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O
Mito
Instituto Politécnico de Setúbal – Escola Superior de Educação
Docente: Marta Alves
Disciplina: Teorias e Modelos da Comunicação
Licenciatura em Comunicação Social




                            O Mito
Trabalho elaborado por: Andreia Sofia Fernandes Martins nº 3007
Índice



Baudrillard                                4


O Corpo – Um Facto Cultural              5-8


Compre e sentir-se-á bem na sua pele   9 – 10


Ditadura Pessoal                       11 - 13


Doutor: Preciso de Ajuda               14 - 15


     Cirurgia Estética                 15 - 16


Beleza Feminina                        17 - 20


Conclusão                              21 - 22


Bibliografia                               23
Introdução



Este trabalho tem como tema o corpo como objecto de consumo, baseando-se na
análise do texto O mais belo objecto de consumo: o corpo, retirado do livro A
Sociedade de Consumo, de Jean Baudrillard. O objectivo principal deste trabalho
era analisar o texto, estabelecendo uma opinião crítica e ponderada, baseada na
leitura de outros textos subjugados ao mesmo tema.


Com o propósito de expor os conceitos principais relativos ao tema, dividi o
trabalho em seis capítulos: Baudrillard, O Corpo – Um facto Cultural, Compre e
sentir-se-á bem na sua pele1, Ditadura Pessoal, Doutor: Preciso de Ajuda e Beleza
Feminina. Baudrillard, tal como o título indica, será sobre o sociólogo francês Jean
Baudrillard, autor do texto. O Corpo - Um Facto Cultural é sobre a evolução da
nossa sociedade e consequentemente dos conceitos de corpo e de beleza. Compre
e sentir-se-á bem na sua pele explicitará o conceito central do trabalho e a
conclusão do primeiro capítulo, o corpo é afinal o mais belo objecto de consumo2.
Ditadura Pessoal será um capítulo sobre os sacrifícios a que os indivíduos se
sujeitam pela sociedade. O quinto capítulo abordará a questão dos médicos
relativamente ao Culto da Beleza. Por ultimo, Beleza Feminina analisará a
perspectiva da sociedade sobre esta imposição estereotipada da beleza feminina, a
beleza que as mulheres devem ter ou adquirir.




1
    A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 143)
2
    A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p.136)
Baudrillard




                    Ilustração 1 _ Jean Baudrillard



Jean Baudrillard nasceu em 1929, em Reims, na França, não se sabe muito sobre a
sua infância ou sobre a sua vida em geral porque Baudrillard preservava imenso a
sua vida privada. Da sua vida académica sabe-se que ingressou na Universidade de
Nanterre, em 1964, no departamento de sociologia onde trabalhou junto de dois
grandes   pensadores   franceses   daquela     época,   Henri   Lefebvre   e   Touraine.
Baudrillard deixou um legado precioso no estudo da sociedade e da comunicação.
Entre a sua vasta obra constam: Da Sedução (1979), A Sociedade de Consumo
(1981), Simulacros e Simulação (1981), A troca impossível (1999) e O lúdico e o
policial (2000).


Baudrillard foi um dos grandes pensadores da nossa época e a sua morte, a 6 de
Março de 2007, constitui uma perda irreparável.
O Corpo – Um facto cultural


O que é um corpo? Com certeza existem diversas respostas para esta questão, o
conceito é vago e, na verdade, o corpo é um facto cultural, assim como tudo o que
lhe diz respeito. Com a excepção do ponto fundamental, o corpo é a materialização
do que somos, os nossos sentidos, a nossa locomoção, a nossa forma. A sua
importância, a sua abordagem, os cuidados que lhe prestamos variam basicamente
de cultura para cultura, porque o corpo nunca chegou a ser somente a soma da
cabeça, corpo e membros.


Durante os séculos de maior influência do Cristianismo no ocidente, do séc. I ao
séc. XIX, o corpo era ocultado por entraves morais. Como carne, expoente da
sexualidade, o corpo era algo pecaminoso e portanto indigno. Havia uma
sobrevalorização da alma e de Deus, que tudo vê, tudo ouve e tudo sabe. A alma
era a salvação e as suas virtudes deveriam ser cultivadas em nome da fé, uma fé
imposta por uma igreja muitas vezes tendenciosa, moralista e hipocritamente
puritana. Estes conceitos impostos pela religião reprimiram a expressão do corpo
como símbolo de sensualidade e sexualidade e todos os que agissem contra estas
leis sagradas eram considerados hereges, pecadores e, consequentemente,
condenados ao fogo do inferno. Exemplo desta perseguição é a Inquisição,
considerada um dos grandes erros da humanidade a Inquisição, criada pela igreja
católica, condenou à morte milhares de pessoas, sem julgamento, por crimes como
bruxaria, adultério, entre outros.


Durante o século XVII ocorre a Revolução Industrial e o corpo passa a ser
encarado, acima de tudo, como mão-de-obra. Surgem os caminhos-de-ferro e as
grandes indústrias, as mulheres passam a ser consideradas uma mão-de-obra
viável para o sector secundário das indústrias. O Capitalismo adquire cada vez
mais preponderância e, no sentido de aumentar a margem de lucro, os donos das
fábricas aumentam o horário de trabalho e diminuem os salários, o que deixa os
funcionários descontentes. Ocorrem por esta altura as primeiras greves e surgem
os primeiros sindicatos, que reivindicam melhores condições de trabalho.


Na primeira década do século XX, Henry Ford inventa a linha de produção
(Fordismo), desenvolve-se assim a produção em série o que revoluciona toda a
indústria, começam a ser produzidas quantidades massivas de todo o tipo de
produtos. Numa manobra pouco inocente, alegadamente para atenuar o desagrado
dos trabalhadores, diminuem-se as horas de trabalho e aumentam-se os salários.
Não fazia de todo sentido saturar o mercado se a maioria da população não tinha
tempo ou dinheiro para ajudar no escoamento de produtos. A pirâmide social é
substituída pelo “losango social”, surge de facto uma nova sociedade, a sociedade
de consumo.




  Classe Alta                                Classe Alta




               Classe Média                                 Classe Média




              Classe Baixa                   Classe Baixa




 Ilustração 2 _ Pirâmide Social                     Ilustração 3 _ Losango Social




Verificam-se ainda grandes movimentos migratórios do campo para as grandes
cidades, a urbanização, e a difusão dos meios de transporte e comunicação
(jornais, cinema, rádio, televisão, Internet), o que está na base do surgimento da
cultura de massas.


A religião é uma característica importante para todas as culturas, na nossa cultura
ocidental essa religião foi durante vários séculos a religião católica, actualmente
pode dizer-se que está a ocorrer uma substituição do Cristianismo pela Moda, o
culto do corpo. A religião católica continua a ter uma preponderância fundamental
na nossa sociedade, mas no que diz respeito ao corpo os entraves foram caindo
face ao avanço da sociedade de consumo. O que pretendo dizer é que o Corpo é
uma nova religião para a nossa sociedade. Uma religião em que o Corpo tem o
estatuto de Deus, o médico é o padre e a Moda a Bíblia. A alma era o atributo de
maior importância, a beleza física era relevante, mas apenas como complemento do
espiritual.


Surge um novo movimento de descoberta do corpo, depois de uma era de
recalcamento. Na cultura contemporânea, os corpos humanos são cada vez mais
vivenciados como imagens. O corpo de cada um é arduamente trabalhado para ser
exibido e observado, como uma imagem para ser consumida visualmente.3


A sexualidade ascende, juntamente com o culto do corpo e da beleza, sendo o seu
carácter maléfico asfixiado em favorecimento dos rituais de prazer. O corpo é
objecto de um culto narcisista, a nível pessoal, e é usado também como recurso
social. Porque só o somos se aparentarmos ser, a nossa imagem deve reflectir tudo
o que somos e para tal a sociedade de consumo concede-nos milhões de produtos e
serviços que nos ajudam a expor a nossa identidade ou a identidade que queríamos
ter ou a identidade que deveríamos ter. Percebe-se como o corpo se encontra
estreitamente vinculado às finalidades da produção enquanto suporte (económico),
como princípio de integração (psicológica) dirigida do indivíduo e à maneira de
estratégia (política) de controlo social.4 Surge um padrão de beleza ditado pela
moda, comum a toda a sociedade, e propagado pelos media: a tirania da beleza.




3
    Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007)
4
    A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 145)
Compre e sentir-se-á bem na sua pele


Domingo, dia sagrado para os católicos, é dia da família e as famílias correm para
os centros comerciais. Colecção Outono/Inverno, mas ainda mal chegou a
Primavera e todo o armário está fora de moda. Dias mais frios ou mais quentes, as
lojas enchem, as promoções, os saldos, a crise, os créditos, as compras às
prestações, o endividamento… Mas sempre temos aquele plasma na sala, entre
outras coisas. Naqueles dias mais tristes, há algo que sempre nos faz sentir
melhor: ir às compras. Parece que tudo volta a fazer sentido.


O que pagámos? Um produto ou uma sensação? Segundo Baudrillard já não
consumimos coisas, mas somente signos. Torna-se difícil de ocultar, há uma cultura
de consumo na nossa sociedade, porque a felicidade é algo que se mede pelos
objectos e que se alcança somente através deles. A cultura consumista tem duas
perspectivas: o indivíduo tem ao seu dispor vários objectos e adquire-os para o seu
conforto ou o indivíduo adquire os objectos porque ao adquiri-los está também a
adquirir um estatuto que gostaria de ter.


O que torna uma pessoa rica? O que torna uma pessoa pobre? Quando pensámos
que gostávamos que nos saísse o Euromilhões, o Totoloto ou a lotaria, pensámos
em como seria bom ter esse dinheiro numa conta no banco? Não. Pensámos no que
adquiriríamos com esse dinheiro, uma casa melhor, um carro novo, uma viagem,
um cruzeiro, roupas novas, talvez uma cirurgia estética? Se um indivíduo com uma
conta bancária recheada morar num T1, decorado com objectos da lojas dos
chineses, vestir roupa dos anos oitenta, literalmente, andar a pé e trabalhar como
varredor de rua, será rico na mesma, claro, mas não terá o estatuto. Por outro lado
uma pessoa com poucos recursos, na nossa sociedade, pode aparentar ser o que
não é, adquirindo objectos que geralmente associámos a outro estatuto.


Podemos não ser ricos, mas podemos aparentar ser. Vivemos numa sociedade de
aparências. Baudrillard defende que tudo o que se consome corresponde a um
estatuto, não consumimos o objecto pelo objecto, mas pelo significado desse
objecto.


Até que ponto o culto do corpo intensificou o consumismo ou, por outro lado, o
próprio consumismo criou o culto do corpo para seu benefício? Esta segunda
hipótese é a mais viável. A beleza nem sempre foi o que é hoje, hoje a beleza tem
um padrão ditado pela moda, mas tem como base o consumo. A roupa, os
acessórios, os cremes, os tratamentos, os penteados… Ser bela e estar em forma é
um estatuto, dentro da sociedade. A beleza é um estatuto adquirível e desta
possibilidade advém as exigências pessoais e sociais. Com todas as técnicas,
serviços e produtos de embelezamento hoje disponíveis no mercado, “só é gordo e
feio quem quer”5. Todos os que não se enquadram no padrão de beleza são
considerados desmazelados, descuidados, e são de certo modo excluídos por isso.
Cabe a cada um lutar pelo corpo perfeito e não o fazer é quase uma falta de
moralidade, um fracasso pessoal e social.


Apesar das revistas tratarem o mito da beleza como um evangelho de uma nova
religião6, estas não são as únicas responsáveis pela fundação desta ideologia que
supostamente nos libertaria. A publicidade tem um papel preponderante, somos
bombardeados com milhares de              publicidades   diariamente,     a   diversidade   é
avassaladora, a inocência com que nos deixamos atacar é arriscada. Cada pequena
parte do nosso corpo é passível de consumo, em dois sentidos, porque o corpo
consome e é consumido. O consumo incentiva, portanto, a descoberta do corpo,
cada ínfima parte, sob o pretexto de nos conhecermos a nós mesmos, porém na
verdade estamos apenas a descobrir as falhas humanas que olhamos com nojo e
aversão, é então que descobrimos que objectos devemos consumir. Parece que a
única pulsão verdadeiramente libertada é a pulsão de compra.7


Ensinam-se os indivíduos a adorarem o seu corpo e portanto prestar-lhe todos os
cuidados possíveis, o meu corpo é o meu bem mais precioso preciso estimá-lo. No
entanto é um falso amor, porque as falhas são muitas e óbvias, ferindo a auto-
estima do consumidor, é praticamente impossível atingir os modelos de perfeição,
mas a publicidade deixa a mensagem subentendida é possível ser assim, tu é que
não estás a fazer o suficiente, a consumir o suficiente. Mas a satisfação nunca
chega, nem nunca foi intenção da publicidade que chegasse. Porque pessoas
satisfeitas e felizes não precisam de muito mais, ou seja não compram muito mais.




5
  Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007)
6
  O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 93)
7
  A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 143)
Ditadura pessoal


É difícil definir, mas os padrões estão presentes. Porque achamos a gordura
repulsiva?   Porque   é   feio?   Nunca   nos   perguntamos   porque   achamos   feio,
simplesmente achamos. Também não nos perguntamos porque achamos bonito,
simplesmente achamos. Mas nada é assim tão simples, pois não?


O mal não seria grande se todos fossem bonitos, na minha opinião até seria
positivo, pois num mundo de bonitinhos as preocupações gerais poderiam seguir
novos rumos. O mal surge quando milhões de pessoas se sacrificam em nome de
uma ilusão inatingível.


Os adolescentes são as vítimas mais prováveis, fascinados pelos modelos que vêem
ser prestigiados pela sociedade. Actrizes, actores, modelos, cantores, popstars,
jogadores de futebol… Uma cultura dos ídolos pelas suas imagens, um fanatismo
cego, uma obsessão e no final uma ilusão. Os ídolos de hoje são meras imagens,
posters que se colam numa parede e um sonho, talvez um dia ser assim. Aspiram a
uma vida de consumo, não é isso a vida das estrelas?


Mas não são só os adolescentes que pretendem atingir os padrões de beleza, é um
objectivo comum, porque se supõe que a felicidade depende em muito destes
estatutos.


Surgem cada vez mais cedo as preocupações com a aparência física e os que não
se adequam aos padrões de beleza habituais ficam sujeitos a um processo de
selecção natural muito semelhante ao descrito por Darwin na sua teoria evolutiva.
Os mais fracos perdem para os mais fortes. Os feios perdem inevitavelmente para
os bonitos. São comuns os insultos, por exemplo os episódios de bulling nas escolas
tem aumentado consideravelmente nos últimos anos, as crianças obesas, e em
geral as pessoas obesas, são gozadas e de certo modo excluídas da aceitação
social.


Sempre existiram padrões de beleza, mas nunca estiveram tão vincados como
actualmente. Ajuda na divulgação e estandardização deste padrão a existência de
uma cultura de massa, comum a toda uma sociedade. Contudo, não se pode
atribuir a responsabilidade aos media e somente a eles, apesar de terem um papel
preponderante neste fascismo corporal. A ditadura surge com a democratização do
consumo, há um mercado abrangente de produtos estéticos, entre outros, que
sugere que todos os estatutos são alcançáveis. As pessoas devem ser bonitas, mas
com o avanço das sociedades de consumo elas podem ser bonitas e não o serem
causa autênticas catástrofes sociais. Tudo é passível de justificação em nome do
corpo perfeito, até a morte. E quando estes casos extremos tendem a generalizar-
se, aí sim, surge o perigo.


Distúrbios alimentares como anorexia e a bulimia são um flagelo na nossa
sociedade, resultado da crescente lipofobia. Lipofobia é uma rejeição cada vez mais
violenta às adiposidades que recheiam os corpos próprios e alheios8. Estas
perturbações não acontecem só nos adolescentes, existem casos de anorexia em
crianças de sete anos, facto que deveria alarmar a sociedade e prova de que estes
padrões começam logo na infância. Um inquérito americano revelou que 50% das
mulheres praticam regimes alimentares, o que face aos 30 milhões de americanos
que são obesos ou se consideram como tais9, também deveria despertar
consciências. Há um padrão de beleza que assenta sobretudo em dois valores
imutáveis magreza e elegância, se a obesidade é um flagelo ocorrem duas coisas:
baixa auto-estima e recurso a práticas extremas, como é o caso das operações
cirúrgicas e distúrbios alimentares graves.


Poderíamos dizer que hoje vivemos num regime de totalitarismo de mercado, que
visa, portanto, à inclusão dos consumidores, ao contrário dos fascismos que
vigoraram na primeira metade do século XX, que visavam à exclusão de certos
cidadãos considerados inferiores ou impuros.10 O que acontece com a maioria das
pessoas é um regime de sacrifícios e gratificações em relação ao corpo. Os rituais
conduzem à ditadura. A publicidade convence-nos de que é possível, mas para tal
precisamos daquele produto, precisamos daquele serviço, precisamos de sacrificar-
nos física ou economicamente.


Atingir a perfeição requer sacrifícios: uma alimentação cuidada, exercício regular,
aplicação de vários cremes, manicure, pedicure, cabeleireiro… É preciso investir
tempo e dinheiro no nosso corpo. Quando falhamos, quando não adquirimos aquele
produto, quando comemos demais, quando não fazemos exercício, sentimo-nos
culpados. Se não nos sacrificamos sentimo-nos culpados. Quem exprime esta
falha? O nosso corpo. O corpo vinga-se da falta de carinho e surgem imperfeições
estéticas: celulite, estrias, gorduras, borbulhas, pele seca, cabelos espigados,
pêlos…

8
  Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007)
9
  A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 152)
10
   Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007)
O fascínio pelo corpo não é incondicional, pelo contrário, ao mesmo tempo que cria
uma obsessão pelo próprio corpo, o indivíduo vai também criando aversão a tudo o
que de verdadeiro lhe diz respeito, porque a perfeição é uma imagem surreal. Ou
seja, esse corpo pensado idealmente como uma imagem torna-se bidimensional: é
um tipo de corpo que sonha com perder a sua espessura orgânica, que ambiciona
ultrapassar a sua materialidade para se tornar não-carnal11. Sente-se admiração
pela pele suave, pelos olhos claros, pelo cabelo sedoso, mas nojo por tudo o que é
carne, osso, viscosidade, líquido corporal. Esta abominação é ainda mais intensa do
que o amor pelo corpo. É uma contrariedade, o fascínio e a aversão, a exaltação do
corpo é assim acompanhada pela negação da carne. O corpo é na sua
complexidade o principal inimigo da perfeição que pretendemos atingir, o corpo
transforma-se num objecto ameaçador que é preciso vigiar12.




11
     Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007)
12
     A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 151)
Doutor: preciso de ajuda!


Se o corpo é o nosso bem mais estimável, o mais precioso objecto que possuímos,
detentor de todos os nossos cuidados, merecedor de todas as atenções, há que
tomar muito bem conta dele. O papel do médico é ajudar nesta luta incansável
contra a natureza feia que ameaça destruir os nossos ideais de perfeição.


O médico, e em geral o acesso à saúde, foi um bem para poucos durante vários
séculos.     As   classes   mais   baixas   recorriam   ás   suas   mezinhas   caseiras   e,
principalmente, a Deus, alvo de toda a sua fé. A revolução industrial modificou a
abordagem do corpo, este passa a ser a força de trabalho e, por esta altura, a
medicina ganha mais força de modo a garantir a força de trabalho. Com o avanço
da indústria os medicamentos passam a ter preços mais acessíveis. Actualmente,
apesar da saúde ainda não chegar a todos e continuar a ser um bem dispendioso,
longe das possibilidades económicas de muitos, há uma banalização da medicina.


Metade das compras de medicamentos de medicamentos faz-se sem indicação
médica, incluindo mesmo os que estão inscritos na segurança social13. Baudrillard
afirma que estes comportamentos são de gratificação e sacrifício, mas neste
tema específico estão relacionados com a crença de que a saúde advirá da compra
de produtos e serviços.


Não concordo com a posição de Baudrillard relativamente a este tema. Entendo a
necessidade humana de ter uma religião, algo que explique o que não somos
capazes de entender e justifique os actos que não conseguimos justificar. Admito
que a nossa posição relativamente ao corpo é cada vez mais intensa, temos para
com ele cuidados que julgamos necessários e, tendo em conta que actualmente é,
se não necessário, importante possuir beleza e estar em forma, os cuidados
estéticos não são totalmente dispensáveis. O que contesto é o pensamento
profundo de que é preciso (e basta) que algo custe alguma coisa para que a saúde
regresse em troca14. Na minha opinião isto é exagerar a situação actual, não creio
que seja esse o pensamento das pessoas quando adquirem medicamentos, embora
não exclua a possibilidade de que algumas pessoas sigam este pensamento.
Quando adquirimos medicamentos sem receita médica tentamos muitas vezes
evitar um sistema de saúde lento.



13
     A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 149)
14
     Idem
Devo reconhecer que a maioria dos produtos farmacêuticos que adquirimos não são
de sobrevivência, mas o que são bens de sobrevivência actualmente? Se
fizéssemos esta pergunta a diversas pessoas tenho a certeza que muitas refeririam
bens e serviços que não são de todo cruciais, mas não deixam de ser importantes.
Podemos fazer comparações com países de terceiro mundo, onde a maioria nunca
viveu o seu dia-a-dia com televisão, Internet, champô, chocolate, mas não são de
todo   comparações      justas.   Os   seus    problemas     são    mais   básicos    e,
consequentemente, mais duros na nossa perspectiva. Mas problema e necessidade,
tal como corpo, são conceitos abstractos. Na nossa sociedade a obesidade é um
problema, noutras sociedades a fome é um problema. Na nossa sociedade não faz
sentido preocuparmo-nos com a distância que teremos de percorrer para obter
água potável, nos países de terceiro mundo não faz sentido preocuparem-se em
obter comprimidos para o emagrecimento. A nossa sociedade é, obviamente, mais
supérflua, mas um problema continua a ser um problema seja em que canto do
mundo for.


De volta ao tema dos médicos, a saúde não é uma banalização da medicina, é um
bem básico a que todos, sem excepção, deveriam ter acesso. Não creio que seja
futilidade; Baudrillard trata toda a nossa sociedade como expressão máxima da
futilidade, o que se calhar é de desvalorizar, nos dois sentidos.


Sendo o culto do Corpo a nova religião, o médico surge então como padre. É a ele
que recorremos para sermos perdoados pelos nossos pecados contra o corpo. Má
alimentação, falta de exercício, entre outros problemas que o médico nos ajuda a
resolver. Muitas vezes procurámos o médico para evitar que algo danifique o nosso
corpo, ou seja como prevenção, quando se aproxima a Primavera e a época das
alergias, por exemplo. Penso, porém, que Baudrillard se refere ao recurso aos
médicos para fins estéticos, que ultimamente tem atingido proporções alarmantes,
nomeadamente no caso da cirurgia estética.




         •   Cirurgia Estética


A cirurgia plástica encontra-se dividida em duas vertentes: a cirurgia reconstrutiva
e a cirurgia estética. A cirurgia estética inclui procedimentos tais como: rinoplastia
(cirurgia do nariz), blefaroplastia (cirurgia das pálpebras), ritidoplastia (cirurgia às
rugas faciais), lipoaspiração (cirurgia para remoção de gordura localizada),
dermolipectomia abdominal (cirurgia para remoção do excesso de pele abdominal),
mamoplastia     redutora   (cirurgia   para   redução   e   suspensão   das   mamas),
mamoplastia de aumento (cirurgia para aumento das mamas, geralmente com
próteses de silicone), otoplastia (correcção de orelhas de abano), implante capilar
(correcção da calvície). A banalização da cirurgia estética levanta questões
importantes, principalmente de carácter ético, até porque as suas consequências
físicas e psicológicas para quem adopta este tipo de procedimentos sejam aspectos
pouco claros.


É cada vez maior o número de pessoas que faz ou gostaria de fazer uma cirurgia
plástica, este desejo surge muitas vezes no início da adolescência. A indústria da
cirurgia estética e os media em geral criam a falsa sensação de que a cirurgia
estética é algo fácil e simples, com um único impedimento que é o custo elevado
destes procedimentos.


Quando olho para a estátua David, de Miguel Ângelo, não admiro o mármore. Fico
simplesmente maravilhado com a beleza da obra15, referiu Eduardo Krülig sobre o
tema cirurgia estética, após ter realizado cirurgias estéticas em algumas misses (a
Venezuela já conquistou dois títulos de Miss Internacional, quatro de Miss Universo
e cinco de Miss Mundo). Já tive uma doente que corrigiu a barriga da perna porque
as botas estavam-lhe apertadas, afirmou Ângelo Rebelo, um cirurgião português.
Faço questão de fazer referência aos onze anúncios publicitários a entidades que
cedem créditos que rodeiam esta notícia.


Uma cirurgia não deixa de ser uma intervenção cirúrgica com alguns riscos, no
entanto é uma forma rápida de obter o corpo que desejamos. É alarmante o
aumento de programas televisivos em formatos de reality show que abordam com
suavidade este tema, por exemplo o programa exibido recentemente na Televisão
Independente (TVI) e outro exibido pelo canal de música Vh1 (onde indivíduos
comuns faziam cirurgias para ficarem parecidos com um famoso à sua escolha).




15
 Notícia de Maria Barbosa, Beleza – Venha o bisturi MULHERES PERFEITAS, in Correio da
Manhã (2004, 19 de Setembro)
Beleza Feminina – Não me odeies por ser bonita, não me odeies por não me
achares bonita!


Para a mulher, mesmo na Europa, é tudo mais difícil de conseguir.
              Christina Ockrent, in O Livro Negro da Condição das Mulheres, Temas e Debates


What happened to the dreams of a girl President? She’s dancing in the video next
to 50Cent.
                                                                      Pink, in Stupid Girls


Baudrillard afirma que, na nossa era histórica, a mulher sempre foi confundida com
a sexualidade maléfica, a ela eram-lhe proibidos certos comportamentos que ao
homem eram permitidos. Sólon, o legislador grego, determinou que uma mulher
solteira quando apanhada no decorrer de um acto sexual podia ser vendida como
escrava. O imperador Constantino decretou que uma virgem que fornicasse de livre
vontade devia ser queimada (o castigo era mais brando se tivesse sido violada). A
morte era o preço a pagar por uma mulher que tivesse relações sexuais com um
escravo. As leis de Rómulo davam ao marido o direito de matar a esposa
adúltera.16


Os preconceitos prevalecem, apesar de as mulheres terem conquistado muito nas
últimas décadas: mais liberdade, direito de voto, melhores condições de trabalho,
salários mais justos. Por exemplo, nas sociedades pré-históricas as mulheres
trabalhavam cinco vezes mais do que os homens, actualmente a proporção é mais
justa, uma vez que as mulheres trabalham apenas duas vezes mais do que os
homens.


Às mulheres que lutaram pela mudança, chamadas de feministas, está associada
uma imagem depreciativa: Mulher grande e masculina, de botas e charuto, dizendo
palavrões como um soldado17. A mulher valorizada durante séculos pela sua
feminilidade perde toda a candura e beleza ao revoltar-se, ao manifestar-se contra
o sistema machista, será portanto uma mulher estranha, excluída, feia? A
juventude e (até recentemente) a virgindade foram “bonitas” nas mulheres por
representarem a ignorância sexual e a falta da experiência. 18 Tal como os homens
devem ser fortes, as mulheres devem ser delicadas e inocentes e recatadas e belas.


16
   O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 226)
17
   The Feminine Mystique (Betty Fiedan, 1982) (pág. 79) citando Morning Star: a Biography
of Lucy Stone (Elinor Rice Hais, 1961) (pág. 83)
18
   O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 23)
Baudrillard afirma que a beleza tornou-se para a mulher imperativo absoluto e
religioso, nunca se esperou de uma mulher que fosse inteligente até há algumas
décadas atrás. O que faz todo o sentido porque se as mulheres tivessem acesso à
educação mais cedo, talvez não se tivessem submetido durante tantos anos à
subordinação.


Durante séculos as profissões femininas estiveram limitadas a uma dezena de
opções, porque a mulher tinha uma posição de subjugação perante o homem,
dentro do leque de opções a que concedia maior liberdade económica era a
prostituição. A religião condenou as mulheres à exclusão, considerou-as a todas
pecadoras, porque todas elas descenderiam de Eva, culpada pela expulsão do
Paraíso e mortalização dos seres humanos. Foram as mulheres as grandes vítimas
da Inquisição. Disse também à mulher: Multiplicarei os teus sofrimentos na
gravidez. Darás à luz entre dores os filhos; e estarás sob o poder do marido, e ele
te dominará.19 Até que ponto nos libertamos? O Mito da Beleza tem anulado as
nossas maiores e mais árduas conquistas, porque nós somos as mais crentes, se
não acreditássemos não seríamos afectadas.


Actualmente as mulheres constituem também a maioria da população mundial e
dos estudantes universitários, resumindo, são mais e mais bem formadas. Na área
da Comunicação Social ocorrem as descriminações mais flagrantes, já repararam
no número de jornalistas televisivos com mais de cinquenta anos? Desse número
quantas são mulheres? Uma ínfima parte, porque a idade quando associada à
mulher é considerada algo de feio, porém no homem é algo que lhe atribui
seriedade e charme. Este preconceito tem uma origem obscura, mas muito óbvia:
não é a idade que é feia na mulher, é o poder. A sociedade era e é dominada pelos
homens, embora nem sempre tenha sido assim e, actualmente, não o seja noutros
cantos do mundo. Na pré-história, as mulheres eram a figura com maior poder,
uma vez que desenvolveram a agricultura e a criação de animais domésticos,
enquanto os homens se dedicavam à caça. Durante os anos 70 surgem as
mudanças mais significativas, se foram desencadeadas por feministas ou não, o
facto é que nunca se pretendeu que as mulheres tivessem mais poder do que os
homens, apenas igualdade.


Em pleno século XXI, isso ainda não aconteceu. As mulheres recebem salários
inferiores aos dos homens pelas mesmas tarefas; as tarefas domésticas não são
consideradas trabalho e geralmente as mulheres têm de conciliar o trabalho com a

19
     Génesis, 3:16
lida doméstica, o que resulta em menos de 33 por cento do tempo de lazer do que
o marido20 dispõe. Na Grã-Bretanha, 95 por cento das mulheres que trabalham fora
de casa colocam a sensação de «cansaço extraordinário» no topo de uma lista dos
seus principais problemas21.


É muito difícil para uma mulher alcançar o auge da sua carreira, não porque não
tenha capacidade para desempenhar cargos de importância, mas porque as
barreiras são demasiadas. A partir dos 40 anos surgem os primeiros sinais de
envelhecimentos, e já vai em milhares o número de mulheres despedidas porque já
não se adequavam no padrão de beleza exigido. Aos homens não se exige tal coisa.
Nunca se exigiu de um homem que fizesse a depilação, que penteasse o cabelo,
que controlasse o peso, a celulite, as estrias, as rugas e a flacidez, se eles agora
parecem ter mais cuidado com estes aspectos é por opção pessoal. As profissionais
urbanas dedicam um terço do seu rendimento à «manutenção da beleza»22, alguns
homens diriam que é pura vaidade, e talvez seja, mas é uma vaidade exigida,
porque as que não investem no seu corpo são consideradas desleixadas. Apenas
um a dois por cento das posições de alto nível são preenchidas por mulheres23.


Se uma mulher bonita consegue um bom emprego pensar-se-á que ela está a usar
a sua aparência para o seu benefício profissional. Se uma mulher for descuidada
com a sua aparência corre o risco de ser despedida. Se uma mulher se produzir
demasiado isso pode ser considerado uma prova de como ela aceitou ser assediada
pelos seus superiores, isto não é suposição, já aconteceu. Se uma mulher recorre à
cirurgia estética é julgada, se não recorre é julgada. Se uma mulher é jovem, ainda
não tem maturidade ou conhecimentos suficientes. Se uma mulher tem mais de 40
anos é velha e feia. Parece que as mulheres estão num beco sem saída.


Não é a idade das mulheres, a velhice, o que assusta os homens e a sociedade em
geral. Se as mulheres tivessem, à semelhança dos homens, a possibilidade de
evoluir na sua carreira até à reforma e não até aos 40 anos a situação social seria
muito diferente. O mito da Beleza não justifica sozinho a descriminação existente
em relação às mulheres, mas é porque as mulheres se preocupam tanto com ele
que, entre todas as suas outras tarefas, ficam sem tempo para combater os seus
verdadeiros problemas.



20
   O   mito   da   beleza   (Naomi   Wolf,   1994)   (pág.   33)
21
   O   mito   da   beleza   (Naomi   Wolf,   1994)   (pág.   61)
22
   O   mito   da   beleza   (Naomi   Wolf,   1994)   (pág.   60)
23
   O   mito   da   beleza   (Naomi   Wolf,   1994)   (pág.   62)
A Beleza não é um mito. A Beleza é subjectiva, pessoal. A Beleza não deveria ser
um padrão, não deveria ser sacrifício, não devia ser um implante mamário, não
deveria ser imperativo absoluto e religioso para as mulheres, deveria ser uma
escolha pessoal. Esta mudança de pensamento deve partir das mulheres, porque
elas são as principais vítimas e as principais agressoras. Não me odeies por ser
bonita, antigo slogan da L’Oréal, ao qual se deveria acrescentar, e não me odeies
por não me achares bonita. Não há juventude eterna, porque não apreciar o
amadurecimento sendo saudável e feliz?




É sempre possível ver os sinais de envelhecimento feminino como doentios,
especialmente se se tiver um grande interesse em que também as mulheres se
considerem de igual forma. Contudo, é também possível ver que, caso uma mulher
seja saudável, viverá até envelhecer. À medida que vai amadurecendo, reage, fala,
revela emoções e vai criando o seu próprio rosto. As rugas mapeiam-lhe o
pensamento e irradiam dos cantos dos olhos após décadas de riso, reunindo-se
como um leque que se fecha quando sorri. Estas rugas podiam ser apelidadas de
uma rede de «graves lesões», ou, por outro lado, seria possível perceber que,
numa caligrafia precisa, o pensamento gravou marcas de concentração entre as
suas sobrancelhas e riscou de um lado a outro da testa os vincos horizontais da
surpresa, da alegria, da compaixão e da amena conversação. Uma vida inteira de
beijos, palavras e lágrimas surge expressa em volta de uma boca raiada como uma
folha em movimento. A pele solta-se-lhe no rosto e no pescoço, dando às feições
uma dignidade sensual, tornando-as mais fortes à medida que também ela fica
mais forte. Observou uma vida inteira à sua volta e isso tornou-se evidente.
Quando o cinzento e o branco lhe aparecem no cabelo, poderia chamar-se a isto
um segredo sujo, ou, então, prata e luar. O corpo enche-se-lhe, ganhando
gravidade como um banhista que enfrenta a água, tornando-se mais generoso com
tudo o resto. O escurecer das olheiras, o peso das pálpebras, as linhas que as
sombreiam, revelam que tudo em que participou lhe trouxe complexidade e
riqueza. Está mais forte, mais solta, mais firme, mais sexy. A maturação de uma
mulher que não parou de crescer é algo bonito de se observar.24




24
     O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 236,237)
Conclusão


Uma imagem vale mais que mil palavras. Vivemos numa sociedade de aparências,

a nossa imagem é o que somos e o que não está reflectido na nossa imagem é

como se não existisse. As classes foram praticamente dissolvidas e as pessoas

nunca foram tão julgadas pelo que aparentam e pelo que possuem. O nosso

estatuto é mensurável pelo número de bens que possuímos e o significado de cada

um desses objectos determina o nosso estatuto. O corpo, meio de socialização deve

ser a expressão máxima do que somos de melhor, e o melhor está em ser o que os

padrões de beleza esperam de nós.



Beleza, magreza e juventude são as palavras de ordem desta nova igreja. O culto

da beleza é uma autêntica religião com direito a sacrifícios, jejuns, padres, deus e

alma. O corpo é toda a instituição religiosa, ele perdoa, pune, gratifica, sacrifica-se,

porque nós nos submetemos a estes modelos de perfeição propagados pelos media.

Modelos que são muitas vezes o resultado do recurso a programas de computador

como o Photoshop ou o Baselight, criados com o apoio das cadeias televisivas e

que atenuam as imperfeições, como rugas, manchas, gorduras.



Em nome do corpo perfeito, cometem-se as maiores barbaridades e ele é desculpa

para os piores comportamentos. Intensificam-se distúrbios psicológicos e físicos,

como a anorexia, a bulimia, a depressão, a lipofobia, entre outros. Frustrados por

não atingirem o padrão de beleza e por isso ficarem excluídos do estatuto que

desejaram para si.



Os media, em especial a publicidade, convencem-nos a redescobrir o nosso corpo,
a mimá-lo, porque o nosso corpo é o que somos, mas não seremos um pouco mais
que esta manipulação que visa apenas o desenvolvimento de várias indústrias
ligadas à estética? Como refere Baudrillard Compre e sentir-se-á bem na sua pele,
quando isto é pura ironia. Nunca se pretendeu que as pessoas se sentissem
satisfeitas com o seu próprio corpo, porque pessoas satisfeitas não sentem tanta
necessidade   de consumir. Uma das       premissas   associadas à publicidade é
convencer-nos de que precisamos daquele produto ou serviço, por isso é que se
afecta a auto-estima do cliente, pois este cria a ilusão de que se adquirir aquele
bem ou serviço será mais feliz.



A beleza, a forma e a juventude são bens adquiríveis? A felicidade é um bem

adquirível? O culto do Corpo, os rituais de Beleza, o consumismo, a ilusão, o mito…

Não quero dizer que a beleza não existe. A beleza existe, mas existe por todo o

lado e não só nos modelos de perfeição que a sociedade elegeu para seu benefício

próprio.
Bibliografia



Jean, Baudrillard, A Sociedade de consumo, 1981



Wolf, Naomi, O mito da Beleza, Lisboa, Difusão Cultural, 1994




Sítio da Internet:

http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2853,1.shl, entrevista por Ilana Feldman a

Paula Sibilia

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O Corpo - Objeto de Consumo

  • 1.
  • 3. Instituto Politécnico de Setúbal – Escola Superior de Educação Docente: Marta Alves Disciplina: Teorias e Modelos da Comunicação Licenciatura em Comunicação Social O Mito Trabalho elaborado por: Andreia Sofia Fernandes Martins nº 3007
  • 4. Índice Baudrillard 4 O Corpo – Um Facto Cultural 5-8 Compre e sentir-se-á bem na sua pele 9 – 10 Ditadura Pessoal 11 - 13 Doutor: Preciso de Ajuda 14 - 15 Cirurgia Estética 15 - 16 Beleza Feminina 17 - 20 Conclusão 21 - 22 Bibliografia 23
  • 5. Introdução Este trabalho tem como tema o corpo como objecto de consumo, baseando-se na análise do texto O mais belo objecto de consumo: o corpo, retirado do livro A Sociedade de Consumo, de Jean Baudrillard. O objectivo principal deste trabalho era analisar o texto, estabelecendo uma opinião crítica e ponderada, baseada na leitura de outros textos subjugados ao mesmo tema. Com o propósito de expor os conceitos principais relativos ao tema, dividi o trabalho em seis capítulos: Baudrillard, O Corpo – Um facto Cultural, Compre e sentir-se-á bem na sua pele1, Ditadura Pessoal, Doutor: Preciso de Ajuda e Beleza Feminina. Baudrillard, tal como o título indica, será sobre o sociólogo francês Jean Baudrillard, autor do texto. O Corpo - Um Facto Cultural é sobre a evolução da nossa sociedade e consequentemente dos conceitos de corpo e de beleza. Compre e sentir-se-á bem na sua pele explicitará o conceito central do trabalho e a conclusão do primeiro capítulo, o corpo é afinal o mais belo objecto de consumo2. Ditadura Pessoal será um capítulo sobre os sacrifícios a que os indivíduos se sujeitam pela sociedade. O quinto capítulo abordará a questão dos médicos relativamente ao Culto da Beleza. Por ultimo, Beleza Feminina analisará a perspectiva da sociedade sobre esta imposição estereotipada da beleza feminina, a beleza que as mulheres devem ter ou adquirir. 1 A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 143) 2 A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p.136)
  • 6. Baudrillard Ilustração 1 _ Jean Baudrillard Jean Baudrillard nasceu em 1929, em Reims, na França, não se sabe muito sobre a sua infância ou sobre a sua vida em geral porque Baudrillard preservava imenso a sua vida privada. Da sua vida académica sabe-se que ingressou na Universidade de Nanterre, em 1964, no departamento de sociologia onde trabalhou junto de dois grandes pensadores franceses daquela época, Henri Lefebvre e Touraine. Baudrillard deixou um legado precioso no estudo da sociedade e da comunicação. Entre a sua vasta obra constam: Da Sedução (1979), A Sociedade de Consumo (1981), Simulacros e Simulação (1981), A troca impossível (1999) e O lúdico e o policial (2000). Baudrillard foi um dos grandes pensadores da nossa época e a sua morte, a 6 de Março de 2007, constitui uma perda irreparável.
  • 7. O Corpo – Um facto cultural O que é um corpo? Com certeza existem diversas respostas para esta questão, o conceito é vago e, na verdade, o corpo é um facto cultural, assim como tudo o que lhe diz respeito. Com a excepção do ponto fundamental, o corpo é a materialização do que somos, os nossos sentidos, a nossa locomoção, a nossa forma. A sua importância, a sua abordagem, os cuidados que lhe prestamos variam basicamente de cultura para cultura, porque o corpo nunca chegou a ser somente a soma da cabeça, corpo e membros. Durante os séculos de maior influência do Cristianismo no ocidente, do séc. I ao séc. XIX, o corpo era ocultado por entraves morais. Como carne, expoente da sexualidade, o corpo era algo pecaminoso e portanto indigno. Havia uma sobrevalorização da alma e de Deus, que tudo vê, tudo ouve e tudo sabe. A alma era a salvação e as suas virtudes deveriam ser cultivadas em nome da fé, uma fé imposta por uma igreja muitas vezes tendenciosa, moralista e hipocritamente puritana. Estes conceitos impostos pela religião reprimiram a expressão do corpo como símbolo de sensualidade e sexualidade e todos os que agissem contra estas leis sagradas eram considerados hereges, pecadores e, consequentemente, condenados ao fogo do inferno. Exemplo desta perseguição é a Inquisição, considerada um dos grandes erros da humanidade a Inquisição, criada pela igreja católica, condenou à morte milhares de pessoas, sem julgamento, por crimes como bruxaria, adultério, entre outros. Durante o século XVII ocorre a Revolução Industrial e o corpo passa a ser encarado, acima de tudo, como mão-de-obra. Surgem os caminhos-de-ferro e as grandes indústrias, as mulheres passam a ser consideradas uma mão-de-obra viável para o sector secundário das indústrias. O Capitalismo adquire cada vez mais preponderância e, no sentido de aumentar a margem de lucro, os donos das fábricas aumentam o horário de trabalho e diminuem os salários, o que deixa os funcionários descontentes. Ocorrem por esta altura as primeiras greves e surgem os primeiros sindicatos, que reivindicam melhores condições de trabalho. Na primeira década do século XX, Henry Ford inventa a linha de produção (Fordismo), desenvolve-se assim a produção em série o que revoluciona toda a indústria, começam a ser produzidas quantidades massivas de todo o tipo de produtos. Numa manobra pouco inocente, alegadamente para atenuar o desagrado dos trabalhadores, diminuem-se as horas de trabalho e aumentam-se os salários.
  • 8. Não fazia de todo sentido saturar o mercado se a maioria da população não tinha tempo ou dinheiro para ajudar no escoamento de produtos. A pirâmide social é substituída pelo “losango social”, surge de facto uma nova sociedade, a sociedade de consumo. Classe Alta Classe Alta Classe Média Classe Média Classe Baixa Classe Baixa Ilustração 2 _ Pirâmide Social Ilustração 3 _ Losango Social Verificam-se ainda grandes movimentos migratórios do campo para as grandes cidades, a urbanização, e a difusão dos meios de transporte e comunicação (jornais, cinema, rádio, televisão, Internet), o que está na base do surgimento da cultura de massas. A religião é uma característica importante para todas as culturas, na nossa cultura ocidental essa religião foi durante vários séculos a religião católica, actualmente pode dizer-se que está a ocorrer uma substituição do Cristianismo pela Moda, o culto do corpo. A religião católica continua a ter uma preponderância fundamental na nossa sociedade, mas no que diz respeito ao corpo os entraves foram caindo face ao avanço da sociedade de consumo. O que pretendo dizer é que o Corpo é uma nova religião para a nossa sociedade. Uma religião em que o Corpo tem o estatuto de Deus, o médico é o padre e a Moda a Bíblia. A alma era o atributo de maior importância, a beleza física era relevante, mas apenas como complemento do espiritual. Surge um novo movimento de descoberta do corpo, depois de uma era de recalcamento. Na cultura contemporânea, os corpos humanos são cada vez mais
  • 9. vivenciados como imagens. O corpo de cada um é arduamente trabalhado para ser exibido e observado, como uma imagem para ser consumida visualmente.3 A sexualidade ascende, juntamente com o culto do corpo e da beleza, sendo o seu carácter maléfico asfixiado em favorecimento dos rituais de prazer. O corpo é objecto de um culto narcisista, a nível pessoal, e é usado também como recurso social. Porque só o somos se aparentarmos ser, a nossa imagem deve reflectir tudo o que somos e para tal a sociedade de consumo concede-nos milhões de produtos e serviços que nos ajudam a expor a nossa identidade ou a identidade que queríamos ter ou a identidade que deveríamos ter. Percebe-se como o corpo se encontra estreitamente vinculado às finalidades da produção enquanto suporte (económico), como princípio de integração (psicológica) dirigida do indivíduo e à maneira de estratégia (política) de controlo social.4 Surge um padrão de beleza ditado pela moda, comum a toda a sociedade, e propagado pelos media: a tirania da beleza. 3 Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007) 4 A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 145)
  • 10. Compre e sentir-se-á bem na sua pele Domingo, dia sagrado para os católicos, é dia da família e as famílias correm para os centros comerciais. Colecção Outono/Inverno, mas ainda mal chegou a Primavera e todo o armário está fora de moda. Dias mais frios ou mais quentes, as lojas enchem, as promoções, os saldos, a crise, os créditos, as compras às prestações, o endividamento… Mas sempre temos aquele plasma na sala, entre outras coisas. Naqueles dias mais tristes, há algo que sempre nos faz sentir melhor: ir às compras. Parece que tudo volta a fazer sentido. O que pagámos? Um produto ou uma sensação? Segundo Baudrillard já não consumimos coisas, mas somente signos. Torna-se difícil de ocultar, há uma cultura de consumo na nossa sociedade, porque a felicidade é algo que se mede pelos objectos e que se alcança somente através deles. A cultura consumista tem duas perspectivas: o indivíduo tem ao seu dispor vários objectos e adquire-os para o seu conforto ou o indivíduo adquire os objectos porque ao adquiri-los está também a adquirir um estatuto que gostaria de ter. O que torna uma pessoa rica? O que torna uma pessoa pobre? Quando pensámos que gostávamos que nos saísse o Euromilhões, o Totoloto ou a lotaria, pensámos em como seria bom ter esse dinheiro numa conta no banco? Não. Pensámos no que adquiriríamos com esse dinheiro, uma casa melhor, um carro novo, uma viagem, um cruzeiro, roupas novas, talvez uma cirurgia estética? Se um indivíduo com uma conta bancária recheada morar num T1, decorado com objectos da lojas dos chineses, vestir roupa dos anos oitenta, literalmente, andar a pé e trabalhar como varredor de rua, será rico na mesma, claro, mas não terá o estatuto. Por outro lado uma pessoa com poucos recursos, na nossa sociedade, pode aparentar ser o que não é, adquirindo objectos que geralmente associámos a outro estatuto. Podemos não ser ricos, mas podemos aparentar ser. Vivemos numa sociedade de aparências. Baudrillard defende que tudo o que se consome corresponde a um estatuto, não consumimos o objecto pelo objecto, mas pelo significado desse objecto. Até que ponto o culto do corpo intensificou o consumismo ou, por outro lado, o próprio consumismo criou o culto do corpo para seu benefício? Esta segunda hipótese é a mais viável. A beleza nem sempre foi o que é hoje, hoje a beleza tem um padrão ditado pela moda, mas tem como base o consumo. A roupa, os
  • 11. acessórios, os cremes, os tratamentos, os penteados… Ser bela e estar em forma é um estatuto, dentro da sociedade. A beleza é um estatuto adquirível e desta possibilidade advém as exigências pessoais e sociais. Com todas as técnicas, serviços e produtos de embelezamento hoje disponíveis no mercado, “só é gordo e feio quem quer”5. Todos os que não se enquadram no padrão de beleza são considerados desmazelados, descuidados, e são de certo modo excluídos por isso. Cabe a cada um lutar pelo corpo perfeito e não o fazer é quase uma falta de moralidade, um fracasso pessoal e social. Apesar das revistas tratarem o mito da beleza como um evangelho de uma nova religião6, estas não são as únicas responsáveis pela fundação desta ideologia que supostamente nos libertaria. A publicidade tem um papel preponderante, somos bombardeados com milhares de publicidades diariamente, a diversidade é avassaladora, a inocência com que nos deixamos atacar é arriscada. Cada pequena parte do nosso corpo é passível de consumo, em dois sentidos, porque o corpo consome e é consumido. O consumo incentiva, portanto, a descoberta do corpo, cada ínfima parte, sob o pretexto de nos conhecermos a nós mesmos, porém na verdade estamos apenas a descobrir as falhas humanas que olhamos com nojo e aversão, é então que descobrimos que objectos devemos consumir. Parece que a única pulsão verdadeiramente libertada é a pulsão de compra.7 Ensinam-se os indivíduos a adorarem o seu corpo e portanto prestar-lhe todos os cuidados possíveis, o meu corpo é o meu bem mais precioso preciso estimá-lo. No entanto é um falso amor, porque as falhas são muitas e óbvias, ferindo a auto- estima do consumidor, é praticamente impossível atingir os modelos de perfeição, mas a publicidade deixa a mensagem subentendida é possível ser assim, tu é que não estás a fazer o suficiente, a consumir o suficiente. Mas a satisfação nunca chega, nem nunca foi intenção da publicidade que chegasse. Porque pessoas satisfeitas e felizes não precisam de muito mais, ou seja não compram muito mais. 5 Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007) 6 O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 93) 7 A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 143)
  • 12. Ditadura pessoal É difícil definir, mas os padrões estão presentes. Porque achamos a gordura repulsiva? Porque é feio? Nunca nos perguntamos porque achamos feio, simplesmente achamos. Também não nos perguntamos porque achamos bonito, simplesmente achamos. Mas nada é assim tão simples, pois não? O mal não seria grande se todos fossem bonitos, na minha opinião até seria positivo, pois num mundo de bonitinhos as preocupações gerais poderiam seguir novos rumos. O mal surge quando milhões de pessoas se sacrificam em nome de uma ilusão inatingível. Os adolescentes são as vítimas mais prováveis, fascinados pelos modelos que vêem ser prestigiados pela sociedade. Actrizes, actores, modelos, cantores, popstars, jogadores de futebol… Uma cultura dos ídolos pelas suas imagens, um fanatismo cego, uma obsessão e no final uma ilusão. Os ídolos de hoje são meras imagens, posters que se colam numa parede e um sonho, talvez um dia ser assim. Aspiram a uma vida de consumo, não é isso a vida das estrelas? Mas não são só os adolescentes que pretendem atingir os padrões de beleza, é um objectivo comum, porque se supõe que a felicidade depende em muito destes estatutos. Surgem cada vez mais cedo as preocupações com a aparência física e os que não se adequam aos padrões de beleza habituais ficam sujeitos a um processo de selecção natural muito semelhante ao descrito por Darwin na sua teoria evolutiva. Os mais fracos perdem para os mais fortes. Os feios perdem inevitavelmente para os bonitos. São comuns os insultos, por exemplo os episódios de bulling nas escolas tem aumentado consideravelmente nos últimos anos, as crianças obesas, e em geral as pessoas obesas, são gozadas e de certo modo excluídas da aceitação social. Sempre existiram padrões de beleza, mas nunca estiveram tão vincados como actualmente. Ajuda na divulgação e estandardização deste padrão a existência de uma cultura de massa, comum a toda uma sociedade. Contudo, não se pode atribuir a responsabilidade aos media e somente a eles, apesar de terem um papel preponderante neste fascismo corporal. A ditadura surge com a democratização do consumo, há um mercado abrangente de produtos estéticos, entre outros, que
  • 13. sugere que todos os estatutos são alcançáveis. As pessoas devem ser bonitas, mas com o avanço das sociedades de consumo elas podem ser bonitas e não o serem causa autênticas catástrofes sociais. Tudo é passível de justificação em nome do corpo perfeito, até a morte. E quando estes casos extremos tendem a generalizar- se, aí sim, surge o perigo. Distúrbios alimentares como anorexia e a bulimia são um flagelo na nossa sociedade, resultado da crescente lipofobia. Lipofobia é uma rejeição cada vez mais violenta às adiposidades que recheiam os corpos próprios e alheios8. Estas perturbações não acontecem só nos adolescentes, existem casos de anorexia em crianças de sete anos, facto que deveria alarmar a sociedade e prova de que estes padrões começam logo na infância. Um inquérito americano revelou que 50% das mulheres praticam regimes alimentares, o que face aos 30 milhões de americanos que são obesos ou se consideram como tais9, também deveria despertar consciências. Há um padrão de beleza que assenta sobretudo em dois valores imutáveis magreza e elegância, se a obesidade é um flagelo ocorrem duas coisas: baixa auto-estima e recurso a práticas extremas, como é o caso das operações cirúrgicas e distúrbios alimentares graves. Poderíamos dizer que hoje vivemos num regime de totalitarismo de mercado, que visa, portanto, à inclusão dos consumidores, ao contrário dos fascismos que vigoraram na primeira metade do século XX, que visavam à exclusão de certos cidadãos considerados inferiores ou impuros.10 O que acontece com a maioria das pessoas é um regime de sacrifícios e gratificações em relação ao corpo. Os rituais conduzem à ditadura. A publicidade convence-nos de que é possível, mas para tal precisamos daquele produto, precisamos daquele serviço, precisamos de sacrificar- nos física ou economicamente. Atingir a perfeição requer sacrifícios: uma alimentação cuidada, exercício regular, aplicação de vários cremes, manicure, pedicure, cabeleireiro… É preciso investir tempo e dinheiro no nosso corpo. Quando falhamos, quando não adquirimos aquele produto, quando comemos demais, quando não fazemos exercício, sentimo-nos culpados. Se não nos sacrificamos sentimo-nos culpados. Quem exprime esta falha? O nosso corpo. O corpo vinga-se da falta de carinho e surgem imperfeições estéticas: celulite, estrias, gorduras, borbulhas, pele seca, cabelos espigados, pêlos… 8 Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007) 9 A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 152) 10 Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007)
  • 14. O fascínio pelo corpo não é incondicional, pelo contrário, ao mesmo tempo que cria uma obsessão pelo próprio corpo, o indivíduo vai também criando aversão a tudo o que de verdadeiro lhe diz respeito, porque a perfeição é uma imagem surreal. Ou seja, esse corpo pensado idealmente como uma imagem torna-se bidimensional: é um tipo de corpo que sonha com perder a sua espessura orgânica, que ambiciona ultrapassar a sua materialidade para se tornar não-carnal11. Sente-se admiração pela pele suave, pelos olhos claros, pelo cabelo sedoso, mas nojo por tudo o que é carne, osso, viscosidade, líquido corporal. Esta abominação é ainda mais intensa do que o amor pelo corpo. É uma contrariedade, o fascínio e a aversão, a exaltação do corpo é assim acompanhada pela negação da carne. O corpo é na sua complexidade o principal inimigo da perfeição que pretendemos atingir, o corpo transforma-se num objecto ameaçador que é preciso vigiar12. 11 Paula Sibilia, O pavor da carne (entrevista por Ilana Feldman) (2007) 12 A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 151)
  • 15. Doutor: preciso de ajuda! Se o corpo é o nosso bem mais estimável, o mais precioso objecto que possuímos, detentor de todos os nossos cuidados, merecedor de todas as atenções, há que tomar muito bem conta dele. O papel do médico é ajudar nesta luta incansável contra a natureza feia que ameaça destruir os nossos ideais de perfeição. O médico, e em geral o acesso à saúde, foi um bem para poucos durante vários séculos. As classes mais baixas recorriam ás suas mezinhas caseiras e, principalmente, a Deus, alvo de toda a sua fé. A revolução industrial modificou a abordagem do corpo, este passa a ser a força de trabalho e, por esta altura, a medicina ganha mais força de modo a garantir a força de trabalho. Com o avanço da indústria os medicamentos passam a ter preços mais acessíveis. Actualmente, apesar da saúde ainda não chegar a todos e continuar a ser um bem dispendioso, longe das possibilidades económicas de muitos, há uma banalização da medicina. Metade das compras de medicamentos de medicamentos faz-se sem indicação médica, incluindo mesmo os que estão inscritos na segurança social13. Baudrillard afirma que estes comportamentos são de gratificação e sacrifício, mas neste tema específico estão relacionados com a crença de que a saúde advirá da compra de produtos e serviços. Não concordo com a posição de Baudrillard relativamente a este tema. Entendo a necessidade humana de ter uma religião, algo que explique o que não somos capazes de entender e justifique os actos que não conseguimos justificar. Admito que a nossa posição relativamente ao corpo é cada vez mais intensa, temos para com ele cuidados que julgamos necessários e, tendo em conta que actualmente é, se não necessário, importante possuir beleza e estar em forma, os cuidados estéticos não são totalmente dispensáveis. O que contesto é o pensamento profundo de que é preciso (e basta) que algo custe alguma coisa para que a saúde regresse em troca14. Na minha opinião isto é exagerar a situação actual, não creio que seja esse o pensamento das pessoas quando adquirem medicamentos, embora não exclua a possibilidade de que algumas pessoas sigam este pensamento. Quando adquirimos medicamentos sem receita médica tentamos muitas vezes evitar um sistema de saúde lento. 13 A Sociedade de Consumo (Baudrillard, Jean, 1981) (p. 149) 14 Idem
  • 16. Devo reconhecer que a maioria dos produtos farmacêuticos que adquirimos não são de sobrevivência, mas o que são bens de sobrevivência actualmente? Se fizéssemos esta pergunta a diversas pessoas tenho a certeza que muitas refeririam bens e serviços que não são de todo cruciais, mas não deixam de ser importantes. Podemos fazer comparações com países de terceiro mundo, onde a maioria nunca viveu o seu dia-a-dia com televisão, Internet, champô, chocolate, mas não são de todo comparações justas. Os seus problemas são mais básicos e, consequentemente, mais duros na nossa perspectiva. Mas problema e necessidade, tal como corpo, são conceitos abstractos. Na nossa sociedade a obesidade é um problema, noutras sociedades a fome é um problema. Na nossa sociedade não faz sentido preocuparmo-nos com a distância que teremos de percorrer para obter água potável, nos países de terceiro mundo não faz sentido preocuparem-se em obter comprimidos para o emagrecimento. A nossa sociedade é, obviamente, mais supérflua, mas um problema continua a ser um problema seja em que canto do mundo for. De volta ao tema dos médicos, a saúde não é uma banalização da medicina, é um bem básico a que todos, sem excepção, deveriam ter acesso. Não creio que seja futilidade; Baudrillard trata toda a nossa sociedade como expressão máxima da futilidade, o que se calhar é de desvalorizar, nos dois sentidos. Sendo o culto do Corpo a nova religião, o médico surge então como padre. É a ele que recorremos para sermos perdoados pelos nossos pecados contra o corpo. Má alimentação, falta de exercício, entre outros problemas que o médico nos ajuda a resolver. Muitas vezes procurámos o médico para evitar que algo danifique o nosso corpo, ou seja como prevenção, quando se aproxima a Primavera e a época das alergias, por exemplo. Penso, porém, que Baudrillard se refere ao recurso aos médicos para fins estéticos, que ultimamente tem atingido proporções alarmantes, nomeadamente no caso da cirurgia estética. • Cirurgia Estética A cirurgia plástica encontra-se dividida em duas vertentes: a cirurgia reconstrutiva e a cirurgia estética. A cirurgia estética inclui procedimentos tais como: rinoplastia (cirurgia do nariz), blefaroplastia (cirurgia das pálpebras), ritidoplastia (cirurgia às rugas faciais), lipoaspiração (cirurgia para remoção de gordura localizada), dermolipectomia abdominal (cirurgia para remoção do excesso de pele abdominal),
  • 17. mamoplastia redutora (cirurgia para redução e suspensão das mamas), mamoplastia de aumento (cirurgia para aumento das mamas, geralmente com próteses de silicone), otoplastia (correcção de orelhas de abano), implante capilar (correcção da calvície). A banalização da cirurgia estética levanta questões importantes, principalmente de carácter ético, até porque as suas consequências físicas e psicológicas para quem adopta este tipo de procedimentos sejam aspectos pouco claros. É cada vez maior o número de pessoas que faz ou gostaria de fazer uma cirurgia plástica, este desejo surge muitas vezes no início da adolescência. A indústria da cirurgia estética e os media em geral criam a falsa sensação de que a cirurgia estética é algo fácil e simples, com um único impedimento que é o custo elevado destes procedimentos. Quando olho para a estátua David, de Miguel Ângelo, não admiro o mármore. Fico simplesmente maravilhado com a beleza da obra15, referiu Eduardo Krülig sobre o tema cirurgia estética, após ter realizado cirurgias estéticas em algumas misses (a Venezuela já conquistou dois títulos de Miss Internacional, quatro de Miss Universo e cinco de Miss Mundo). Já tive uma doente que corrigiu a barriga da perna porque as botas estavam-lhe apertadas, afirmou Ângelo Rebelo, um cirurgião português. Faço questão de fazer referência aos onze anúncios publicitários a entidades que cedem créditos que rodeiam esta notícia. Uma cirurgia não deixa de ser uma intervenção cirúrgica com alguns riscos, no entanto é uma forma rápida de obter o corpo que desejamos. É alarmante o aumento de programas televisivos em formatos de reality show que abordam com suavidade este tema, por exemplo o programa exibido recentemente na Televisão Independente (TVI) e outro exibido pelo canal de música Vh1 (onde indivíduos comuns faziam cirurgias para ficarem parecidos com um famoso à sua escolha). 15 Notícia de Maria Barbosa, Beleza – Venha o bisturi MULHERES PERFEITAS, in Correio da Manhã (2004, 19 de Setembro)
  • 18. Beleza Feminina – Não me odeies por ser bonita, não me odeies por não me achares bonita! Para a mulher, mesmo na Europa, é tudo mais difícil de conseguir. Christina Ockrent, in O Livro Negro da Condição das Mulheres, Temas e Debates What happened to the dreams of a girl President? She’s dancing in the video next to 50Cent. Pink, in Stupid Girls Baudrillard afirma que, na nossa era histórica, a mulher sempre foi confundida com a sexualidade maléfica, a ela eram-lhe proibidos certos comportamentos que ao homem eram permitidos. Sólon, o legislador grego, determinou que uma mulher solteira quando apanhada no decorrer de um acto sexual podia ser vendida como escrava. O imperador Constantino decretou que uma virgem que fornicasse de livre vontade devia ser queimada (o castigo era mais brando se tivesse sido violada). A morte era o preço a pagar por uma mulher que tivesse relações sexuais com um escravo. As leis de Rómulo davam ao marido o direito de matar a esposa adúltera.16 Os preconceitos prevalecem, apesar de as mulheres terem conquistado muito nas últimas décadas: mais liberdade, direito de voto, melhores condições de trabalho, salários mais justos. Por exemplo, nas sociedades pré-históricas as mulheres trabalhavam cinco vezes mais do que os homens, actualmente a proporção é mais justa, uma vez que as mulheres trabalham apenas duas vezes mais do que os homens. Às mulheres que lutaram pela mudança, chamadas de feministas, está associada uma imagem depreciativa: Mulher grande e masculina, de botas e charuto, dizendo palavrões como um soldado17. A mulher valorizada durante séculos pela sua feminilidade perde toda a candura e beleza ao revoltar-se, ao manifestar-se contra o sistema machista, será portanto uma mulher estranha, excluída, feia? A juventude e (até recentemente) a virgindade foram “bonitas” nas mulheres por representarem a ignorância sexual e a falta da experiência. 18 Tal como os homens devem ser fortes, as mulheres devem ser delicadas e inocentes e recatadas e belas. 16 O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 226) 17 The Feminine Mystique (Betty Fiedan, 1982) (pág. 79) citando Morning Star: a Biography of Lucy Stone (Elinor Rice Hais, 1961) (pág. 83) 18 O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 23)
  • 19. Baudrillard afirma que a beleza tornou-se para a mulher imperativo absoluto e religioso, nunca se esperou de uma mulher que fosse inteligente até há algumas décadas atrás. O que faz todo o sentido porque se as mulheres tivessem acesso à educação mais cedo, talvez não se tivessem submetido durante tantos anos à subordinação. Durante séculos as profissões femininas estiveram limitadas a uma dezena de opções, porque a mulher tinha uma posição de subjugação perante o homem, dentro do leque de opções a que concedia maior liberdade económica era a prostituição. A religião condenou as mulheres à exclusão, considerou-as a todas pecadoras, porque todas elas descenderiam de Eva, culpada pela expulsão do Paraíso e mortalização dos seres humanos. Foram as mulheres as grandes vítimas da Inquisição. Disse também à mulher: Multiplicarei os teus sofrimentos na gravidez. Darás à luz entre dores os filhos; e estarás sob o poder do marido, e ele te dominará.19 Até que ponto nos libertamos? O Mito da Beleza tem anulado as nossas maiores e mais árduas conquistas, porque nós somos as mais crentes, se não acreditássemos não seríamos afectadas. Actualmente as mulheres constituem também a maioria da população mundial e dos estudantes universitários, resumindo, são mais e mais bem formadas. Na área da Comunicação Social ocorrem as descriminações mais flagrantes, já repararam no número de jornalistas televisivos com mais de cinquenta anos? Desse número quantas são mulheres? Uma ínfima parte, porque a idade quando associada à mulher é considerada algo de feio, porém no homem é algo que lhe atribui seriedade e charme. Este preconceito tem uma origem obscura, mas muito óbvia: não é a idade que é feia na mulher, é o poder. A sociedade era e é dominada pelos homens, embora nem sempre tenha sido assim e, actualmente, não o seja noutros cantos do mundo. Na pré-história, as mulheres eram a figura com maior poder, uma vez que desenvolveram a agricultura e a criação de animais domésticos, enquanto os homens se dedicavam à caça. Durante os anos 70 surgem as mudanças mais significativas, se foram desencadeadas por feministas ou não, o facto é que nunca se pretendeu que as mulheres tivessem mais poder do que os homens, apenas igualdade. Em pleno século XXI, isso ainda não aconteceu. As mulheres recebem salários inferiores aos dos homens pelas mesmas tarefas; as tarefas domésticas não são consideradas trabalho e geralmente as mulheres têm de conciliar o trabalho com a 19 Génesis, 3:16
  • 20. lida doméstica, o que resulta em menos de 33 por cento do tempo de lazer do que o marido20 dispõe. Na Grã-Bretanha, 95 por cento das mulheres que trabalham fora de casa colocam a sensação de «cansaço extraordinário» no topo de uma lista dos seus principais problemas21. É muito difícil para uma mulher alcançar o auge da sua carreira, não porque não tenha capacidade para desempenhar cargos de importância, mas porque as barreiras são demasiadas. A partir dos 40 anos surgem os primeiros sinais de envelhecimentos, e já vai em milhares o número de mulheres despedidas porque já não se adequavam no padrão de beleza exigido. Aos homens não se exige tal coisa. Nunca se exigiu de um homem que fizesse a depilação, que penteasse o cabelo, que controlasse o peso, a celulite, as estrias, as rugas e a flacidez, se eles agora parecem ter mais cuidado com estes aspectos é por opção pessoal. As profissionais urbanas dedicam um terço do seu rendimento à «manutenção da beleza»22, alguns homens diriam que é pura vaidade, e talvez seja, mas é uma vaidade exigida, porque as que não investem no seu corpo são consideradas desleixadas. Apenas um a dois por cento das posições de alto nível são preenchidas por mulheres23. Se uma mulher bonita consegue um bom emprego pensar-se-á que ela está a usar a sua aparência para o seu benefício profissional. Se uma mulher for descuidada com a sua aparência corre o risco de ser despedida. Se uma mulher se produzir demasiado isso pode ser considerado uma prova de como ela aceitou ser assediada pelos seus superiores, isto não é suposição, já aconteceu. Se uma mulher recorre à cirurgia estética é julgada, se não recorre é julgada. Se uma mulher é jovem, ainda não tem maturidade ou conhecimentos suficientes. Se uma mulher tem mais de 40 anos é velha e feia. Parece que as mulheres estão num beco sem saída. Não é a idade das mulheres, a velhice, o que assusta os homens e a sociedade em geral. Se as mulheres tivessem, à semelhança dos homens, a possibilidade de evoluir na sua carreira até à reforma e não até aos 40 anos a situação social seria muito diferente. O mito da Beleza não justifica sozinho a descriminação existente em relação às mulheres, mas é porque as mulheres se preocupam tanto com ele que, entre todas as suas outras tarefas, ficam sem tempo para combater os seus verdadeiros problemas. 20 O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 33) 21 O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 61) 22 O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 60) 23 O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 62)
  • 21. A Beleza não é um mito. A Beleza é subjectiva, pessoal. A Beleza não deveria ser um padrão, não deveria ser sacrifício, não devia ser um implante mamário, não deveria ser imperativo absoluto e religioso para as mulheres, deveria ser uma escolha pessoal. Esta mudança de pensamento deve partir das mulheres, porque elas são as principais vítimas e as principais agressoras. Não me odeies por ser bonita, antigo slogan da L’Oréal, ao qual se deveria acrescentar, e não me odeies por não me achares bonita. Não há juventude eterna, porque não apreciar o amadurecimento sendo saudável e feliz? É sempre possível ver os sinais de envelhecimento feminino como doentios, especialmente se se tiver um grande interesse em que também as mulheres se considerem de igual forma. Contudo, é também possível ver que, caso uma mulher seja saudável, viverá até envelhecer. À medida que vai amadurecendo, reage, fala, revela emoções e vai criando o seu próprio rosto. As rugas mapeiam-lhe o pensamento e irradiam dos cantos dos olhos após décadas de riso, reunindo-se como um leque que se fecha quando sorri. Estas rugas podiam ser apelidadas de uma rede de «graves lesões», ou, por outro lado, seria possível perceber que, numa caligrafia precisa, o pensamento gravou marcas de concentração entre as suas sobrancelhas e riscou de um lado a outro da testa os vincos horizontais da surpresa, da alegria, da compaixão e da amena conversação. Uma vida inteira de beijos, palavras e lágrimas surge expressa em volta de uma boca raiada como uma folha em movimento. A pele solta-se-lhe no rosto e no pescoço, dando às feições uma dignidade sensual, tornando-as mais fortes à medida que também ela fica mais forte. Observou uma vida inteira à sua volta e isso tornou-se evidente. Quando o cinzento e o branco lhe aparecem no cabelo, poderia chamar-se a isto um segredo sujo, ou, então, prata e luar. O corpo enche-se-lhe, ganhando gravidade como um banhista que enfrenta a água, tornando-se mais generoso com tudo o resto. O escurecer das olheiras, o peso das pálpebras, as linhas que as sombreiam, revelam que tudo em que participou lhe trouxe complexidade e riqueza. Está mais forte, mais solta, mais firme, mais sexy. A maturação de uma mulher que não parou de crescer é algo bonito de se observar.24 24 O mito da beleza (Naomi Wolf, 1994) (pág. 236,237)
  • 22. Conclusão Uma imagem vale mais que mil palavras. Vivemos numa sociedade de aparências, a nossa imagem é o que somos e o que não está reflectido na nossa imagem é como se não existisse. As classes foram praticamente dissolvidas e as pessoas nunca foram tão julgadas pelo que aparentam e pelo que possuem. O nosso estatuto é mensurável pelo número de bens que possuímos e o significado de cada um desses objectos determina o nosso estatuto. O corpo, meio de socialização deve ser a expressão máxima do que somos de melhor, e o melhor está em ser o que os padrões de beleza esperam de nós. Beleza, magreza e juventude são as palavras de ordem desta nova igreja. O culto da beleza é uma autêntica religião com direito a sacrifícios, jejuns, padres, deus e alma. O corpo é toda a instituição religiosa, ele perdoa, pune, gratifica, sacrifica-se, porque nós nos submetemos a estes modelos de perfeição propagados pelos media. Modelos que são muitas vezes o resultado do recurso a programas de computador como o Photoshop ou o Baselight, criados com o apoio das cadeias televisivas e que atenuam as imperfeições, como rugas, manchas, gorduras. Em nome do corpo perfeito, cometem-se as maiores barbaridades e ele é desculpa para os piores comportamentos. Intensificam-se distúrbios psicológicos e físicos, como a anorexia, a bulimia, a depressão, a lipofobia, entre outros. Frustrados por não atingirem o padrão de beleza e por isso ficarem excluídos do estatuto que desejaram para si. Os media, em especial a publicidade, convencem-nos a redescobrir o nosso corpo, a mimá-lo, porque o nosso corpo é o que somos, mas não seremos um pouco mais que esta manipulação que visa apenas o desenvolvimento de várias indústrias ligadas à estética? Como refere Baudrillard Compre e sentir-se-á bem na sua pele, quando isto é pura ironia. Nunca se pretendeu que as pessoas se sentissem
  • 23. satisfeitas com o seu próprio corpo, porque pessoas satisfeitas não sentem tanta necessidade de consumir. Uma das premissas associadas à publicidade é convencer-nos de que precisamos daquele produto ou serviço, por isso é que se afecta a auto-estima do cliente, pois este cria a ilusão de que se adquirir aquele bem ou serviço será mais feliz. A beleza, a forma e a juventude são bens adquiríveis? A felicidade é um bem adquirível? O culto do Corpo, os rituais de Beleza, o consumismo, a ilusão, o mito… Não quero dizer que a beleza não existe. A beleza existe, mas existe por todo o lado e não só nos modelos de perfeição que a sociedade elegeu para seu benefício próprio.
  • 24. Bibliografia Jean, Baudrillard, A Sociedade de consumo, 1981 Wolf, Naomi, O mito da Beleza, Lisboa, Difusão Cultural, 1994 Sítio da Internet: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2853,1.shl, entrevista por Ilana Feldman a Paula Sibilia