O crítico Antoine Compagnon defende a atualidade dos chamados "antimodernos", intelectuais que resistiram aos ideais da modernidade apesar de viverem em épocas de vanguarda. Ele argumenta que esses autores, como Baudelaire e Sartre, tinham uma visão crítica do progresso irrestrito e sabiam que o presente é levado pela história, tornando-os os verdadeiros modernos. Compagnon também discute o papel atual da teoria literária e as definições de "poder da literatura" ao longo
1. 6 Sábado, 3 de dezembro de 2011
PROSA & VERSO
A vanguarda dos céticos
Crítico defende atualidade de intelectuais que resistiram a ideais da modernidade
ENTREVISTA A imagem usada por teaubriand, Léon Bloy, Roland Barthes e o próprio uma ambivalência em relação ao moderno, e não uma
Antoine Compagnon Sartre para descrever Baudelaire, entre outros — têm em comum o fato de, rejeição: “Hoje a religião do progresso desperta me-
Baudelaire como al- mesmo vivendo em períodos de fervor vanguardista, nos entusiasmo, ao menos no Ocidente, no Norte. Sa-
guém que “avança olhando pelo retrovisor” é retoma- sustentarem uma visão crítica dos ideais da moder- bemos quanto ele custa”. Na entrevista, Compagnon
da pelo crítico Antoine Compagnon para se referir nidade, como a fé irrestrita no progresso. Nascido em fala também sobre o lugar da ficção e da teoria lite-
aos intelectuais que protagonizam o livro “Os antimo- Bruxelas, na Bélgica, e professor de literatura nas uni- rária no mundo atual, tema do ensaio “Literatura para
dernos” (Editora UFMG, tradução de Laura Taddei versidades de Columbia e Paris-Sorbonne, Compag- quê?”, reeditado agora pela UFMG (também em tra-
Brandini). Os autores dos séculos XIX e XX evocados non defende, em entrevista ao GLOBO por e-mail, a dução de Laura Taddei Brandini), transcrição de sua
por Compagnon — como Joseph de Maistre, Cha- atualidade do “antimodernismo”, que define como aula inaugural no tradicional Collège de France.
Divulgação
Guilherme Freitas A função da teoria literária — ao
guilherme.freitas@oglobo.com.br menos daquela que eu sempre en-
sinei, tanto na França quanto nos
O GLOBO: Em “Os antimodernos”, vo- Estados Unidos — é nos tornar
cê fala do antimodernismo como uma mais inteligentes, mais lúcidos, so-
“ambivalência” em relação ao moder- bre aquilo que se passa na literatu-
no, e não uma simples rejeição: os an- ra, e portanto mais livres perante
timodernos, para você, são os autores ela e perante o mundo. E também,
para quem a modernidade é insepará- portanto, mais antimodernos, já
vel de uma certa resistência ao mundo que eu associei o modernismo a
moderno. Por que essa resistência faz uma certa cegueira em relação ao
desses autores “os verdadeiros moder- mundo e à literatura.
nos”, como você propõe?
ANTOINE COMPAGNON: Porque a ● Em “A literatura em perigo” (pu-
resistência os distingue dos futuris- blicado aqui pela Difel em 2009), o
tas, vanguardistas e outros entu- filósofo Tzvetan Todorov faz uma
siastas do progresso que ignoram a crítica do momento de apogeu da
dimensão de esquecimento, de per- teoria literária nos anos 1960-70, no
da, de melancolia, de luto inevita- qual ele próprio teve participação
velmente associada ao progresso. importante. Você concorda com To-
Porque eles sabem que o momento dorov? O que pensa da herança dei-
presente é imediatamente levado xada por aquele momento da teo-
pela História. Porque eles são lúci- ria, sobretudo da francesa?
dos, enquanto os fanáticos do mo- Sou menos severo do que Todo-
dernismo são cegos e nos cegam pa- rov, talvez porque eu tenha sido me-
ra nossa relação com o passado, o nos dependente da teoria, menos vi-
presente e o futuro. ciado nela, menos intoxicado por
ela. Sempre a pratiquei cum grano sa-
● Por que esses autores continuam lis, e acabo de lhe dizer que vejo a
importantes para nós hoje? E o que teoria como uma escola do grão de
seria “antimoderno” hoje? sal, uma escola de maturidade. Isto
Esses autores continuam impor- posto, é verdade que, transformada
tantes, eles têm muito a nos ensinar em pedagogia na escola secundária,
sobre a lucidez, porque souberam re- ela fez estragos: transformou os alu-
sistir à religião do progresso sem re- nos em pequenos técnicos em vez de
cusar o progresso, nem a História. incitá-los a se interrogar sobre o sen-
Eles não são nem tradicionalistas tido e o valor dos textos. A literatura
nem reacionários. Mas hoje o dog- dá medo, porque perturba. Por isso
“ “
ma, a religião do progresso desperta muitos preferiram evitá-la ou des-
menos entusiasmo, ao menos no Oci- ANTOINE COMPAGNON, professor de literatura francesa nas universidades de Paris-Sorbonne (Paris IV) e Columbia (Nova York) montá-la como um brinquedinho.
dente, no Norte. Nós sabemos quan-
to custa o progresso. Não confiamos dernos acentuaram muito seu po- ● Como professor na França e nos
mais no progresso futuro para resol- der de alienação, convocaram os Estados Unidos, como você avalia
ver os danos causados pelo progres- leitores a desconfiarem da literatu- o estado atual do ensino e da pes-
so atual, como nas discussões sobre ra como uma emboscada da alta quisa de literatura nas universida-
ecologia, por exemplo. Não nos dize- cultura, provocaram um cer to des europeias e americanas? Quais
mos mais que, quando os combustí- ódio da literatura. O antimoderno são os campos mais promissores
veis fósseis tiverem se esgotado, fa- Os antimodernos têm é mais dialético. A função da teoria para os estudos literários hoje?
talmente encontraremos outras for- Por toda parte, o ensino e a pes-
mas de energia. Temos consciência muito a nos ensinar, ● E qual seria o “poder da litera- literária é nos tornar quisa literários se tornaram mais
de que os recursos do planeta são fi-
nitos. Somos todos cada vez mais an-
porque souberam resistir tura” hoje? É possível evocá-lo
sem apenas repetir essas defini-
mais lúcidos sobre a convencionais do que eram na mi-
nha juventude, mais históricos,
timodernos, menos inocentes que as à religião do progresso ções históricas? literatura, e portanto mais ideológicos, mas também não
gerações anteriores. Por isso este é Essas definições históricas não há mal nenhum em retornar à His-
também o momento de defender cer- sem recusar o progresso, são ruins e não há mal nenhum em mais livres perante ela tória. Me parece que, entre os tra-
retomá-las por nossa conta. Hoje, os
tos valores modernos que se foram
com o progresso desde o Iluminis- nem a História filósofos morais mais sofisticados e perante o mundo balhos mais fecundos sobre litera-
tura hoje, estão aqueles que se re-
mo, como a liberdade, a democracia não estão longe de aderir à defini- lacionam com a história cultural,
e a tolerância. pós-moderna (“Ela é um espaço sa- ção da literatura como meio de ins- Brasil em 2010 também pela Edito- um domínio que se desenvolveu
grado fora do poder”). Existe uma trução moral, o que foi seu papel ra UFMG), você propõe algumas muito, considerando a alta cultura
● Em “Literatura para quê?”, você definição “antimoderna” do poder durante boa parte da história do “antidefinições” da teoria literária: mas também a cultura de massa.
lista quatro definições do “poder da da literatura? Ocidente, desde a parábola, passan- ela “não ensina a escrever roman- Também há aqueles que investigam
literatura” formuladas ao longo da Sim, claro: a própria definição do pela fábula, até o romance do sé- ces”, “não é a filosofia da literatu- a ligação da literatura com outros
História: a clássica (“A literatura moderna, pois o antimoderno é o culo XIX. A literatura conserva to- ra”. Por outro lado, em outros textos meios, em todas as épocas, en-
instrui e diverte”), a romântica moderno lúcido. Em outras pala- dos esses poderes históricos. você já relacionou a teoria com quanto nós tínhamos uma tendên-
(“Ela é um antídoto para a fragmen- vras, o poder antimoderno da lite- “uma moral da literatura”. Na sua cia a isolá-la, a sacralizá-la de ma-
tação da experiência”), a moderna ratura continua a ser seu poder li- ● Em “O demônio da teoria: Litera- opinião, quais podem ser os objeti- neira um tanto abusiva. A literatura
(“Ela purifica a linguagem”) e a berador, emancipador. Os pós-mo- tura e senso comum” (publicado no vos da teoria literária? pertence à vida. ■
Quando o
Livro vai pro COMPRO LIVROS E CDS
SEBO a
HISTÓRIA
CONTINUA Outros Livros e CDS
Leve seu livro usado para o SEBO 2215-3528 ou 2532-3646
da LIVRARIA PANORAMA
Rua José Clemente, 68 - Centro - Niterói - RJ
Tel.: (21) 2719-6827
E-mail: livrariapanorama@gmail.com IMUNIZAÇÃO RACIONAL
Imunize-se urgentemente, em seu próprio
benefício, e livre-se de todos os males
da vida e do corpo. Leia os Livros:
UNIVERSO EM DESENCANTO
Compramos Livros em Geral
15 anos de Tradição no Centro do Rio
Le Bouquiniste Livraria
DVDs, CDs E DISCOS DE VINIL
• Bibliotecas Pequenas e Grandes • Pagamento à vista • Retiramos na hora.
R. Visconde do Rio Branco, 28 -- Centro
R. Visconde do Rio Branco, 28 Centro 2531-7793 / 2252-3247