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FIM DE JO GO
PARA O RACISMO
ESPECIAL CONS CI ÊNCIA N EGRA
Regras
tentam
parar
racismo
SALVADOR QUARTA-FEIRA 20/11/2013
Apesar das tentativas
para barrá-lo, racismo
continua em campo
ESTRATÉGIA Fifa cria grupo para discutir
mecanismos e definir punições mais
rígidas contra práticas discriminatórias
Raul Spinassé / Ag. A TARDE
JURACY DOS ANJOS
O espírito de respeito que deve
reinar em campo e nas arquibancadas tem sido ameaçado
por episódios de discriminação
racial. O combate a esta prática
foi assumido pela Federação Internacional de Futebol (Fifa),
órgão que disciplina e estabelece as regras do esporte. O
objetivo é apertar o cerco contra o racismo.
Estão previstas para a Copa
do Mundo de Futebol que será
realizada no Brasil, no próximo
ano, ações que envolvam os
jogadores e a torcida.
Uma força-tarefa contra o racismo e a discriminação no futebol já foi estabelecida pela
Fifa. O grupo discute estratégias e punições para quem for
pego praticando este tipo de
ação, que, no Brasil, configura-se como crime.
A lei nº 9.459, de 13 de maio
de 1997, estabelece punição
para os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. A pena
varia de dois a cinco anos de
reclusão.
No seu estatuto e código de
conduta, a Fifa também estabelece punições, mesmo que
mais brandas, para quem cometer atos racistas e discriminatórios. A entidade inclusive
tem uma campanha cujo lema
é Say no to racism ou Diga Não
ao Racismo em tradução livre
para o português.
No artigo 3º do estatuto, a
entidade máxima do futebol no
mundo proíbe discriminação
contra países, pessoas ou grupos por conta da raça, cor da
pele, etnia, religião, orientação
sexual, opinião política dentre
outras características.
A persistência do assunto em
resoluções da Fifa já é um forte
indício de como o racismo assombra a prática do esporte
mais popular do mundo, embora clubes e federações tentem minimizar os episódios.
No último dia 23, por exemplo, Yayá Touré, marfinês e jogador do clube inglês Manchester City, foi perseguido pela torcida do russo CSKA com insultos
racistas durante um jogo em
Moscou, capital da Rússia.
Vítimas costumam desistir
de levar processos até o fim
ANDRÉ UZÊDA
Vergonha, medo ou crença no
jargão “Não vai dar em nada”,
típico da impunidade. No futebol, poucos são os casos de
injúria racial que terminam
com sanções criminais, mesmo
quando há testemunhas nas
ações em curso (veja relação de
casos de racismo nos campos
brasileiros ao lado).
De acordo com o advogado
Samuel Vida, professor e ativista do movimento negro, via
de regra, poucas são as vítimas
de discriminação que vão
adiante com as denúncias.
“O futebol apenas reflete
uma situação geral da sociedade. Mesmo sendo um crime
inafiançável desde a Constituição de 1988, as atitudes racistas não têm sido coibidas pelo rigor da lei”, diz.
Um dos casos mais famosos
de racismo no futebol brasileiro
aconteceu em 2005, no jogo
São Paulo x Quilmes, pela Libertadores da América.
O jogador argentino Desábato chegou a ser preso após
ter xingado o atleta Grafite de
“macaco” dentro de campo.
Desábato foi detido ainda no
Morumbi ficando dois dias na
cadeia. Ele só foi liberado após
pagar R$ 10 mil de multa.
Grafite, porém, algum tempo depois, veio a retirar a denúncia por injúria racial. “Isso
acontece porque o próprio jogador acha que é danoso para
sua imagem estar associado a
esse lado de contestação. É um
erro tremendo”, analisa o doutor em antropologia Roberto
Albergaria.
Desistência
Outro caso de injúria racial que
parou antes mesmo da sentença final ocorreu na Bahia, também no ano de 2005. E pelo
mesmo motivo de desistência.
O então presidente do Vitória,
Paulo Carneiro, foi acusado de
racismo após, supostamente,
ter chamado o goleiro Felipe de
Touré propôs então um protesto mais enfático e sugeriu
que jogadores negros boicotem a Copa de 2018 que será
disputada na Rússia.
A União das Federações Europeias de Futebol (Uefa) prometeu apurar o episódio. A Fifa, por meio do seu departamento de comunicação, disse
confiar que a Rússia e o Catar,
que vai sediar a Copa de 2022,
vão garantir segurança para
torcedores e jogadores.
Em agosto deste ano, o secretário-geral da Fifa, Jérôme
Valcke, afirmou que a entidade
discute a situação com as autoridades russas e que a entidade tem tolerância zero para
a discriminação.
O problema é que, apesar
das declarações de dirigentes e
ações como o lançamento do
Dia Contra a Discriminação, estipulado pela Fifa em 2001,
atletas negros continuam a ser
atingidos pelo racismo, inclusive brasileiros.
Em 2008, o jogador Roberto
Carlos que já havia sofrido insultos racistas quando jogava
na Espanha, pelo Real Madrid,
voltou a ser agredido da mesma forma na Rússia.
Na época, ele jogava pelo
Anzhi Makhachkala. Um torcedor do Zenit, durante uma par-
BOICOTE
NA COPA
O marfinês
Yaya Touré
ameaçou
liderar boicote
durante a
Copa-2018
PRÁTICA
É CRIME
A lei nº 9.459
prevê reclusão
por crime de
racismo,
no Brasil
tida entre os dois clubes, ofereceu uma banana para o jogador, comparando-o a um
macaco.
A Uefa chegou a ameaçar
expulsar o Zenit da copa continental, mas o clube não foi
punido.
Esforço
Com o propósito de inibir a
ocorrência de casos semelhantes na Copa do Brasil, o ministro
do Esporte, Aldo Rebelo, afirma que o mundial será o momento para coibir o racismo.
“A ONU, o governo brasileiro
e a Fifa concordaram em fazer
da Copa 2014 um evento de
luta contra o racismo”, diz.
Apesar da declaração de firmeza para conter problemas raciais, o ministro não anunciou
quais ações serão adotadas.
Segundo ele, as medidas serão decididas em breve. “O povo brasileiro tem orgulho dos
seus três grandes troncos civilizatórios: o africano, o indígena e o europeu. Não haverá
ambiente para manifestações
racistas. O ambiente será de
confraternização".
Na Copa das Confederações,
realizada em junho no Brasil, a
Fifa realizou uma campanha
antirracismo. Durante os jogos
em Fortaleza e Belo Horizonte,
os capitães das seleções leram
uma declaração pedindo o fim
do racismo.
Em Salvador, uma das cidades-sede do mundial, a Secretaria Estadual para Assuntos da
Copa do Mundo da Fifa Brasil
2014 (Secopa) definiu algumas
estratégias com o objetivo de
combater o racismo.
Na entrada da Arena Fonte
Nova será entregue aos torcedores uma cartilha com orientações de combate à discriminação racial, segundo o coordenador de Legados Sociais da
Secopa, Marcos Andrade. Outra iniciativa será a instalação
de outdoors pelas principais
vias da cidade com mensagens
antirracismo.
“Pelas características de Salvador, que tem um povo predominantemente formado por
afrodescendentes, o combate
ao racismo é latente. Não podemos admitir que ocorram
atos deste tipo”, diz Andrade.
CASOS DE RACISMO
NO FUTEBOL BRASILEIRO
MUDANÇA
NA LEI
DESÁBATO X GRAFITE O
jogador argentino Desábato
chamou o brasileiro Grafite
de “macaco” durante jogo da
Libertadores da América no
ano de 2005. O argentino
ficou detido por dois dias e
pagou multa no valor
de R$ 10 mil
Com a chegada
da Constiuição
de 1988, leis
antirracismo
ficaram
mais rígidas
TINGA Em 2005, o volante
Tinga, do Internacional,
ouviu ofensas racistas vindas
da torcida do Juventude,
pela disputa do Campeonato
Brasileiro. Toda vez que
pegava na bola, era
chamado de “macaco”. O
atleta não chegou a
registrar queixa
FELIPE X PAULO CARNEIRO O
então presidente do Esporte
Clube Vitória, Paulo Carneiro,
teria ofendido o goleiro do
time, após a queda para a
Série C, no ano de 2005. O
goleiro ofereceu denúncia,
mas não deu
prosseguimento ao processo
DANILO X MANOEL Os
zagueiros Danilo (do
Atlético-PR) e Manoel (do
Palmeiras) se
desentenderam durante jogo
da Copa do Brasil, no ano de
2009. O palmeirense teria
cuspido no adversário e
cometido injúrias raciais. O
caso foi registrado como
injúria qualificada por
racismo e foi parar na
delegacia. Os dois jogadores
foram suspensos de
alguns jogos
Bruno Aziz
“macaco”.
Felipe acionou a Justiça,
mas, assim como Grafite, desistiu da ação. “Nós insistimos
para levar isso adiante, pois era
uma caso grave. Eu cheguei a
oferecer a denúncia, mas, infelizmente, o jogador não quis
prosseguir com ela. Tentamos
insistir, sem sucesso”, diz Lidivaldo Britto, procurador de justiça que foi o primeiro titular da
Promotoria de Combate ao Racismo do Ministério Público da
Bahia, criada em 1997.
A reportagem tentou contato com o goleiro Felipe, que
está jogando pelo Flamengo,
mas não houve retorno. O dirigente Paulo Carneiro também foi procurado, mas as ligações telefônicas não foram
retornadas.
De acordo com a Comissão
do Negro e de Assuntos Anti-Discriminatórios da Ordem
dos Advogados do Brasil
(OAB), entre os anos de 1951 e
1988, apenas nove casos de
racismo foram levados para a
Justiça no Brasil.
Após a Constituição, este número cresceu para cerca de 300
em todo o País. Apenas em
1998, com a regulamentação
do Código Penal, foi tipificado
o crime de injúria (ato ofensivo
à dignidade de alguém) com o
agravante do crime de preconceito racial.
“A mudança da lei, juntamente com a ação do movimento negro, tem levado a coibir manifestações racistas no
Brasil. Porém, só quando as
pessoas passarem a ser punidas o racismo vai acabar”, diz o
advogado Samuel Vida.
ANTÔNIO CARLOS X JEOVÂNIO
O zagueiro Antônio Carlos
Zago, que já teve passagens
pela Seleção Brasileira,
brigou com o companheiro
de time Jeovânio, durante o
jogo. O caso aconteceu em
2006. Durante a discussão,
Zago fez gestuais com o
braço, insinuando a cor de
pele do jogador. O zagueiro
foi suspenso por 120 dias e
disse ter se arrependido do
ato racista