O documento discute como as redes miceliana de fungos se espalham de forma semelhante às redes sociais altamente conectadas do século 21, corroendo estruturas hierárquicas e derrubando "muros" entre pessoas e identidades. As hifas dos fungos, como as conexões online, permitem novas formas de interação social e identidades emergentes através da formação de redes ao invés de isolamento. Embora o processo seja invisível, seus efeitos podem ser concretos e rápid
1. Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio
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(Corresponde à introdução do Capítulo 5,
intitulado Hifas por toda parte)
Toda rede miceliana é um clone fúngico,
o filho distante de uma única linhagem genética.
Acima do solo, os fungos produzem esporos que flutuam no ar,
alguns dos quais você está inalando neste momento.
Quando pousam, os esporos crescem onde quer que seja possível.
Fazendo brotar redes tubulares, as hifas, no substrato úmido,
novamente os fungos produzem quantidades copiosas de esporos,
os quais se disseminam, espalhando sua estranha carne...
Lynn Margulis e Dorion Sagan em O que é vida? (1998)
Jericó estava rigorosamente fechada por causa dos israelitas. Ninguém saía
e ninguém entrava... O Senhor disse então a Josué:
2. “No sétimo dia rodeareis a cidade sete vezes,
e os sacerdotes tocarão as trombetas.
Quando derem um toque prolongado, quando ouvirdes
o som da trombeta, todo o povo lançará um grande grito;
o muro da cidade virá abaixo, o povo subirá, cada um à sua frente”.
Josué 6: 1-5
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3. Enquanto isso, porém, crescem subterraneamente as hifas, por toda
parte. Os alicerces das organizações hierárquicas vão sendo corroídos
e seu muros, antes paredes opacas para se proteger do outro, vão
agora virando “membranas sociais”, permeáveis à interação e
vulneráveis ao outro-imprevisível. Pessoas conectadas com pessoas
vão tecendo articulações que estilhaçam o mundo-único-imposto em
miríades de pedaços, não pelo combate, mas pela formação de redes.
E outras identidades – mais-fluzz – vão surgindo nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio.
Não se decepcione: provavelmente você não vai ver nada mesmo! As hifas
crescem, em geral, abaixo do solo. Os esporos espalham-se pelo ar, mas
são tão pequenos que a gente nem percebe.
Quando você notar as conseqüências, aí não adiantará mais se desesperar.
Pois se o processo, por enquanto, ainda é lento e invisível (em parte
“aéreo”, em parte “subterrâneo”), seus desfechos poderão ser bem
concretos e fulminantes nos mundos em que ocorrerem.
Nos Highly Connected Worlds não há como fechar nada. Trancar, chavear,
cerrar as fronteiras, isolar por meio de paredes opacas não é a solução para
manter a identidade ou preservar a integridade de nenhum aglomerado.
Quando os fluxos aumentam de intensidade, os muros não conseguem mais
contê-los.
Parece que a vida “sabia” disso: tanto é assim que não encerrou seu
“átomo” (a célula) em nenhuma estrutura fechada, separando-o do meio
com paredes opacas: antes, construiu membranas – uma interface de
sustentabilidade, um convite à conexão. Um convite ao sexo, já que
estamos agora explorando um paralelo biológico: nos fungos – que são
“organismos realmente fractais”, como percebeu a bióloga Lynn Margulis
(1998) – o ato sexual (chamado de conjugação) é uma conexão (1).
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4. Muros caindo por toda parte anunciarão “membranas sociais” surgindo por
toda parte. Ou não: o que não virar “membrana social” será escombro.
O que as hifas – esses filamentos ou tubos finos que formam a estrutura
em rede dos fungos – têm a ver com isso? Ora, tudo. Pois são elas (ou o
processo espelhado, em termos biológicos, pela clonagem fúngica) que
estão operando tal mudança.
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