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EDUCAÇÃO:
CARINHO E TRABALHO
Chamada de capa:
Um livro sobre o
BURNOUT, a síndrome da
DESISTÊNCIA DO EDUCADOR, que pode levar à
FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO
(Importante Que A Frase, Burnout, Desistência Do Educador, Falência Da Educação Fique Destacada,
Como Se Fosse Uma Frase Só)
Coordenação do Laboratório de Psicologia do Trabalho
Coordenação Geral Wanderley Codo
Coordenação Sociologia do Trabalho Analía Soria Batista
Coordenação Psicologia do Trabalho Lúcia Soratto
Coordenação Psicologia Clínica Iône Vasques-Menezes
Diretoria Executiva– CNTE-GESTÃO 97/99
CARGO NOME
Presidente Carlos Augusto Abicalil (MT)
Vice-Presidente: Francisco das Chagas Fernandes (RN)
Sec. Geral Maria Izabel Azevedo Noronha (SP)
Sec. de Ass. Internancionais Juçara Maria Dutra Vieira (RS)
Sec. de Ass. Educacionais Maria Teresa Leitão de Melo (PE)
Sec. de Formação Maria Inês Camargos (MG)
Sec. de Políticas Sociais Lujan Maria Bacelar de Miranda (PI)
Sec. de Política Sindical Maria do Livramento P. Bezerra (DF)
Sec. de Finanças Francisco José Gauter de Oliveira (PI)
Sec. de Imprensa e Divulgação Robson Lopes Trajano (RJ)
Sec. de Legislação Milton Canuto de Almeida (AL)
Sec. da Mulher Trabalhadora Noeme Diná Silva (GO)
Sec. dos Aposentados Terezinha Ribeiro Picheth (PR)
Sec. Adjunto de Políticas Sociais Reinaldo Paschoa Bicudo (SP)
Sec. Adjunto de Ass Educacionais Mauri Matos de Freitas (SC)
Sec. Adjunta de Ass. Educacionais Márcia Alcalay Dorneles (RS)
Sec. Adjunto de Formação Arthur Sérgio Rangel Viana (ES)
Suplente Manoel Rodrigues da Silva (RO)
Suplente Rosimar Mendes Silva (TO)
Suplente Mário Sérgio Ferreira de Souza (PR)
Suplente Araceli Maria Pereira Lemos (PA)
Suplente Marcos Macêdo Fernandes Caron (DF)
CONSELHO FISCAL
Efetivo Edvaldo Faustino da Costa (PB)
Efetivo Itana Carvalho de Portugal (BA)
Efetivo Valdir Pereira de Araújo
Suplente Neyde Aparecida da Silva
Suplente Antonio Eugênio F. Corrêa
Suplente Gilberto Cruz de Araujo
ENTIDADES FILIADAS:
APEOESPE —Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do estado de São Paulo
APLB —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia
APP / PR —Sindicato dos Professores das Redes Públicas Estaduais e Municipais do Paraná
CPERS / SINDICATO —Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul - Sindicato
dos Trabalhadores em Educação
FETEMS —Federação dos Trab. em Educação do Mato Grosso do Sul
SAE / DF —Sindicato dos Aux. de Administração do Distrito Federal
SEPE / RJ —Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro
SINDIFUSE / SP —Sindicato dos Funcionários e Servidores da Educação
SINDIUPES / ES —Sindicato dos Trab. em Educ. Pública do Espirito Santo
SINDIUTE / CE —Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará
SIND-UTE / MG —Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais
SINPRO / DF —Sindicato dos Professores do Distrito Federal
SINPROESEMMA —Sindicato dos Prof. Públicos Esp. em Educ. Púb. Serv. Púb. da Educ.
e Mun. Do Ensino de 1º e 2º Graus do Maranhão
SINSEPEAP / AP —Sindicato dos Servidores Públicos em Educação do Amapá
SINTE / PI —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Piauí
SINTE / RN —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Norte
SINTE / SC —Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública de
Ensino do Estado de Santa Catarina
SINTEAC / AC —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Acre
SINTEAL / AL —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas
SINTEAM / AM —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas
SINTEGO / GO —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás
SINTEP / MT —Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público do Mato Grosso
SINTEP / PB —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Paraíba
SINTEPE / PE —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco
SINTEPP / PA —Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará
SINTER / RR —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima
SINTERO / RO —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Rondônia
SINTESE / SE —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de 1º e 2º Graus da rede
Oficial de Sergipe
SINTET / TO —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Tocantins
ÍNDICE
Cap 1 – Educar, Educador ................................................................................................................ 27
Cap 2 - Trabalho e Afetividade.......................................................................................................... 38
Cap 3 - Crise de Identidade e Sofrimento......................................................................................... 52
Cap 4 – Os trabalhadores e seu trabalho ......................................................................................... 85
Cap 5 - Trabalho: atividade humana por excelência.......................................................................110
cap 6 - Condições organizacionais .................................................................................................129
Cap 7 - Violência e Agressão..........................................................................................................141
Cap 8 - Infra-estrutura das escolas públicas...................................................................................167
Cap 9 - Gestão / Eficiência nas escolas..........................................................................................183
Cap 10 - A Centralidade da Gestão ................................................................................................194
Cap 11 - Salário...............................................................................................................................204
Cap 12 - Poder de Compra .............................................................................................................217
Cap 13 - O que é Burnout ? ............................................................................................................257
Cap 14 - O Conflito entre o Trabalho e a Família e o sofrimento psíquico.....................................277
Cap 15 – Suporte Afetivo e o Sofrimento Psíquico em Burnout .....................................................286
Cap 16 – Burnout e Suporte Social.................................................................................................293
Cap 17 – Burnout e relações sociais no trabalho ...........................................................................299
Cap 18 – Atitudes no trabalho e Burnout ........................................................................................306
Cap 19 – Burnout e carga mental no trabalho ................................................................................311
Cap 20 - Importância social do trabalho..........................................................................................325
Cap 21 - Relações com o sindicato e saúde mental dos trabalhadores da educação ...................334
Cap 22 – Segurança nas escolas e Burnout dos professores........................................................349
Cap 23 – Infra-estrutura das escolas e Burnout nos professores...................................................364
Cap 24 - Gestão democrática nas escolas e Burnout nos professores..........................................376
Cap 25 - Remuneração, renda, poder de compra e sofrimento psíquico do educador..................382
Cap 26 - O Brasil, seus estados e o sofrimento psíquico dos professores ....................................403
Cap 28 - A si mesmo como trabalho...............................................................................................416
Cap 30 - O planeta como cenário. ..................................................................................................443
Referências bibliográficas ...............................................................................................................447
Anexos.............................................................................................................................................459
Como foi feita a pesquisa....................................................................................667
QUALIFICAÇÃO FORMAL DOS PROFESSORES DO ENSINO PÚBLICO ESTADUAL DO BRASIL467
íNDICE DE FIGURAS...........................................................................................678
APRESENTAÇÃO
Este livro é sobre o trabalho dos educadores.
Produzido em uma parceria entre a CNTE (confederação Nacional dos Trabalhadores em educação) e o LPT
(Laboratório de Psicologia do Trabalho – UnB).
Relata uma pesquisa sobre as condições de trabalho e saúde mental dos trabalhadores em educação do país:
professores, funcionários e especialistas em educação da rede pública estadual, algo em torno a 1.800.000
educadores.
Dois anos e meio de investigação, 52.000 sujeitos investigados em 1440 escolas espalhadas em todos os
estados do Brasil, financiada totalmente pelos 29 sindicatos reunidos na CNTE, com apoio da UNICEF e do CNPq.
O estudo, realizado pelo Laboratório de Psicologia do Trabalho da UnB, contou com uma equipe
interdisciplinar de 15 pesquisadores, quatro coordenadores regionais e algo em torno a 100 aplicadores treinados em
todo o país e responsáveis pela observação em loco de cada uma das 1440 escolas e pela aplicação coletiva de um
protocolo composto por 15 escalas de investigação sobre trabalho e relações sociais, 7 escalas clínicas, 1 de Burnout,
1 de alcoolismo além de dados objetivos sobre vida e trabalho.
Trata-se do primeiro estudo nacional, exaustivo e abrangente sobre saúde mental e trabalho de uma categoria
profissional realizado no Brasil, e o mais extenso (quer pelo espectro de variáveis investigadas, quer pelo número de
sujeitos e organizações de trabalho envolvidos) que se tem notícia no mundo.
Esta pesquisa aplica uma metodologia e uma teoria que vem sendo desenvolvida desde 1979, em parte
publicada nos livros ‘Indivíduo Trabalho e Sofrimento’ e ‘Sofrimento Psíquico nas Organizações’.
Tudo isto foi feito com muito carinho.
Wanderley Codo
Prefácio
“Na floresta há sendas,
Muitos se perdem.
No cerrado da vegetação
De repente, desaparece a trilha
E acaba no Intransitado.
Cada senda caminha separada,
Na mesma floresta
Quando sempre parece
Uma igual a outra.
Mas, só parece assim.
Lenhadores e vigias da mata
Conhecem os caminhos.
Eles sabem
O que é
Estar numa senda perdida.”
(M. Heidegger, Sendas Perdidas)
Este livro forjou-se na trilha das lutas dos/as trabalhadores/as em educação pública básica do Brasil, exatamente no
momento grave de enfrentamento das reformas de molde neo-liberal implementadas e aceleradas na última meia
década. Reformas que alteram e reduzem substancialmente os conceitos de estado e de direito, que indicam a opção
pragmática pelo mercado como sendo única via de organização social, cultural e econômica consistente para a
contemporaneidade, e a extinção da temporalidade histórica que aponta o presente como único lugar do possível.
Caótico, bárbaro e inexpugnável.
É exatamente a afirmação da história, do conflito e da superação necessária de relações injustas para relações
humanizadas que fez a decisão da CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e de suas 29
entidades filiadas em todo o país e que pautou o convênio firmado com o Departamento de Psicologia do Trabalho da
Universidade de Brasília - encaminhar-se para a mais ambiciosa e cortante pesquisa já realizada nesse campo do
conhecimento de que se tem notícia. Envolveram-se centenas de lideranças sindicais, militantes, aplicadores/as e
pesquisadores/as motivados/as pela necessidade, pela novidade, pela urgência e pela inesgotável vontade de fazer do
conhecimento uma arma salutar para construir e ampliar a felicidade, combatendo o sofrimento e fortalecendo as
ações coletivas que dão sentido, gosto, cor, som, calor à tarefa social de educar pela via da escolarização.
O livro é resultado da conjugação entre a utopia socialista que parecia perdida e a angústia militante, frente ao
temporário sucesso dos predicados do fim da história e do paraíso da exploração capitalista. Com a profundidade da
investigação científica e a marca dolorosa do “horizonte perdido” e o permanente risco da de-sistência, a paixão é
revelada como motor da teimosa re-sistência de pessoas que, aos milhões, no Brasil, ousam fundir afeto e trabalho
pro-fessando e con-fessando a dor e a delícia de ser artífices do futuro, uma tarefa ancestral e sempre nova.
A magia dessa revelação, contudo, deveu-se a um percurso na “mata escura” que fez/faz cada educador/a reagir à
figura cada vez mais assustadora do “louco ou atroz, manso ou feroz, caçador de mim” (nas palavras de Milton
Nascimento).
A contradição da onipotência de um/a deus/a com a privação de um cachorro magro mede de maneira surpreendente
o conflito latente em toda a vida afetiva, social, familiar dessas pessoas en-quadradas numa categoria profissional.
A prazerosa experiência de ler o sofrimento psíquico, suas implicações na saúde mental e suas relações com a
organização do trabalho escolar está justamente na feliz constatação das razões que afirmam ainda mais a
necessidade e a utilidade dos nossos sindicatos, mesmo que intensificando a complexidade de suas ações e
ampliando (de modo conflitivo, sempre) a fundamentação dos planos de luta, das estratégias de enfrentamento, das
novas pautas que buscam incessantemente re-constituir a integralidade das muitas coisas que existem entre os
salários e a felicidade.
As abordagens sobre a temporalidade do trabalho escolar e a alienação descortinam aspectos específicos
indispensáveis para relativizar e relacionar a expropriação capitalista mal sucedida e mal entendida na escola pública.
O resgate da amorosidade, da cumplicidade, do carinho e da sedução como componentes intrínsecos do processo
ensino-aprendizagem ganha uma consistência extraordinária que premia, uma vez mais, a sabedoria de Paulo Freire e
inaugura outros pontos-de-vista importantes para nos aproximar da gênese do com-prometimento desses/as
trabalhadores/as, da lógica doméstica que permeia suas relações de trabalho, da permanente dúvida de vincular-se ou
não, das imposições de rupturas externas, às vezes violadoras e, quase sempre, promotoras de uma racionalização
que pende para um afastamento do mundo - provocando sofrimento, ou de uma transgressão dos rígidos controles
operacionais e burocráticos - exigindo cumplicidade.
O tensionamento permanente é nitidamente exigido por um processo de construção e des-construção de identidades,
especialmente ao observar-se com atenção as exigências crescentes por educação escolar do mundo atual e a
contrariedade da deterioração social trazidas pela globalização redutora de direitos e “oportunidades”. Por outro lado, a
pesquisa desvelou mudanças estruturais, mudanças de gênero (uma desfeminização), mudanças de organização e de
perfis e de funções no trabalho escolar (de educadores/as esquecidos/as, funcionários/as da escola) que emprestam
caracteres novos e olvidados na literatura científica existente sobre o fenômeno educativo .
O texto chega muitas vezes “ao Intransitado”. Especialmente pelo movimento sindical. Os requerimentos da carreira,
da estabilidade, da universalidade, da equidade parecem chocar-se com a despersonalização, com a negação da
alteridade, com a extinção da diferença e a desconsideração do mérito, do esforço, do empenho, da re-compensa, do
re-conhecimento. Ao mesmo tempo, o/a leitor/a percebe que “cada senda caminha separada, na mesma floresta” e o
conflito fundamental é um conflito de projeto: uma escola para que moral, para que ética? Que justificação para
tamanho investimento emocional, afetivo, cognitivo? Que resultado? Que aprendizagem? Com que valoração?
Há muita munição aqui para o questionamento das reformas propostas pelos sistemas de ensino oficiais,
especialmente pelas imposições curriculares e pelas modalidades de avaliação espelhadas nos programas de
qualidade total e na estandardização dos provões e das avaliações de desempenho. Um grande espaço para o
fortalecimento das históricas reivindicações - tidas como apenas corporativas - é criado com a nova consistência
emprestada pela investigação científica confirmadora das condições especiais de trabalho e de desgaste na atividade
educativa, tendo rebatimentos muito oportunos, também, no enfrentamento das chamadas reformas administrativa e
previdenciária contidas na agenda dos ajustes.
Um cotidiano desconcertante é aberto com cruas cenas que sublinham com muita simplicidade de que maneira a pior
organização de-tém, re-tém, man-tém, atrai o/a melhor trabalhador/a. E chama a atenção para escola “com pés de
barro” em que a profissionalização dos/as funcionários/as da escola, educadores/as esquecidos/as, é observada,
questionada, fundamentada e pro-posta segundo a visão da psicologia do trabalho, para além da visão sindical que
está-se maturando. A fragilidade e incipiência deste tema são fortemente denunciadas pela precariedade de
instrumentos para validação da própria profissão, assim como pela emergência recente do tema no cenário da
discussão acadêmica. Por outro lado, mostra o cotidiano carente da gestão democrática, do projeto coletivo e
localizado nos interesses, aptidões e desejos de cada colégio - no sentido estrito e tradicional do termo - do projeto
político pedagógico, que não abra mão do poder público como provedor das condições materiais e estruturais
universais para o trabalho educativo realizador, criativo e integral e que não esmaga suas potencialidades
antecipadoras de um futuro feliz. Portanto, temas como financiamento, gestão, formação, carreira, salários,
estabilidade, avaliação, tempos e ambientes escolares ganham cores luminosas com a força de argumentos tão
evidentes.
Grande parte do livro é dedicada exatamente à emergência da nova consideração sobre trabalho e emprego diante da
modernidade técnica e da sociedade globalizada: o burnout. A certa altura definido como “o nome da dor de um
profissional encalacrado entre o que pode fazer e o que efetivamente consegue fazer, entre o céu de possibilidades e
o inferno dos limite estruturais, entre a vitória e a frustração”. Ou, ainda, “é a síndrome de um trabalho que voltou a ser
trabalho, mas que ainda não deixou de ser mercadoria. As dores do burnout são as dores de um filho que sempre
existiu, a força mágica de um trabalho que se afetiva, que se afeiçoa, que se parece com a vida, que espanta e pasma
como um parto, que doe, como um parto”.
É aí que, como “lenhadores e vigias da mata”, o/a profissional apaixonado/a é in-vocado/a. “Eles sabem o que é” ser
educador/a, deus/a potente e submetido/a, empreendedor/as que aposta num futuro melhor, senhor/a do próprio
trabalho. “Eles sabem o que é Estar numa senda perdida” com trabalho árduo, esmero, envolvimento promotor de uma
hiper-agitação física e mental, numa impulsividade grávida do risco e da vontade de construir o futuro. Do pânico que
exige constante estado de atenção e de vigilância, mas, ao mesmo tempo exibe uma inequívoca nostalgia sobre a
própria identidade. Mas uma nostalgia que poderia ser inferida como uma “saudade do futuro”.
Os segredos da paixão teimam em esconder-se, impondo as trilhas que transitam por três eixos de tensões: entre
afeto e razão, nas relações sociais e no controle sobre o meio. As três origens do burnout.
O novo emprego em expansão é típico do setor de serviços. No âmbito público, vinculado às áreas de educação e
saúde, principalmente, refundindo carinho e trabalho, e tendo o Outro como produto.
A cada leitor/a, à competente equipe envolvida na pesquisa, aos/às militantes, às lideranças sindicais, ao
estado/patrão - por mais questionamentos e inquietações que tragam, por mais incorformidade ou desconforto, por
mais desconcertante que pareçam as conclusões - uma certeza se con-firma:
“se muito vale o já feito,
mais vale o que será”!
Prof. Carlos Augusto Abicalil
Retrato de uma pesquisa nacional
Como descrever as aventuras e desventuras de se realizar uma pesquisa nacional, sem precisar de um outro livro?
Que pelo menos se tente disponibilizar uma pálida idéia. O texto abaixo é um excerto de um dos diários de campo que
recebemos.
PESQUISA AMAPÁ
DIÁRIO DE CAMPO
RELATÓRIO DE LARANJAL DO JARI
29/04/1997
Saímos de Macapá, em direção a Laranjal do Jari, às 05:50 horas. Em uma Kombi, fomos eu, o Aildo, a
Lenamaria, o Nazir e a Rosiane, respectivamente a coordenadora técnica da pesquisa, o coordenador político e
representante do Sindicato (SINPEPEAP), e os auxiliares de pesquisa (respectivamente uma psicóloga, um psicólogo
e uma professora), e mais o motorista, o Júnior.
Depois de viajarmos 5 horas por uma estrada de piçarra, passando sobre várias pontes de madeira (na volta
para Macapá eu contei as pontes entre Laranjal do Jari e Macapá, são 25 no total), enfrentando caminhos, em sua
maior parte, ladeados por abismos e parcialmente destruídos pela erosão dos rios (havia um trecho em que quase
metade da pista estava “comida” pela erosão, outros em que haviam sulcos profundos e intermináveis, alguns bem
largos), veredas cercadas por florestas de ambos os lados, nos defrontamos com uma ponte totalmente coberta pela
cheia do Rio Cajari (em um dos braços deste). Foram momentos de muita apreensão, pois estávamos impedidos de
atravessar até que o rio baixasse e a aplicação do protocolo estava marcada para as 16 horas. Sabíamos que, em
condições normais, a viagem durava no mínimo 7 horas. Na estrada só haviam dois trechos habitados, um era esse,
denominado de “Água Branca”, o outro, já havíamos passado por ele. Um dos trabalhadores da madeira nos advertiu
de que há 6 anos as águas do rio não subiam daquela maneira (na noite anterior havia caído uma chuva torrencial),
mas que quando isso acontecia levava uns 2 dias para baixar e mais, quando demonstramos nossa intenção de
atravessar em um barquinho (montaria) de um dos moradores da região, o trabalhador nos avisou de que, mais
adiante, haveria um outro rio, mais estreito que este, porém nas mesmas condições. Todavia, voltar para Macapá após
ter percorrido mais da metade do caminho... nem cogitávamos isso! Além do mais, “trabalhadores da educação” de 5
escolas nos esperavam em Laranjal do Jari às 16 horas. A preocupação em cumprir com o compromisso era maior
que tudo. Depois de algum tempo (uma hora) decidimos atravessar na “montaria”, fechar a Kombi para pegá-la
posteriormente e tentar encontrar outro carro do lado de lá. Atravessamos aos poucos (de 2 em 2), pois a “montaria”
não aguentava muito peso. Quando todos atravessaram já eram 12:15 horas.
Algum tempo depois de termos atravessado começaram a chegar vários carros (ônibus, Kombis, e outros)
vindos de Laranjal do Jari, o que significava que a ponte do outro rio, ao qual se referira o trabalhador, já estava dando
passagem. Assim, começamos a ter esperanças de poder chegar a tempo de realizar a pesquisa. O Aildo tentou
negociar com alguns motoristas para que nos levassem a Laranjal, até que conseguimos um Gol, cujo motorista ia
levar a família para Macapá mas depois iria voltar mesmo para Laranjal. Então acertamos que o nosso motorista (quer
dizer, o motorista da Kombi do Sindicato) levaria a família dele para Macapá e ele nos levaria para Laranjal do Jari.
Como no Gol não havia lugar para todos nós, a Lena foi em uma Kombi, que ainda lhe cobrou R$ 5,00.
Saímos de “Água Branca” para Laranjal do Jari às 13:50 horas. A partir daí é que a viagem, já caracterizada
como uma aventura, se transformou em uma aventura tragicômica, mais trágica que cômica. Pelo menos a estrada
que percorremos até o “ramal do Cajari”, apesar dos perigos, tinha uma paisagem bonita. Havia muitas serras cobertas
de verde, árvores, rios, uma paisagem natural de grande beleza amazônica. Mas o trecho que tivemos que percorrer
depois, era digno de uma filmagem, para que outros pudessem ter alguma noção do quanto custa fazer pesquisa no
interior do Norte do país, mormente na Amazônia. A estrada, se é que se pode chamar assim, era um caminho
estreito, cercado por floresta densa de ambos os lados, entrecortado por muitos rios em processo de formação, sendo
que, em sua maior parte, encontrava-se coberto por lama e barro. Por várias vezes descemos do carro para que este
pudesse passar pela lama sem atolar, e tivemos que enrolar as calças e meter os pés na lama. Em uma das vezes
caminhamos cerca de 300 metros até poder pegar o carro novamente. Quando chegamos a Laranjal do Jari eram
16:20 horas. Estávamos exaustos. Havíamos passado o dia praticamente sem comer. Os pãezinhos e a garrafa
térmica com café que levamos, acabaram-se rapidamente. À beira da estrada não havia quase nada comestível para
se comprar, só muita natureza e um ou outro casebre próximo aos rios. Nas duas únicas “vilas” por onde passamos,
em uma delas havia uma mercearia (o “Rei da Selva”, com a pintura de um Leão), na outra, a “Água Branca”, um
espécie de “restaurante”.
Assim que chegamos, o Aildo saltou logo na escola para segurar o pessoal, afinal estávamos atrasados quase
meia hora. Eu e os outros fomos para o hotel, apenas para tirar a lama dos pés e, em seguida, nos dirigimos para a
escola, onde cerca de 200 pessoas nos aguardavam.
Não foi nada fácil explicar as instruções para o preenchimento do protocolo a tanta gente de uma só vez. O
nosso estado físico e psicológico nem precisa comentar, mas tudo bem! Conseguimos nos equilibrar direitinho, o
senso de responsabilidade era maior do que todas as adversidades que enfrentamos. Muitas pessoas estavam de pé.
Não havia carteiras para todos no salão onde estavam reunidas. Após a explicação, distribuímos as pessoas por mais
duas salas. Eu fiquei no salão, nas outras duas salas ficaram o Nazir e a Lena. O Aildo e a Rose ficaram no salão
onde eu estava, prestando ajuda individualizada a algumas pessoas que tinham dificuldade para ler ou para ver.
..........
Quando conseguimos sair da escola já eram 21:00 horas. Perdemos muitos lápis e borrachas nesse dia, pois
nas condições já descritas, foi difícil fazer um controle rigoroso do material.
30/04/1997
Nesse dia realizamos as visitas e entrevistas nas 5 escolas sorteadas de Laranjal do Jari. Eu, Lena e Rose
fizemos uma escola cada, o Nazir fêz duas escolas...........
A escola que visitei chama-se Presidente Médici. É uma palafita às margens do Rio Jari. Situa-se em um bairro
denominado “Malvinas” (de mal), segundo a diretora, uma referência às maldades anteriormente praticadas naquela
área (assassinatos com requintes de crueldade). O acesso se faz através de uma enorme ponte de madeira. O
caminho até a escola, localizada quase no final da ponte, é impressionante. De um lado e outro da ponte se vê de
tudo, farmácia, loja de roupas, loja de sapatos, armazéns, mercearias, açougue, bares, bancas de verdureiros, vendas
de comida pronta, ... havia meninas passeando em uma pequena canoa pela várzea.
........
Ao chegar à escola, uma palafita bonitinha, toda pintada, bem cuidada... emocionei-me quando vi cartazes feitos com
tanto capricho na parede das salas de aula. Perguntei-me como alguém que trabalha em condições tão precárias, que
luta com tanta dificuldade, ainda consegue amar seu trabalho, fazê-lo com tanto gosto? Só sendo muito humano
mesmo, no pleno sentido desta palavra. Sinal de saúde mental! É incrível como as pessoas conseguem driblar as
dificuldades e se manterem psiquicamente íntegras. Um cartaz na parede da secretaria ilustra bem um desses
mecanismos de defesa, um desses artifícios para driblar condições tão adversas e se conservar humano, saudável
psicologicamente (só não sei até quando): “Conseguir o que se deseja é triunfo, desejar só aquilo que se tem é
felicidade”.
Hilma Khoury
Coordenadora Regional/norte
PARA COMEÇAR QUEREMOS CONTAR-LHE ALGUMAS
(ES)HISTÓRIAS...
Cena 1.
Parece uma árvore de natal, embaixo do braço papel branco enrolado em um tubo maior do que pode
carregar, um saco de plástico branco com tesoura sem ponta, réguas grandes, giz de cera, a outra mão equilibra com
dificuldade montes de revistas velhas, a cara de um velho presidente parece debochar na capa de uma delas, pelo
caminho a pilha que equilibra ameaça despencar, quase que ele/a perde o equilíbrio junto com os penduricalhos que
carrega, ajeita os braços como se quisesse que fosse maiores, arqueia as costas para aumentar sua capacidade de
abraçar tudo aquilo. Faz calor, cuida para que as gotas de suor não estraguem o papel laminado que carrega sabe-se
lá com que mão.
Entra esbaforido/a na sala, mal consegue disfarçar o alívio ao despejar aquele monte de coisas na mesa. A
garotada já está lá.
- Oba! Fessor (a)! Vai ter desenhinho?
Um garoto mais afoito abre o saco plástico, ele/a segura as mãos com um misto de mau humor e alguma
irritação: - “ainda não, Fernandinho.”
Se recompõe da odisséia que representou a carga daquele monte de quinquilharias até ali. Bate as mãos uma
na outra, fala com a voz alta, o mais que consegue, o tom pausado, como se estivesse em um comício de surdos.
- A-m-a-n-h-ã, que dia é?
Dois ou três garotos correm, um atrás do outro, parece que algum deles tirou algo da lancheira do outro,
alguns outros olham com interesse os penduricalhos que trouxe, interesse forte o suficiente para não ouvir o que ele/a
diz, uma menina, maiorzinha um pouco, olha encantada para um pequeno espelho que tem à sua frente. Outros,
muitos simplesmente, conversam, sobre tudo, todos ao mesmo tempo. De onde esta molecada arranja tanto assunto?
Repete a pergunta: Uma, duas, três vezes: “Amanhã, que dia é?” A cada vez entremeada com uma bronca:
“João tire a mão daí”; “Maria, deixe o Fernando em paz.” Enfim a garotada, como que em um passe de mágica, resolve
responder todos ao mesmo tempo.
- Dia 12, Fessor(a) !?! (a fala vem meio resposta, meio pergunta)
- Domingo !!!
Ouve com atenção cada resposta, espera ansioso(a) a resposta que quer ouvir.
Alguém grita: Dia das mães.
Enfim, estava prestes a desistir.
- Isso: Dia das mães - e emenda rápido, aos berros, antes que a bagunça recomece - nós vamos fazer um
presente para a mamãe.
Um tempo longo e indefinido para montar um arremedo de grupos de trabalho, João quer ficar no grupo de
Maria que não o quer por perto, etc., etc., etc....
Distribui o material, uns querem o papel laminado vermelho, outros disputam a tapa um determinado lápis de
cor. Uma garotinha ameaça chorar, não tem mãe, é preciso socorrê-la: quem sabe lembrar da vovó? Deu certo, a
menina limpa os olhos e começa a trabalhar.
Um vidro de cola se espalha sobre uma das mesas, atinge a calça de um menino, se espalha pelo chão,
empapuça os papéis que deveriam ser a matéria prima, correria, tenta limpar o estrago, alguns alunos o/a auxiliam,
outros se divertem em ver os pés grudando no chão e iniciam uma espécie de dança sobre a sujeira.
Um garoto faz bolinhas de papel laminado e atira disfarçadamente na mesa em frente, um outro desenha uma
bola de futebol e uma camisa com as cores do Flamengo.” - Fulano...sua mãe gosta de futebol?”; “- Não, Fessor (a).”;
“- O que você está fazendo? Não é um presente para ela?” .... O garoto parece ter ficado envergonhado, rasga tudo,
joga no chão pede outro pedaço de papel branco.
Se divide em mil:
aqui um elogio ao trabalho feito,
ali acudindo alguém com dificuldade de manipular a tesoura,
acolá improvisando a falta de papel vermelho que acabou,
aqui alguém chora porque foi agredido com um rolo de papel,
ali alguém insiste em mostrar o trabalho, os olhos brilhando em busca de um elogio,
acolá alguém desiste, dizendo que não sabe fazer uma rosa,
etc., etc. etc., etc., etc., etc.,
Parece que se passou um ano, cada criança carrega, alguns com orgulho, outros com desdém, algo para
casa. O sinal toca, respira aliviada, o cansaço transpira pelo olhar desanimado. Uma certa alegria percorre o espírito
ao lembrar da casinha que a pequerrucha fez com tanto carinho, uma certa raiva pelo desprezo ensaiado com que um
outro aluno tentou esconder seu fracasso. Recolhe o que restou da batalha campal, vai se retirando depressa para
casa.
Um funcionário grita por ele(a), torna a cabeça preocupada.....
- Professor(a), o(a) senhor(a) não assinou o ponto.
- Amanhã eu assino, João, amanhã eu assino. - a voz traz impaciência, raiva, quase uma agressão.
- Oh, pensa que só porque é professora tem o rei na barriga?
Finge que não ouve, apressa o passo.
Há que tomar um lanche, fumar um cigarro, daqui a pouco outra aula, outra turma: Domingo, é dia das mães.
Cena 2.
Ela faz um curso de especialização em didática aplicada à matemática, ele faz pós graduação em História, os
dois são professores para o terceiro ano colegial, casa alugada, periferia de São Paulo.
Chega em casa cansada, mais tarde que o habitual, o ônibus quebrou no caminho, alguns passageiros
começaram a vociferar contra o motorista, a empresa, a cidade, o prefeito, o governo federal, o mundo, contra Deus;
armou-se um bafafá, o motorista praguejava, o outro ônibus já chegou lotado, entraram pela porta de saída, não
caberiam todos, mas todos entraram, se acotovelando, ela tratava de proteger seus livros de um sovaco que se erguia
incólume à sua frente. Quase não conseguiu descer no seu ponto, e se conseguiu foi às custas de pisar no pé de uma
velhinha à sua frente, mal teve animo de balbuciar um pedido de desculpas, e sequer a velhinha ouviu.
No caminho o vizinho de cima passou cavalgando um carro novo, fez questão de parar, mostrar a conquista,
orgulhoso, falava de uma comissão recebida por ter conseguido vender um lote grande de salsichas para um
supermercado do bairro. Porque ela sentia no orgulho pueril do vizinho um certo ar de sarcasmo? Cortou a descrição
das aventuras com as salsichas pela metade, grunhiu uma desculpa qualquer.
Ao chegar em casa o companheiro a esperava entusiasmado com a descoberta de um livro sobre o Brasil
colonial, ela interrompeu o relato dele para perguntar se havia pago a conta de luz. Não, esqueceu. Os dois a fazer
contas, será que vão cortar?
O tempo curto e já carcomido pelos acidentes de percurso, preparar algo para comer, estudar para a prova a
que se submeteriam como alunos, preparar as aulas que teriam que ministrar como professores. A luz se apaga,
cortaram? Não a dos vizinhos também apagou, onde andam as velas, como estudar?
O telefone toca, sua mãe reclamando de uma dor nas costas que sobe até o ombro esquerdo, o consolo quase
ensaiado, a receita de um analgésico inócuo, apenas um pouco de atenção e a dor da velha já melhorou, uma bronca
pela falta de visitas.
Os juros aumentaram porque algo aconteceu com o presidente da Rússia, ou será por causa das peripécias do
presidente dos EUA, ou será porque o Brasil não é mesmo um país confiável, só se sabe que os planos daquele
carrinho de “segunda mão” vão ter que ser adiados outra vez. O colega do colégio entrou com uma ação contra o
estado devido a um erro de cálculo no salário de dez anos atrás, será que vale a pena?
Amanhã é dia da faxineira semanal, quem tem os trocados para deixar para a moça, pagamento mais a
condução? Não, falta dinheiro, a condução aumentou; amanhã, quem vai pagar a luz, uma disputa acirrada entre duas
agendas, nenhum dos dois terá tempo, um sorteio, ela perde, resmunga ao imaginar a fila enorme do banco.
Como estudar? A luz tardou a voltar, o cansaço parece querer pregar os olhos, enche-los de areia, as palavras
parecem dançar no livro à sua frente. Um café, o resultado da prova será catastrófico, há que pensar em uma forma de
improvisar com os seus alunos, quem sabe um estudo dirigido? Com café e tudo o sono vem, seria inútil resistir, a
roupa atirada a um canto, tomo banho amanhã cedo, decreta.
O companheiro a procura com as mãos quase tímidas, com um desejo desbotado, com o máximo de gentileza
que consegue amealhar ela o afasta, os olhos se cerram, bem que ela também queria, não há forças para o amor.
Manhã seguinte, correndo até o ponto de ônibus, livros pesando mais do que o normal nos ombros, ainda
mastiga um naco de pão. Um carro passa, respinga gotas de lama em seu vestido. Foi ele, foi o carro do vizinho que
passou célere, aquele da salsicha, lembra?
Cena 3
Mamãe convidou-nos para comer feijoada sábado. Reunião familiar, chegam os tios e primos da Bahia.
Fátima...anos sem vê-la, José, a última vez que nos reunimos eramos quase moleques. Mamãe caminha de um lado a
outro da sala, inquieta, cheia de expectativas. Pega na cortina da sala, arruma um almofadão de flores vermelhas,
tenta pontuar o que se necessita comprar para o evento. Dona Maria, a vizinha, se comprometeu a preparar a
sobremesa. Além disso, emprestará mais cadeiras. O gato mia alvoroçado, o cachorro entra correndo atrás de uma
mosca. Minha tia Lenita ingressa agitada, com seus gorduchos braços me abraça...com lágrimas nos olhos repete
para quem deseje ouvir: “amanhã será um dia maravilhoso de encontros familiares, lembranças, risos, lágrimas, etc.
etc.”
Entra e sai, mamãe me pede que de manhã compre isto, prepare o outro...enfim, organizou para mim o final de
semana.
O entusiasmo cresce e falar é cada vez mais difícil para mim...dizer que este final de semana estarei
preparando uma aula, para mim muito especial, sobre os 500 anos do Brasil. Milhares de idéias pululam na minha
cabeça. Trata-se de alunos do terceiro ano do segundo grau. Já decidi que vou para a biblioteca da Universidade. Eu
quero falar dos livros de Enrique Dussel...grande filósofo da libertação latino-americana.
Filhaaa....que acontece?....em que está pensando?....Nada, nada mamãe tudo bem...
Saio da casa de mamãe me sentindo contrariada...gosto dos primos, tios etc. claro gosto, também gosto de
doce de leite... mas...justo agora....justo agora estes bahianos decidem fazer festa familiar!!!. Chego em casa com
fome...uns livros emprestados sobre a Conquista me aguardam acima da mesa...examino a geladeira...observo os
livros...já!....pego umas folhas de alface, uns tomates meio velhos, presunto de data duvidosa, e maionese.....uhauu!!!
se não morro hoje, não morro nunca mais. Estudo...estudo...ah! já sei...vou explicar 1492...a civilização ocidental não
consegue ver o Outro diferente, nos olha narcisicamente, como num espelho, devemos ser sacrificados aos
imperativos do capitalismo (e fomos, e como), ah....civilização e barbarie. São 3 horas da manhã, decido ir para a
cama. Meu Deus!...amanhã chegam meus primos, tios....Durmo e amanhã eu decido, mas eu preciso primeiro estudar,
ler, ler, ler...só assim conseguirei preparar uma aula decente.
Sábado de manhã....soa o telefone de forma insistente, deve ser minha mãe... não atenderei...ela não
compreende...diz que sou louca, que por esse salário, que trabalho demais para nada...enfim...não quero mais ouvir.
Desligo o telefone e acabou.
Na biblioteca pesquiso, pesquiso...leio....em fim, o final de semana voou...juro que voou. Sem chamadas
telefônicas...parentes, amigos, etc. Domingo à noite, tenho tudo prontinho....
Saio de casa feliz...chego à escola, oi, tudo bem!?....oi tudo bem!??.
Preparo minhas transparências, Brasil 500 anos....Tenho aqui na minha bolsa o filme de Herzog “Aguirre e a
fúria dos deuses”...estou ansiosa...por favor (dirigindo-se a zeladora) me alcança a máquina de vídeo.... Vai e vem,
chega a máquina....penduro o título da aula : “O “Outro” diferente em 1492”. O filme servirá de porta de entrada para a
discussão que desejo realizar, partindo de olhares diferentes sobre os conquistadores. Aguirre é aquele
superhomem....aquele “ego conquistador”.
Bem...percebo os olhos úmidos e atentos dos meus alunos...alguns comentários rápidos entretanto ligam os
equipamentos e fazem os testes respectivos.
E aí?..tudo bem, tudo dando certo?....”olha, não faz contato...não sei se o desajuste está no equipamento de
vídeo ou diretamente na tomada...que são da “época das cavernas”...tira daqui, tira de lá...10, 15, 20 minutos. Os
alunos começam a brincar, um clima de dispersão se instala na aula...chega...por favor, silêncio. Ora, ninguém
consegue fazer funcionar os aparelhos, um funcionário toca aqui, chama a outro que toca lá, conversam entre eles,
discutem, fitam, colocam o dedo acima, abaixo...
Depois de meia hora de “luta” como os aparelhos, os funcionários dizem o que não desejo ouvir: senhora
professora...é melhor deixar a aula para outro dia, viu?....estes aparelhos tem que ser revisados, a tomada também
tem que ser revisada.
Ora...me sento na velha cadeira...coloco meus cotovelos sobre a mesa descascada, olho pela janela de vidros
quebrados....penso na minha mãe...como deve estar ofendida...penso nos meus tios e primos, nos meus
amigos....penso...penso no final de semana dedicado à preparação da aula...um misto de raiva e decepção se apodera
de mim ... os alunos me olham até parece que com pena...riem....olham e olham e olham ...e... Fessora!? E agora...o
que vamos fazer agora? ...Esta é a minha pergunta, meu filho, o que EU vou fazer agora....
Cena 4.
Fugindo da escola...
Saí da escola sentindo um aperto no peito, quase sufocado. Meu calhambeque com a pintura descascada
pelo sol tropical me esperava um pouco distante no estacionamento...ah...fusquinha breguinha (passando a mão
carinhosamente pelo teto do carro) ...mas... pior andar de ônibus.
Bom, oxalá que arranque...meu calhambeque “bip bip”...”na na na”; meu calhambeque “bip”...arranca sua
“porra”! Dando pulos como ”burro bravo” ... Consegui sair do estacionamento, apertei “fundo” o acelerador e 60 km/h,
ao todo.
Caindo na festa...
Me detive no barzinho do “Cafofo”, precisava me liberar, esquecer do trabalho...literalmente esquecer de que
tenho que trabalhar para viver. Entre tragos e tragos de cerveja fiz ali pertinho o joguinho da Supersena...”nove paus”
acumulados...vários números chegavam como mensagens a minha mente, me concentrei um segundo (sempre com
aquela ilusão de ter qualidades de “médium”, que do “além” alguém estivesse me ditando os números) .
Raimundinho e o velho Pacheco chegavam da “Colibri” em meia hora. Sexta à noite...noite de festa (Sábado
de arrependimento....Domingo familiar).
Na roda de amigos....que o Vasco, o Flamengo... risos cada vez mais empolgantes... conhecem a piada
de....?.
Onze da noite... garçom, traz um conhaque...é para o frio...conhaque, cerveja, música, piada, olhares
pecaminosos. Onze da noite... minha mulher deve estar “feito fera”. Segundo round da bebida...Tema. Não!!!! a
escola...o trabalho, não consigo falar nada, só dizer...não aguento...não aguento....
Sábado de arrependimento...
Sábado de manhã, os olhos semigrudados...estou morto, literalmente morto. Chiquinha me acaricia
timidamente a perna...fica assim, pertinho...O que você fez ontem a noite?...Fiquei com meus amigos
conversando...Ah...e conversaram sobre que?....Nada....Esse povo não conversa nada....Futebol, piadas....Se não
conversam nada...porque chegaste tão tarde?....Sábado de manhã...Chiquinha fica carinhosa, mais eu estou
morto...não respondo...O que você fez ontem a noite?!!...Começo de briga...Graças a Deus decide sair.
Fico só na cama...Sábado e domingo pela frente. Uma barata enorme corre pelo quarto, se detêm, fica
quietinha. Poderia pegar meu tênis velho e esmaga-la contra o chão...não tenho ânimo.
A metamorfose ...
O final de semana foi um fiasco. Bem que eu tinha esperanças de que acontecesse alguma coisa diferente na
minha vida. Mas desde sexta-feira à noite, depois daquela bebedeira imbecil de cerveja quente num bar periférico,
comecei a sentir o sábado quase como se fosse um ameaça. Lembro-me...tinha medo das horas longínquas, do
turbilhão de meu pensamento, ora... de que voltasse como uma febre a pergunta de sempre: que posso fazer, não
aguento mais aquela escola, aqueles alunos, aquelas aulas.
Meu cachorro ficou doido correndo atrás de uma barata grande como folha de plátano. A última vez que vi uma
barata nesta casa me precipitei sobre ela com um tênis na mão e acertei-lhe um golpe “mortal”, tão mortal que um
dedo de minha mão deslocou-se dolorosamente. Olho como ela passa, corre, respira, mexe as antenas, fica como a
barata da “A Metamorfose”, de Kafka, batendo as pernas barriga acima. Puxa vida, fechado nesta cama.
Como em ‘A Metamorfose”, de Kafka....me imagino convertido em uma barata...esperneando na cama. Preciso
preparar as aulas da próxima semana...preparar....mas...para que?. Me lembro como era...eu me matava...perante o
espelho...gesticulando, “representando” minhas aulas...as escrevia...lia uma vez...mais uma...pedia materiais para uma
amiga... ficava feliz fazendo, pensando nos rostos de meus alunos, nos olhos.. Mas...já sei...vou procurar umas aulas
de três anos atrás...tanto faz (por esse salário que me pagam..).Puxa...Chiquina foi embora...onde estarão esses
papéis velhos?.
Inferno de manhã...
(Nem bom dia)... ver...é você!...chega...chega. Começo a falar, sei que ninguém esta atento...mas continuo,
continuo, continuo, como trem de carga saindo da estação, continuo....Eles/elas olham com olhos de “eu não entendi
nada”. Decido dar uma parada, sinto a boca seca, uma certa urgência por fechar sobre este tema hoje mesmo, porque
já não aguento mais, o tema, os alunos, a escola. Aqui vem uma pergunta...do maior “puxa saco” da aula. Voz
esganiçada: “Professor...você esta indo muito rápido, poderia me explicar melhor....porque segundo você falou a aula
passada (e vai...)....entretanto...etc. etc.”.
Olho para ele com ódio, um sentimento de autoritarismo me faz presa fácil. Imagino uma barata me falando
com voz esganiçada (súbita maldade).Olho para ele do alto de minha investidura de professor e começo a falar como
se fosse um outro, como se minha língua tivesse vida própria. Ora, menininho...eu não estou indo muito rápido não...o
problema é que vocês não entendem nada...porque não tem habito de leitura...ora...os livros não mordem, se não
compreendem o que digo na sala de aula... peguem os livros, tá? Tá bom?. Vocês só pensam em imbecilidades...Não
consigo mais percebe-los na sua humanidade. Falo como louco em tom exaltado, sinto um calor subir pelas minhas
veias, o rosto um pouco quente, entre raiva e vergonha.
Na real, sinto até impossibilidade de parar e pensar para poder explicar melhor. Ler minha aula....como trem
saindo da estação, passando de um conceito a outro sem muito perceber, quase, quase, sem saber o que estou
dizendo. Os conceitos parecem que voam na minha cabeça. De repente o conteúdo, o que estou passando para meus
alunos, fica até incompreensível também para mim. Uma nuvem negra estaciona na minha cabeça. Não consigo
pensar. Volto do pesadelo instantâneo sentindo mais raiva ainda, estrelas de cores parecem sair de meus olhos,
chega! Chega!. Os alunos me fitam, a boca seca, o peito apertado...A aula acabou!!. Uma expressão se instala na
minha cabeça, faz eco estou exausto!...Exausto!
Fim de cena ...
Meu calhambeque, “bip”...”bip”...., 60 Km/h, ao todo. Sou uma barata....uma barata (me desculpem as
baratas)....que estou fazendo?...Estou oferecendo umas aulas de m...., nada me interessa, os alunos, as aulas, a
escola....Puxa, não pode ser...eu sou professor, mas...não me comporto como um professor...Afinal? Eu sou mesmo
um professor???
Cena 5
Muros pichados, um som ritmado e monótono, mistura de lamento e marcha, acompanha o surgimento das
imagens perante meus olhos. Sujeira, miséria urbana...homem e cachorro comendo, não muito amistosamente, do
mesmo lixo. Um céu claro contrasta com o cinza da fumaça que expele o coração da civilização. É fácil identifica-los,
tranças coloridas, piercings, cabelos verdes, jeans, camisetas, bamboleando-se produzem seu próprio espetáculo
narcísico, olham uns a outros buscando-se a si mesmos, como num labirinto de espelhos.
Um ônibus meio velho atravessa a rua ruidosamente, se detêm e eles sobem. Logo descem na escola da
periferia urbana. O sol da manhã estampa claros e sombras nos muros cinzentos da escola. Música, corpos que se
erotizam em contato com o ar, beijos prolongados são exibidos orgulhosamente, as mãos desenham os contornos
corporais, tribais, ingressam no prédio para assistir ao primeiro dia de aula...são jovens frequentando uma escola de
segundo grau.
Na sala de aula a turma se reúne em volta, cantam, criam ritmo em cima das cadeiras e carteiras. No meio
daquele tumulto surge “angelical”, a professora. Agita os braços como um marinheiro num naufrágio, seus lábios
modulam, seus olhos brilham. Por um segundo ela tem medo. Fica vermelha. Naquela gritaria é percebida. Alvo de
agressões e “frases sujas”, olhos lúbricos a espetam. A situação não se sustenta, literalmente foge da sala.
Em solidão rememora o episódio. A vontade de continuar acaba se impondo sobre a vontade de desistir.
Debruça-se sobre livros “Disciplina e Autoridade”, relatos de experiências in loco de outros professores. Está decidida
a conquistar o território: usa roupas mais esportivas, jeans, blusa, botas...espera os alunos sentada quase
masculinamente, botas encima da escrivaninha.
Impossível desenvolver o currículo oficial. Forma parte do “currículo oculto” da escola todos os esforços feitos
pela professora para estabelecer um padrão mínimo de comunicação com os alunos, para tender o elo da ponte de
dupla mão que permitirá veicular o afeto e a emoção necessárias para poder ensinar e que os outros aprendam. O
currículo oculto exige tal tipo de “proezas” da professora, que acaba sendo questionada pelo diretor da escola e
pressionada para que respeite o currículo. Obediente quer uma xerox do mesmo...não há papel na escola, não há
lápis, etc..
Ridícula até, faz tudo e mais para conquistar sua turma, para se fazer ouvir. O acordo que permite o
deslanchar de sua atividade de trabalho não está dando certo, necessita ser construído. Trata-se de um passo prévio,
se ele fracassa, não há como avançar. Mas...se os alunos estão na escola é porque desejam estudar. Não
necessariamente, “ora, estamos aqui porque não temos escolha, precisamos de um diploma”. A escola é apenas
instrumento, a disposição para aprender só pode ver-se ressentida. Lutas diversas se sucedem na realidade do
trabalho na escola, a gestão dessa realidade por parte do professor produz um “currículo oculto”, diferente e muitas
vezes contraposto ao oficial. Marchas e contramarchas, lutas cotidianas na sala de aula, com o diretor para levar
adiante suas idéias.
Num recreio uma violenta briga chama a atenção da professora. Se acerca, corre a separá-los, são três de
seus alunos. Utiliza a estratégia de construir pontes de lealdade avisando: “ora, eu não falarei para que não sejam
suspensos, mais prometam que a briga acabou aqui”. Acabou nada. Na saída da escola a confusão se agiganta,
policiais, gritaria, seus alunos são levados na rádio patrulha. Afobada, chega antes do carro disparar...”Vocês
prometeram...”, um dos rapazes responde: “e você não entende nada, tínhamos que fazer, senão não poderíamos
mais andar de cabeça erguida pela vizinhança, temos uma reputação a zelar, na nossa vizinhança se não se defende
todos atacam”.
Sai da escola e se dirige a um bairro da periferia em procura da família dos alunos briguentos. Fala para pai e
mãe que embora seu filho foi suspenso da escola (o que pode se perceber que envergonha á família), ele não fez
nada errado. Essa punição foi para “esfriar os ânimos” de todos. Aponta a reforçar a auto - estima do aluno e da
família: “seu filho é inteligente, vocês tem que sentir orgulho dele”. Nesse peregrinar literalmente pela casa dos alunos
ela enfrenta também a hostilidade das famílias. Acaba sendo vista como uma intrometida, alguém que não
compreende que pobre não necessita estudar, pobre tem é que pagar as contas. Cada dia pode observar na sala de
aula lugares vazios dos alunos. A ausência dos rapazes a interpela...está perdendo seus alunos, está perdendo essa
espécie de guerra que a princípio de ano decidiu travar.
Um rapaz é morto num “encontro” entre traficantes, ela tentou ajudar, mas não conseguiu, arriscou até sua
vida permitindo que o jovem buscado por traficantes se refugiasse na sua casa. O rapaz saiu cedo pela manhã e se
dirigiu à escola, o diretor o mandou embora e os traficantes o pegaram a uns quarteirões da escola.
A vontade de vencer começa dar lugar à vontade de desistir...tristeza, desânimo, desinteresse pelos alunos. O
último diálogo: “porque você fica?”, o colega responde: “porque eu sou louco”. Os alunos pedem para ela ficar:
“professora, você não pode ir fácil, desistir, você tem que lutar contra a morte da luz, foi você que nos ensinou isso”1
.
Cena 6
Prometeu Acorrentado...
Muros obscuros e agrietados por onde se colam atrevidamente folhas pequenas e verdes de uma planta
desconhecida. Mãos tremulas acariciam as cinzas paredes, passos pequenos e inseguros, quase claudicantes; o olhar
da anciã navega no tempestuoso mar das lembranças. O cabelo branco se arremolina no céu, das orelhas pendem os
brincos cansados como dois frutos velhos. As costas curvadas, cansadas. Quase uma relíquia da vida. Professora
aposentada procurando-se na geografia do passado, mirando-se nos espelhos do tempo. Um jornal se desliza entre
suas mãos, fica lá, roçando o solo, um gato preto espreita a data: segunda feira, 07/05/2030.
As lembranças tremem... a escola, retalhos da biografia. Algas marinhas se deslizam pelos olhos sulcados
pelo tempo, resvalam até os sapatos brancos de pó para ser tragadas impiedosamente pela terra. Voyeurismo de
velho, fitando pelas rachaduras, pelos improvisados buracos vitimados pelo tempo, latem nas vísceras os cães da
saudade. Nos seus ouvidos se agitam vozes difusas, sons guturais ou descontínuos, entrecortados, gargalhadas.
Sons do presente misturando-se com os do passado. Ela faz um sinal com a mão...
- Ei, você...vamos, entremos...
Nos refugiamos no corredor perante uma porta envelhecida, ela espiona pelo olho sensual da fechadura
secando a testa intermitentemente com um lenço bordado e perfumado.
- Olhe, estamos reunidos na nossa antiga sala, lembra?
A voz cascada, melindrosa, torna-se cada vez mais suave e prazerosa.
- Sim... nossa sala, aquela do quadro de São Jorge matando ao dragão, lembra? a do painel com os trabalhos
artísticos dos alunos...
Olho indiscreto da fechadura desta velha e descascada porta de escola. A idosa me oferece um sorriso
descorado... Começa a falar como medindo as palavras
1
Realidade, ficção?. Trata-se de um discurso simples inspirado em “Mentes Perigosas” de John, N. Smith, 1995, um
filme absolutamente despretensioso.
- Você e eu, estamos aí, professores de história reunidos em volta de uma mesa ovalada. Vejo rostos jovens
e entusiastas, onde se reflete a luz que insiste em entrar por uma janela semi-aberta, rostos menos brilhantes e
cansados. Nos corpos, roupas formais e informais, estilos adquiridos feitos carne, estilos ainda mundanos, amores e
desamores estampados nos rostos, biografias mais ou menos curtas, mais ou menos iniciais, mais ou menos finais,
construídas a golpes de luz e trevas da história.
- Aí está Wanderley .. gordinho e baixinho...Objetivo da reunião: “discutir o ensino da historia.”. A
imagem/mensagem é clara, veja bem, em 1998 éramos gerações diferentes de professores e professoras convivendo
no espaço da escola. Nossas mãos mais ou menos lisas anunciavam a diversidade das experiências vividas.
Sábia, vivida, fitando aqui e lá a bela e antiga senhora constroe um relato tecido misteriosamente com
relâmpagos de rememoração interpelados pelo presente. Fecho os olhos e ficou ouvindo, me deixando transportar.
- Uma frase mil vezes repetida, mais que desorienta como um eco numa caverna: é necessário estimular o
senso crítico dos alunos, resgatar a importância do olhar inconformado com as aparências do real, há que ser crítico,
custe o que custar. Torrentes de material biográfico se faz presente de forma mais ou menos explícita. Biografia e
história, entrelaçadas como as mão tremulas e úmidas dos amantes.
Ao redor da mesa existe, pelo menos, um grande choque e outros pequenos, às vezes sutis. O de sempre, os
da geração dos 60 e 70, e os outros. Mas, salta a vista a heterogeneidade presente ao interior da geração dos “mais
experientes”. Personagens distintos por fora e por dentro.
Alguns deles, sábios, comprometidos, de óculos e cabelos semi-brancos; vestidos semi-adolescentes,
outros...também de cabelos cinzas. Os primeiros deixam escapar que traçaram sua biográfica juventude na “época do
chumbo grosso”. Transmitem isso pelos gestos, os movimentos das mão, a forma sussurrante de falar.
Dá para sentir que agüentaram, resistiram, fugiram, para fora ou para dentro, vivendo nas catacumbas sociais
e interiores...Ah; eles tem a vivência histórica na pele do ocultamento da “voz dos vencidos”, dos traçados absurdos e
impositivos da história oficial.
Tem a experiência ou de “haver-se dado conta”, ou a humilhação de haver sido enganados. Esta última se
“oculta”, como trazer à tona uma auto-imagem tão vergonhosa... O professor de história hoje...mas naquela época não
era...ora, acreditou na história oficial, teve uma venda nos olhos, acreditou estar vivenciando “um milagre” econômico
na terra, no Brasil, Ah...Deus parecia ser Brasileiro. Mas disso se trata, de que ninguém mais seja enganado,
manipulado, feito bobo.
Entre os comprometidos e descomprometidos daquela geração surgem inéditos os contraculturais, os que
desejavam fazer uma revolução cultural, e olha que eles experimentaram, a revolução passava pela vida cotidiana,
sexo, drogas, música, metálica, pesada, de ultratumba. Estes também andaram pelos maus caminhos da vida,
infernizando a vida dos familiares, dos diretores de escola e dos professores, lembra...chegavam meios malucos à
escola...estes não tem futuro – muitos, de fato, não tiveram; muitos, de fato, tiveram.
Discutem acaloradamente que a história contada nas escolas deve levantar a voz dos vencidos, dos operários,
camponeses, mulheres, indígenas, negros, a voz do outro, trazer a tona a alteridade negada. Negada desde 1492.
O grupo dos professores mais jovens parece isolado, quase num outro mundo, olham, assentem com a
cabeça... aha...aha....Vivências diferentes...abertura democrática, euforia, festivo carnaval de carapintadas acreditando
que tiraram um presidente do cargo, apenas com gritaria, eles nem sabem como, mas fizeram.... os jovens, sem
torturas, cárceres, armas, mudaram, enfim, sem dramas, sem Marx, sem Engels; enfim, sem pais.
Também eles sabem que é necessário serem críticos, mas de um outro modo, sem dramatismo. Entre a utopia
socialista e a utopia democrática foram tecidas biografias, menos jovens, mais jovens, alguns sem utopia nenhuma.
Cotidianidades: casamento, filhos, divórcios, estudo, emprego, perdas, banhadas no mar da história, incompreensíveis
sem ela.
A senhora toma um descanso, parece emocionada e novamente preocupada, como quem desejasse voltar
pelo túnel do tempo. Ela está lá dentro, eu estou lá dentro, você está lá dentro. Ela sofre, quer intervir, dizer alguma
coisa que contribua a tirar os professores do impasse, dessa discussão circular.
“- Por favor, me alcança uma cadeira... veja, apesar dos entrelaçamentos históricos e biográficos diversos, das
múltiplas experiências, sabíamos que a reflexão, o pensamento crítico tem um papel na mudança social, no traçado
das melhores e mais delirantes utopias sociais, mais futuras ou menos futuras. Na discussão nossas biografias vieram
à tona, às vezes explicitamente, outras de forma dissimulada, outras inconscientemente. A rememoração de algumas
experiências pessoais ou de amigos ou familiares levou à manifestação meio tortuosa de emoções contidas.
- Enfim, naquela época pensávamos nos alunos um pouco a partir de nós mesmos, das necessidades da
sociedade; é assim que traçamos o seu perfil para o futuro. É certo, queríamos que aprendessem a pensar. Os
professores mais jovens se mostravam convencidos da importância desse objetivo, mas um pouco mais céticos que os
mais velhos, respeitando qual seria a resposta dos alunos perante um propósito que deixava muito longe suas
ansiedades pragmáticas de obter titulação para aceder ao ensino universitário, ou algum tipo de trabalho para
sobreviver, etc..”
Mas vamos lá, vamos ao nosso verdadeiro território...a indiscreta janela duma sala de aula.
- Se lembra?... Nos enfrentávamos generacionalmente com os alunos. Esse hiato podia ser maior ou menor,
dependendo da idade do professor. Lá está ele, Carlinhos, professor de 45 anos, estilo meio demodé. Tenta acercar-
se aos alunos utilizando um vocabulário “jovem”. Alguns alunos comentam cruelmente esses seus deslizes juvenis,
sua melancólica forma de querer chegar a um mundo que em parte lhe está vedado.
- Vamos para uma outra sala...ora, aqui o professor “fica na dele”, Raimundo, 50 anos, meio triste, solitário e
final, não se esforça nas expressões, fala apenas como um professor. Ufa...este coroa... chato, cruéis comentários se
deslizam; algumas facetas de sua vida privada se fazem públicas, seu íntimo em migalhas circula pela aula; ele sabe,
mas faz de conta que não sabe.
Como educadores éramos obrigados a entender o mundo do jovem, seus recursos na procura da afirmação
identitária, suas frustrações, medos, e seus valores “novos” que ameaçavam os nossos, produto de uma outra época.
Estávamos obrigados a tudo isso, sem o retorno de ser também compreendidos tendo às vezes que claudicar da
nossa história, princípios, ética. Sendo também mudados nos embates com os alunos, quase sempre a contragosto. A
própria sociedade se encarrega de alimentar um certo “racismo” de idades que alimenta o conflito, as distâncias, as
discriminações entre as gerações.
- Carlinhos, ...aula de hoje....A transição à democracia no Brasil....Trazer a história, quem não tem história não
tem futuro, tem apenas presente, isto vale para indivíduos e grupos, para a sociedade como um todo...primeiras
palavras do professor.
Os alunos conversam entre eles, jogam papeizinhos aos outros, passam bilhetes uns aos outros no meio de
risadinhas cúmplices e bobas. O professor fica um pouco vermelho....”estes “filhos da mãe” riem de mim...” A primeira
frase de impacto foi dita, mas não existe interesse nos olhos dos alunos (diz um cineasta que os humanos passamos
90% do dia pensando em sexo).
O mundo mudou (e como), estávamos educando para o 2030... Sabíamos disso? Achávamos os alunos
descompromisados com a realidade social, apenas interessados em si mesmos. A escola não sabia qual era seu
papel, não conseguia traduzir um projeto pedagógico, faltava um projeto nacional, a ênfase nos aspectos filosóficos da
educação: que tipo de homem e mulher a educação tem que produzir.
Na medida em que não existia projeto, a realidade irrompia com maior ou menor violência nas aulas, ocupando
o espaço deixado pelo abandono, através dos alunos, de suas exigências e interesses, ou de seus desinteresses
muitas vezes mais eloqüentes que suas efetivas demandas.
“- Carlinhos...quem não tem história não tem futuro...” Aluno: me interesso apenas pelo presente. Quem era
Mariguela?...que livro é esse...Nunca Mais?....há, há, há, ....Os militares, que fizeram os militares? O professor...quem
não tem história não tem futuro....mas, como lhes ensinávamos a ser críticos, queriam saber se isso seria útil para
sobreviver. Na nossa época ser crítico queria dizer ser engajado, politizado, de esquerda...na minha época se era
crítico. Eu nem lembro se alguém me ensinou, era a realidade, o cotidiano que exigia, a luta diária, em fim, o Che, a
utopia.
Epílogo....
Saímos da escola em silêncio, algumas nuvens no céu parecem anunciar chuva. Minha companheira olha
para o chão, meditando, mastigando a experiência
- Devíamos reconhecer que o mundo mudou de uma forma que questionava os valores tradicionalmente
sustentados, dos quais em maior ou menor medida éramos portadores. Os novos valores que surgiam da dinâmica do
sistema, de suas ferozes metamorfoses se contrapunham aos valores sustentados especialmente pelas gerações mais
antigas de professores: o individualismo, a competência desenfreada, o egoísmo, o ganho fácil e muitas vezes
desonesto, a falta de solidariedade, a visão da escola e da educação como instrumento apenas ou para se adequar às
cambiantes exigências do mundo do trabalho. Tínhamos dificuldades de olhar o futuro, como nos desfazer dos óculos
do passado? Sentíamos que em parte era como jogar fora retalhos da nossa querida e às vezes tortuosa biografia.
Bom, conseguimos formar alunos críticos? Na verdade sabíamos que devíamos chegar lá, mas como...e
especialmente, como saberíamos se o conseguimos ou não? Ah...nossa contribuição de educadores, difícil de ser
identificada, aparecendo e sumindo sempre como num jogo de sombras.
Cena 7
O despertador toca furioso. São 6:00 horas da manhã. Fulano de Tal (carinhosamente chamado por todos de
FT) sacode o restinho do sono que teima em manter suas pálpebras coladas uma na outra. Com gestos rápidos e
precisos veste a roupa que na madrugada anterior já havia deixado arrumadinha em cima da cadeira. No banheiro, faz
sua higiene matinal com gestos automáticos pois seu pensamento já está voltado para as tarefas do dia que mal ainda
começou. Primeiro, tomar aquele cafezinho para afastar os últimos fiapos de sono, chamar as crianças e ajudar o mais
novinho a calçar as meias, amarrar os sapatos. Tudo tem que ser feito rapidamente. O ônibus das sete já vai passar e
ele não pode perde-lo de jeito nenhum. O outro só passará daqui a 15 minutos ele gasta pelo menos 40 minutos até a
parada mais próxima do trabalho e ele nunca se perdoaria se chegasse atrasado. Na mão direita uma sacola cheia de
recortes de revistas, folhas soltas de papel chamex, rolo de fita crepe, alguns pincéis atômicos e uma escova de
cabelo, esquecida do dia anterior. Na outra um casaquinho leve, nesta época do ano costuma garoar um pouquinho e
sua voz tem que ser preservada, pois ela será sua varinha de condão durante todo o dia. Sem ela como se comunicar
com seus clientes? - e uma outra bolsa com mais papéis e alguns pertences pessoais.
E este ônibus que não chega!!! É preciso telefonar para o pediatra, pois o menino mais novo tossiu muito esta
noite.
Satisfeito FT olha o relógio e vê que ainda faltam 5 minutos. Há tempo suficiente para falar com seu colega
sobre aquela notícia lida de relance no jornal do passageiro que assentou ao seu lado no ônibus e dar um bom dia
para o vigia noturno que deixa o turno de trabalho.
Sua clientela já está a lhe esperar. Impacientes como sempre. Fulano de Tal com o mais simpático de todos os
sorrisos do mundo cumprimenta a todos e recebe um sonoro bom dia. Vai tirando incontável sortimento de material
das bolsas e ao pegar cada um deles vai relembrando o trabalho que teve no final do dia anterior. Primeiro vasculhar
todos os jornais e revistas velhos em busca de figuras ou pequenos textos que pudessem ser úteis ( veja como Leila
Diniz era bonita. Ah! Os Beatles. Não perdi um filmes deles..). Recortar as figuras, cortar os cartazes e colar (cadê o
tubo de cola?). Procurar nos livros e nas bibliografias mais informações sobre aquele assunto abordado e que deixou
algumas dúvidas entre seus alunos. Corrigir os trabalhos, afinal é preciso quebrar a ansiedade a respeito dos
resultados. Afinal o sucesso de cada um depende da sua avaliação. Os olhos estão ardendo (é preciso consultar um
oculista mas como? Se tempo não lhe sobra. Aos sábados só se for em emergência). Fulano de Tal passa a mão
sobre os olhos e nem pensa na possibilidade de parar e ir dormir. É preciso ler mais um pouco sobre os assuntos que
serão discutidos e algumas tarefas precisam ser repensadas. Na última reunião sentiu que havia necessidade de
motivar mais seus clientes, buscar outros artifícios que os mantivessem interessados e participativos. Há mais de 15
anos trabalha com pessoas e sempre se surpreende com as novidades que eles trazem, novidades que algumas
vezes até o deixam meio sem graça pois ainda não havia ouvido falar sobre este assunto. É preciso ficar sempre
atento aos novos processos psico-pedagógicos publicados no jornal da categoria. Por falar em categoria relembra que
é preciso comparecer à reunião do sindicato na próxima sexta-feira. Haverá votação e não se deve faltar. O cuco do
relógio avisa que faltam 15 minutos para a meia noite.
Hoje sua clientela está agitada mais do que o normal. Alguns até parecem estar com o pensamento no mundo
da lua.
É preciso fazer alguma coisa. Buscar no fundo da memória uma estratégia que gere o interesse de todos. É
preciso muita calma porque sua clientela é muito sensível e qualquer coisa serve como motivo para torná-los
intolerantes, impertinentes e até mal-educados. Como convencê-los de que os acontecimentos que irão se desenrolar
são deveras importante, principalmente para eles. É preciso muito tato. Respeito. Carinho. Isto não é problema para
Fulano de Tal. Carinho, amor, zelo, atenção não faltam no seu coração. Mas será que eles não percebem que são
muitos e não se pode atender a todos ao mesmo tempo? FT se esforça e com jeitinho vai levando a sua tarefa em
frente, mesmo que os ponteiro do relógio demorem uma eternidade para dar uma volta tão pequena e que o sinal
anunciando o intervalo para o almoço insista em permanecer mudo. Bem que poderiam ter lhe dado aquele espaço
que está vago no segundo andar. Lá é um pouco maior, as janelas ficam voltadas para o parque ( o visual é muito
mais bonito ), o sol não incomodaria tanto e não seria necessário tantas lâmpadas, mesmo porque as que existem
vivem queimando.
Nada é capaz de diminuir o ânimo de FT, a não ser quando as pessoas dizem que o seu trabalho não tem
importância. FT vira um bicho. Como não tem importância? Pela suas mãos, ou melhor, pelo seu ensinar já passaram
pessoas que modificaram a história da nação. Pessoas que foram capazes de se adiantarem a sua época e mudar o
modo de pensar de muitos. Lembra daquele que virou presidente da república? É verdade que depois tiveram que
"tacar" o impeachment nelle depois, mas isto é outra estória.
FT fica nervoso também quando percebe a desvalorização a qual sua profissão foi submetida. Escolher esta
profissão foi o maior sucesso na família. Todos vieram lhe cumprimentar pela escolha. Afinal somente uma pessoa
com tanta abnegação poderia ter feito tal escolha e naquela casa ninguém mais teria tantas condições para enfrentar
este desafio. Bem que poderia ter ido para o Banco do Brasil ou ter tentado dar o golpe do baú, mas não fazia mal,
naquela profissão também seria visto como um membro da elite, seu status social estava garantido, seria também um
formador de opinião (ainda bem que isto não lhe tiraram). Dinheiro não era seu principal objetivo, mas até isto haveria
suficiente para levar uma vida confortável. Afinal, como salário inicial iria ganhar o equivalente a 1500 reais por mês.
Nada mal para se começar. Quem sabe até poderia comprar um carro já no segundo ano de trabalho? Mais de 15
anos de dedicação exclusiva, FT ama tanto seu trabalho que nunca lhe passou pela cabeça buscar outra ocupação.
Para ele era inconcebível dividir seu amor pela profissão com qualquer outro tipo de trabalho. Para ele se não existisse
esta profissão ele iria inventá-la. É seu respirar, o pulsar de seu coração. Ela é sua vida. Mas as coisas mudaram. Seu
trabalho é constantemente elogiado pela sua clientela, pelos seus amigos e familiares e às vezes até pelo governo,
mas porque será que ele já não pode mais trocar seu fusca ano 84 e no ano passado não pôde sair de férias com a
sua família? FT não entende como pode alguém trabalhar por tanto tempo, ter feito mais de vinte cursos de carreira,
ter procurado se aperfeiçoar fazendo um curso de pós-graduação que lhe roubou milhares de horas de sono para hoje
receber menos de 850 reais por mês? Não entende também porque, se reconhecidamente importante por todos, o
governo investe tão pouco na melhoria das condições de trabalho da categoria. E ele nem está falando em melhoria de
seu salário.
A realidade é cruel. Os minutos se arrastam e o cansaço começa a alfinetar. Os pés latejam, mesmo estando
dentro de mocassins (meio velho é verdade) muito confortáveis, já são mais de três horas em pé. As veias das pernas
já começam a latejar e aquele cliente que está lá no cantinho mais afastado não consegue entender o conteúdo que
está sendo discutido. Será que está perdendo a capacidade de ensinar? Este é o pensamento que lhe vem a cabeça.
Uma espetada de dor percorre seu corpo só em pensar que dedicou toda sua vida para fazer com que pessoas
pudessem refletir melhor sobre o ambiente que nos cercam e destas reflexões buscarem alternativas que
transformassem a natureza, imprimindo nela toda individualidade de cada um e, agora, já não acredita estar sendo
capaz de realizar seus próprios sonhos, quanto mais os dos outros. Não entende também porque ultimamente vem
perdendo a paciência com seus clientes. Antes, bastava um lhe procurar para pedir um conselho, uma explicação que
fosse e toda a atenção era dedicada. Hoje pede aos céus que nos intervalos dos encontros ninguém venha lhe
perguntar nada, inclusive adoraria que aquele amigo que vive lhe contando piadas não viesse lhe perturbar. FT sente
como se fosse uma acha de lenha que vai queimando lentamente, soltando fagulhas pelo ar. Mas ele continua. Tal
como aqueles castelos do século XII, sacudidos pelas ondas do mar, abrasados pelos ventos, corroídos pela chuva
continuam como protetores de um torrão, como abrigo para os povos. Continua um símbolo, um ponto de comparação,
um ponto de apoio para sua clientela. Isto lhe dá forças para continuar. Ele continua.
Toca o sinal. Finalmente FT poderá descansar um pouco. Descansar? FT já esta correndo porque precisa
pegar seus filhos na escola, precisa passar no banco para tirar uns caraminguás que restam do salário para pagar o
corte de cabelo da filha mais velha e pegar a roupa que mandou tingir e que usará na festa de formatura do filho. Afinal
como FT, tendo a profissão que tem, pode ir a uma festa de seu filho sem usar uma roupa nova? FT só tem duas
horas para resolver todos os problemas de sua família, pois às 14 horas ele tem que estar de volta ao trabalho.
Um lanche rápido, um rápido beijo na companheira e este ônibus que não anda.
Como num teatro, onde trocam-se os coadjuvantes e o ator principal permanece, FT inicia mais um turno de
trabalho. Mas vejam. Surpreendente. FT está sorrindo. Parece que o dia está começando agora. Para onde foram
aquele cansaço, aquelas alfinetadas que davam vida a aquele calo de estimação? Não pode ser. Devem ter trocado
FT ou então deram a ele um injeção de vitalidade. Novos cartazes são tirados daquela bolsa que carregava pela
manhã e até, inconcebível, uma pequena maquete. Quando ela foi construída? (Só se foi no domingo passado durante
aquele churrasco no clube.) A clientela de FT lança olhares de profunda admiração, o silêncio marca o interesse
despertado e raios de curiosidade são projetados através de cada par de olhos da platéia. FT é aplaudido ao final de
sua exposição. Os ponteiros não andam, o sinal não toca, as veias dilatadas doem, mas para FT só existe um objetivo
- cumprir com sua missão. Cumprir com sua missão que na verdade não é sua mas da organização em que trabalha.
FT imbuiu-se de que trabalhar com aquela clientela é transcendente a sua vida, é algo onírico, é o seu realizar.
Finalmente o sinal toca. Mais um dia se foi. Foi?
FT ainda precisa confirmar aquele encontro de terça-feira quando irão discutir os novos métodos a serem
adotados com relação a clientela do próximo ano; precisa telefonar para o distribuidor de bebidas, pedindo para
mandar mais gelo e mais refrigerantes para a festa de encerramento dos trabalhos; precisa pedir ao seu chefe que
assine aquele oficio que será enviado ao Conselho pedindo mais verbas para comprar material de consumo, afinal FT
é também o secretário da associação que representa seus pares. Precisa andar rápido para pegar o ônibus. Em casa
precisa fazer o dever de casa com a filha mais nova que está tendo dificuldades em matemática, precisa escolher a
roupa que vai usar, precisa preparar o encontro do dia seguinte.
Um avião? Um super-homem? Um anjo? Não! FT é simplesmente um trabalhador dum país chamado Brasil.
Fantasia, irrealidade. Trabalhador como este acima descrito não existe. Quem em sã consciência deixaria de ir
ao oculista para dedicar-se ao trabalho? Quem seria tão maluco em continuar trabalhando onde, ao longo do tempo,
as condições de trabalho ficam cada vez piores? Não existe ninguém capaz de permanecer numa organização onde
seus ganhos salariais desvalorizem! Quem é “bobo” de perder horas de sono procurando gravuras para tornar suas
tarefas mais interessantes se as pessoas, quando muito, querem somente saber somar 2 mais 2? Não existe ninguém
que goste tanto de seu trabalho a ponto de não buscar outras atividades remuneradas a fim de complementar as suas
necessidades financeiras! Nada mais enganoso do que pensar que exista um trabalhador que faça das metas da
organização suas metas pessoais. Isto é conversa "prá boi dormir”! Quem quer saber qual foi o resultado do trabalho?
Quem está ligando se o trabalho é gratificante? Basta que paguem o salário no final do mês que qualquer um ficará
satisfeito! Quem se importa com seu cliente a ponto de ficar preocupado se está ou não está dando atenção especial a
cada um deles? É impossível existir um trabalhador tão perfeito assim.
Não existe?
Advertência (?)...Professores das escolas públicas estaduais....não, perdão (limpando a boca),...fessores e fessoras
das escolas públicas...A cada parágrafo nós não conseguíamos deslanchar o discurso, o livro estava ameaçado de
não ser escrito...Porque os educadores deste país, eh...educadores e educadoras deste país...De repente, calor súbito
no rosto...o discurso que pelo menos uma vez por parágrafo invocava os educadores do Brasil...perdão os educadores
e educadoras do país, vai da invocação do gênero masculino (perdão, por colocar primeiro masculino), ao feminino
sem descanso...(perdão por colocar feminino em segundo lugar)...O que fazer?...Com a boca seca, tomamos uma
grave decisão: Ora...quando o discurso a seguir disser professor, quer dizer também professora, e quando disser
professora, quer dizer também professor, e que nos desculpem os professores e professoras deste país.
PARTE I – EDUCAR: O AFETO INVOCADO
Cap 1 – Educar, Educador
Wanderley Codo, Iône Vasques-Menezes
Estas linhas ousam pensar a educação e o educador a partir do que o educador faz. Um caminho tão óbvio
quanto raro.
Tantos e tantos são os livros que discutem a educação, a crise da educação, os métodos para educar, e fazem
ouvidos de mercador para o que o educador faz. Nada de errado com isto, a educação é um objeto de análise
completo e complexo. Entre outras coisas, é da sua natureza permitir qualquer recorte, qualquer enfoque, como
qualquer objeto de estudo, a educação enquanto tema é infinito e generoso. Generosos também os olhares e a
polêmica a respeito. Neste final do século a educação é a um só tempo problemática, (o que ensinar? Para que? Para
quem?) como obrigatória (sem educação, o país não conseguirá romper seus impasses). Que venham mais e mais
discussões, mais e mais polêmica, mais e mais propostas metodológicas.
Mesmo não sendo os autores pedagogos, estudiosos da didática ou da problemática da educação, mesmo que
alguns deles sejam professores, nunca problematizaram a educação e nunca a elegeram como tema, trazem, neste
livro, novas oportunidades de discussão. Trata-se, portanto, de uma tentativa de contribuição "outsider". Trabalho, é o
nosso objeto de pesquisa, condições objetivas e subjetivas de trabalho, a nossa área. A esperança é a de que um
olhar de fora possa ajudar, mesmo sem nunca substituir, o olhar dos profissionais que dedicam suas horas ao tema,
educação.
Aqui se fará o contrário do que se costuma fazer em um livro habitual sobre educação, inclusive para manter-
se coerente com o ‘olhar de fora’. Nos faremos de surdos aos desígnios da educação, para concentrar nossos esforços
na tarefa do educador. A pergunta que animou nosso percurso durante os últimos dois anos foi: “O que faz o
educador?” Ou ainda: “Independente do que se quer ensinar, que dramas e gozos se carreiam ao se ensinar?”
Se é impossível pensar a crise da educação brasileira sem uma filosofia educacional, sem uma teoria
pedagógica consistente, sem uma política clara, ( e é mesmo impossível), também é inócuo pensar a educação na
ausência do que faz o educador. Eis a lacuna que estas páginas sonham preencher.
Que se entre em uma escola, que se visite as agruras e prazeres dos educadores, professores ou não: o que
se verá ali é trabalho, muito trabalho, uma verdadeira usina funcionando a um ritmo alucinante e coordenado. No
entanto pouco se lê sobre o educador e a educação, mesmo sabendo que estamos falando de trabalho dos mais
complicados, como se verá.
Eis porque seremos obrigados a levar o nosso eventual leitor por caminhos nunca dantes navegados: a infra-
estrutura das escolas, os sentimentos do professor, só para citar dois exemplos. Até a presença de um banheiro
exclusivo para professores, ou o fato daquele banheiro estar limpo, (para ser anedótico) para nós será um tema de
análise, na exata medida em que compõe o universo conhecido como condições de trabalho do educador, enquanto a
adoção do “sócio-construtivismo” nesta ou naquela estratégia do país, para nós passará desapercebida.
A tarefa nos impôs o caminho a seguir: iniciaremos por uma breve constatação de algumas marcas específicas
do trabalho de educar; em seguida discutiremos com mais detalhe as relações entre trabalho e afeto; depois
discutiremos a questão da crise de identidade que o educador vive neste final de século, terminaremos, já com um
resultado empírico, com o perfil do educador que a nossa pesquisa revelou.
Sigmund Freud (1975) disse certa vez que educar é uma tarefa impossível, não explicou, e nem caberia. Hoje,
o olhar que busca investigar o trabalho, distante das peripécias da sexualidade e/ou do inconsciente tal e qual a
psicanálise os definiu, chega à mesma conclusão. Desta vez com a obrigação tácita de se perguntar o “por quê”. Por
que a educação é uma tarefa impossível?
Uma tarefa impossível
Dos que sabem sentar-se à mesa, usar cada copo e cada talher por sua vez, dos que não comem com a boca
cheia, os que não misturam a comida a esmo, sabem combinar sabores no prato, diz-se que são educados.
Dos que são capazes de reconhecer uma nota musical solfejada no rádio ou dedilhada ao piano, os que
reconhecem um cantor, um violão desafinado, os que sabem o nome do autor de uma sinfonia ao ouvir alguns de seus
acordes, diz- se que tem o ouvido educado; educação musical.
Dos que ficam atentos a olhar um quadro, que sabem reconhecer modos de lidar com cores e formas em uma
pintura, que tem algo a dizer sobre o estilo de um autor, ou ainda os que reconhecem o estilo impresso em um
romance, a trama dramática armada pelo autor, dos que seriam capazes de discorrer sobre os personagens
inventados, digamos, por Jorge Amado, diz-se que tem educação artística, literária.
A quem crê em algum Deus, articula um sistema de crenças, pratica liturgias, se comporta de acordo com suas
crenças, participa dos grupos organizados em torno a ela, diz-se que tem educação religiosa.
Se educa a língua, os olhos, o faro, a sensibilidade, os afetos, o erotismo, qualquer sentido que tenhamos ou
que venhamos a inventar.
É assim que o mundo leigo, o mundo das primeiras aparências, se refere à educação, ou se tem ou não se
tem, ou se tem mais ou menos: “fulano não tem educação, sicrano é mal educado, beltrano é muito educado, tem uma
educação finíssima”.
Ainda a educação formal, aquela que se aprende na escola não escapa desta miríade de significados. “O
aluno não está aqui apenas para receber e dominar conteúdos específicos, deve ser educado para a vida.”, é uma
frase comum de se ouvir nas escolas. Osas professoresas não raro intervém no modo dos alunos se vestirem, tentam
ensinar boas maneiras à mesa quando há refeições na escola, introduzem discussões sobre religião, arte, literatura em
seus currículos ou aulas. Eles também, os profissionais especializados em educação, atuam a partir do mesmo
pressuposto apontado acima, e se consideram (ou são) encarregados da mesma abordagem ampla, geral e irrestrita.
Mas fiquemos um pouco mais com o senso comum: “onde começa e onde termina a educação”, no sentido
primeiro que escolhemos acima? A resposta seria sempre a mesma: “começa em lugar nenhum, em qualquer lugar,
em todos os lugares, nunca termina.” Jamais pode se considerar completa, acompanha cada homem, cada mulher,
desde o primeiro passo, a primeira palavra até o último suspiro. Se uma mãe ou pai quer, e sempre quer, educar seu
filho, começa, assim que pode e segue por toda a vida, até que possa. Se alguém quer se educar nas artes, começa
assim que tem alguma consciência do que seja isto e passa seus últimos dias a freqüentar museus e livros. Cada
chance, cada minuto, contribui para formar o patrimônio que vai se acumulando invisível no caráter de cada um de
nós, coisa que ninguém vê e todos nós somos capazes de reconhecer. Cada vez que a mãe/pai impede que o
pimpolho agarre o frango com as mãos, sempre que se corrige uma pronúncia errada (não se diz ‘pobrema’ e sim
‘problema’), quando se pune o uso de um “palavrão”, quando se propicia a uma criança, um adolescente, um passeio a
museus, acesso à boa música, boa literatura, quando a TV nos informa sobre a biografia de Beethoven, quando uma
caravana de aposentados se detém respeitosa perante um quadro de Van Gogh, sempre a cada momento, se diz que
estamos sendo educados. Melhor enfatizar; mesmo a nível do senso comum, a primeira olhada nos arrasta até a
constatação de que a educação não tem um lugar, ocupa todos os lugares, não tem um início ou um fim, acompanha
todos os momentos da vida, não tem locus no sujeito, se espalha por todos os sentidos, todos os gestos, todas as
crenças e intenções. Não tem um autor, é obra de todos com quem cada um de nós se encontra e também de quem
sequer conhecemos. A educação é onipresente e omnisciente.
A partir de agora o senso comum não nos ajudará mais. O jovem que conhece e admira música clássica, que
reconhece Bach, Vivaldi, Beethoven, o outro jovem que só freqüenta o “tatibitate” das canções da moda, que faz um
“muxoxo” de tédio quando escuta um acorde mais sofisticado; ambos ‘têm educação’. O freqüentador de um
restaurante que sabe pedir o vinho pela estirpe, reconhece-lo pelo simples gesto de levar a rolha ao nariz e o outro
freqüentador que escolhe o vinho pelo preço no cardápio, ambos são ‘educados’, desde o teólogo até o ateu praticante
todos são portadores de ‘educação religiosa’.
Não existe algo semelhante à ‘pouca educação’, se nos afastamos do senso comum. O analfabeto adquiriu
uma cultura, valores e habilidades lhe foram ensinados, concepções foram testadas, detém uma sabedoria diferente
de quem freqüentou 20 anos de escola, mas é uma sabedoria. O mundo está repleto de bons exemplos de que muitas
vezes é muito sábio, muito educado, embora em outros valores, diferentes daqueles que a escola imputa.
Ou seja, além de onipresente e omnisciente a educação é incomensurável. Impossível dizer quem tem ou
quem não tem, quem tem mais ou menos, qual é melhor ou pior.
Estivemos, até agora, propositadamente afastados da educação que ‘se faz’ na escola, por profissionais
especializados: ‘os professores, os educadores, os trabalhadores em educação’. Agora a educação se faz em um
prédio próprio, mal ou bem aparelhado para este fim; funciona em horários delimitados; não raro uniformiza seus
alunos com a sua marca. Agora a educação tem dono, tem autor, tem começo e fim, tem critério, se mede em
números, se avalia. O aluno, ao entrar para a primeira série do primeiro grau, tem alguém responsável pela sua
educação; um objetivo pré-traçado, “deve chegar ao final do curso sendo capaz de....”; um programa elaborado onde
se imagina que, em seqüência, cada habilidade é necessária para a aquisição da próxima; uma prova ou algo
semelhante que é lida como um indicativo de que as metas foram ou não cumpridas; o resultado definido em
porcentagens precisas, uma escala de 0 a 10, um ponto de corte arbitrado com precisão milimétrica (até 5,0 significa
reprovação; 5,1, ou mais, significa aprovação). Um professor faz um curso, um concurso, está habilitado para ensinar,
digamos, português ou matemática, tem um programa, define metodologia, estabelece avaliações, o comportamento
esperado em cada uma delas, etc., etc. e etc.
Agora a educação comparece com um trabalho, como qualquer outro: profissionais dividindo as tarefas, cada
qual cuidando de seu pedaço, o aluno tendo seu trabalho avaliado e arbitrado, quantas horas deve se dedicar para
aprender matemática, biologia ou português.
Agora vislumbramos uma atividade oposta àquela que vimos surgir mais acima: “educar é uma tarefa objetiva,
finita, mensurável, tem seu lugar (a sala de aula), seu tempo (a duração da aula) e sua medida (as provas)”.
Tem mesmo? Que se ouça o professor:
“Não quero que os meus alunos fiquem apenas decorando os nomes dos países, quero que tenham uma noção crítica
de História ou Geografia”... “Não basta que os alunos saibam fazer contas é preciso que saibam raciocinar segundo a
lógica matemática” ... “Mais importante do que as leis e os símbolos deste ou daquele país, procuro ensinar uma ética
e uma moral capaz de transformá-lo em um cidadão” ... “busco desenvolver em meus alunos a capacidade de crítica, o
sentimento de justiça” ... “É preciso que o aluno traga sua realidade concreta para a sala de aula, ou É preciso levar a
realidade concreta para a sala de aula”.
Figura 1, Cap. 1 - Declaração de um professor em relação ao que busca ensinar.
Bastou aprofundar um pouquinho nas primeiras aparências e já estamos outra vez sem poder medir,
diferenciar, definir. Outra vez, mesmo no espaço definido da escola, mesmo na rigidez do resultado numérico, estamos
no território do onipresente, omnisciente, incomensurável. Talvez por isto Freud disse que educar, assim como
governar e psicanalizar, é uma tarefa impossível. Como alguém pode dizer que faz uma tarefa que não se define? Que
não tem começo nem fim? Que sequer se saiba o que seja?
Mesmo que imaginássemos a figura idílica que habitou o sonho de nossas avós: uma mãe ou um pai dedicado
exclusivamente à educação de seu único filho, mesmo que esta senhora ou senhor soubesse tudo a respeito da
formação que seu filho devesse receber, mesmo que fosse possível acompanhar todos os momentos de vida deste
filho, pelos seus primeiros vinte anos. Mesmo assim, a educação seria uma tarefa impossível, um trabalho onipresente
e omnisciente exige alguém idem para realizá-lo. Coisas que talvez sejam atributos dos deuses - se deuses houverem
- um reles mortal está incapacitado a priori.
Mas a vida real é composta de professores, com muita sorte, com ‘apenas’ 30 alunos em quatro horas, por
nove meses ao ano. Agora sim, também para um mero mortal: “Uma tarefa impossível.”
Número de Alunos por Turma
sem resposta 6,50%
menos de 20 3,30%
de 20 a 35 32,00%
de 35 a 45 41,60%
de 45 a 55 14,00%
mais de 55 2,60%
Total 100,00%
Figura 2, Cap. 1: Distribuição do número de alunos por turma.
Ali uma jovem sentada, em companhia de centenas de outras, carrega no semblante, em frente a um papel
cheio de bolinhas vermelhas, onde querem saber se ela sabe quem foi Jean Piaget, querem que realize com esmero
equações e raízes quadradas, que saiba com todos os “sss” e “rrr” as obras escritas por Machado de Assis... Presta
um concurso público para o qual se preparou em média 12 anos, quer ser professora.
Vencida a batalha, eis que entra em sala de aula, nos primeiros trinta segundos se avexa com o adolescente
que não desgruda o olhar de suas pernas, e insiste em não disfarçar; se confunde com a troca de figurinhas de futebol,
um pouco mais atrás; persegue inutilmente o olhar entregue às moscas da/o mocinha/o sonhadora/sonhador.
Ensinaram-lhe Piaget, cobraram-lhe Piaget; e lhe entregaram a tarefa de administrar a vida toda, de todos nós. Ao
contrário do provérbio popular, ‘cobraram por um gato e lhe ofereceram uma lebre’.
Acolá uma ‘dona de casa’, que nunca soube fazer nada além de cuidar de si e da família, (o que sabe, é muito,
mas o mercado de trabalho acha que é nada) enche outras tantas bolinhas para ser merendeira em uma escola
pública. Sabe que fará lanches para aquele bando de moleques, refeições que serão devoradas em cada intervalo.
Ao chegar no primeiro dia de trabalho encontra um garoto a pisar nos pés de outro na fila, se encontra na
situação de ensinar bons hábitos à fila, à mesa, surpreende alguém surrupiando salsichas do vizinho mais fracote, se
impõe a tarefa, nunca antevista, de guardiã e mestra da generosidade, humanidade, justiça, valores tão caros, tão
raros que não há preço que se pague. Educadora, tanto quanto o professor, com a desvantagem que ninguém parece
saber disto, muito menos o seu contracheque.
Impossível. E muitos vivem a vida como ela, e muitos ainda gostam disto, talvez porque seja uma tarefa, um
trabalho muito especial. Qualquer ser humano sonha, pelo menos por um momento, em escrever seu nome na história,
em última instância, em não morrer, em ser lembrado depois que passou. O professor, o educador, tem esta chance.
Uma atividade completa
Ser Humano significa ser Histórico. Compreender um ser humano implica em partir do pressuposto de que
cada gesto, cada palavra estão imediatamente inseridos num contexto muito maior, que transcende a ele e a sua
existência. Escrevendo a História, de toda a humanidade, todo o passado determina, constroí, reconstrói; explica,
significa e re-significa o presente; todo presente engendra, contém e constroí o futuro. Assim, cada ação humana
carrega em si toda a História da Humanidade e as possibilidades a serem re-desenhadas amanhã e é também
portadora do futuro. Cada ação humana é uma síntese, ao mesmo tempo, única e universal, do nosso passado e do
nosso futuro.
Que seja um ato banal: ‘comer um tomate.’
Algum hominídeo, em algum lugar perdido no passado, movido pela fome encontrou a fruta silvestre,
experimentou, gostou dela. Muito tempo depois, a tribo aprendia a plantar sua semente, a protege-la dos outros
animais, pragas, intempéries, desenvolveu-se uma tecnologia agrícola que aos poucos mudava a face, o gosto, a
composição físico-química do tomate, seria já irreconhecível perto do seu antepassado silvestre, milhares de anos, de
trabalho de todos os homens. Os agricultores, os químicos, os comerciantes, os transportadores, literalmente toda a
humanidade, toda a História está presente no tomate que comparece ao meu prato. O objeto mesmo, criado e
consumido pelo Homem comparece como portador de sua História, de seu devir.
Se quisermos estudar o desenvolvimento do homem de sua era mais pré-histórica até hoje podemos faze-lo
com base num objeto qualquer, em qualquer ato, por mais banal que seja.
Não apenas os objetos, os atos também são históricos. A história existe antes e depois do ato e provavelmente
vamos entendê-lo de uma forma muito mais abalizada no decorrer dos tempos. Uma rede infinita se tece e se
concentra no ato de comer o fruto ou não. O preço, o valor, a medida, a estética, a propaganda, o mercado, a técnica,
a fisiologia, a física, a biologia.
Infinitos tomates são inventados pelo gesto humano e se alojam dentro do tomate; um médico poderia nos
falar muito sobre a vitamina C e as outras que a fruta carrega. Um comerciante poderia fazer o mesmo, um industrial,
um político. A História do tomate começa muito antes do Homem ter comparecido ao mundo; a evolução das
moléculas, todos os acidentes que implicaram na existência de um ser vivo, à qual mal temos idéia.
As receitas disponíveis para preparar o fruto, que vão se acumulando e se preenchendo de significados em
culturas diferentes, em classes sociais distintas, em vários grupos etários.
Tantos são os tomates, dentro do tomate, que fomos criando especialidades dedicadas a uma ou outra faceta:
O agricultor dedica sua vida a conhecer detalhes sobre o plantio da fruta, seu comportamento, sua evolução. O
engenheiro agrícola a conhecer nomes e fórmulas de venenos, por um lado e comportamento de uns bichinhos
estranhos que ele chama de pragas, do outro. O médico se preocupa com os nutrientes e os efeitos fisiológicos do
tomate, em que dietas deve entrar, em que dietas deve ser proibido. O sociólogo estuda os hábitos alimentares da
população alvo para saber da possibilidade de aceitação do alimento e da forma adequada. E assim por diante.
O médico, o agricultor, o comerciante, e quantos mais pudermos lembrar, todos os trabalhadores que
compuseram, compõe e virão a compor os milhares de significados que um tomate pode ter: ‘todos eles se formam na
escola’.
Enfim, um tomate é a síntese de toda a história natural e depois toda a história da humanidade. O mesmo
pode ser dito do ato de come-lo, da faca e garfo que se utiliza para tal, do lugar onde se senta para a refeição.
Mas falemos um pouco do futuro. Ao comer o tomate, ou mesmo quando o recusa, você está intervindo em
todo o futuro da humanidade. Por exemplo, você cria, ou mantém, a necessidade de alguém plantá-lo; cria, ou
mantém, a necessidade de produção de adubos e venenos e, por extensão, da pesquisa em química orgânica e
inorgânica; cria, e/ou mantém, a necessidade de uma rede de transportes - você é responsável pelo emprego do
caminhoneiro que foi contratado pela agroindústria produtora de tomates em Mogi das Cruzes, por exemplo, uma
cidadezinha produtora desta fruta, da qual você sequer precisa ter ouvido falar.
Ao comer a fruta você gerou um movimento; alguém em sua casa foi ao supermercado comprar outra, o que
por sua vez implicou em uma baixa de estoque, que provoca uma busca de fornecedores, que procuram os
intermediários, que procuram os produtores, que acionam os transportes, e assim, per omina.
Um agricultor a tomar uma cerveja ‘de papo para o ar’ depois do trabalho, se gaba de ter tido um bom palpite,
‘plantar tomates este ano deu dinheiro’. Você foi responsável pelo sentimento de segurança do agricultor! Todo o
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Burnout, Desistência do Educador e Falência da Educação

  • 1. EDUCAÇÃO: CARINHO E TRABALHO Chamada de capa: Um livro sobre o BURNOUT, a síndrome da DESISTÊNCIA DO EDUCADOR, que pode levar à FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO (Importante Que A Frase, Burnout, Desistência Do Educador, Falência Da Educação Fique Destacada, Como Se Fosse Uma Frase Só)
  • 2. Coordenação do Laboratório de Psicologia do Trabalho Coordenação Geral Wanderley Codo Coordenação Sociologia do Trabalho Analía Soria Batista Coordenação Psicologia do Trabalho Lúcia Soratto Coordenação Psicologia Clínica Iône Vasques-Menezes Diretoria Executiva– CNTE-GESTÃO 97/99 CARGO NOME Presidente Carlos Augusto Abicalil (MT) Vice-Presidente: Francisco das Chagas Fernandes (RN) Sec. Geral Maria Izabel Azevedo Noronha (SP) Sec. de Ass. Internancionais Juçara Maria Dutra Vieira (RS) Sec. de Ass. Educacionais Maria Teresa Leitão de Melo (PE) Sec. de Formação Maria Inês Camargos (MG) Sec. de Políticas Sociais Lujan Maria Bacelar de Miranda (PI) Sec. de Política Sindical Maria do Livramento P. Bezerra (DF) Sec. de Finanças Francisco José Gauter de Oliveira (PI) Sec. de Imprensa e Divulgação Robson Lopes Trajano (RJ) Sec. de Legislação Milton Canuto de Almeida (AL) Sec. da Mulher Trabalhadora Noeme Diná Silva (GO) Sec. dos Aposentados Terezinha Ribeiro Picheth (PR) Sec. Adjunto de Políticas Sociais Reinaldo Paschoa Bicudo (SP) Sec. Adjunto de Ass Educacionais Mauri Matos de Freitas (SC) Sec. Adjunta de Ass. Educacionais Márcia Alcalay Dorneles (RS) Sec. Adjunto de Formação Arthur Sérgio Rangel Viana (ES) Suplente Manoel Rodrigues da Silva (RO) Suplente Rosimar Mendes Silva (TO) Suplente Mário Sérgio Ferreira de Souza (PR) Suplente Araceli Maria Pereira Lemos (PA) Suplente Marcos Macêdo Fernandes Caron (DF) CONSELHO FISCAL Efetivo Edvaldo Faustino da Costa (PB) Efetivo Itana Carvalho de Portugal (BA) Efetivo Valdir Pereira de Araújo Suplente Neyde Aparecida da Silva Suplente Antonio Eugênio F. Corrêa Suplente Gilberto Cruz de Araujo
  • 3. ENTIDADES FILIADAS: APEOESPE —Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do estado de São Paulo APLB —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia APP / PR —Sindicato dos Professores das Redes Públicas Estaduais e Municipais do Paraná CPERS / SINDICATO —Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul - Sindicato dos Trabalhadores em Educação FETEMS —Federação dos Trab. em Educação do Mato Grosso do Sul SAE / DF —Sindicato dos Aux. de Administração do Distrito Federal SEPE / RJ —Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro SINDIFUSE / SP —Sindicato dos Funcionários e Servidores da Educação SINDIUPES / ES —Sindicato dos Trab. em Educ. Pública do Espirito Santo SINDIUTE / CE —Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará SIND-UTE / MG —Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais SINPRO / DF —Sindicato dos Professores do Distrito Federal SINPROESEMMA —Sindicato dos Prof. Públicos Esp. em Educ. Púb. Serv. Púb. da Educ. e Mun. Do Ensino de 1º e 2º Graus do Maranhão SINSEPEAP / AP —Sindicato dos Servidores Públicos em Educação do Amapá SINTE / PI —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Piauí SINTE / RN —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Norte SINTE / SC —Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública de Ensino do Estado de Santa Catarina SINTEAC / AC —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Acre SINTEAL / AL —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas SINTEAM / AM —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas SINTEGO / GO —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás SINTEP / MT —Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público do Mato Grosso SINTEP / PB —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Paraíba SINTEPE / PE —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco SINTEPP / PA —Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTER / RR —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima SINTERO / RO —Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Rondônia SINTESE / SE —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de 1º e 2º Graus da rede Oficial de Sergipe SINTET / TO —Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Tocantins
  • 4. ÍNDICE Cap 1 – Educar, Educador ................................................................................................................ 27 Cap 2 - Trabalho e Afetividade.......................................................................................................... 38 Cap 3 - Crise de Identidade e Sofrimento......................................................................................... 52 Cap 4 – Os trabalhadores e seu trabalho ......................................................................................... 85 Cap 5 - Trabalho: atividade humana por excelência.......................................................................110 cap 6 - Condições organizacionais .................................................................................................129 Cap 7 - Violência e Agressão..........................................................................................................141 Cap 8 - Infra-estrutura das escolas públicas...................................................................................167 Cap 9 - Gestão / Eficiência nas escolas..........................................................................................183 Cap 10 - A Centralidade da Gestão ................................................................................................194 Cap 11 - Salário...............................................................................................................................204 Cap 12 - Poder de Compra .............................................................................................................217 Cap 13 - O que é Burnout ? ............................................................................................................257 Cap 14 - O Conflito entre o Trabalho e a Família e o sofrimento psíquico.....................................277 Cap 15 – Suporte Afetivo e o Sofrimento Psíquico em Burnout .....................................................286 Cap 16 – Burnout e Suporte Social.................................................................................................293 Cap 17 – Burnout e relações sociais no trabalho ...........................................................................299 Cap 18 – Atitudes no trabalho e Burnout ........................................................................................306 Cap 19 – Burnout e carga mental no trabalho ................................................................................311 Cap 20 - Importância social do trabalho..........................................................................................325 Cap 21 - Relações com o sindicato e saúde mental dos trabalhadores da educação ...................334 Cap 22 – Segurança nas escolas e Burnout dos professores........................................................349 Cap 23 – Infra-estrutura das escolas e Burnout nos professores...................................................364 Cap 24 - Gestão democrática nas escolas e Burnout nos professores..........................................376 Cap 25 - Remuneração, renda, poder de compra e sofrimento psíquico do educador..................382 Cap 26 - O Brasil, seus estados e o sofrimento psíquico dos professores ....................................403 Cap 28 - A si mesmo como trabalho...............................................................................................416 Cap 30 - O planeta como cenário. ..................................................................................................443 Referências bibliográficas ...............................................................................................................447 Anexos.............................................................................................................................................459 Como foi feita a pesquisa....................................................................................667 QUALIFICAÇÃO FORMAL DOS PROFESSORES DO ENSINO PÚBLICO ESTADUAL DO BRASIL467 íNDICE DE FIGURAS...........................................................................................678
  • 5. APRESENTAÇÃO Este livro é sobre o trabalho dos educadores. Produzido em uma parceria entre a CNTE (confederação Nacional dos Trabalhadores em educação) e o LPT (Laboratório de Psicologia do Trabalho – UnB). Relata uma pesquisa sobre as condições de trabalho e saúde mental dos trabalhadores em educação do país: professores, funcionários e especialistas em educação da rede pública estadual, algo em torno a 1.800.000 educadores. Dois anos e meio de investigação, 52.000 sujeitos investigados em 1440 escolas espalhadas em todos os estados do Brasil, financiada totalmente pelos 29 sindicatos reunidos na CNTE, com apoio da UNICEF e do CNPq. O estudo, realizado pelo Laboratório de Psicologia do Trabalho da UnB, contou com uma equipe interdisciplinar de 15 pesquisadores, quatro coordenadores regionais e algo em torno a 100 aplicadores treinados em todo o país e responsáveis pela observação em loco de cada uma das 1440 escolas e pela aplicação coletiva de um protocolo composto por 15 escalas de investigação sobre trabalho e relações sociais, 7 escalas clínicas, 1 de Burnout, 1 de alcoolismo além de dados objetivos sobre vida e trabalho. Trata-se do primeiro estudo nacional, exaustivo e abrangente sobre saúde mental e trabalho de uma categoria profissional realizado no Brasil, e o mais extenso (quer pelo espectro de variáveis investigadas, quer pelo número de sujeitos e organizações de trabalho envolvidos) que se tem notícia no mundo. Esta pesquisa aplica uma metodologia e uma teoria que vem sendo desenvolvida desde 1979, em parte publicada nos livros ‘Indivíduo Trabalho e Sofrimento’ e ‘Sofrimento Psíquico nas Organizações’. Tudo isto foi feito com muito carinho. Wanderley Codo
  • 6. Prefácio “Na floresta há sendas, Muitos se perdem. No cerrado da vegetação De repente, desaparece a trilha E acaba no Intransitado. Cada senda caminha separada, Na mesma floresta Quando sempre parece Uma igual a outra. Mas, só parece assim. Lenhadores e vigias da mata Conhecem os caminhos. Eles sabem O que é Estar numa senda perdida.” (M. Heidegger, Sendas Perdidas) Este livro forjou-se na trilha das lutas dos/as trabalhadores/as em educação pública básica do Brasil, exatamente no momento grave de enfrentamento das reformas de molde neo-liberal implementadas e aceleradas na última meia década. Reformas que alteram e reduzem substancialmente os conceitos de estado e de direito, que indicam a opção pragmática pelo mercado como sendo única via de organização social, cultural e econômica consistente para a contemporaneidade, e a extinção da temporalidade histórica que aponta o presente como único lugar do possível. Caótico, bárbaro e inexpugnável. É exatamente a afirmação da história, do conflito e da superação necessária de relações injustas para relações humanizadas que fez a decisão da CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e de suas 29 entidades filiadas em todo o país e que pautou o convênio firmado com o Departamento de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília - encaminhar-se para a mais ambiciosa e cortante pesquisa já realizada nesse campo do conhecimento de que se tem notícia. Envolveram-se centenas de lideranças sindicais, militantes, aplicadores/as e pesquisadores/as motivados/as pela necessidade, pela novidade, pela urgência e pela inesgotável vontade de fazer do conhecimento uma arma salutar para construir e ampliar a felicidade, combatendo o sofrimento e fortalecendo as ações coletivas que dão sentido, gosto, cor, som, calor à tarefa social de educar pela via da escolarização. O livro é resultado da conjugação entre a utopia socialista que parecia perdida e a angústia militante, frente ao temporário sucesso dos predicados do fim da história e do paraíso da exploração capitalista. Com a profundidade da investigação científica e a marca dolorosa do “horizonte perdido” e o permanente risco da de-sistência, a paixão é revelada como motor da teimosa re-sistência de pessoas que, aos milhões, no Brasil, ousam fundir afeto e trabalho pro-fessando e con-fessando a dor e a delícia de ser artífices do futuro, uma tarefa ancestral e sempre nova. A magia dessa revelação, contudo, deveu-se a um percurso na “mata escura” que fez/faz cada educador/a reagir à figura cada vez mais assustadora do “louco ou atroz, manso ou feroz, caçador de mim” (nas palavras de Milton Nascimento). A contradição da onipotência de um/a deus/a com a privação de um cachorro magro mede de maneira surpreendente o conflito latente em toda a vida afetiva, social, familiar dessas pessoas en-quadradas numa categoria profissional.
  • 7. A prazerosa experiência de ler o sofrimento psíquico, suas implicações na saúde mental e suas relações com a organização do trabalho escolar está justamente na feliz constatação das razões que afirmam ainda mais a necessidade e a utilidade dos nossos sindicatos, mesmo que intensificando a complexidade de suas ações e ampliando (de modo conflitivo, sempre) a fundamentação dos planos de luta, das estratégias de enfrentamento, das novas pautas que buscam incessantemente re-constituir a integralidade das muitas coisas que existem entre os salários e a felicidade. As abordagens sobre a temporalidade do trabalho escolar e a alienação descortinam aspectos específicos indispensáveis para relativizar e relacionar a expropriação capitalista mal sucedida e mal entendida na escola pública. O resgate da amorosidade, da cumplicidade, do carinho e da sedução como componentes intrínsecos do processo ensino-aprendizagem ganha uma consistência extraordinária que premia, uma vez mais, a sabedoria de Paulo Freire e inaugura outros pontos-de-vista importantes para nos aproximar da gênese do com-prometimento desses/as trabalhadores/as, da lógica doméstica que permeia suas relações de trabalho, da permanente dúvida de vincular-se ou não, das imposições de rupturas externas, às vezes violadoras e, quase sempre, promotoras de uma racionalização que pende para um afastamento do mundo - provocando sofrimento, ou de uma transgressão dos rígidos controles operacionais e burocráticos - exigindo cumplicidade. O tensionamento permanente é nitidamente exigido por um processo de construção e des-construção de identidades, especialmente ao observar-se com atenção as exigências crescentes por educação escolar do mundo atual e a contrariedade da deterioração social trazidas pela globalização redutora de direitos e “oportunidades”. Por outro lado, a pesquisa desvelou mudanças estruturais, mudanças de gênero (uma desfeminização), mudanças de organização e de perfis e de funções no trabalho escolar (de educadores/as esquecidos/as, funcionários/as da escola) que emprestam caracteres novos e olvidados na literatura científica existente sobre o fenômeno educativo . O texto chega muitas vezes “ao Intransitado”. Especialmente pelo movimento sindical. Os requerimentos da carreira, da estabilidade, da universalidade, da equidade parecem chocar-se com a despersonalização, com a negação da alteridade, com a extinção da diferença e a desconsideração do mérito, do esforço, do empenho, da re-compensa, do re-conhecimento. Ao mesmo tempo, o/a leitor/a percebe que “cada senda caminha separada, na mesma floresta” e o conflito fundamental é um conflito de projeto: uma escola para que moral, para que ética? Que justificação para tamanho investimento emocional, afetivo, cognitivo? Que resultado? Que aprendizagem? Com que valoração? Há muita munição aqui para o questionamento das reformas propostas pelos sistemas de ensino oficiais, especialmente pelas imposições curriculares e pelas modalidades de avaliação espelhadas nos programas de qualidade total e na estandardização dos provões e das avaliações de desempenho. Um grande espaço para o fortalecimento das históricas reivindicações - tidas como apenas corporativas - é criado com a nova consistência emprestada pela investigação científica confirmadora das condições especiais de trabalho e de desgaste na atividade educativa, tendo rebatimentos muito oportunos, também, no enfrentamento das chamadas reformas administrativa e previdenciária contidas na agenda dos ajustes. Um cotidiano desconcertante é aberto com cruas cenas que sublinham com muita simplicidade de que maneira a pior organização de-tém, re-tém, man-tém, atrai o/a melhor trabalhador/a. E chama a atenção para escola “com pés de barro” em que a profissionalização dos/as funcionários/as da escola, educadores/as esquecidos/as, é observada, questionada, fundamentada e pro-posta segundo a visão da psicologia do trabalho, para além da visão sindical que
  • 8. está-se maturando. A fragilidade e incipiência deste tema são fortemente denunciadas pela precariedade de instrumentos para validação da própria profissão, assim como pela emergência recente do tema no cenário da discussão acadêmica. Por outro lado, mostra o cotidiano carente da gestão democrática, do projeto coletivo e localizado nos interesses, aptidões e desejos de cada colégio - no sentido estrito e tradicional do termo - do projeto político pedagógico, que não abra mão do poder público como provedor das condições materiais e estruturais universais para o trabalho educativo realizador, criativo e integral e que não esmaga suas potencialidades antecipadoras de um futuro feliz. Portanto, temas como financiamento, gestão, formação, carreira, salários, estabilidade, avaliação, tempos e ambientes escolares ganham cores luminosas com a força de argumentos tão evidentes. Grande parte do livro é dedicada exatamente à emergência da nova consideração sobre trabalho e emprego diante da modernidade técnica e da sociedade globalizada: o burnout. A certa altura definido como “o nome da dor de um profissional encalacrado entre o que pode fazer e o que efetivamente consegue fazer, entre o céu de possibilidades e o inferno dos limite estruturais, entre a vitória e a frustração”. Ou, ainda, “é a síndrome de um trabalho que voltou a ser trabalho, mas que ainda não deixou de ser mercadoria. As dores do burnout são as dores de um filho que sempre existiu, a força mágica de um trabalho que se afetiva, que se afeiçoa, que se parece com a vida, que espanta e pasma como um parto, que doe, como um parto”. É aí que, como “lenhadores e vigias da mata”, o/a profissional apaixonado/a é in-vocado/a. “Eles sabem o que é” ser educador/a, deus/a potente e submetido/a, empreendedor/as que aposta num futuro melhor, senhor/a do próprio trabalho. “Eles sabem o que é Estar numa senda perdida” com trabalho árduo, esmero, envolvimento promotor de uma hiper-agitação física e mental, numa impulsividade grávida do risco e da vontade de construir o futuro. Do pânico que exige constante estado de atenção e de vigilância, mas, ao mesmo tempo exibe uma inequívoca nostalgia sobre a própria identidade. Mas uma nostalgia que poderia ser inferida como uma “saudade do futuro”. Os segredos da paixão teimam em esconder-se, impondo as trilhas que transitam por três eixos de tensões: entre afeto e razão, nas relações sociais e no controle sobre o meio. As três origens do burnout. O novo emprego em expansão é típico do setor de serviços. No âmbito público, vinculado às áreas de educação e saúde, principalmente, refundindo carinho e trabalho, e tendo o Outro como produto. A cada leitor/a, à competente equipe envolvida na pesquisa, aos/às militantes, às lideranças sindicais, ao estado/patrão - por mais questionamentos e inquietações que tragam, por mais incorformidade ou desconforto, por mais desconcertante que pareçam as conclusões - uma certeza se con-firma: “se muito vale o já feito, mais vale o que será”! Prof. Carlos Augusto Abicalil
  • 9. Retrato de uma pesquisa nacional Como descrever as aventuras e desventuras de se realizar uma pesquisa nacional, sem precisar de um outro livro? Que pelo menos se tente disponibilizar uma pálida idéia. O texto abaixo é um excerto de um dos diários de campo que recebemos. PESQUISA AMAPÁ DIÁRIO DE CAMPO RELATÓRIO DE LARANJAL DO JARI 29/04/1997 Saímos de Macapá, em direção a Laranjal do Jari, às 05:50 horas. Em uma Kombi, fomos eu, o Aildo, a Lenamaria, o Nazir e a Rosiane, respectivamente a coordenadora técnica da pesquisa, o coordenador político e representante do Sindicato (SINPEPEAP), e os auxiliares de pesquisa (respectivamente uma psicóloga, um psicólogo e uma professora), e mais o motorista, o Júnior. Depois de viajarmos 5 horas por uma estrada de piçarra, passando sobre várias pontes de madeira (na volta para Macapá eu contei as pontes entre Laranjal do Jari e Macapá, são 25 no total), enfrentando caminhos, em sua maior parte, ladeados por abismos e parcialmente destruídos pela erosão dos rios (havia um trecho em que quase metade da pista estava “comida” pela erosão, outros em que haviam sulcos profundos e intermináveis, alguns bem largos), veredas cercadas por florestas de ambos os lados, nos defrontamos com uma ponte totalmente coberta pela cheia do Rio Cajari (em um dos braços deste). Foram momentos de muita apreensão, pois estávamos impedidos de atravessar até que o rio baixasse e a aplicação do protocolo estava marcada para as 16 horas. Sabíamos que, em condições normais, a viagem durava no mínimo 7 horas. Na estrada só haviam dois trechos habitados, um era esse, denominado de “Água Branca”, o outro, já havíamos passado por ele. Um dos trabalhadores da madeira nos advertiu de que há 6 anos as águas do rio não subiam daquela maneira (na noite anterior havia caído uma chuva torrencial), mas que quando isso acontecia levava uns 2 dias para baixar e mais, quando demonstramos nossa intenção de atravessar em um barquinho (montaria) de um dos moradores da região, o trabalhador nos avisou de que, mais adiante, haveria um outro rio, mais estreito que este, porém nas mesmas condições. Todavia, voltar para Macapá após ter percorrido mais da metade do caminho... nem cogitávamos isso! Além do mais, “trabalhadores da educação” de 5 escolas nos esperavam em Laranjal do Jari às 16 horas. A preocupação em cumprir com o compromisso era maior que tudo. Depois de algum tempo (uma hora) decidimos atravessar na “montaria”, fechar a Kombi para pegá-la posteriormente e tentar encontrar outro carro do lado de lá. Atravessamos aos poucos (de 2 em 2), pois a “montaria” não aguentava muito peso. Quando todos atravessaram já eram 12:15 horas. Algum tempo depois de termos atravessado começaram a chegar vários carros (ônibus, Kombis, e outros) vindos de Laranjal do Jari, o que significava que a ponte do outro rio, ao qual se referira o trabalhador, já estava dando passagem. Assim, começamos a ter esperanças de poder chegar a tempo de realizar a pesquisa. O Aildo tentou negociar com alguns motoristas para que nos levassem a Laranjal, até que conseguimos um Gol, cujo motorista ia levar a família para Macapá mas depois iria voltar mesmo para Laranjal. Então acertamos que o nosso motorista (quer dizer, o motorista da Kombi do Sindicato) levaria a família dele para Macapá e ele nos levaria para Laranjal do Jari. Como no Gol não havia lugar para todos nós, a Lena foi em uma Kombi, que ainda lhe cobrou R$ 5,00. Saímos de “Água Branca” para Laranjal do Jari às 13:50 horas. A partir daí é que a viagem, já caracterizada como uma aventura, se transformou em uma aventura tragicômica, mais trágica que cômica. Pelo menos a estrada que percorremos até o “ramal do Cajari”, apesar dos perigos, tinha uma paisagem bonita. Havia muitas serras cobertas de verde, árvores, rios, uma paisagem natural de grande beleza amazônica. Mas o trecho que tivemos que percorrer depois, era digno de uma filmagem, para que outros pudessem ter alguma noção do quanto custa fazer pesquisa no interior do Norte do país, mormente na Amazônia. A estrada, se é que se pode chamar assim, era um caminho estreito, cercado por floresta densa de ambos os lados, entrecortado por muitos rios em processo de formação, sendo que, em sua maior parte, encontrava-se coberto por lama e barro. Por várias vezes descemos do carro para que este pudesse passar pela lama sem atolar, e tivemos que enrolar as calças e meter os pés na lama. Em uma das vezes caminhamos cerca de 300 metros até poder pegar o carro novamente. Quando chegamos a Laranjal do Jari eram 16:20 horas. Estávamos exaustos. Havíamos passado o dia praticamente sem comer. Os pãezinhos e a garrafa térmica com café que levamos, acabaram-se rapidamente. À beira da estrada não havia quase nada comestível para
  • 10. se comprar, só muita natureza e um ou outro casebre próximo aos rios. Nas duas únicas “vilas” por onde passamos, em uma delas havia uma mercearia (o “Rei da Selva”, com a pintura de um Leão), na outra, a “Água Branca”, um espécie de “restaurante”. Assim que chegamos, o Aildo saltou logo na escola para segurar o pessoal, afinal estávamos atrasados quase meia hora. Eu e os outros fomos para o hotel, apenas para tirar a lama dos pés e, em seguida, nos dirigimos para a escola, onde cerca de 200 pessoas nos aguardavam. Não foi nada fácil explicar as instruções para o preenchimento do protocolo a tanta gente de uma só vez. O nosso estado físico e psicológico nem precisa comentar, mas tudo bem! Conseguimos nos equilibrar direitinho, o senso de responsabilidade era maior do que todas as adversidades que enfrentamos. Muitas pessoas estavam de pé. Não havia carteiras para todos no salão onde estavam reunidas. Após a explicação, distribuímos as pessoas por mais duas salas. Eu fiquei no salão, nas outras duas salas ficaram o Nazir e a Lena. O Aildo e a Rose ficaram no salão onde eu estava, prestando ajuda individualizada a algumas pessoas que tinham dificuldade para ler ou para ver. .......... Quando conseguimos sair da escola já eram 21:00 horas. Perdemos muitos lápis e borrachas nesse dia, pois nas condições já descritas, foi difícil fazer um controle rigoroso do material. 30/04/1997 Nesse dia realizamos as visitas e entrevistas nas 5 escolas sorteadas de Laranjal do Jari. Eu, Lena e Rose fizemos uma escola cada, o Nazir fêz duas escolas........... A escola que visitei chama-se Presidente Médici. É uma palafita às margens do Rio Jari. Situa-se em um bairro denominado “Malvinas” (de mal), segundo a diretora, uma referência às maldades anteriormente praticadas naquela área (assassinatos com requintes de crueldade). O acesso se faz através de uma enorme ponte de madeira. O caminho até a escola, localizada quase no final da ponte, é impressionante. De um lado e outro da ponte se vê de tudo, farmácia, loja de roupas, loja de sapatos, armazéns, mercearias, açougue, bares, bancas de verdureiros, vendas de comida pronta, ... havia meninas passeando em uma pequena canoa pela várzea. ........ Ao chegar à escola, uma palafita bonitinha, toda pintada, bem cuidada... emocionei-me quando vi cartazes feitos com tanto capricho na parede das salas de aula. Perguntei-me como alguém que trabalha em condições tão precárias, que luta com tanta dificuldade, ainda consegue amar seu trabalho, fazê-lo com tanto gosto? Só sendo muito humano mesmo, no pleno sentido desta palavra. Sinal de saúde mental! É incrível como as pessoas conseguem driblar as dificuldades e se manterem psiquicamente íntegras. Um cartaz na parede da secretaria ilustra bem um desses mecanismos de defesa, um desses artifícios para driblar condições tão adversas e se conservar humano, saudável psicologicamente (só não sei até quando): “Conseguir o que se deseja é triunfo, desejar só aquilo que se tem é felicidade”. Hilma Khoury Coordenadora Regional/norte
  • 11. PARA COMEÇAR QUEREMOS CONTAR-LHE ALGUMAS (ES)HISTÓRIAS... Cena 1. Parece uma árvore de natal, embaixo do braço papel branco enrolado em um tubo maior do que pode carregar, um saco de plástico branco com tesoura sem ponta, réguas grandes, giz de cera, a outra mão equilibra com dificuldade montes de revistas velhas, a cara de um velho presidente parece debochar na capa de uma delas, pelo caminho a pilha que equilibra ameaça despencar, quase que ele/a perde o equilíbrio junto com os penduricalhos que carrega, ajeita os braços como se quisesse que fosse maiores, arqueia as costas para aumentar sua capacidade de abraçar tudo aquilo. Faz calor, cuida para que as gotas de suor não estraguem o papel laminado que carrega sabe-se lá com que mão. Entra esbaforido/a na sala, mal consegue disfarçar o alívio ao despejar aquele monte de coisas na mesa. A garotada já está lá. - Oba! Fessor (a)! Vai ter desenhinho? Um garoto mais afoito abre o saco plástico, ele/a segura as mãos com um misto de mau humor e alguma irritação: - “ainda não, Fernandinho.” Se recompõe da odisséia que representou a carga daquele monte de quinquilharias até ali. Bate as mãos uma na outra, fala com a voz alta, o mais que consegue, o tom pausado, como se estivesse em um comício de surdos. - A-m-a-n-h-ã, que dia é? Dois ou três garotos correm, um atrás do outro, parece que algum deles tirou algo da lancheira do outro, alguns outros olham com interesse os penduricalhos que trouxe, interesse forte o suficiente para não ouvir o que ele/a diz, uma menina, maiorzinha um pouco, olha encantada para um pequeno espelho que tem à sua frente. Outros, muitos simplesmente, conversam, sobre tudo, todos ao mesmo tempo. De onde esta molecada arranja tanto assunto? Repete a pergunta: Uma, duas, três vezes: “Amanhã, que dia é?” A cada vez entremeada com uma bronca: “João tire a mão daí”; “Maria, deixe o Fernando em paz.” Enfim a garotada, como que em um passe de mágica, resolve responder todos ao mesmo tempo. - Dia 12, Fessor(a) !?! (a fala vem meio resposta, meio pergunta) - Domingo !!! Ouve com atenção cada resposta, espera ansioso(a) a resposta que quer ouvir. Alguém grita: Dia das mães. Enfim, estava prestes a desistir.
  • 12. - Isso: Dia das mães - e emenda rápido, aos berros, antes que a bagunça recomece - nós vamos fazer um presente para a mamãe. Um tempo longo e indefinido para montar um arremedo de grupos de trabalho, João quer ficar no grupo de Maria que não o quer por perto, etc., etc., etc.... Distribui o material, uns querem o papel laminado vermelho, outros disputam a tapa um determinado lápis de cor. Uma garotinha ameaça chorar, não tem mãe, é preciso socorrê-la: quem sabe lembrar da vovó? Deu certo, a menina limpa os olhos e começa a trabalhar. Um vidro de cola se espalha sobre uma das mesas, atinge a calça de um menino, se espalha pelo chão, empapuça os papéis que deveriam ser a matéria prima, correria, tenta limpar o estrago, alguns alunos o/a auxiliam, outros se divertem em ver os pés grudando no chão e iniciam uma espécie de dança sobre a sujeira. Um garoto faz bolinhas de papel laminado e atira disfarçadamente na mesa em frente, um outro desenha uma bola de futebol e uma camisa com as cores do Flamengo.” - Fulano...sua mãe gosta de futebol?”; “- Não, Fessor (a).”; “- O que você está fazendo? Não é um presente para ela?” .... O garoto parece ter ficado envergonhado, rasga tudo, joga no chão pede outro pedaço de papel branco. Se divide em mil: aqui um elogio ao trabalho feito, ali acudindo alguém com dificuldade de manipular a tesoura, acolá improvisando a falta de papel vermelho que acabou, aqui alguém chora porque foi agredido com um rolo de papel, ali alguém insiste em mostrar o trabalho, os olhos brilhando em busca de um elogio, acolá alguém desiste, dizendo que não sabe fazer uma rosa, etc., etc. etc., etc., etc., etc., Parece que se passou um ano, cada criança carrega, alguns com orgulho, outros com desdém, algo para casa. O sinal toca, respira aliviada, o cansaço transpira pelo olhar desanimado. Uma certa alegria percorre o espírito ao lembrar da casinha que a pequerrucha fez com tanto carinho, uma certa raiva pelo desprezo ensaiado com que um outro aluno tentou esconder seu fracasso. Recolhe o que restou da batalha campal, vai se retirando depressa para casa. Um funcionário grita por ele(a), torna a cabeça preocupada..... - Professor(a), o(a) senhor(a) não assinou o ponto. - Amanhã eu assino, João, amanhã eu assino. - a voz traz impaciência, raiva, quase uma agressão.
  • 13. - Oh, pensa que só porque é professora tem o rei na barriga? Finge que não ouve, apressa o passo. Há que tomar um lanche, fumar um cigarro, daqui a pouco outra aula, outra turma: Domingo, é dia das mães. Cena 2. Ela faz um curso de especialização em didática aplicada à matemática, ele faz pós graduação em História, os dois são professores para o terceiro ano colegial, casa alugada, periferia de São Paulo. Chega em casa cansada, mais tarde que o habitual, o ônibus quebrou no caminho, alguns passageiros começaram a vociferar contra o motorista, a empresa, a cidade, o prefeito, o governo federal, o mundo, contra Deus; armou-se um bafafá, o motorista praguejava, o outro ônibus já chegou lotado, entraram pela porta de saída, não caberiam todos, mas todos entraram, se acotovelando, ela tratava de proteger seus livros de um sovaco que se erguia incólume à sua frente. Quase não conseguiu descer no seu ponto, e se conseguiu foi às custas de pisar no pé de uma velhinha à sua frente, mal teve animo de balbuciar um pedido de desculpas, e sequer a velhinha ouviu. No caminho o vizinho de cima passou cavalgando um carro novo, fez questão de parar, mostrar a conquista, orgulhoso, falava de uma comissão recebida por ter conseguido vender um lote grande de salsichas para um supermercado do bairro. Porque ela sentia no orgulho pueril do vizinho um certo ar de sarcasmo? Cortou a descrição das aventuras com as salsichas pela metade, grunhiu uma desculpa qualquer. Ao chegar em casa o companheiro a esperava entusiasmado com a descoberta de um livro sobre o Brasil colonial, ela interrompeu o relato dele para perguntar se havia pago a conta de luz. Não, esqueceu. Os dois a fazer contas, será que vão cortar? O tempo curto e já carcomido pelos acidentes de percurso, preparar algo para comer, estudar para a prova a que se submeteriam como alunos, preparar as aulas que teriam que ministrar como professores. A luz se apaga, cortaram? Não a dos vizinhos também apagou, onde andam as velas, como estudar? O telefone toca, sua mãe reclamando de uma dor nas costas que sobe até o ombro esquerdo, o consolo quase ensaiado, a receita de um analgésico inócuo, apenas um pouco de atenção e a dor da velha já melhorou, uma bronca pela falta de visitas. Os juros aumentaram porque algo aconteceu com o presidente da Rússia, ou será por causa das peripécias do presidente dos EUA, ou será porque o Brasil não é mesmo um país confiável, só se sabe que os planos daquele carrinho de “segunda mão” vão ter que ser adiados outra vez. O colega do colégio entrou com uma ação contra o estado devido a um erro de cálculo no salário de dez anos atrás, será que vale a pena? Amanhã é dia da faxineira semanal, quem tem os trocados para deixar para a moça, pagamento mais a condução? Não, falta dinheiro, a condução aumentou; amanhã, quem vai pagar a luz, uma disputa acirrada entre duas agendas, nenhum dos dois terá tempo, um sorteio, ela perde, resmunga ao imaginar a fila enorme do banco.
  • 14. Como estudar? A luz tardou a voltar, o cansaço parece querer pregar os olhos, enche-los de areia, as palavras parecem dançar no livro à sua frente. Um café, o resultado da prova será catastrófico, há que pensar em uma forma de improvisar com os seus alunos, quem sabe um estudo dirigido? Com café e tudo o sono vem, seria inútil resistir, a roupa atirada a um canto, tomo banho amanhã cedo, decreta. O companheiro a procura com as mãos quase tímidas, com um desejo desbotado, com o máximo de gentileza que consegue amealhar ela o afasta, os olhos se cerram, bem que ela também queria, não há forças para o amor. Manhã seguinte, correndo até o ponto de ônibus, livros pesando mais do que o normal nos ombros, ainda mastiga um naco de pão. Um carro passa, respinga gotas de lama em seu vestido. Foi ele, foi o carro do vizinho que passou célere, aquele da salsicha, lembra? Cena 3 Mamãe convidou-nos para comer feijoada sábado. Reunião familiar, chegam os tios e primos da Bahia. Fátima...anos sem vê-la, José, a última vez que nos reunimos eramos quase moleques. Mamãe caminha de um lado a outro da sala, inquieta, cheia de expectativas. Pega na cortina da sala, arruma um almofadão de flores vermelhas, tenta pontuar o que se necessita comprar para o evento. Dona Maria, a vizinha, se comprometeu a preparar a sobremesa. Além disso, emprestará mais cadeiras. O gato mia alvoroçado, o cachorro entra correndo atrás de uma mosca. Minha tia Lenita ingressa agitada, com seus gorduchos braços me abraça...com lágrimas nos olhos repete para quem deseje ouvir: “amanhã será um dia maravilhoso de encontros familiares, lembranças, risos, lágrimas, etc. etc.” Entra e sai, mamãe me pede que de manhã compre isto, prepare o outro...enfim, organizou para mim o final de semana. O entusiasmo cresce e falar é cada vez mais difícil para mim...dizer que este final de semana estarei preparando uma aula, para mim muito especial, sobre os 500 anos do Brasil. Milhares de idéias pululam na minha cabeça. Trata-se de alunos do terceiro ano do segundo grau. Já decidi que vou para a biblioteca da Universidade. Eu quero falar dos livros de Enrique Dussel...grande filósofo da libertação latino-americana. Filhaaa....que acontece?....em que está pensando?....Nada, nada mamãe tudo bem... Saio da casa de mamãe me sentindo contrariada...gosto dos primos, tios etc. claro gosto, também gosto de doce de leite... mas...justo agora....justo agora estes bahianos decidem fazer festa familiar!!!. Chego em casa com fome...uns livros emprestados sobre a Conquista me aguardam acima da mesa...examino a geladeira...observo os livros...já!....pego umas folhas de alface, uns tomates meio velhos, presunto de data duvidosa, e maionese.....uhauu!!! se não morro hoje, não morro nunca mais. Estudo...estudo...ah! já sei...vou explicar 1492...a civilização ocidental não consegue ver o Outro diferente, nos olha narcisicamente, como num espelho, devemos ser sacrificados aos imperativos do capitalismo (e fomos, e como), ah....civilização e barbarie. São 3 horas da manhã, decido ir para a cama. Meu Deus!...amanhã chegam meus primos, tios....Durmo e amanhã eu decido, mas eu preciso primeiro estudar, ler, ler, ler...só assim conseguirei preparar uma aula decente.
  • 15. Sábado de manhã....soa o telefone de forma insistente, deve ser minha mãe... não atenderei...ela não compreende...diz que sou louca, que por esse salário, que trabalho demais para nada...enfim...não quero mais ouvir. Desligo o telefone e acabou. Na biblioteca pesquiso, pesquiso...leio....em fim, o final de semana voou...juro que voou. Sem chamadas telefônicas...parentes, amigos, etc. Domingo à noite, tenho tudo prontinho.... Saio de casa feliz...chego à escola, oi, tudo bem!?....oi tudo bem!??. Preparo minhas transparências, Brasil 500 anos....Tenho aqui na minha bolsa o filme de Herzog “Aguirre e a fúria dos deuses”...estou ansiosa...por favor (dirigindo-se a zeladora) me alcança a máquina de vídeo.... Vai e vem, chega a máquina....penduro o título da aula : “O “Outro” diferente em 1492”. O filme servirá de porta de entrada para a discussão que desejo realizar, partindo de olhares diferentes sobre os conquistadores. Aguirre é aquele superhomem....aquele “ego conquistador”. Bem...percebo os olhos úmidos e atentos dos meus alunos...alguns comentários rápidos entretanto ligam os equipamentos e fazem os testes respectivos. E aí?..tudo bem, tudo dando certo?....”olha, não faz contato...não sei se o desajuste está no equipamento de vídeo ou diretamente na tomada...que são da “época das cavernas”...tira daqui, tira de lá...10, 15, 20 minutos. Os alunos começam a brincar, um clima de dispersão se instala na aula...chega...por favor, silêncio. Ora, ninguém consegue fazer funcionar os aparelhos, um funcionário toca aqui, chama a outro que toca lá, conversam entre eles, discutem, fitam, colocam o dedo acima, abaixo... Depois de meia hora de “luta” como os aparelhos, os funcionários dizem o que não desejo ouvir: senhora professora...é melhor deixar a aula para outro dia, viu?....estes aparelhos tem que ser revisados, a tomada também tem que ser revisada. Ora...me sento na velha cadeira...coloco meus cotovelos sobre a mesa descascada, olho pela janela de vidros quebrados....penso na minha mãe...como deve estar ofendida...penso nos meus tios e primos, nos meus amigos....penso...penso no final de semana dedicado à preparação da aula...um misto de raiva e decepção se apodera de mim ... os alunos me olham até parece que com pena...riem....olham e olham e olham ...e... Fessora!? E agora...o que vamos fazer agora? ...Esta é a minha pergunta, meu filho, o que EU vou fazer agora.... Cena 4. Fugindo da escola... Saí da escola sentindo um aperto no peito, quase sufocado. Meu calhambeque com a pintura descascada pelo sol tropical me esperava um pouco distante no estacionamento...ah...fusquinha breguinha (passando a mão carinhosamente pelo teto do carro) ...mas... pior andar de ônibus. Bom, oxalá que arranque...meu calhambeque “bip bip”...”na na na”; meu calhambeque “bip”...arranca sua “porra”! Dando pulos como ”burro bravo” ... Consegui sair do estacionamento, apertei “fundo” o acelerador e 60 km/h, ao todo.
  • 16. Caindo na festa... Me detive no barzinho do “Cafofo”, precisava me liberar, esquecer do trabalho...literalmente esquecer de que tenho que trabalhar para viver. Entre tragos e tragos de cerveja fiz ali pertinho o joguinho da Supersena...”nove paus” acumulados...vários números chegavam como mensagens a minha mente, me concentrei um segundo (sempre com aquela ilusão de ter qualidades de “médium”, que do “além” alguém estivesse me ditando os números) . Raimundinho e o velho Pacheco chegavam da “Colibri” em meia hora. Sexta à noite...noite de festa (Sábado de arrependimento....Domingo familiar). Na roda de amigos....que o Vasco, o Flamengo... risos cada vez mais empolgantes... conhecem a piada de....?. Onze da noite... garçom, traz um conhaque...é para o frio...conhaque, cerveja, música, piada, olhares pecaminosos. Onze da noite... minha mulher deve estar “feito fera”. Segundo round da bebida...Tema. Não!!!! a escola...o trabalho, não consigo falar nada, só dizer...não aguento...não aguento.... Sábado de arrependimento... Sábado de manhã, os olhos semigrudados...estou morto, literalmente morto. Chiquinha me acaricia timidamente a perna...fica assim, pertinho...O que você fez ontem a noite?...Fiquei com meus amigos conversando...Ah...e conversaram sobre que?....Nada....Esse povo não conversa nada....Futebol, piadas....Se não conversam nada...porque chegaste tão tarde?....Sábado de manhã...Chiquinha fica carinhosa, mais eu estou morto...não respondo...O que você fez ontem a noite?!!...Começo de briga...Graças a Deus decide sair. Fico só na cama...Sábado e domingo pela frente. Uma barata enorme corre pelo quarto, se detêm, fica quietinha. Poderia pegar meu tênis velho e esmaga-la contra o chão...não tenho ânimo. A metamorfose ... O final de semana foi um fiasco. Bem que eu tinha esperanças de que acontecesse alguma coisa diferente na minha vida. Mas desde sexta-feira à noite, depois daquela bebedeira imbecil de cerveja quente num bar periférico, comecei a sentir o sábado quase como se fosse um ameaça. Lembro-me...tinha medo das horas longínquas, do turbilhão de meu pensamento, ora... de que voltasse como uma febre a pergunta de sempre: que posso fazer, não aguento mais aquela escola, aqueles alunos, aquelas aulas. Meu cachorro ficou doido correndo atrás de uma barata grande como folha de plátano. A última vez que vi uma barata nesta casa me precipitei sobre ela com um tênis na mão e acertei-lhe um golpe “mortal”, tão mortal que um dedo de minha mão deslocou-se dolorosamente. Olho como ela passa, corre, respira, mexe as antenas, fica como a barata da “A Metamorfose”, de Kafka, batendo as pernas barriga acima. Puxa vida, fechado nesta cama. Como em ‘A Metamorfose”, de Kafka....me imagino convertido em uma barata...esperneando na cama. Preciso preparar as aulas da próxima semana...preparar....mas...para que?. Me lembro como era...eu me matava...perante o espelho...gesticulando, “representando” minhas aulas...as escrevia...lia uma vez...mais uma...pedia materiais para uma amiga... ficava feliz fazendo, pensando nos rostos de meus alunos, nos olhos.. Mas...já sei...vou procurar umas aulas de três anos atrás...tanto faz (por esse salário que me pagam..).Puxa...Chiquina foi embora...onde estarão esses papéis velhos?.
  • 17. Inferno de manhã... (Nem bom dia)... ver...é você!...chega...chega. Começo a falar, sei que ninguém esta atento...mas continuo, continuo, continuo, como trem de carga saindo da estação, continuo....Eles/elas olham com olhos de “eu não entendi nada”. Decido dar uma parada, sinto a boca seca, uma certa urgência por fechar sobre este tema hoje mesmo, porque já não aguento mais, o tema, os alunos, a escola. Aqui vem uma pergunta...do maior “puxa saco” da aula. Voz esganiçada: “Professor...você esta indo muito rápido, poderia me explicar melhor....porque segundo você falou a aula passada (e vai...)....entretanto...etc. etc.”. Olho para ele com ódio, um sentimento de autoritarismo me faz presa fácil. Imagino uma barata me falando com voz esganiçada (súbita maldade).Olho para ele do alto de minha investidura de professor e começo a falar como se fosse um outro, como se minha língua tivesse vida própria. Ora, menininho...eu não estou indo muito rápido não...o problema é que vocês não entendem nada...porque não tem habito de leitura...ora...os livros não mordem, se não compreendem o que digo na sala de aula... peguem os livros, tá? Tá bom?. Vocês só pensam em imbecilidades...Não consigo mais percebe-los na sua humanidade. Falo como louco em tom exaltado, sinto um calor subir pelas minhas veias, o rosto um pouco quente, entre raiva e vergonha. Na real, sinto até impossibilidade de parar e pensar para poder explicar melhor. Ler minha aula....como trem saindo da estação, passando de um conceito a outro sem muito perceber, quase, quase, sem saber o que estou dizendo. Os conceitos parecem que voam na minha cabeça. De repente o conteúdo, o que estou passando para meus alunos, fica até incompreensível também para mim. Uma nuvem negra estaciona na minha cabeça. Não consigo pensar. Volto do pesadelo instantâneo sentindo mais raiva ainda, estrelas de cores parecem sair de meus olhos, chega! Chega!. Os alunos me fitam, a boca seca, o peito apertado...A aula acabou!!. Uma expressão se instala na minha cabeça, faz eco estou exausto!...Exausto! Fim de cena ... Meu calhambeque, “bip”...”bip”...., 60 Km/h, ao todo. Sou uma barata....uma barata (me desculpem as baratas)....que estou fazendo?...Estou oferecendo umas aulas de m...., nada me interessa, os alunos, as aulas, a escola....Puxa, não pode ser...eu sou professor, mas...não me comporto como um professor...Afinal? Eu sou mesmo um professor??? Cena 5 Muros pichados, um som ritmado e monótono, mistura de lamento e marcha, acompanha o surgimento das imagens perante meus olhos. Sujeira, miséria urbana...homem e cachorro comendo, não muito amistosamente, do mesmo lixo. Um céu claro contrasta com o cinza da fumaça que expele o coração da civilização. É fácil identifica-los, tranças coloridas, piercings, cabelos verdes, jeans, camisetas, bamboleando-se produzem seu próprio espetáculo narcísico, olham uns a outros buscando-se a si mesmos, como num labirinto de espelhos. Um ônibus meio velho atravessa a rua ruidosamente, se detêm e eles sobem. Logo descem na escola da periferia urbana. O sol da manhã estampa claros e sombras nos muros cinzentos da escola. Música, corpos que se erotizam em contato com o ar, beijos prolongados são exibidos orgulhosamente, as mãos desenham os contornos
  • 18. corporais, tribais, ingressam no prédio para assistir ao primeiro dia de aula...são jovens frequentando uma escola de segundo grau. Na sala de aula a turma se reúne em volta, cantam, criam ritmo em cima das cadeiras e carteiras. No meio daquele tumulto surge “angelical”, a professora. Agita os braços como um marinheiro num naufrágio, seus lábios modulam, seus olhos brilham. Por um segundo ela tem medo. Fica vermelha. Naquela gritaria é percebida. Alvo de agressões e “frases sujas”, olhos lúbricos a espetam. A situação não se sustenta, literalmente foge da sala. Em solidão rememora o episódio. A vontade de continuar acaba se impondo sobre a vontade de desistir. Debruça-se sobre livros “Disciplina e Autoridade”, relatos de experiências in loco de outros professores. Está decidida a conquistar o território: usa roupas mais esportivas, jeans, blusa, botas...espera os alunos sentada quase masculinamente, botas encima da escrivaninha. Impossível desenvolver o currículo oficial. Forma parte do “currículo oculto” da escola todos os esforços feitos pela professora para estabelecer um padrão mínimo de comunicação com os alunos, para tender o elo da ponte de dupla mão que permitirá veicular o afeto e a emoção necessárias para poder ensinar e que os outros aprendam. O currículo oculto exige tal tipo de “proezas” da professora, que acaba sendo questionada pelo diretor da escola e pressionada para que respeite o currículo. Obediente quer uma xerox do mesmo...não há papel na escola, não há lápis, etc.. Ridícula até, faz tudo e mais para conquistar sua turma, para se fazer ouvir. O acordo que permite o deslanchar de sua atividade de trabalho não está dando certo, necessita ser construído. Trata-se de um passo prévio, se ele fracassa, não há como avançar. Mas...se os alunos estão na escola é porque desejam estudar. Não necessariamente, “ora, estamos aqui porque não temos escolha, precisamos de um diploma”. A escola é apenas instrumento, a disposição para aprender só pode ver-se ressentida. Lutas diversas se sucedem na realidade do trabalho na escola, a gestão dessa realidade por parte do professor produz um “currículo oculto”, diferente e muitas vezes contraposto ao oficial. Marchas e contramarchas, lutas cotidianas na sala de aula, com o diretor para levar adiante suas idéias. Num recreio uma violenta briga chama a atenção da professora. Se acerca, corre a separá-los, são três de seus alunos. Utiliza a estratégia de construir pontes de lealdade avisando: “ora, eu não falarei para que não sejam suspensos, mais prometam que a briga acabou aqui”. Acabou nada. Na saída da escola a confusão se agiganta, policiais, gritaria, seus alunos são levados na rádio patrulha. Afobada, chega antes do carro disparar...”Vocês prometeram...”, um dos rapazes responde: “e você não entende nada, tínhamos que fazer, senão não poderíamos mais andar de cabeça erguida pela vizinhança, temos uma reputação a zelar, na nossa vizinhança se não se defende todos atacam”. Sai da escola e se dirige a um bairro da periferia em procura da família dos alunos briguentos. Fala para pai e mãe que embora seu filho foi suspenso da escola (o que pode se perceber que envergonha á família), ele não fez nada errado. Essa punição foi para “esfriar os ânimos” de todos. Aponta a reforçar a auto - estima do aluno e da família: “seu filho é inteligente, vocês tem que sentir orgulho dele”. Nesse peregrinar literalmente pela casa dos alunos ela enfrenta também a hostilidade das famílias. Acaba sendo vista como uma intrometida, alguém que não compreende que pobre não necessita estudar, pobre tem é que pagar as contas. Cada dia pode observar na sala de
  • 19. aula lugares vazios dos alunos. A ausência dos rapazes a interpela...está perdendo seus alunos, está perdendo essa espécie de guerra que a princípio de ano decidiu travar. Um rapaz é morto num “encontro” entre traficantes, ela tentou ajudar, mas não conseguiu, arriscou até sua vida permitindo que o jovem buscado por traficantes se refugiasse na sua casa. O rapaz saiu cedo pela manhã e se dirigiu à escola, o diretor o mandou embora e os traficantes o pegaram a uns quarteirões da escola. A vontade de vencer começa dar lugar à vontade de desistir...tristeza, desânimo, desinteresse pelos alunos. O último diálogo: “porque você fica?”, o colega responde: “porque eu sou louco”. Os alunos pedem para ela ficar: “professora, você não pode ir fácil, desistir, você tem que lutar contra a morte da luz, foi você que nos ensinou isso”1 . Cena 6 Prometeu Acorrentado... Muros obscuros e agrietados por onde se colam atrevidamente folhas pequenas e verdes de uma planta desconhecida. Mãos tremulas acariciam as cinzas paredes, passos pequenos e inseguros, quase claudicantes; o olhar da anciã navega no tempestuoso mar das lembranças. O cabelo branco se arremolina no céu, das orelhas pendem os brincos cansados como dois frutos velhos. As costas curvadas, cansadas. Quase uma relíquia da vida. Professora aposentada procurando-se na geografia do passado, mirando-se nos espelhos do tempo. Um jornal se desliza entre suas mãos, fica lá, roçando o solo, um gato preto espreita a data: segunda feira, 07/05/2030. As lembranças tremem... a escola, retalhos da biografia. Algas marinhas se deslizam pelos olhos sulcados pelo tempo, resvalam até os sapatos brancos de pó para ser tragadas impiedosamente pela terra. Voyeurismo de velho, fitando pelas rachaduras, pelos improvisados buracos vitimados pelo tempo, latem nas vísceras os cães da saudade. Nos seus ouvidos se agitam vozes difusas, sons guturais ou descontínuos, entrecortados, gargalhadas. Sons do presente misturando-se com os do passado. Ela faz um sinal com a mão... - Ei, você...vamos, entremos... Nos refugiamos no corredor perante uma porta envelhecida, ela espiona pelo olho sensual da fechadura secando a testa intermitentemente com um lenço bordado e perfumado. - Olhe, estamos reunidos na nossa antiga sala, lembra? A voz cascada, melindrosa, torna-se cada vez mais suave e prazerosa. - Sim... nossa sala, aquela do quadro de São Jorge matando ao dragão, lembra? a do painel com os trabalhos artísticos dos alunos... Olho indiscreto da fechadura desta velha e descascada porta de escola. A idosa me oferece um sorriso descorado... Começa a falar como medindo as palavras 1 Realidade, ficção?. Trata-se de um discurso simples inspirado em “Mentes Perigosas” de John, N. Smith, 1995, um filme absolutamente despretensioso.
  • 20. - Você e eu, estamos aí, professores de história reunidos em volta de uma mesa ovalada. Vejo rostos jovens e entusiastas, onde se reflete a luz que insiste em entrar por uma janela semi-aberta, rostos menos brilhantes e cansados. Nos corpos, roupas formais e informais, estilos adquiridos feitos carne, estilos ainda mundanos, amores e desamores estampados nos rostos, biografias mais ou menos curtas, mais ou menos iniciais, mais ou menos finais, construídas a golpes de luz e trevas da história. - Aí está Wanderley .. gordinho e baixinho...Objetivo da reunião: “discutir o ensino da historia.”. A imagem/mensagem é clara, veja bem, em 1998 éramos gerações diferentes de professores e professoras convivendo no espaço da escola. Nossas mãos mais ou menos lisas anunciavam a diversidade das experiências vividas. Sábia, vivida, fitando aqui e lá a bela e antiga senhora constroe um relato tecido misteriosamente com relâmpagos de rememoração interpelados pelo presente. Fecho os olhos e ficou ouvindo, me deixando transportar. - Uma frase mil vezes repetida, mais que desorienta como um eco numa caverna: é necessário estimular o senso crítico dos alunos, resgatar a importância do olhar inconformado com as aparências do real, há que ser crítico, custe o que custar. Torrentes de material biográfico se faz presente de forma mais ou menos explícita. Biografia e história, entrelaçadas como as mão tremulas e úmidas dos amantes. Ao redor da mesa existe, pelo menos, um grande choque e outros pequenos, às vezes sutis. O de sempre, os da geração dos 60 e 70, e os outros. Mas, salta a vista a heterogeneidade presente ao interior da geração dos “mais experientes”. Personagens distintos por fora e por dentro. Alguns deles, sábios, comprometidos, de óculos e cabelos semi-brancos; vestidos semi-adolescentes, outros...também de cabelos cinzas. Os primeiros deixam escapar que traçaram sua biográfica juventude na “época do chumbo grosso”. Transmitem isso pelos gestos, os movimentos das mão, a forma sussurrante de falar. Dá para sentir que agüentaram, resistiram, fugiram, para fora ou para dentro, vivendo nas catacumbas sociais e interiores...Ah; eles tem a vivência histórica na pele do ocultamento da “voz dos vencidos”, dos traçados absurdos e impositivos da história oficial. Tem a experiência ou de “haver-se dado conta”, ou a humilhação de haver sido enganados. Esta última se “oculta”, como trazer à tona uma auto-imagem tão vergonhosa... O professor de história hoje...mas naquela época não era...ora, acreditou na história oficial, teve uma venda nos olhos, acreditou estar vivenciando “um milagre” econômico na terra, no Brasil, Ah...Deus parecia ser Brasileiro. Mas disso se trata, de que ninguém mais seja enganado, manipulado, feito bobo. Entre os comprometidos e descomprometidos daquela geração surgem inéditos os contraculturais, os que desejavam fazer uma revolução cultural, e olha que eles experimentaram, a revolução passava pela vida cotidiana, sexo, drogas, música, metálica, pesada, de ultratumba. Estes também andaram pelos maus caminhos da vida, infernizando a vida dos familiares, dos diretores de escola e dos professores, lembra...chegavam meios malucos à escola...estes não tem futuro – muitos, de fato, não tiveram; muitos, de fato, tiveram. Discutem acaloradamente que a história contada nas escolas deve levantar a voz dos vencidos, dos operários, camponeses, mulheres, indígenas, negros, a voz do outro, trazer a tona a alteridade negada. Negada desde 1492.
  • 21. O grupo dos professores mais jovens parece isolado, quase num outro mundo, olham, assentem com a cabeça... aha...aha....Vivências diferentes...abertura democrática, euforia, festivo carnaval de carapintadas acreditando que tiraram um presidente do cargo, apenas com gritaria, eles nem sabem como, mas fizeram.... os jovens, sem torturas, cárceres, armas, mudaram, enfim, sem dramas, sem Marx, sem Engels; enfim, sem pais. Também eles sabem que é necessário serem críticos, mas de um outro modo, sem dramatismo. Entre a utopia socialista e a utopia democrática foram tecidas biografias, menos jovens, mais jovens, alguns sem utopia nenhuma. Cotidianidades: casamento, filhos, divórcios, estudo, emprego, perdas, banhadas no mar da história, incompreensíveis sem ela. A senhora toma um descanso, parece emocionada e novamente preocupada, como quem desejasse voltar pelo túnel do tempo. Ela está lá dentro, eu estou lá dentro, você está lá dentro. Ela sofre, quer intervir, dizer alguma coisa que contribua a tirar os professores do impasse, dessa discussão circular. “- Por favor, me alcança uma cadeira... veja, apesar dos entrelaçamentos históricos e biográficos diversos, das múltiplas experiências, sabíamos que a reflexão, o pensamento crítico tem um papel na mudança social, no traçado das melhores e mais delirantes utopias sociais, mais futuras ou menos futuras. Na discussão nossas biografias vieram à tona, às vezes explicitamente, outras de forma dissimulada, outras inconscientemente. A rememoração de algumas experiências pessoais ou de amigos ou familiares levou à manifestação meio tortuosa de emoções contidas. - Enfim, naquela época pensávamos nos alunos um pouco a partir de nós mesmos, das necessidades da sociedade; é assim que traçamos o seu perfil para o futuro. É certo, queríamos que aprendessem a pensar. Os professores mais jovens se mostravam convencidos da importância desse objetivo, mas um pouco mais céticos que os mais velhos, respeitando qual seria a resposta dos alunos perante um propósito que deixava muito longe suas ansiedades pragmáticas de obter titulação para aceder ao ensino universitário, ou algum tipo de trabalho para sobreviver, etc..” Mas vamos lá, vamos ao nosso verdadeiro território...a indiscreta janela duma sala de aula. - Se lembra?... Nos enfrentávamos generacionalmente com os alunos. Esse hiato podia ser maior ou menor, dependendo da idade do professor. Lá está ele, Carlinhos, professor de 45 anos, estilo meio demodé. Tenta acercar- se aos alunos utilizando um vocabulário “jovem”. Alguns alunos comentam cruelmente esses seus deslizes juvenis, sua melancólica forma de querer chegar a um mundo que em parte lhe está vedado. - Vamos para uma outra sala...ora, aqui o professor “fica na dele”, Raimundo, 50 anos, meio triste, solitário e final, não se esforça nas expressões, fala apenas como um professor. Ufa...este coroa... chato, cruéis comentários se deslizam; algumas facetas de sua vida privada se fazem públicas, seu íntimo em migalhas circula pela aula; ele sabe, mas faz de conta que não sabe. Como educadores éramos obrigados a entender o mundo do jovem, seus recursos na procura da afirmação identitária, suas frustrações, medos, e seus valores “novos” que ameaçavam os nossos, produto de uma outra época. Estávamos obrigados a tudo isso, sem o retorno de ser também compreendidos tendo às vezes que claudicar da nossa história, princípios, ética. Sendo também mudados nos embates com os alunos, quase sempre a contragosto. A própria sociedade se encarrega de alimentar um certo “racismo” de idades que alimenta o conflito, as distâncias, as discriminações entre as gerações.
  • 22. - Carlinhos, ...aula de hoje....A transição à democracia no Brasil....Trazer a história, quem não tem história não tem futuro, tem apenas presente, isto vale para indivíduos e grupos, para a sociedade como um todo...primeiras palavras do professor. Os alunos conversam entre eles, jogam papeizinhos aos outros, passam bilhetes uns aos outros no meio de risadinhas cúmplices e bobas. O professor fica um pouco vermelho....”estes “filhos da mãe” riem de mim...” A primeira frase de impacto foi dita, mas não existe interesse nos olhos dos alunos (diz um cineasta que os humanos passamos 90% do dia pensando em sexo). O mundo mudou (e como), estávamos educando para o 2030... Sabíamos disso? Achávamos os alunos descompromisados com a realidade social, apenas interessados em si mesmos. A escola não sabia qual era seu papel, não conseguia traduzir um projeto pedagógico, faltava um projeto nacional, a ênfase nos aspectos filosóficos da educação: que tipo de homem e mulher a educação tem que produzir. Na medida em que não existia projeto, a realidade irrompia com maior ou menor violência nas aulas, ocupando o espaço deixado pelo abandono, através dos alunos, de suas exigências e interesses, ou de seus desinteresses muitas vezes mais eloqüentes que suas efetivas demandas. “- Carlinhos...quem não tem história não tem futuro...” Aluno: me interesso apenas pelo presente. Quem era Mariguela?...que livro é esse...Nunca Mais?....há, há, há, ....Os militares, que fizeram os militares? O professor...quem não tem história não tem futuro....mas, como lhes ensinávamos a ser críticos, queriam saber se isso seria útil para sobreviver. Na nossa época ser crítico queria dizer ser engajado, politizado, de esquerda...na minha época se era crítico. Eu nem lembro se alguém me ensinou, era a realidade, o cotidiano que exigia, a luta diária, em fim, o Che, a utopia. Epílogo.... Saímos da escola em silêncio, algumas nuvens no céu parecem anunciar chuva. Minha companheira olha para o chão, meditando, mastigando a experiência - Devíamos reconhecer que o mundo mudou de uma forma que questionava os valores tradicionalmente sustentados, dos quais em maior ou menor medida éramos portadores. Os novos valores que surgiam da dinâmica do sistema, de suas ferozes metamorfoses se contrapunham aos valores sustentados especialmente pelas gerações mais antigas de professores: o individualismo, a competência desenfreada, o egoísmo, o ganho fácil e muitas vezes desonesto, a falta de solidariedade, a visão da escola e da educação como instrumento apenas ou para se adequar às cambiantes exigências do mundo do trabalho. Tínhamos dificuldades de olhar o futuro, como nos desfazer dos óculos do passado? Sentíamos que em parte era como jogar fora retalhos da nossa querida e às vezes tortuosa biografia. Bom, conseguimos formar alunos críticos? Na verdade sabíamos que devíamos chegar lá, mas como...e especialmente, como saberíamos se o conseguimos ou não? Ah...nossa contribuição de educadores, difícil de ser identificada, aparecendo e sumindo sempre como num jogo de sombras. Cena 7 O despertador toca furioso. São 6:00 horas da manhã. Fulano de Tal (carinhosamente chamado por todos de FT) sacode o restinho do sono que teima em manter suas pálpebras coladas uma na outra. Com gestos rápidos e
  • 23. precisos veste a roupa que na madrugada anterior já havia deixado arrumadinha em cima da cadeira. No banheiro, faz sua higiene matinal com gestos automáticos pois seu pensamento já está voltado para as tarefas do dia que mal ainda começou. Primeiro, tomar aquele cafezinho para afastar os últimos fiapos de sono, chamar as crianças e ajudar o mais novinho a calçar as meias, amarrar os sapatos. Tudo tem que ser feito rapidamente. O ônibus das sete já vai passar e ele não pode perde-lo de jeito nenhum. O outro só passará daqui a 15 minutos ele gasta pelo menos 40 minutos até a parada mais próxima do trabalho e ele nunca se perdoaria se chegasse atrasado. Na mão direita uma sacola cheia de recortes de revistas, folhas soltas de papel chamex, rolo de fita crepe, alguns pincéis atômicos e uma escova de cabelo, esquecida do dia anterior. Na outra um casaquinho leve, nesta época do ano costuma garoar um pouquinho e sua voz tem que ser preservada, pois ela será sua varinha de condão durante todo o dia. Sem ela como se comunicar com seus clientes? - e uma outra bolsa com mais papéis e alguns pertences pessoais. E este ônibus que não chega!!! É preciso telefonar para o pediatra, pois o menino mais novo tossiu muito esta noite. Satisfeito FT olha o relógio e vê que ainda faltam 5 minutos. Há tempo suficiente para falar com seu colega sobre aquela notícia lida de relance no jornal do passageiro que assentou ao seu lado no ônibus e dar um bom dia para o vigia noturno que deixa o turno de trabalho. Sua clientela já está a lhe esperar. Impacientes como sempre. Fulano de Tal com o mais simpático de todos os sorrisos do mundo cumprimenta a todos e recebe um sonoro bom dia. Vai tirando incontável sortimento de material das bolsas e ao pegar cada um deles vai relembrando o trabalho que teve no final do dia anterior. Primeiro vasculhar todos os jornais e revistas velhos em busca de figuras ou pequenos textos que pudessem ser úteis ( veja como Leila Diniz era bonita. Ah! Os Beatles. Não perdi um filmes deles..). Recortar as figuras, cortar os cartazes e colar (cadê o tubo de cola?). Procurar nos livros e nas bibliografias mais informações sobre aquele assunto abordado e que deixou algumas dúvidas entre seus alunos. Corrigir os trabalhos, afinal é preciso quebrar a ansiedade a respeito dos resultados. Afinal o sucesso de cada um depende da sua avaliação. Os olhos estão ardendo (é preciso consultar um oculista mas como? Se tempo não lhe sobra. Aos sábados só se for em emergência). Fulano de Tal passa a mão sobre os olhos e nem pensa na possibilidade de parar e ir dormir. É preciso ler mais um pouco sobre os assuntos que serão discutidos e algumas tarefas precisam ser repensadas. Na última reunião sentiu que havia necessidade de motivar mais seus clientes, buscar outros artifícios que os mantivessem interessados e participativos. Há mais de 15 anos trabalha com pessoas e sempre se surpreende com as novidades que eles trazem, novidades que algumas vezes até o deixam meio sem graça pois ainda não havia ouvido falar sobre este assunto. É preciso ficar sempre atento aos novos processos psico-pedagógicos publicados no jornal da categoria. Por falar em categoria relembra que é preciso comparecer à reunião do sindicato na próxima sexta-feira. Haverá votação e não se deve faltar. O cuco do relógio avisa que faltam 15 minutos para a meia noite. Hoje sua clientela está agitada mais do que o normal. Alguns até parecem estar com o pensamento no mundo da lua. É preciso fazer alguma coisa. Buscar no fundo da memória uma estratégia que gere o interesse de todos. É preciso muita calma porque sua clientela é muito sensível e qualquer coisa serve como motivo para torná-los intolerantes, impertinentes e até mal-educados. Como convencê-los de que os acontecimentos que irão se desenrolar são deveras importante, principalmente para eles. É preciso muito tato. Respeito. Carinho. Isto não é problema para
  • 24. Fulano de Tal. Carinho, amor, zelo, atenção não faltam no seu coração. Mas será que eles não percebem que são muitos e não se pode atender a todos ao mesmo tempo? FT se esforça e com jeitinho vai levando a sua tarefa em frente, mesmo que os ponteiro do relógio demorem uma eternidade para dar uma volta tão pequena e que o sinal anunciando o intervalo para o almoço insista em permanecer mudo. Bem que poderiam ter lhe dado aquele espaço que está vago no segundo andar. Lá é um pouco maior, as janelas ficam voltadas para o parque ( o visual é muito mais bonito ), o sol não incomodaria tanto e não seria necessário tantas lâmpadas, mesmo porque as que existem vivem queimando. Nada é capaz de diminuir o ânimo de FT, a não ser quando as pessoas dizem que o seu trabalho não tem importância. FT vira um bicho. Como não tem importância? Pela suas mãos, ou melhor, pelo seu ensinar já passaram pessoas que modificaram a história da nação. Pessoas que foram capazes de se adiantarem a sua época e mudar o modo de pensar de muitos. Lembra daquele que virou presidente da república? É verdade que depois tiveram que "tacar" o impeachment nelle depois, mas isto é outra estória. FT fica nervoso também quando percebe a desvalorização a qual sua profissão foi submetida. Escolher esta profissão foi o maior sucesso na família. Todos vieram lhe cumprimentar pela escolha. Afinal somente uma pessoa com tanta abnegação poderia ter feito tal escolha e naquela casa ninguém mais teria tantas condições para enfrentar este desafio. Bem que poderia ter ido para o Banco do Brasil ou ter tentado dar o golpe do baú, mas não fazia mal, naquela profissão também seria visto como um membro da elite, seu status social estava garantido, seria também um formador de opinião (ainda bem que isto não lhe tiraram). Dinheiro não era seu principal objetivo, mas até isto haveria suficiente para levar uma vida confortável. Afinal, como salário inicial iria ganhar o equivalente a 1500 reais por mês. Nada mal para se começar. Quem sabe até poderia comprar um carro já no segundo ano de trabalho? Mais de 15 anos de dedicação exclusiva, FT ama tanto seu trabalho que nunca lhe passou pela cabeça buscar outra ocupação. Para ele era inconcebível dividir seu amor pela profissão com qualquer outro tipo de trabalho. Para ele se não existisse esta profissão ele iria inventá-la. É seu respirar, o pulsar de seu coração. Ela é sua vida. Mas as coisas mudaram. Seu trabalho é constantemente elogiado pela sua clientela, pelos seus amigos e familiares e às vezes até pelo governo, mas porque será que ele já não pode mais trocar seu fusca ano 84 e no ano passado não pôde sair de férias com a sua família? FT não entende como pode alguém trabalhar por tanto tempo, ter feito mais de vinte cursos de carreira, ter procurado se aperfeiçoar fazendo um curso de pós-graduação que lhe roubou milhares de horas de sono para hoje receber menos de 850 reais por mês? Não entende também porque, se reconhecidamente importante por todos, o governo investe tão pouco na melhoria das condições de trabalho da categoria. E ele nem está falando em melhoria de seu salário. A realidade é cruel. Os minutos se arrastam e o cansaço começa a alfinetar. Os pés latejam, mesmo estando dentro de mocassins (meio velho é verdade) muito confortáveis, já são mais de três horas em pé. As veias das pernas já começam a latejar e aquele cliente que está lá no cantinho mais afastado não consegue entender o conteúdo que está sendo discutido. Será que está perdendo a capacidade de ensinar? Este é o pensamento que lhe vem a cabeça. Uma espetada de dor percorre seu corpo só em pensar que dedicou toda sua vida para fazer com que pessoas pudessem refletir melhor sobre o ambiente que nos cercam e destas reflexões buscarem alternativas que transformassem a natureza, imprimindo nela toda individualidade de cada um e, agora, já não acredita estar sendo capaz de realizar seus próprios sonhos, quanto mais os dos outros. Não entende também porque ultimamente vem perdendo a paciência com seus clientes. Antes, bastava um lhe procurar para pedir um conselho, uma explicação que
  • 25. fosse e toda a atenção era dedicada. Hoje pede aos céus que nos intervalos dos encontros ninguém venha lhe perguntar nada, inclusive adoraria que aquele amigo que vive lhe contando piadas não viesse lhe perturbar. FT sente como se fosse uma acha de lenha que vai queimando lentamente, soltando fagulhas pelo ar. Mas ele continua. Tal como aqueles castelos do século XII, sacudidos pelas ondas do mar, abrasados pelos ventos, corroídos pela chuva continuam como protetores de um torrão, como abrigo para os povos. Continua um símbolo, um ponto de comparação, um ponto de apoio para sua clientela. Isto lhe dá forças para continuar. Ele continua. Toca o sinal. Finalmente FT poderá descansar um pouco. Descansar? FT já esta correndo porque precisa pegar seus filhos na escola, precisa passar no banco para tirar uns caraminguás que restam do salário para pagar o corte de cabelo da filha mais velha e pegar a roupa que mandou tingir e que usará na festa de formatura do filho. Afinal como FT, tendo a profissão que tem, pode ir a uma festa de seu filho sem usar uma roupa nova? FT só tem duas horas para resolver todos os problemas de sua família, pois às 14 horas ele tem que estar de volta ao trabalho. Um lanche rápido, um rápido beijo na companheira e este ônibus que não anda. Como num teatro, onde trocam-se os coadjuvantes e o ator principal permanece, FT inicia mais um turno de trabalho. Mas vejam. Surpreendente. FT está sorrindo. Parece que o dia está começando agora. Para onde foram aquele cansaço, aquelas alfinetadas que davam vida a aquele calo de estimação? Não pode ser. Devem ter trocado FT ou então deram a ele um injeção de vitalidade. Novos cartazes são tirados daquela bolsa que carregava pela manhã e até, inconcebível, uma pequena maquete. Quando ela foi construída? (Só se foi no domingo passado durante aquele churrasco no clube.) A clientela de FT lança olhares de profunda admiração, o silêncio marca o interesse despertado e raios de curiosidade são projetados através de cada par de olhos da platéia. FT é aplaudido ao final de sua exposição. Os ponteiros não andam, o sinal não toca, as veias dilatadas doem, mas para FT só existe um objetivo - cumprir com sua missão. Cumprir com sua missão que na verdade não é sua mas da organização em que trabalha. FT imbuiu-se de que trabalhar com aquela clientela é transcendente a sua vida, é algo onírico, é o seu realizar. Finalmente o sinal toca. Mais um dia se foi. Foi? FT ainda precisa confirmar aquele encontro de terça-feira quando irão discutir os novos métodos a serem adotados com relação a clientela do próximo ano; precisa telefonar para o distribuidor de bebidas, pedindo para mandar mais gelo e mais refrigerantes para a festa de encerramento dos trabalhos; precisa pedir ao seu chefe que assine aquele oficio que será enviado ao Conselho pedindo mais verbas para comprar material de consumo, afinal FT é também o secretário da associação que representa seus pares. Precisa andar rápido para pegar o ônibus. Em casa precisa fazer o dever de casa com a filha mais nova que está tendo dificuldades em matemática, precisa escolher a roupa que vai usar, precisa preparar o encontro do dia seguinte. Um avião? Um super-homem? Um anjo? Não! FT é simplesmente um trabalhador dum país chamado Brasil. Fantasia, irrealidade. Trabalhador como este acima descrito não existe. Quem em sã consciência deixaria de ir ao oculista para dedicar-se ao trabalho? Quem seria tão maluco em continuar trabalhando onde, ao longo do tempo, as condições de trabalho ficam cada vez piores? Não existe ninguém capaz de permanecer numa organização onde seus ganhos salariais desvalorizem! Quem é “bobo” de perder horas de sono procurando gravuras para tornar suas tarefas mais interessantes se as pessoas, quando muito, querem somente saber somar 2 mais 2? Não existe ninguém que goste tanto de seu trabalho a ponto de não buscar outras atividades remuneradas a fim de complementar as suas
  • 26. necessidades financeiras! Nada mais enganoso do que pensar que exista um trabalhador que faça das metas da organização suas metas pessoais. Isto é conversa "prá boi dormir”! Quem quer saber qual foi o resultado do trabalho? Quem está ligando se o trabalho é gratificante? Basta que paguem o salário no final do mês que qualquer um ficará satisfeito! Quem se importa com seu cliente a ponto de ficar preocupado se está ou não está dando atenção especial a cada um deles? É impossível existir um trabalhador tão perfeito assim. Não existe? Advertência (?)...Professores das escolas públicas estaduais....não, perdão (limpando a boca),...fessores e fessoras das escolas públicas...A cada parágrafo nós não conseguíamos deslanchar o discurso, o livro estava ameaçado de não ser escrito...Porque os educadores deste país, eh...educadores e educadoras deste país...De repente, calor súbito no rosto...o discurso que pelo menos uma vez por parágrafo invocava os educadores do Brasil...perdão os educadores e educadoras do país, vai da invocação do gênero masculino (perdão, por colocar primeiro masculino), ao feminino sem descanso...(perdão por colocar feminino em segundo lugar)...O que fazer?...Com a boca seca, tomamos uma grave decisão: Ora...quando o discurso a seguir disser professor, quer dizer também professora, e quando disser professora, quer dizer também professor, e que nos desculpem os professores e professoras deste país.
  • 27. PARTE I – EDUCAR: O AFETO INVOCADO Cap 1 – Educar, Educador Wanderley Codo, Iône Vasques-Menezes Estas linhas ousam pensar a educação e o educador a partir do que o educador faz. Um caminho tão óbvio quanto raro. Tantos e tantos são os livros que discutem a educação, a crise da educação, os métodos para educar, e fazem ouvidos de mercador para o que o educador faz. Nada de errado com isto, a educação é um objeto de análise completo e complexo. Entre outras coisas, é da sua natureza permitir qualquer recorte, qualquer enfoque, como qualquer objeto de estudo, a educação enquanto tema é infinito e generoso. Generosos também os olhares e a polêmica a respeito. Neste final do século a educação é a um só tempo problemática, (o que ensinar? Para que? Para quem?) como obrigatória (sem educação, o país não conseguirá romper seus impasses). Que venham mais e mais discussões, mais e mais polêmica, mais e mais propostas metodológicas. Mesmo não sendo os autores pedagogos, estudiosos da didática ou da problemática da educação, mesmo que alguns deles sejam professores, nunca problematizaram a educação e nunca a elegeram como tema, trazem, neste livro, novas oportunidades de discussão. Trata-se, portanto, de uma tentativa de contribuição "outsider". Trabalho, é o nosso objeto de pesquisa, condições objetivas e subjetivas de trabalho, a nossa área. A esperança é a de que um olhar de fora possa ajudar, mesmo sem nunca substituir, o olhar dos profissionais que dedicam suas horas ao tema, educação. Aqui se fará o contrário do que se costuma fazer em um livro habitual sobre educação, inclusive para manter- se coerente com o ‘olhar de fora’. Nos faremos de surdos aos desígnios da educação, para concentrar nossos esforços na tarefa do educador. A pergunta que animou nosso percurso durante os últimos dois anos foi: “O que faz o educador?” Ou ainda: “Independente do que se quer ensinar, que dramas e gozos se carreiam ao se ensinar?” Se é impossível pensar a crise da educação brasileira sem uma filosofia educacional, sem uma teoria pedagógica consistente, sem uma política clara, ( e é mesmo impossível), também é inócuo pensar a educação na ausência do que faz o educador. Eis a lacuna que estas páginas sonham preencher. Que se entre em uma escola, que se visite as agruras e prazeres dos educadores, professores ou não: o que se verá ali é trabalho, muito trabalho, uma verdadeira usina funcionando a um ritmo alucinante e coordenado. No entanto pouco se lê sobre o educador e a educação, mesmo sabendo que estamos falando de trabalho dos mais complicados, como se verá. Eis porque seremos obrigados a levar o nosso eventual leitor por caminhos nunca dantes navegados: a infra- estrutura das escolas, os sentimentos do professor, só para citar dois exemplos. Até a presença de um banheiro exclusivo para professores, ou o fato daquele banheiro estar limpo, (para ser anedótico) para nós será um tema de
  • 28. análise, na exata medida em que compõe o universo conhecido como condições de trabalho do educador, enquanto a adoção do “sócio-construtivismo” nesta ou naquela estratégia do país, para nós passará desapercebida. A tarefa nos impôs o caminho a seguir: iniciaremos por uma breve constatação de algumas marcas específicas do trabalho de educar; em seguida discutiremos com mais detalhe as relações entre trabalho e afeto; depois discutiremos a questão da crise de identidade que o educador vive neste final de século, terminaremos, já com um resultado empírico, com o perfil do educador que a nossa pesquisa revelou. Sigmund Freud (1975) disse certa vez que educar é uma tarefa impossível, não explicou, e nem caberia. Hoje, o olhar que busca investigar o trabalho, distante das peripécias da sexualidade e/ou do inconsciente tal e qual a psicanálise os definiu, chega à mesma conclusão. Desta vez com a obrigação tácita de se perguntar o “por quê”. Por que a educação é uma tarefa impossível? Uma tarefa impossível Dos que sabem sentar-se à mesa, usar cada copo e cada talher por sua vez, dos que não comem com a boca cheia, os que não misturam a comida a esmo, sabem combinar sabores no prato, diz-se que são educados. Dos que são capazes de reconhecer uma nota musical solfejada no rádio ou dedilhada ao piano, os que reconhecem um cantor, um violão desafinado, os que sabem o nome do autor de uma sinfonia ao ouvir alguns de seus acordes, diz- se que tem o ouvido educado; educação musical. Dos que ficam atentos a olhar um quadro, que sabem reconhecer modos de lidar com cores e formas em uma pintura, que tem algo a dizer sobre o estilo de um autor, ou ainda os que reconhecem o estilo impresso em um romance, a trama dramática armada pelo autor, dos que seriam capazes de discorrer sobre os personagens inventados, digamos, por Jorge Amado, diz-se que tem educação artística, literária. A quem crê em algum Deus, articula um sistema de crenças, pratica liturgias, se comporta de acordo com suas crenças, participa dos grupos organizados em torno a ela, diz-se que tem educação religiosa. Se educa a língua, os olhos, o faro, a sensibilidade, os afetos, o erotismo, qualquer sentido que tenhamos ou que venhamos a inventar. É assim que o mundo leigo, o mundo das primeiras aparências, se refere à educação, ou se tem ou não se tem, ou se tem mais ou menos: “fulano não tem educação, sicrano é mal educado, beltrano é muito educado, tem uma educação finíssima”. Ainda a educação formal, aquela que se aprende na escola não escapa desta miríade de significados. “O aluno não está aqui apenas para receber e dominar conteúdos específicos, deve ser educado para a vida.”, é uma frase comum de se ouvir nas escolas. Osas professoresas não raro intervém no modo dos alunos se vestirem, tentam ensinar boas maneiras à mesa quando há refeições na escola, introduzem discussões sobre religião, arte, literatura em seus currículos ou aulas. Eles também, os profissionais especializados em educação, atuam a partir do mesmo pressuposto apontado acima, e se consideram (ou são) encarregados da mesma abordagem ampla, geral e irrestrita. Mas fiquemos um pouco mais com o senso comum: “onde começa e onde termina a educação”, no sentido primeiro que escolhemos acima? A resposta seria sempre a mesma: “começa em lugar nenhum, em qualquer lugar,
  • 29. em todos os lugares, nunca termina.” Jamais pode se considerar completa, acompanha cada homem, cada mulher, desde o primeiro passo, a primeira palavra até o último suspiro. Se uma mãe ou pai quer, e sempre quer, educar seu filho, começa, assim que pode e segue por toda a vida, até que possa. Se alguém quer se educar nas artes, começa assim que tem alguma consciência do que seja isto e passa seus últimos dias a freqüentar museus e livros. Cada chance, cada minuto, contribui para formar o patrimônio que vai se acumulando invisível no caráter de cada um de nós, coisa que ninguém vê e todos nós somos capazes de reconhecer. Cada vez que a mãe/pai impede que o pimpolho agarre o frango com as mãos, sempre que se corrige uma pronúncia errada (não se diz ‘pobrema’ e sim ‘problema’), quando se pune o uso de um “palavrão”, quando se propicia a uma criança, um adolescente, um passeio a museus, acesso à boa música, boa literatura, quando a TV nos informa sobre a biografia de Beethoven, quando uma caravana de aposentados se detém respeitosa perante um quadro de Van Gogh, sempre a cada momento, se diz que estamos sendo educados. Melhor enfatizar; mesmo a nível do senso comum, a primeira olhada nos arrasta até a constatação de que a educação não tem um lugar, ocupa todos os lugares, não tem um início ou um fim, acompanha todos os momentos da vida, não tem locus no sujeito, se espalha por todos os sentidos, todos os gestos, todas as crenças e intenções. Não tem um autor, é obra de todos com quem cada um de nós se encontra e também de quem sequer conhecemos. A educação é onipresente e omnisciente. A partir de agora o senso comum não nos ajudará mais. O jovem que conhece e admira música clássica, que reconhece Bach, Vivaldi, Beethoven, o outro jovem que só freqüenta o “tatibitate” das canções da moda, que faz um “muxoxo” de tédio quando escuta um acorde mais sofisticado; ambos ‘têm educação’. O freqüentador de um restaurante que sabe pedir o vinho pela estirpe, reconhece-lo pelo simples gesto de levar a rolha ao nariz e o outro freqüentador que escolhe o vinho pelo preço no cardápio, ambos são ‘educados’, desde o teólogo até o ateu praticante todos são portadores de ‘educação religiosa’. Não existe algo semelhante à ‘pouca educação’, se nos afastamos do senso comum. O analfabeto adquiriu uma cultura, valores e habilidades lhe foram ensinados, concepções foram testadas, detém uma sabedoria diferente de quem freqüentou 20 anos de escola, mas é uma sabedoria. O mundo está repleto de bons exemplos de que muitas vezes é muito sábio, muito educado, embora em outros valores, diferentes daqueles que a escola imputa. Ou seja, além de onipresente e omnisciente a educação é incomensurável. Impossível dizer quem tem ou quem não tem, quem tem mais ou menos, qual é melhor ou pior. Estivemos, até agora, propositadamente afastados da educação que ‘se faz’ na escola, por profissionais especializados: ‘os professores, os educadores, os trabalhadores em educação’. Agora a educação se faz em um prédio próprio, mal ou bem aparelhado para este fim; funciona em horários delimitados; não raro uniformiza seus alunos com a sua marca. Agora a educação tem dono, tem autor, tem começo e fim, tem critério, se mede em números, se avalia. O aluno, ao entrar para a primeira série do primeiro grau, tem alguém responsável pela sua educação; um objetivo pré-traçado, “deve chegar ao final do curso sendo capaz de....”; um programa elaborado onde se imagina que, em seqüência, cada habilidade é necessária para a aquisição da próxima; uma prova ou algo semelhante que é lida como um indicativo de que as metas foram ou não cumpridas; o resultado definido em porcentagens precisas, uma escala de 0 a 10, um ponto de corte arbitrado com precisão milimétrica (até 5,0 significa reprovação; 5,1, ou mais, significa aprovação). Um professor faz um curso, um concurso, está habilitado para ensinar,
  • 30. digamos, português ou matemática, tem um programa, define metodologia, estabelece avaliações, o comportamento esperado em cada uma delas, etc., etc. e etc. Agora a educação comparece com um trabalho, como qualquer outro: profissionais dividindo as tarefas, cada qual cuidando de seu pedaço, o aluno tendo seu trabalho avaliado e arbitrado, quantas horas deve se dedicar para aprender matemática, biologia ou português. Agora vislumbramos uma atividade oposta àquela que vimos surgir mais acima: “educar é uma tarefa objetiva, finita, mensurável, tem seu lugar (a sala de aula), seu tempo (a duração da aula) e sua medida (as provas)”. Tem mesmo? Que se ouça o professor: “Não quero que os meus alunos fiquem apenas decorando os nomes dos países, quero que tenham uma noção crítica de História ou Geografia”... “Não basta que os alunos saibam fazer contas é preciso que saibam raciocinar segundo a lógica matemática” ... “Mais importante do que as leis e os símbolos deste ou daquele país, procuro ensinar uma ética e uma moral capaz de transformá-lo em um cidadão” ... “busco desenvolver em meus alunos a capacidade de crítica, o sentimento de justiça” ... “É preciso que o aluno traga sua realidade concreta para a sala de aula, ou É preciso levar a realidade concreta para a sala de aula”. Figura 1, Cap. 1 - Declaração de um professor em relação ao que busca ensinar. Bastou aprofundar um pouquinho nas primeiras aparências e já estamos outra vez sem poder medir, diferenciar, definir. Outra vez, mesmo no espaço definido da escola, mesmo na rigidez do resultado numérico, estamos no território do onipresente, omnisciente, incomensurável. Talvez por isto Freud disse que educar, assim como governar e psicanalizar, é uma tarefa impossível. Como alguém pode dizer que faz uma tarefa que não se define? Que não tem começo nem fim? Que sequer se saiba o que seja? Mesmo que imaginássemos a figura idílica que habitou o sonho de nossas avós: uma mãe ou um pai dedicado exclusivamente à educação de seu único filho, mesmo que esta senhora ou senhor soubesse tudo a respeito da formação que seu filho devesse receber, mesmo que fosse possível acompanhar todos os momentos de vida deste filho, pelos seus primeiros vinte anos. Mesmo assim, a educação seria uma tarefa impossível, um trabalho onipresente e omnisciente exige alguém idem para realizá-lo. Coisas que talvez sejam atributos dos deuses - se deuses houverem - um reles mortal está incapacitado a priori. Mas a vida real é composta de professores, com muita sorte, com ‘apenas’ 30 alunos em quatro horas, por nove meses ao ano. Agora sim, também para um mero mortal: “Uma tarefa impossível.” Número de Alunos por Turma sem resposta 6,50% menos de 20 3,30% de 20 a 35 32,00% de 35 a 45 41,60% de 45 a 55 14,00% mais de 55 2,60% Total 100,00% Figura 2, Cap. 1: Distribuição do número de alunos por turma.
  • 31. Ali uma jovem sentada, em companhia de centenas de outras, carrega no semblante, em frente a um papel cheio de bolinhas vermelhas, onde querem saber se ela sabe quem foi Jean Piaget, querem que realize com esmero equações e raízes quadradas, que saiba com todos os “sss” e “rrr” as obras escritas por Machado de Assis... Presta um concurso público para o qual se preparou em média 12 anos, quer ser professora. Vencida a batalha, eis que entra em sala de aula, nos primeiros trinta segundos se avexa com o adolescente que não desgruda o olhar de suas pernas, e insiste em não disfarçar; se confunde com a troca de figurinhas de futebol, um pouco mais atrás; persegue inutilmente o olhar entregue às moscas da/o mocinha/o sonhadora/sonhador. Ensinaram-lhe Piaget, cobraram-lhe Piaget; e lhe entregaram a tarefa de administrar a vida toda, de todos nós. Ao contrário do provérbio popular, ‘cobraram por um gato e lhe ofereceram uma lebre’. Acolá uma ‘dona de casa’, que nunca soube fazer nada além de cuidar de si e da família, (o que sabe, é muito, mas o mercado de trabalho acha que é nada) enche outras tantas bolinhas para ser merendeira em uma escola pública. Sabe que fará lanches para aquele bando de moleques, refeições que serão devoradas em cada intervalo. Ao chegar no primeiro dia de trabalho encontra um garoto a pisar nos pés de outro na fila, se encontra na situação de ensinar bons hábitos à fila, à mesa, surpreende alguém surrupiando salsichas do vizinho mais fracote, se impõe a tarefa, nunca antevista, de guardiã e mestra da generosidade, humanidade, justiça, valores tão caros, tão raros que não há preço que se pague. Educadora, tanto quanto o professor, com a desvantagem que ninguém parece saber disto, muito menos o seu contracheque. Impossível. E muitos vivem a vida como ela, e muitos ainda gostam disto, talvez porque seja uma tarefa, um trabalho muito especial. Qualquer ser humano sonha, pelo menos por um momento, em escrever seu nome na história, em última instância, em não morrer, em ser lembrado depois que passou. O professor, o educador, tem esta chance. Uma atividade completa Ser Humano significa ser Histórico. Compreender um ser humano implica em partir do pressuposto de que cada gesto, cada palavra estão imediatamente inseridos num contexto muito maior, que transcende a ele e a sua existência. Escrevendo a História, de toda a humanidade, todo o passado determina, constroí, reconstrói; explica, significa e re-significa o presente; todo presente engendra, contém e constroí o futuro. Assim, cada ação humana carrega em si toda a História da Humanidade e as possibilidades a serem re-desenhadas amanhã e é também portadora do futuro. Cada ação humana é uma síntese, ao mesmo tempo, única e universal, do nosso passado e do nosso futuro. Que seja um ato banal: ‘comer um tomate.’ Algum hominídeo, em algum lugar perdido no passado, movido pela fome encontrou a fruta silvestre, experimentou, gostou dela. Muito tempo depois, a tribo aprendia a plantar sua semente, a protege-la dos outros animais, pragas, intempéries, desenvolveu-se uma tecnologia agrícola que aos poucos mudava a face, o gosto, a composição físico-química do tomate, seria já irreconhecível perto do seu antepassado silvestre, milhares de anos, de trabalho de todos os homens. Os agricultores, os químicos, os comerciantes, os transportadores, literalmente toda a
  • 32. humanidade, toda a História está presente no tomate que comparece ao meu prato. O objeto mesmo, criado e consumido pelo Homem comparece como portador de sua História, de seu devir. Se quisermos estudar o desenvolvimento do homem de sua era mais pré-histórica até hoje podemos faze-lo com base num objeto qualquer, em qualquer ato, por mais banal que seja. Não apenas os objetos, os atos também são históricos. A história existe antes e depois do ato e provavelmente vamos entendê-lo de uma forma muito mais abalizada no decorrer dos tempos. Uma rede infinita se tece e se concentra no ato de comer o fruto ou não. O preço, o valor, a medida, a estética, a propaganda, o mercado, a técnica, a fisiologia, a física, a biologia. Infinitos tomates são inventados pelo gesto humano e se alojam dentro do tomate; um médico poderia nos falar muito sobre a vitamina C e as outras que a fruta carrega. Um comerciante poderia fazer o mesmo, um industrial, um político. A História do tomate começa muito antes do Homem ter comparecido ao mundo; a evolução das moléculas, todos os acidentes que implicaram na existência de um ser vivo, à qual mal temos idéia. As receitas disponíveis para preparar o fruto, que vão se acumulando e se preenchendo de significados em culturas diferentes, em classes sociais distintas, em vários grupos etários. Tantos são os tomates, dentro do tomate, que fomos criando especialidades dedicadas a uma ou outra faceta: O agricultor dedica sua vida a conhecer detalhes sobre o plantio da fruta, seu comportamento, sua evolução. O engenheiro agrícola a conhecer nomes e fórmulas de venenos, por um lado e comportamento de uns bichinhos estranhos que ele chama de pragas, do outro. O médico se preocupa com os nutrientes e os efeitos fisiológicos do tomate, em que dietas deve entrar, em que dietas deve ser proibido. O sociólogo estuda os hábitos alimentares da população alvo para saber da possibilidade de aceitação do alimento e da forma adequada. E assim por diante. O médico, o agricultor, o comerciante, e quantos mais pudermos lembrar, todos os trabalhadores que compuseram, compõe e virão a compor os milhares de significados que um tomate pode ter: ‘todos eles se formam na escola’. Enfim, um tomate é a síntese de toda a história natural e depois toda a história da humanidade. O mesmo pode ser dito do ato de come-lo, da faca e garfo que se utiliza para tal, do lugar onde se senta para a refeição. Mas falemos um pouco do futuro. Ao comer o tomate, ou mesmo quando o recusa, você está intervindo em todo o futuro da humanidade. Por exemplo, você cria, ou mantém, a necessidade de alguém plantá-lo; cria, ou mantém, a necessidade de produção de adubos e venenos e, por extensão, da pesquisa em química orgânica e inorgânica; cria, e/ou mantém, a necessidade de uma rede de transportes - você é responsável pelo emprego do caminhoneiro que foi contratado pela agroindústria produtora de tomates em Mogi das Cruzes, por exemplo, uma cidadezinha produtora desta fruta, da qual você sequer precisa ter ouvido falar. Ao comer a fruta você gerou um movimento; alguém em sua casa foi ao supermercado comprar outra, o que por sua vez implicou em uma baixa de estoque, que provoca uma busca de fornecedores, que procuram os intermediários, que procuram os produtores, que acionam os transportes, e assim, per omina. Um agricultor a tomar uma cerveja ‘de papo para o ar’ depois do trabalho, se gaba de ter tido um bom palpite, ‘plantar tomates este ano deu dinheiro’. Você foi responsável pelo sentimento de segurança do agricultor! Todo o