1) Os benzodiazepínicos são fármacos amplamente utilizados para o tratamento de ansiedade e insônia, agindo no sistema GABAérgico do cérebro. 2) Embora seguros, seu uso a longo prazo pode levar a dependência e efeitos cognitivos adversos, especialmente em idosos. 3) No Brasil, clonazepam, bromazepam e alprazolam são os principais benzodiazepínicos consumidos, apesar de legislação buscando controlar seu uso indiscriminado.
Terapia Celular: Legislação, Evidências e Aplicabilidades
Uso racional dos benzodiazepínicos
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Uso racional dos benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos – BZD - são fármacos que começaram a ser
utilizadas na década de 1960, sendo o Clordiazepóxido o primeiro representante
a ser lançado. Esta classe apresenta elevada eficácia terapêutica, com baixos
riscos iniciais, o que propiciou a rápida aderência dos prescritores a esses
medicamentos (SILVA, et al, 2015; OLIVEIRA; SILVA, 2012). Nas décadas de
1970 e 1980 tornou-se a classe de medicamentos mais comum dentre as
prescritas em todo mundo (HOOD, et al, 2012). Atualmente, seguem entre os
medicamentos psicoativos mais consumidos em diferentes países no mundo
(NOTO; OPALEYE; SOUZA, 2013).
Agem no sistema do ácido gama-amino-butírico (GABA), que é o principal
sistema de neurotransmissão inibitória do sistema nervoso central. Por conta
disso, a ação dos receptores A é potencializada. Essa ação agonista acaba
provocando hiperpolarização da membrana neuronal por aumentar o influxo de
cloro. Sua ação depressora do sistema nervoso central ocorre principalmente no
córtex pré-frontal e na amígdala (COELHO et al, 2006; MOURA, 2014).
Apresentam efeito ansiolítico, tranquilizante, hipnótico, sedativo,
anticonvulsivante e miorrelaxante. São extensivamente utilizados para
tratamento da insônia, ansiedade, desordens do sono, adjuvante em terapias em
pacientes depressivos e como relaxantes musculares (BECKER.; VALÉRIO,
2014; OLIVEIRA; SILVA, 2012; VICENS, et al, 2014).
É uma classe terapêutica com estruturas químicas diversificadas, o que
confere uma farmacocinética diferenciada. São classificados: a) curta-ação de 2-
10 h (oxazepazepam, temazepam; b) média ação de 10 - 15 h (alprozalam,
bromazepam, lorazepam); e c) de longa ação de 15 - 30 h (clobazam,
clonazepam, diazepam, nitrazepam) (ARTEMENKO, 2009).
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Figura 1 – Estrutura química comum dos benzodiazepínicos
Fonte: ARTEMENKO, 2009
O uso de BZD, tanto o uso a curto quanto a longo prazo, pode afetar
múltiplas áreas da cognição, interferindo com a formação e consolidação das
memórias, mais notavelmente nas lembranças de memórias novas, induzindo
amnésia anterógrada. São frequentemente usados em idosos, nos quais seus
efeitos podem ser intensificados pela menor metabolização que esse grupo
populacional apresenta, levando a alterações cognitivas, pior desempenho motor
e aumento dos riscos de quedas. Recentemente, o uso de longo prazo tem sido
associado a demência e ao aumento da mortalidade global (MOURA, 2014;
UZUN, et al, 2010; VICENS, 2014).
Apesar de serem medicamentos seguros e de ampla utilização, podem
produzir tolerância e dependência, quando utilizados em período de tempo que
ultrapasse os seis meses de tratamento preconizados na literatura. Sendo que a
dependência pode se manifestar em quadros clínicos de dependência química,
física ou psicológica (CAPONI; MANGINI, 2014; LUGOBONI, et al, 2014).
Atualmente, essa classe possui indicações precisas para controle da ansiedade
e como tratamento adjuvante dos principais transtornos psiquiátricos, mas
continuam sendo prescritos de modo indiscriminado, tanto por psiquiatras quanto
por médicos de outras especialidades (NASTASY, 2008). Importante salientar
que, a depender da doença a ser tratada, o uso a longo prazo pode se tornar
necessário. Tem se mostrado a eficácia no uso a longo prazo para o tratamento
da síndrome do pânico e agoraphobia (BANDELOW, B. et al, 2012).
O uso a longo prazo é um fenômeno que afeta de 2% a 7,5% da população
nos países desenvolvidos (LUGOBONI, et al, 2014). Na Holanda, em 2007,
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houve mais de dez milhões de prescrições de benzodiazepínicos para 1,8
milhões de indivíduos (MOURA, 2014). Na Alemanha, o uso é restrito de 2 a 4
semanas por ano desde a década de 1980, porém, segundo projeção recente
para a cidade de Holzbach, a prevalência de abuso e dependência na população
alemã é de 5% (HOFFMANN, K., 2015). Estudos epidemiológicos mostram uma
associação entre o uso desta classe terapêutica e o aumento de acidentes de
carro (LADER, 2012; ASSARI, et al, 2014).
Ainda que existam, há décadas, dispositivos legais que dispõem sobre a
obrigatoriedade de critérios orientadores para uma prática segura de prescrição,
dispensação e uso de medicamentos, a problemática relacionada ao uso
irracional de medicamentos se mantém atual (LUZ, 2014).
No decorrer da história do consumo das substâncias psicotrópicas e
psicoativas no Brasil, tem-se buscado medidas para o controle no que concerne
ao seu uso e compra. Com esse objetivo, em 12 de maio de 1998, o ministério
da saúde aprovou a Portaria n.º 344, que é o regulamento técnico sobre
substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial, a qual inclui os
benzodiazepínicos (ANVISA, 1988; ARRUDA et al., 2012). Esta portaria
normatiza vários parâmetros para a prescrição e venda destes produtos, como
o correto preenchimento da receita, identificação do prescritor, do fornecedor,
entre outras. Estabelece a necessidade da notificação de receita, documento
que, acompanhado da prescrição, autoriza a dispensação de medicamentos à
base de substâncias constantes nesta Portaria.
Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no período
de 2007 a 2010, foram observadas poucas alterações nos princípios ativos de
maior consumo na população geral no país, sendo os principais deles o
clonazepam, bromazepam e alprazolam, somando mais de vinte milhões de
unidades físicas dispensadas (UFD) por ano (MOURA, 2014). Esses dados nos
revelam que, mesmo após a legislação de controle entrar em vigência, ainda há
uso indiscriminado no país, o qual segue aumentando ano a ano.
Por outro lado, a prescrição médica indevida contribui para a manutenção
do uso crônico de benzodiazepínicos. Grande parte dos consumidores recebe
prescrições de clínicos gerais ou de outras especialidades médicas, e não de
psiquiatras. A distribuição gratuita dessa classe terapêutica por programas
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governamentais, o que sem maiores medidas de controle, acaba por também
facilitar o acesso (TELLES, 2011).
Segundo Ignácio e Nardi (2007 apud NETTO; FREITAS; PEREIRA, 2011,
p. 79) o consumo acentuado dos psicotrópicos pode estar associado ao fato dos
medicamentos serem considerados uma das principais formas de cuidado
contemporâneo, podendo afastar qualquer sofrimento da sociedade atual, tais
como depressão, ansiedade, transtornos psicóticos, solidão, crises econômicas
e tristeza.
Como conclusão, é possível afirmar que esta classe de medicamentos
apresenta claro perfil de segurança, sendo raros os casos de morte por uso
excessivo. Apesar disso não justifica a prescrição indiscriminada, considerando-
se o fato de terem altas taxas de tolerância, levando a aumento de dose para
alcançar o mesmo efeito, bem como causando dependência (CASTRO, et al;
2013, MOURA; 2014, NETO; 2009). Como visto acima mesmo com medidas de
controle, o aumento do consumo segue revelando a necessidade de novas
políticas públicas, melhor formação dos profissionais envolvidos no processo,
uma ampla divulgação de protocolos e diretrizes da melhor forma de prescrição
e um trabalho junto a população visando o uso racional dos benzodiazepínicos.
Referências:
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crônico de clonazepam no Brasil: uma história de vida. Cad. de Pesq. Interdisc.
em Cis. Hums., v.15, n.106, p. 117-139, 2014.
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COELHO, F.M.S et al. Benzodiazepínicos: uso clínico e perspectivas.
Disponivel em:
<http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?id_materia=3291&fase=imprime>
Acesso em: 10 de ago. 2015.
LADER, M. Benzodiazepine harm: how can it be reduced?. Br J Clin
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LUGOBONI, F. et al. Quality of life in a cohort of high-dose benzodiazepine
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MENEZES, C.M.S et al. Synthesis, Biological Evaluation, and Structure–
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MOURA, M. Uso de benzodiazepínicos em idosos. Brasília Med., v. 51,
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de benzodiazepínicos e antidepressivos. Rev Ciênc Farm Básica Apl., v.33, p.
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long-term benzodiazepine use: cluster randomised controlled trial in primary
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UZUN, S. et al. Side effects of treatment with benzodiazepines. Psych.
Danub., v. 22, p.90–93, 2010.
Conteúdo elaborado por Marina Maria de Oliveira, aluna
do 10º semestre do curso de Farmácia da Universidade
Católica de Santos, sob supervisão do professor doutor Paulo
Angelo Lorandi.