem. O homem sai com a mala Uga – Não liguem (fazendo alusão ao homem que acabou de passar) Uga – Temos de acabar aqui. Morreu alguém muito importante, tenho de…Não estão a compreender? Pois não. Amanhã encontramo-nos aqui. Sai. Todos ficam a falar entre si com os vocábulos do poema. Como que aprendendo a própria compreensão, como se tornando gente. A luz vai fechando-se lentamente…
  • 14. 14 6. Uga está num trono feito de troncos de madeira, aos seus pés acumulam-se oferendas, frutos, flores e ossos de animais. Uga – Hoje faço 25 anos, tenho direito a uma mulher. Não, não me dêem mais comida e esses ossos horríveis, já vos disse não sou um deus. Sim Arra, sou o vosso rei, pois, há falta de melhor dá-me vinte flores. Quanto é vinte flores? Olha aqui estão dez, sim quantos dedos tens nas mãos e nos pés, pois, isso, faltam os dedos de Barra. Isso dez mais dez são vinte. Sim vinte luas, pois ou vinte sóis, vai dar no mesmo. Claro não é a mesma coisa. Eu sei és um poeta gostas mais da lua, pois é mais romântico. Pois mas não te esqueças da mulher, é isso a que tenho direito. Não queres dar a tua mulher? Não te esqueças eu sou um rei, tenho direito a escolher qualquer uma desta tribo. Não, não entro nessa, eu sei querem-me fazer de deus, um santo. Tá bem, posso negociar isso, mas serei um santo com uma mulher. Um santo não tem uma mulher? Espera pela história da humanidade que se irá seguir a nós e verás que houve muitos homens religiosos com as suas mulheres, pois amantes. Putas? Onde aprendeste isso? Algures no mato? Tens que cuidar desse vocabulário, velho pirata. Tá bem vá lá mas não te esqueças da mulher a que tenho direito. De qualquer modo faremos uma orgia, copiaremos o caos, um novo big bang, seremos átomos e moléculas loucos de sexo é preciso dar cabo deste estado de coisas, vocês têm de evoluir que diabo! Fazem uma orgia, com falos e transvestidos de tudo e mais alguma coisa Passado um pouco começam todos à batatada Um passo em frente, dois atrás, bom recomeçaremos,
  • 15. 15 Uga- Escutem! (aparte) escutem, vocês não percebem nada do que eu digo. Ah! Gostam de me ouvir falar? Muito bem prosseguirei. Faço hoje vinte e cinco anos, uma data importante, pois para mim e para todos nesta tribo. Completam-se hoje vinte e cinco anos desde que nasci e comecei a falar. Faz hoje vinte e cinco anos que se introduziu a fala nesta tribo. Para comemorar este evento, vou implementar um novo processo de civilização: a disseminação da fala na nossa tribo, e por conseguinte por toda a humanidade. Sim? O que é a humanidade é uma coisa que os selvagens que são vocês um dia se hão-de tornar, a comunidade da espécie humana, sim isso mesmo Carra, os animais eleitos, pois dotados de cabeça, de inteligência. Sim no futuro irão derrotar todos os mamutes, crocodilos, deixará de haver deuses animais, num futuro mais longínquo deixará de haver deuses humanos que vocês agora estão gostando tanto, tentando tornar-me de um deus. Não no futuro só haverá carros eléctricos e casas pré fabricadas ecológicas biológicas. Sim será um mundo são sem mal nem pecado nem religião. Muito bem Farra, seremos todos deus, flores animais pedras, todos deus, sim deus dividiu-se em todas as coisas, mas só nessa altura em que a inteligência prevalecerá, até lá terão que fazer muitas guerras e matarão o que puderem. Ah! Gostam desta parte? Pois matarão a vosso bel-prazer. Pronto está prometido. Ah! Cá está a minha mulher (Sarra), obrigado, bom povo, Agora festejaremos esta efeméride. Repetiremos aquela coisa mexidinha, sim das ancas a abanar mas agora com ritmos Fazem um percurso do ritual ao rock, com ritmos
  • 16. 16 Uga- Ok, divertimo-nos à brava, sim, há por aí umas ervas poderemos fazer uma tisana, acho que bebi demais daquele óleo de palmeira estou um bocado tonto! O quê ervas das outras, ah seus malandros, ainda não sabem falar e já só pensam em curtir… Apaga-se a luz. 7. Uga e a mulher Uga - Ainda não és mulher, quero dizer completa, não és bonita e nem por isso muito asseada, não és terna, mas tens um jeito animal que me aquece o coração, e não só, sim? Gostas de sexo? Estaremos um para o outro. O que te posso ensinar? Na cama? Deixo isso ao teu instinto pré – histórico, posso adicionar uns fetiches, poderás dar um passo na civilização, e ultrapassarás a fase feminista…o que é o feminismo, qualquer coisa muito importante para ti, bom para mim também claro, uma mulher independente é outra coisa, mas tenho de te pedir uma coisa, não cedas eternamente á tua futura “maternalidade”, põe sempre qualquer coisa de primitiva à nossa relação, sim sex appeal forever, farei de ti assim uma verdadeira mulher, claro, a tua inteligência também virá a seu tempo. E escuta, alguém virá dizer que advéns da minha costela, (ela reage) sim, poder-lhe-ás chamar de pederasta, sim a bíblia está cheia deles. Queres que eu cace, sim? Não? Ah, um beijo? Sim dar-te-ei também o amor (beijam-se e fazem sexo loucamente) Passa o homem da mala, atira um preservativo para cima deles.
  • 17. 17 Fecha-se a luz. 8. Nunca falarão como eu? Que importa isso? Poderão fazer outras coisas também úteis, como descascar cocos e fazer nascer as batatas, verão que no futuro isso terá mais proveito que a fala, demasiada importância na minha perspectiva. Mantenham-se assim, assim serão bons servos, e eu cuidarei de todos. Então hoje aprenderemos o som “A”. Todos terão de abrir a boca. Isso mesmo abrir a boca, agora empurrarão ar que está nos vossos pulmões, sim com toda a força. o ar passará pelas vossas cordas vocais e fará um som, neste caso “A”. Sim repitam o que eu disser: “A” aaaaaaaaaaaaaaaaa! Isso mesmo todos ao mesmo tempo “AAAAAAAAAAAAAAA” , não te atrases Urra. O “a” é um som importante. A partir de agora já te poderás queixar dizendo “ai!” ou “Arre!” já não serás o eterno atrasado da tribo. Podermo-nos queixar é uma dádiva, num futuro longínquo, numa coisa que se chamará democracia, a reclamação será a chave para a liberdade individual e colectiva, verão contudo que não será a chave para a plena felicidade como muitos apregoarão. Mas vamos por partes com o som”A” repitam. Isso mesmo muito bem, que excelentes alunos eu tenho! Com “A” dizia eu podem aprender palavras como amor, um conceito de enormes consequências, verão, pois trará enormes responsabilidades também, será maravilhoso quando forem civilização. Mas outras palavras como “até”, que é uma espécie de instrumento da linguagem para vocês localizarem no tempo ou nas quantidades. Com até, por exemplo, vocês podem perceber os limites das coisas e de
  • 18. 18 vocês próprios. Estão a ver, pequena palavra, mas muito útil, o problema são outras como “mais”, “vontade”e “quero” que são levadas do diabo, então os verbos, bom mas isso será uma aula lá mais para a frente, quando vocês já souberem o b -a -ba de gente. Agora o “e”. Vá: “eeeeeeeeeeeeeeeeeeeee” isso muito bem. Bem nem tudo o que parece é mas “E” é som da existência. O que é existência? É do que estamos a trabalhar, aprender a falar é existência. Vão ver que é uma coisa levada da breca isso da existências, vai vos dar que pensar e geralmente não leva a lado nenhum. Bom, está bem, deixo isso ao vosso critério. Haverá alguns filósofos entre nós, são os ossos do ofício, não nos poderemos livrar deles. Sim, sim, barra algum dia algum filósofo fará qualquer coisa de importante por todos nós, esperemos…pois pôr-nos a pensar. Sim será importante. Bom, por hoje a aula acabou. Já sabem o vosso tpc será “A” e “E”. Farão um exercício com os dois sons: “Ah é?” Um dito muito importante no quotidiano de um povo daqui a muito tempo? Isso Arra.”Ah é?”, Repitam! Podem trabalhar em grupo. Depois podem fazer o diálogo: - Ah! É? Resposta: - É Muito bem, estão no bom caminho. (aparte) que excelentes alunos, acho que vou dar um SB a todos: (aparte). Não levam excelente porque todos cheiram mal da boca, coisa que não tolero nas minhas aulas.
  • 19. 19 9. Dois homens treinam o tpc Farra (bate com uma moca na cabeça do outro) – Ah! É? Urra (bate com uma moca na cabeça do outro) – É! Repetem várias vezes e depois entram outros que fazem a mesma coisa. Entra Uga Uga – Assistir ao nascimento de uma nova linguagem é uma coisa linda, não é? (leva com uma moca) Farra – É! Uga – Pronto chega de treino! Estão prontos para nova lição Um homem chega com um peixe. Uga- Já disse que não podem trazer comida para as aulas. Ah tenho de ler as entranhas do peixe para saber o futuro do bando? Mas isso é uma crendice sem fundamento teórico científico (ameaçam-no com uma moca) pronto eu leio… Uga – A vossa vida vai ser maravilhosa, vão começar a domesticar os animais, inventar a agricultura, pôr um foguetão em Marte e ver muitas telenovelas na tv (ameaçam-no com a moca)
  • 20. 20 O quê um futuro mais recente? Pronto vão inventar o fogo! Fogo, ora digam lá fogo! Homens- Fo-go; fogo! Fogo! (começam a dançar) Uga- Não, não comecem já a dançar isso será mais tarde, depois de inventar o fogo. Agora é preciso puxar pela inteligência, pelos fusíveis entendem? Urra- fogo! FOGO Uga – Não vos posso dizer como é, depois não tinha graça nenhuma, vá é como um jogo vejam lá como se vai inventar o fogo? Homens - Fogo! Fogo! Uga - Ah não sabem o que é o fogo (puxa de um isqueiro) é isto que é o fogo (todos fogem) Uga - Vá lá não tenham medo, têm de descobrir o fogo Homens- Fogo! Fogo! Uga - Já cá não está, (esconde o isqueiro atrás das costas) podem voltar, não tenham medo, já fiz desaparecer este artefacto do futuro, foi o autor do texto que me emprestou, (atira-o fora) pronto foi-se embora, já não faz parte da peça. Homens – Fogo! Fogo! (começam a dar mocadas uns nos outros) Uga – Não, não é assim, isso é a lição da fala. Vá não estejam sempre a copiar tudo. Puxem do vosso substrato aí, qualquer coisa que aí tenham dentro. (aparte) será que são mesmo burros? Inventam vários exercícios e coisas para inventar o fogo, tipo, coçar as costas dos outros, etc. Uga – (faz o jogo do frio-quente) Frio! Mais frio, morno, quase quente e a escaldar (acendem uma fogueira)
  • 21. 21 Uga – Pronto agora podem dançar, mas não se esqueçam de agradecer aqui ao moi, isso primitivos, mas educados Uga – Isto vai de vento em popa, não tarda ficam por conta deles 10. Tarra - xxx! Arra - Com esforço – xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (cospe toda a gente, todos riem e lavam-se com o cuspo) Tarra – bis! Arra – xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (cospe toda a gente outra vez) Farra - XXXXXXuveiro Tarra - Sim, xuveiro, ya! Urra – peida-se Tarra – pum? Arra - pum, riem. Farra – (tem uns óculos arcaicos – ar de intelectual) – pum? Pum? Não pum! É melhor com um ditongo Arra – Ei pá! Farra – Sim ei, pode ficar peido, é mais bonito, peido – diz com várias entoações pretensamente intelectuais. Todos repetem peido, em várias entoações, levantam-se e recitam: Vim agora da caça e dei um peido! Todos aplaudem
  • 22. 22 Amar, amar perdidamente, Amar amar peididamente- Todos - bravo, good! Uga que agora assiste – aparte- Odeio esta gente sem qualquer educação, é certo que irão acabar em supermercados e centros comerciais como forma de educarem a sua natural ignorância. Tarra – Larra, tens umas belas (apalpa-lhe os seios) Larra – Bom, isto é bom! Arra - Pode ser larra, larra, larranjas! Uga- Sim como as laranjas, está melhor assim, não recusem o sexo, mas não façam gato-sapato da cultura. Já falam! Todos os cuidados são poucos! 11. Farra – Yam ha-Melah;! Tarra- Al Bahr al Mayyit! Uga- Sim este mar está morto, chama-se de Mar Morto mas o quê, vocês falam línguas diferentes? Como é possível se nasceram aqui no mesmo país? Claro, deve ser qualquer brincadeira do autor do texto. Ora vejam lá eu com tanto trabalhinho a ensiná-los a falar e aparecem-me de repente a falar duas línguas fluentemente. Ah, já sei devo falar da Bíblia. Pois então, ouçam: Aqui é a terra prometida, uma designação do Antigo testamento, sim parece que foi aqui que se escreveu esse livro, porque foi aqui que o homem erectus que são vocês
  • 23. 23 passaram a ser homo sapiens, um homo sapiens todo novinho, todo inchado de imaginação, começou a delirar e escreveu coisas tão extraordinárias, outras nem tanto (assim tipo para todos os gostos) tão extraordinárias que ainda hoje andam à procura da rolha, que são vocês também a partir de agora. (ora é vê-los todos inchados) (fazem mímica e algumas frases simulando a civilização). Depois outro alguém muito espertinho escreveu um livrinho a dizer que deus isto, deus aquilo (Farra e Tarra, olham-se com ar ameaçador) Querem lutar? Pois bem vamos a uma partida de wrestling, também me está a apetecer Uga - Farra! Vai para ali. Tarra - Al Tarra Uga- Al Arra pois muito bem o teu novo nome. Tu Farra vais para o outro lado… Farra – El Farra Uga- El Farra muito bem. Al Tarra estás proibido de puxar a barbicha de El Farra. E tu El Farra não podes puxar o lencinho da cabeça do teu adversário. Prontos? Podem começar. (os dois fazem precisamente aquilo a que estão proibidos) Uga – Parem! Párem! (não param) Não param, terei de tomar medidas. Aniquilarei Jerusalém! Farei cair uma bomba atómica em cima do grande templo (param e choramingam) Ora aqui está uma solução que certos senhores ainda não se lembraram, pararia num instante a chatice do Médio Oriente. Desclassificados! Chega de novo o homem da mala mas desta vez traz um nariz de palhaço. Tira uma folha de papel e dá a Uga.
  • 24. 24 Um homem pré-histórico recita o poema da outra cena de poesia. O homem da mala foge Todos riem e ficam contentes. Uga- Isso mesmo, quando não perceberem alguma coisa leiam poemas… Olha agora para desanuviar um pouco desta coisa da religião vou-vos ensinar o dinheiro. Urra - Money Uga – Sim Urra, dinheiro escreve-se em inglês, infelizmente é verdade ainda não tem tradução em todas as línguas. Então é assim, eu sou o rei, todo o mundo é meu, pois o poder, o poder faz o dinheiro e eu digo assim este metal amarelo vale mais do que o que tu estejas a pensar. Ora diz lá o que estás a pensar Arra – Tulicreme Uga- Pronto isto vale mais que tulicreme. Tu agora. Tarra – Mulher Uga – Pronto isto vale mais que uma mulher Urra – Céu Uga- Isto vale mais que o céu Larra- Andar, rir Uga- Isto vale mais que um verbo qualquer. Pronto estou a ver que estão a compreender, agora quem tiver mais é que ganha Larra – Jogo Uga- Claro é um jogo
  • 25. 25 Jogam à roleta, divertem-se comprando palavras e coisas. A determinada altura do jogo… Tarra – Ele não poderia comprar-me a mulher. Ele tem devolver Larra – Urra comprar-me céu. O céu era meu Lutam, a luta estende-se a todos Uga – Sopra num apito, todos se calam. Claro, o dinheiro é um problema também. Nunca se esqueçam: têm de controlar o que inventam. Os vossos jogos têm de ter regras e leis. Senão como será? Um dia não estarei cá, nessa altura terão que ascender a outro patamar, bem difícil de alcançar: responsabilidade. Tarra- Tem cor a responsabilidade? Uga- Sim, todas as cores. 12. Todos em fila à frente de Uga. Uga- Podes ficar mais um tempo na pedra lascada, ainda tens de aprender muita coisa, toma lá o teu machadinho. O próximo! Uga- Ah tu, farra és bom nos desenhos e nas pinturas, agora podes começar a desenhar noutro material Farra – Em telas e com acrílico? Uga – Não nada disso, ainda não evoluíste o suficiente para essa técnica Farra – Então pintarei em peles de animais e farei joalharia em marfim Uga – Parece-me adequado. Próximo! Larra – Eu gostaria de inventar a agricultura.
  • 26. 26 Uga – Muito bem, é uma boa atividade, ecológica e de grande sustentabilidade, não te apresses a inventar transgénicos e sementes dopadas isso será o teu fim, começa com um pequeno arado de madeira, plantação de videiras em socalcos, coisas assim, e principalmente não te queixes constantemente do clima Uga – Sarra! Darias uma boa costureira Sarra – Eu querer ser prostituta. Uga- O quê? O que sabes sobre isso? Sarra – Disseram-me que ser a mais velha profissão, e como eu querer ser de vanguarda… Uga- Não, não sabes o que isso é. Isso é uma profissão malvada, deixa isso para outra mulher de um bando inimigo. Sarra – Então, eu querer ser pin up Uga- Hummm, Até que eu gostaria…mas… ainda não existem certas condições…digamos mediáticas. Podes no entanto dedicar-te a trazer água do rio durante todo o dia e podes subir um pouco o saiote, ou mesmo continuar de tanga, tens umas lindas pernas por acaso… (tenta apalpá-la) (leva um estalo) Sarra – HiiiiiHiii (ri-se) É por isso que queria ser pin up, só para provocar….(sai) Uga – As mulheres, esse ser inconstante e mal compreendido. Próximo Arra – Querer circo Uga – Sim Arra, podes ser um bom acrobata, assim não terias de falar muito e como pensar não é o teu forte… Meu bom Arra poderias ser um bom palhaço, mas estamos ainda tão distantes da civilização. Até lá ainda teremos de passar pelos bobos e comediantes del’arte, Molíére eu sei lá. Olha! Vai para as colheitas, junto dos outros,
  • 27. 27 assim terás oportunidade de trabalhar e divertir a gente do teu bando, poderás entrar- lhes no coração. Arra – Do coração? Uga – Sim Arra! Desse órgão que toma conta todo de ti. És um enorme coração, não te esquecerei. (abraça-o) 13. Troa um trovão, acende-se um relâmpago Todos tentam esconder-se, dão pulos, fazem cruzes, chocalham conchas em direcção ao relâmpago, grunhem qualquer coisa indicando e dando a perceber que aquilo é ele alguém superior a eles. Uga – Ah! Sim, um velho concorrente, na verdade não é ninguém, não acreditem em tudo o que vos parece, na verdade tudo isto é um verdadeiro mistério, se eu conseguisse comunicar convosco e vos explicasse, que ainda há coisa de alguns milhares de milhões de anos vocês eram átomos e moléculas, sim, coisas mais rudimentares que o próprio trovão, isso também seria um grande mistério para vós, se calhar estavam agora a adorar um grão de areia ou uma teia de aranha. Na verdade é um assunto que nos teremos de reflectir mas sem exageros, têm ainda outros milhares de milhões de anos para resolver a charada Agora chove…. É bonito não é, o pôr-do-sol, a chuva e olhem além o arco-íris… Isto é a dádiva, o que colhemos desse mistério (juntam-se a ele todos anichados olhando o espetáculo) pausa grande, é bonito não é? Bem mas tenho de vos contar… posso contar-vos uma história, ora ouçam:
  • 28. 28 Há muito tempo, no tempo dos dinossauros, havia uma manada de hgfretrd na savana, viviam em paz com todas as coisas, as mães cuidavam dos filhos, os machos procuravam pastagens, vigiavam a manada tentando-os proteger dos predadores, mesmo assim eram atacados regularmente por predadores, estes faziam autenticas razias na manada, a manada cada vez mais reduzida todos os dias ia acima de um monte ao pôr- do-sol, absorvendo aquela melancolia, procurando esquecer as suas tristezas e por outro lado como pedindo ao Sol que regressasse no novo dia com mais poderes para os proteger. Eles julgavam que quem quer que fosse que incendiasse o Sol e lhes desse aquele espectáculo magnífico, um dia viria em seu socorro para os salvar de outros predadores. Em vez disso um dia ao pôr-do-sol, o Sol, parece que explodiu e veio de lá uma enorme língua de fogo que acabou por os dizimar. Uma história triste não é, a parte boa da história são vocês, a vossa própria existência passado uns milhões de anos. Agora vocês podem iniciar uma outra história, ninguém sabe como acabará, talvez acabe mesmo como os dinossauros, mas quem sabe milhões de anos depois nascerá outro bando mais sofisticado que vocês em qualquer outro lugar? De qualquer modo temos de aproveitar a dádiva, desfrutá-la evolui-la eis a nossa grande missão, a vida!
  • 29. 29 14. Sarra e Uga fazem amor (beijam-se e acariciam-se) debaixo de uma pele de animal. Depois Sarra levanta-se e vai buscar uma pequena malga que enche de um liquido que está numa pequena panela ao lume de uma pequena fogueira. Uga tira algures dos seus pertences um pequeno cachimbo. Sarra- Queres que te traga um fogo? Uga – Sim Sarra, uma pequena chama. Sarra vem sentar-se ao pé de Uga, dá-lhe um pavio com uma pequena chama, Uga acende o seu cachimbo. Sarra bebe da malga. Sarra – Arra parte hoje com o seu bando Uga – Sim, uma longa jornada o espera Sarra – A sua jornada (diz com alguma dificuldade) terá um fim? Uga – Para dizer a verdade não sei. Mas os bandos continuarão a partir. Sarra - O que somos nós? Uga - Vocês são a Humanidade. Sarra - Para onde vamos? Uga – Nós? Pois, não sabemos muito bem, mas vamos e é mesmo o que interessa, ir… Sarra – Estou grávida… Uga – Beija-a. Isso é maravilhoso, ninguém troca um momento destes. Beija-a outra vez Sarra – Isto faz de nós qualquer coisa Uga – Sim Sarra deita a cabeça no colo de Uga Sarra - Quem és?
  • 30. 30 Uga - Sou o que vocês chamarão por exemplo de imaginação ou fantasia e esperteza ou inteligência. Sarra - Isso é uma pessoa? (rindo-se) Uga - É, mas poderá não ser. Sarra - O que queres dizer com isso Uga - Por exemplo agora que falas como eu, o que sou eu para ti? Sarra - És o meu homem. Uga -Pois um homem como outro, já não sou o rei, o único que fala Sarra - Sim… Uga - Tudo isso já é outra coisa (Pausa) Sarra levanta-se para beber da malga, Uga deita a sua cabeça no colo de Sarra Caem folhas dispersas pelo vento Uga - Quem faz cair as folhas? Sarra - Também não sei. Uga - Talvez apenas o vento, talvez, é a última palavra que te ensino. Sarra - Tal-vez, é uma bonita palavra… Uga -É! Sarra - Ah é?
  • 31. 31 Apaga-se a luz. Depois dos espectadores baterem palmas e os actores agradecerem, Todos dançam o Africa Reggae da Nina Hagen Fim