Análise dos Impactos Regionais da Reforma Agrária no Brasil (Resenha - Renata...
Elizabete jepex 2011_17.09.2011_final[2]
1. XI JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2011 – UFRPE: Recife, 18 a 22 de outubro.
AUTONOMIA DA MULHER NO PROCESSO DE TRANSIÇÃO
AGROECOLÓGICA NO ASSENTAMENTO CHICO MENDES III – PE
Elizabete Buonora de Souza Lira1, Jorge Roberto Tavares de Lima2, Jorge Luiz Schirmer de Mattos3,
Introdução problemas locais e com modificações no modelo de divisão
sexual do trabalho.
O Assentamento Chico Mendes III localizado na divisa
O status social das mulheres na representação que é
dos municípios de São Lourenço da Mata e Paudalho- PE,
feita pelos homens, e pelas próprias mulheres reflete a
que está em processo de transição agroecológica, apresenta
subordinação da mulher, até mesmo nas atividades
um fato que chama a atenção: as lideranças são quase que
agrícolas que, perdem o caráter de trabalho e passam a
exclusivamente femininas. O assentamento resultou da luta
ser denominadas como ajuda [4]. O desenvolvimento
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST desde
da agricultura familiar, a partir de uma abordagem de
2004. As famílias foram assentadas em 14 de outubro de
gênero, tem um importante significado político,
2008, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
econômico e social, uma vez que incorpora do ponto de
Agrária (INCRA). Atualmente encontra-se no assentamento
vista estrutural, o trabalho de homens e mulheres [2].
um total de 55 famílias, que ocupam aproximadamente
Os padrões culturais que estruturam estas visões têm
413,33 ha. O Assentamento Chico Mendes III está dividido
também sua correspondência na distribuição dos
em 5 núcleos, cada um composto por 11 famílias e dois
alimentos onde as mulheres e meninas são atribuídas
coordenadores sendo um do sexo feminino e outro
uma menor porção ou são excluídos alguns alimentos
masculino.
considerados mais “fortes” (carne, por exemplo), uma
O objetivo deste trabalho foi conhecer aspectos da
vez que seu trabalho (ou não trabalho) é considerado
autonomia da agricultora assentada Leni da Silva e seu
“leve”, exigindo menor reposição de energia [1].
companheiro Daniel Pedro de Souza, bem como seus
Os estudos tradicionais sobre a agricultura familiar e
sonhos e percepções relativas ao processo de transição
o campesinato costumam descrever a realidade das
agroecológica em curso no Assentamento Chico Mendes
famílias não como o resultado de relações desiguais de
III.
poder entre homens e mulheres, e sim como sendo um
ideal de complementaridade de papéis e de tarefas entre
os sexos e as gerações [3]. Teoricamente a agricultura Material e Métodos
familiar é centrada nas suas necessidades em garantir a
sobrevivência de todos os seus integrantes, e, Foram realizadas várias visitas ao roçado de Dona Leni e
sobretudo, na reprodução daquele modo de vida diante seu Daniel no Assentamento Chico Mendes III. Para
de um mundo hostil que permanentemente está obtenção das informações foi utilizado um roteiro de
empurrando-o para o caminho da dissolução [2]. entrevista semi-estruturada com o objetivo de estimular o
A presença das mulheres nas lutas sociais no campo é diálogo e obter informações da propriedade, bem como
parte de nossa história e produziu várias lideranças. O suas dificuldades, perspectivas, sonhos e sua percepção das
que é novo nessa dinâmica social é a emergência do mudanças decorrentes da chegada do Projeto Transição
movimento de mulheres cujas reivindicações, agroecológica em curso no Assentamento Chico Mendes III
especialmente a partir da década de 80, estão centradas desde 2008, via parceria com a UFRPE.
no reconhecimento social de sua situação como
trabalhadoras [3]. Uma luta por cidadania expressa nas Resultados e Discussão
bandeiras do direito à sindicalização, direito à
propriedade da terra, direito previdenciário e A. Transição Agroecológica no Assentamento Chico
aposentadoria, direito de acesso aos serviços de saúde, Mendes III.
direito ao trabalho. Através de reuniões semanais organizadas pela
Segundo [4], atualmente ainda existem entraves Associação do Assentamento juntamente com a
organizacionais para o desenvolvimento humano, coordenação do Projeto foi possível observar que o
econômico e social, que podem ser superados com o processo de transição agroecológica é realizado de forma
incentivo, na busca de alternativas concretas para os participativa. Inicialmente foi realizado um diagnóstico
rural rápido para se identificar as potencialidades e
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1. Primeiro Autor é Aluna Bolsista de Extensão UFRPE/SESU/MEC do Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas do Departamento de Educação,
Universidade Federal do Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irmãos, Recife-PE, CEP: 52171-900. E-mail:
elizabete.buonora@yahoo.com.br
2. Segundo Autor é Professor Auxiliar Adjunto do Departamento de Educação, Universidade Federal do Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de
Medeiros, s/n, Dois Irmãos, Recife-PE, CEP: 52171-900.
3. Terceiro Autor é Professor Orientador Adjunto do Departamento de Educação, Universidade Federal do Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel
de Medeiros, s/n, Dois Irmãos, Recife-PE, CEP: 52171-900.
Apoio financeiro: CAPES e CNPq.
2. XI JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2011 – UFRPE: Recife, 18 a 22 de outubro.
limitações do assentamento. Após o diagnóstico foram utiliza adubos sintéticos e agrotóxicos, pois sabem da
realizados intercâmbios com visitas a vários importância de se produzir produtos saudáveis para si e
agricultores agroecológicos de Pernambuco. Em para as famílias na cidade, bem como dos benefícios ao
seguida foram implantadas na comunidade Unidades meio ambiente. De acordo com Dona Leni o próprio
Experimentais Agroecológicas – UEAs, senda uma assentamento é beneficiado, pois as políticas públicas
coletiva, implantada no primeiro ano de execução do atuais tais como o PNAE e PAA favorecem quem produz
projeto e 34 individuais por família, estabelecidas no alimentos de base agroecológica.
ano seguinte. A UEA coletiva apresentou uma área de 3- Divisão de trabalho: Segundo a Agricultora tanto ela
0,5 ha e as UEAs 400m2 cada uma, ocupadas com quanto o marido realizam todas as atividades no roçado, do
ensaios com adubos verdes, policultivos de culturas de plantio a colheita. Nas atividades domésticas o
subsistência, horta e sistemas agroflorestais [5]. companheiro da agricultora também auxilia, “sempre
Também foram instalados dois viveiros para a quando pode”. Porém, as únicas atividades que a
produção de mudas para a revegetação dos rios Agricultora faz sozinha é a venda dos seus produtos na
Tapacurá e Goitá e do assentamento como um todo. feira agroecológica e a compras de alimentos para casa.
Em outubro de 2010 e setembro de 2011 foram Dona Leni fala com orgulho que seu trabalho é reconhecido
instaladas duas Feiras Agroecológicas, sendo uma na pelo seu companheiro e apoiado por ele. Além dos deveres
Praça Doutor Araújo Sobrinho, em frente à Prefeitura da casa como lavar, fazer compras e cozinhar, ela trabalha
de São Lourenço da Mata, e na Praça Farias Neves no diretamente com os plantios, manutenção e colheita dos
bairro Dois irmãos, em Recife-PE. seus produtos retirados de seu roçado. Porém, no momento
da implantação das hortaliças, em que o trabalho é mais
B. Entrevista pesado, como a retirada dos resíduos após a limpeza, é
1- A propriedade da agricultora e composição função de seu marido. Vendo este processo de integração
familiar: O nome do “roçado” da agricultora se chama da mulher nas atividades é possível afirmar que a visão da
Sonho Meu, devido a sua luta para conquistar a posse mulher do campo está mudando, ainda que lentamente, mas
da terra. A agricultora tem dois filhos, porém eles não já não é mais vista como uma ajuda secundária.
vivem na propriedade e nem trabalham com 4- Percepção da Agroecologia e perspectiva para o futuro:
agricultura, pois segunda ela “não tem interesse e não Antes da chegada da UFRPE a família da Agricultora só
tem gosto pela terra”. De acordo com a Agricultora a trabalhava com poucas culturas, não apresentava interesse e
sua propriedade é uma realização de um sonho nem consciência da importância da agricultura de base
conquistado, pois antes de se tornar assentada vivia na agroecológica e utilizava práticas que prejudicavam o solo
região metropolitana do Recife, sem nunca ter e meio ambiente como o uso do fogo e alguns produtos
esquecido suas raízes na agricultura. Tanto Dona Leni químicos para sanidade animal. Segundo a Agricultora foi
quanto seu companheiro cresceram no interior de por meio de intercâmbios e da prática na UEA que o casal
Pernambuco e sempre sonhavam trabalhar com a terra. mudou sua visão de agricultura e de futuro passando assim
Antes de chegar o Projeto Transição Agroecológica a compreender e fazer agricultura diversificada, de acordo
Dona Leni trabalhava com poucas culturas anuais, com a Agroecologia.
principalmente macaxeira e milho. A área em que Dona
Leni trabalha atualmente possui apenas 1,5 ha. Isso Agradecimentos
porque a divisão definitiva dos lotes pelo INCRA ainda
A família da Agricultora Leni da Silva pela
não aconteceu. Sua área está ocupada com uma parcela
disponibilidade de tempo e contribuição para a realização
de 400m2 onde foi implantado um sistema
deste trabalho e a UFRPE/SESU/MEC pela concessão da
agroflorestal. Segundo levantamento florístico
bolsa de extensão.
realizado em 2010 identificou-se 19 famílias, 22
espécies totalizando 966 plantas na UEA de Dona Leni
[5]. Contudo, é com as hortaliças irrigadas que a
Referências
agricultora gera maior parte de sua renda, uma vez que [1] PACHECO, L. M. Sistemas de produção: uma perspectiva de
as fruteiras ainda não estão produzindo. gênero. [Online]. Homepage:
2- Alimentos agroecológicos: Atualmente a agricultora http://www.scribd.com/Ainvisibilidadedotrabalho-da-mulheruma.
[2] SILIPRANDI E. Um olhar ecofeminista sobre as lutas por
está “lucrando” com a venda de hortaliças nas Feiras sustentabilidade no mundo rural. [Online]. Homepage:
agroecológicas e junto a alguns clientes especiais em http://www.agriculturesnetwork.org/.../um-olhar-ecofeminista-so.
Camaragibe. Os produtos são: alface americana, crespa, [3] FERNANDES, L. C. A Realidade das Mulheres Rurais na Luta pela
lisa, e roxa, alho poro, coentro, couve, couve-flor, Reforma Agrária: Ação. Rev. Bras. de Agroecologia, 2009 [Online].
Homepage: http://www.aba-agroecologia.org.br/ojs2/index.php?.
macaxeira, quiabo, repolho, rúcula, salsa, banana e
[4] SILVA, R.C.M. Gênero, Saúde e Meio Ambiente: o trabalho do
abacaxi. As outras espécies frutíferas plantadas no agente comunitário de saúde na Amazônia Ocidental. [Online].
roçado experimental ainda não deram frutos. Dona Homepage: http:// www.alasru.org/wp-content/.../01-gt-mauro-
Leni e seu Daniel também estão produzindo espécies césar-rocha.
frutíferas, exóticas e nativas para recompor a vegetação [5] OLIVEIRA, R.F. Desenho e implantação de unidades de referência
agroflorestal:aliando produção e preservação ambiental. Recife:
próxima ao rio Tapacurá. Por princípio, o casal não UFRPE, 2010. 41p.
3. XI JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2011 – UFRPE: Recife, 18 a 22 de outubro.
Figura 1. Visão parcial da propriedade da Agricultora Leni no Assentamento Chico Mendes III: A - Agricultora fazendo o preparo
do solo para o plantio. B - Companheiro da agricultora. C - Plantio de hortaliça. D – Agricultora realizando a semeadura de coentro.