O documento discute o poder das milícias no Rio de Janeiro e os riscos de seu fortalecimento político nas próximas eleições municipais. Especialistas afirmam que as prisões de líderes milicianos não desarticularam completamente seus grupos e eles ainda exercem controle social e territorial por meio de "centros sociais". Há também o risco das milícias ampliarem sua influência política de forma discreta.
1. O GLOBO ● RIO ● PÁGINA 20 - Edição: 26/02/2012 - Impresso: 25/02/2012 — 23: 14 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO
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RIO O GLOBO 3ª edição • Domingo, 26 de fevereiro de 2012
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E as
milícias?
A PÁGINA MÓVEL
Arnaldo Bloch
arnaldo@oglobo.com.br
Chico Otavio
chico@oglobo.com.br
● À exceção dos agentes da Polícia
Federal que escoltavam os presos,
ninguém se importou com o
pequeno grupo que esperava os
irmãos Natalino e Jerônimo
Guimarães, o Jerominho, na porta
do 4 o Tribunal do Júri, dias antes
-
do carnaval. Aquelas pessoas não
Especialistas dizem que prisões não bastam e advertem para risco de,
estavam ali para protestar em
nome das vítimas da Liga da
nas eleições, milicianos ampliarem poder à sombra do sucesso das UPPs
Justiça, a maior milícia da Zona
Oeste, liderada pela dupla. A maioria a partir da CPI das o que ali ocorre. teríamos participado, com o a racionalidade e a complexidade
claque queria, sim, aplaudir, milícias. O professor Luiz Cesar — O assunto “milícias” está deputado Freixo, da formação da da vida democrática. De olho no
render homenagens, celebrar a Queiroz, do Observatório de ausente como estivera por muitos CPI das milícias e prendido calendário, ele adverte:
absolvição dos réus, acusados de Cidades (Instituto Nacional de anos e permanecerá por longos centenas de milicianos, nem — Não tenham dúvida: os elos
tentativa de homicídio e que Ciências e Tecnologia), sustenta, períodos, mesmo depois de tornar- teríamos posto atrás das grades com o estado se aprofundarão
continuam presos por outros contudo, que a detenção de se foco da atenção midiática, cachorros grandes como nas eleições, só que de modo
crimes. Só não foram além porque milicianos não desarticulou seu quando profissionais de imprensa Jerônimo e Natalino. mais discreto e mediado.
a polícia impediu a aproximação. poder, exercido principalmente quase foram mortos. A tendência é Fazendo questão de prestar loas
No dia 7 de outubro, data das
próximas eleições municipais, o
pelos centros sociais, que
permanecem abertos quando seus
ficar sepultado no limbo da
atenção pública. Para as elites, as
ao trabalho da Draco, Luiz
Eduardo volta à carga com o Beltrame: ‘polícia
quadro será diferente. Não haverá
barreira policial ou qualquer
fundadores são presos:
— Por que os representantes
milícias mal existem, assim como a
Zona Oeste. São personagens
argumento de que o problema é
bem mais profundo. Na sua ótica, não é milícia’
impedimento para a festa do crime. não se mobilizam em termos de fantásticos, de outro planeta. A as polícias, como estão
Contabilizadas as últimas vitórias políticas metropolitanas para as problemática emerge apenas nas organizadas, são fábricas de ● Neste pingue-pongue doutrinário,
— como a devolução do mandato áreas de transporte, educação, crises, para logo hibernar. Discutir desordem, descontrole e Beltrame rebate mais uma vez o
de vereadora a Carmen Glória meio ambiente, saúde, etc? Porque em profundidade tudo isso, fora da ingovernabilidade. São refratárias à antropólogo e ex-colega:
Guinâncio Teixeira, a Carminha são representantes de seus crise (atitude que a evitaria), não gestão e à prestação de contas à — Milícia não é sinônimo de
(filha de Jerominho) —, a Liga da currais, restritos a bairros. Não se se faz no Brasil. sociedade. Que, por sua vez, polícia. É uma organização formada
Justiça poderá consolidar seu interessam pelo que ocorre fora precisa cobrar que a UPP deixe de por policiais, sim, mas também por
poder na Zona Oeste pela força
das urnas.
deles. Políticas metropolitanas são
para todos, mas não pertencem a A síndrome do gato ser programa para virar política
sistemática e sustentável e se
bombeiros, políticos e agentes
carcerários. São entes do estado
ninguém. Os milicianos estão
orçamentário estender às áreas de influência das que se utilizam de seu
Freixo: o mal dos dentro desse contexto. No
exercício do mandato, seus
milícias, que hoje controlam quase
uma centena de comunidades.
conhecimento para funcionar, o que
as torna poderosíssimas. Dizer que
‘centros sociais’ representantes são localistas, O secretário de segurança, José — O governo do estado tem que os salários estão na origem disso é
●
paroquialistas. Esta forma de Mariano Beltrame, discorda. fazer o que até agora recusou: como dizer que pobre é bandido.
crime se mantém pelo controle — O problema com a milícia meter a mão no vespeiro policial De resto, nos últimos 15 anos os
● De todas as UPPs instaladas até político. As milícias precisam de não é de vontade política. É de não só para prender indivíduos, PMs do Rio tiveram reajustes da
agora, a única que ocupou espaços representação para fortalecer o velocidade. A polícia do Rio tem mas para promover uma ordem de 100%. Vai demorar para
antes dominados por milícias foi a controle social que já exercem. Se, mais de 40 anos no combate ao reorganização institucional e, na ganharmos a expertise necessária,
Batam, em Realengo, onde de um lado, se impõem pelo terror, tráfico, e apenas 15 no combate sequência, pressionar o Congresso mas o Rio está na frente de uma
repórteres do jornal “O Dia” foram do outro adotam o velho modelo aos milicianos. Por isso é tão fácil por mudanças no artigo 144. As luta que em breve será de todo o
torturados em 2008. À maneira do udenista. identificar e prender um milícias continuarão livres e soltas país. Um dia as milícias perderão o
tráfico, mas com um dos pés Artífice da CPI, o deputado traficante. No caso das milícias, enquanto não mudarmos domínio territorial, assim como o
carimbados no coração do estado, estadual Marcelo Freixo (PSOL) não se desenvolveu uma radicalmente nossas polícias e tráfico. Mas isso não resolverá tudo:
as milícias espalham terror pelas concorda que as prisões não expertise. É difícil identificar um eliminarmos a fonte mais vigorosa só com choques de cidadania e
comunidades menos favorecidas, arranham o esquema eleitoral dos miliciano. É um quebra-cabeças. de sua reprodução: o gato oferecimento de serviços pelo
sobretudo as afastadas do eixo grupos criminosos. O domínio Não existe o “crime de milícia” no orçamentário. Como o orçamento poder público e pela iniciativa
formado pela Zona Sul e pelas territorial continua no pico. Brasil. Não há tipificação. Estive para a segurança pública é irreal e privada as milícias perderão a razão
áreas estratégicas para a Copa de — Tenho informações de que com o presidente do Senado, José os salários pagos são, de ser. ■
2014 e as Olimpíadas de 2016. muitos desses centros sociais Sarney, semanas atrás, levando insuficientes, não se reprime o
Prisões têm sido feitas: 600, a identificados como de milicianos uma proposta de alteração do bico do policial na segurança
mantêm convênio com a código penal que contemple esta privada, apesar de sua ilegalidade,
prefeitura. O Deco tem centro modalidade. Mesmo assim, ao para evitar que a demanda salarial
social. Girão também. Fausto tirar a Draco (Delegacia de provoque o colapso das contas. A
Alves é outro. Na CPI, propus Repressão às Ações Criminosas ilegalidade é que permite a
que o licenciamento de vans Organizadas) do âmbito da vigência de padrões salariais tão
fosse feito de forma individual, e Polícia Civil e pô-la sob a baixos e viabiliza a estabilidade.
não por cooperativas, outro secretaria, temos a delegacia mais Em outras palavras: na tese
setor claramente vinculado aos especializada do país. Não de Soares, a segurança privada
milicianos. Mas nada adiantou. O houvesse vontade política, não informal e ilegal “financia” o
esquema continua. orçamento. Ao se tolerar a
Ex-secretário de segurança, ilegalidade “legítima”, bem
autor dos livros “A elite da intencionada, deixa-se florescer
tropa”, I e II, e porta-voz da tese a ilegalidade perversa, orientada
de que as milícias tomaram para ações criminosas, desde as
conta da cidade com poder maior que provocam insegurança para
que o do tráfico, o antropólogo vender segurança, até grupos
Luiz Eduardo Soares vê a Zona de extermínio e milícias,
Oeste como uma espécie de área que persistiriam numa
de sombra da consciência carioca, estrutura
daí o silêncio que costuma cercar incompatível com
POLICIAIS A SERVIÇO
Carlos Ivan/17-9-2010
da UPP do Salgueiro:
programa libertou
dezenas de
comunidades do poder
do tráfico e apenas
uma do cruel jugo das
milícias