1) Edy Star, um cantor, ator e performer brasileiro de 74 anos conhecido por seu estilo andrógino e subversivo na década de 1970, está tendo seu único álbum solo relançado.
2) Gravado em 1974, "Sweet Edy" contou com composições de grandes nomes da música brasileira para Edy e misturava estilos como rock, tropicalismo e desbunde.
3) Após 18 anos vivendo na Espanha, Edy retornou ao Brasil e vem sendo redescoberto, se apresentando em shows
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● SEGUNDO CADERNO O GLOBO Sábado, 18 de fevereiro de 2012
PERFIL
A face mais alegre dos anos 1970
De volta ao Brasil após 18 anos, o cantor, ator, dançarino, produtor teatral e
‘one man show’ Edy Star é redescoberto e tem seu único disco solo relançado
Marcos Alves
“
EDY STAR em São Paulo, onde mora depois do autoexílio em Madri: aos 74 anos, o performer que fazia sucesso na noite carioca e gravou com Raul Seixas vai ganhar a reedição, em CD, de “Sweet Edy”
Fotos de arquivo pessoal
Gilberto Scofield Jr. — Não me diga que a senhora é maldade das gravadoras. Foram
a Miriam Butacada! Que honra! 18 discos lançados, mas faltava
gils@oglobo.com.br
O próprio Edy conta a histó- fazer justiça a este álbum, dispu-
SÃO PAULO ria às gargalhadas enquanto to- tado a preços altíssimos nos se-
D
ia desses, o cantor, ma um café com leite na cafete- bos. Quando encontrei este ho-
ator, dançarino, pro- ria do Masp, em São Paulo. Aos mem cheio de energia e vontade
dutor teatral e one 74 anos, cabelos encaracolados de cantar aos 74 anos, não resis- Edy caiu no gosto
man show Edy Star, 74 ligeiramente brancos na altura ti: reeditei o disco em versão es-
anos, conversava com Luiz Ca- dos ombros e vestindo bermu- pecial, com um livro de fotos. do público porque
lanca, dono da Baratos Afins, a das, tênis All Star e uma camisa O disco ganhará um show na não perdeu o vigor
mais festejada loja de discos da de turista de Miami com estam- próxima edição da Virada Cultu-
Galeria do Rock, em São Paulo. pa de araras coloridas, ele es- ral — a versão paulista da Fête e o caráter
Os dois comentavam a forma
quase religiosa com que os fãs
banja jovialidade e atira comen-
tários politicamente incorretos
de La Musique de Paris —, dia 5
de maio, e o artista já trabalha
subversivo típicos
de Raul Seixas tratavam seu ído- para todos os cantos. Continua na seleção de canções para um das produções
lo quando um fã de Raulzito se
aproximou, querendo saber in-
tão deliciosamente gay — e fe-
rino — quanto há 40 anos, quan-
segundo CD, que se chamará
"Edy continua sweet" (com mú-
artísticas na
formações sobre o clássico LP do fazia sucesso na boate Num-
EM 1974,
sicas de Gonzaguinha e Zé Ro- década de 1970
“Sociedade da Grã-Ordem Ka- ber One, em Ipanema, com um drix que acabaram censuradas
vernista apresenta Sessão das show de rock glam e andrógino época do no primeiro álbum). Enquanto Rodrigo Faour, pesquisador
10”, disco de 1971 reunindo o que desafiava os nublados tem- isso, o cantor bomba no circuito
próprio Raul, Edy, Sergio Sam- pos repressivos da época. lançamento de roqueiro underground paulista-
paio e Miriam Batucada. Na épo- — Eu nunca quis ser famo- “Sweet Edy”: no, onde brilha nas festas de fãs — fazia seu show de estilo ca-
ca, a sonoridade avançada do so, rico ou polêmico. Sempre de Raul Seixas interpretando to- baré na Number One, em Ipane-
LP — “uma mistura de Tropicá- fui autêntico e procurei fazer flerte com rock, das as músicas da “Sociedade da ma, quando o produtor João
lia com ‘Sgt. Peppers’, dos Bea- coisas boas — diz ele. tropicalismo Grã-Ordem Kavernista” (o show Araújo, da Som Livre, convidou-
tles”, como chegou a definir que fez celebrando o disco na Vi- o para gravar um LP, na esteira
Raul mais tarde — fez a grava- Novo disco a caminho e desbunde rada Cultural de 2009 foi o mais da fama de “primeiro cantor as-
dora CBS rejeitá-lo e poucos ou- Depois de 18 anos num exílio comentado, levando os produto- sumidamente gay da MPB”. Ou
viram o trabalho. voluntário na Espanha, onde foi res a repetir o evento em 2010). melhor, “Bofélia”, como dizia o
Com o tempo, os próprios mestre de cerimônias do cabaré Ou se apresentando ao lado de amigo Raul Seixas.
fãs de Raul Seixas trataram de de luxo Chelsea 2, em Madri, o outro mito alternativo da década No auge da carreira, fazia
elevar “Sociedade da Grã-Or- cantor voltou de vez para o Bra- COM CAETANO, de 1970, a cantora Maria Alcina. show na boate Up’s, em São Pau-
dem Kavernista” ao status de sil há cerca de um ano por conta A dupla fez ano passado uma ho- lo, conquistou o segundo lugar
da crise europeia e acha que fez uma das estrelas menagem a Assis Valente no no concurso Rainha dos Artistas
disco cult, cujas músicas pas-
saram a ser obrigatórias em a coisa certa. Afinal, diante de que compuseram show “Salve o prazer!”, muito (vencido pela modelo Marina
qualquer homenagem que se um momento artístico “careta, elogiado pelos críticos. E prepa- Montini) e protagonizou a pri-
nada original e de pouco talen- para ele, ra um espetáculo em homena- meira montagem de “Rocky Hor-
faça ao roqueiro hoje.
— Pois você está diante de to”, como ele define o cenário nos bastidores gem aos 100 anos de nascimento ror Picture Show”, em 1975, in-
alguém que participou desse musical brasileiro hoje, Edy vem de Luiz Gonzaga, em parceria terpretando o cientista transe-
sendo redescoberto e festejado. do show com a banda Monomotor. xual Frank-N-Furter. Após produ-
trabalho e é a única pessoa vi-
va para lhe contar a história — Seu único disco solo — “Sweet “Estrangeiro” — As bandas de rock fora do zir e estrelar duas peças que ro-
disse Calanca ao jovem fã, Edy”, gravado pela Som Livre em eixo Rio-São Paulo, como o Mo- daram o Brasil — a comédia “A
apontando para Edy. 1974 — acaba de ser relançado nomotor, de Fortaleza, ou o Ve- gargalhada do peru” e “O belo in-
— Nossa — exclamou ele, pelo selo Joia Moderna, do DJ Zé ludo Branco, do Acre, são muito diferente”, de Jean Cocteau —,
com as mãos sobre as boche- Pedro e do produtor musical mais interessantes — diz ele. mas esbarraram no confisco do
“
chas em gesto de incredulidade. Thiago Marques Luiz. Com can- Plano Collor, entrou em depres-
ções compostas especialmente Primeiro gay assumido da MPB são e mudou-se para a Espanha,
para ele pela elite da música bra- — Edy caiu no gosto do pú- planejando ficar um mês.
sileira, gente como Caetano, Gil- blico porque não perdeu o vigor No apartamento onde mora
berto Gil, Roberto Carlos e Eras- e o caráter subversivo típicos hoje, no da bairro Bela Vista, no
mo Carlos, Moraes Moreira e das produções artísticas na dé- Centro de São Paulo, Edy dedi-
Galvão, entre outros, “Sweet cada de 1970 — diz o pesquisa- ca-se a uma rotina musical sau-
Edy” flertava com o rock, o tro- dor e produtor musical Rodrigo dosista, composta de Elis Regi-
picalismo e o desbunde. Faour, autor do livro “A história na, Maria Creuza, Lupicínio Ro-
Quando encontrei — Quando eu era criança pas- sexual da MPB” e de um perfil drigues e Martinho da Vila.
este homem cheio sei numa loja e vi pela primeira
vez esse disco. Como bom filho
COM RAUL do artista encartado na nova
versão de “Sweet Edy”. — Numa
Quando bate a inquietude, vai
para o Bar do Kaká, na Rua Au-
de energia e único, dei um escândalo e obri- Seixas, três época em que as produções ar- gusta, reduto de roqueiros de
guei meu pai a comprá-lo — tísticas são padronizadas, estu- todas as idades. Adora um holo-
vontade de cantar conta o DJ Zé Pedro. — Ficava
meses antes
dadas e bem comportadas, uma fote, tanto que, no próximo do-
aos 74 anos, não em casa horas olhando aquela da morte do pessoa autêntica que sobrevi- mingo, desfila num carro alegó-
capa, meio com medo, meio veu à ditadura, à Aids e ao hip- rico da Unidos de São Lucas, do
resisti: reeditei gostando daquela figura esquisi-
colega, com
pismo é um achado. grupo de acesso, no sambódro-
quem gravou o
o disco em ta que cantava músicas mais es-
tranhas ainda. No ano passado,
Edy Star — nascido Edivaldo
Souza em Juazeiro, na Bahia, e
mo do Anhembi. O enredo, cla-
ro, é Raul Seixas.
cult “Sociedade
versão especial criei a gravadora Joia Moderna
da Grã-Ordem
tornado “Edy, o rei dos andró- — Quem gosta de Raul não
DJ Zé Pedro, produtor para dar espaço a cantoras fora ginos” após uma reportagem cria fã-clube. Isso é um igreja
do mercado por descuido ou Kavernista” do jornal “O Pasquim” em 1972 ecumênica — diz. ■