1. CENTRO UNIVERSITÁRIO MONTE SERRAT
ALINE ALVES
NAIARA BARROS
O TRATAMENTO OFERECIDO AO USUÁRIO DE
CRACK NO MUNICÍPIO DE SANTOS.
Desafios e limites na prática profissional do
Assistente Social.
Santos
2010
2. ALINE ALVES
NAIARA BARROS
O TRATAMENTO OFERECIDO AO USUÁRIO DE
CRACK NO MUNICÍPIO DE SANTOS.
Desafios e limites na prática profissional do
Assistente Social.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Centro Universitário Monte Serrat como exigência
parcial para a obtenção do Título de Bacharel em
Serviço Social, orientado pela Profª Ms. Mª
Natalia Ornelas Pontes Bueno Guerra.
Orientadora: Profª Ms. Mª Natalia Ornelas Pontes
Bueno Guerra
Co-orientadora: Profª Ms. Carla Bornhausen
Gonzaga
Santos
2010
ALINE ALVES
3. NAIARA BARROS
O TRATAMENTO OFERECIDO AO USUÁRIO DE
CRACK NO MUNICÍPIO DE SANTOS.
Desafios e limites na prática profissional do
Assistente Social.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Centro Universitário Monte Serrat como exigência
parcial para a obtenção do Título de Bacharel em
Serviço Social, orientado pela Profª Ms. Mª
Natalia Ornelas Pontes Bueno Guerra.
Orientadora: Profª Ms. Mª Natalia Ornelas Pontes
Bueno Guerra
Co-orientadora: Profª Ms. Carla Bornhausen
Gonzaga
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________________________________
Nome do examinador: Mª Natalia Ornelas Pontes Bueno Guerra
Titulação: Mestre em Serviço Social
Instituição: Centro Universitário Monte Serrat – UNIMONTE
___________________________________________________________________
Nome do examinador: Carla Bornhausen Gonzaga
Titulação: Mestre em Serviço Social
Instituição: Centro Universitário Monte Serrat – UNIMONTE
Local: Centro Universitário Monte Serrat – UNIMONTE
AGRADECIMENTOS
4. Agradeço primeiramente a Deus, pois sem a fé não teria conseguido realizar
esse sonho, sem Ele não teria encontrado o Serviço Social e essa maravilhosa
profissão que escolhi.
A meu querido companheiro Adriano, pela dedicação e paciência em todos os
momentos dessa caminhada, pelo carinho e amor com que me confortou nos
momentos mais difíceis e pelo incentivo quando o cansaço chegava.
Minha família, mãe, irmãs e meu sobrinho querido pelo apoio, em especial a
meu pai Damião que acreditou em mim, me incentivou e acompanhou essa fase de
minha vida.
Agradeço muito a equipe da SENAT por ter nos recebido, principalmente a
Luciana que foi muito importante nesse momento, tirando nossas dúvidas sempre
que possível.
Um muito obrigada a todos que entrevistamos, principalmente aos usuários e
as famílias que se disponibilizaram em nos ajudar na construção de nosso trabalho,
expondo suas vidas, compartilhando suas dores e esperanças.
Agradeço de coração a minha orientadora Nathália pela dedicação, incentivo
e carinho em todo o processo, assim como a nossa co-orientadora.
E enfim, agradeço aos meus queridos amigos que construí nesse período, em
especial a Daniely pelo carinho e apoio, mas principalmente a minha querida amiga
Naiara pela parceria que formamos nesses quatro anos de faculdade, pela
paciência, pelas risadas, pela sintonia, enfim por essa amizade que formamos e que
vamos levar para nossa vida.
6. “Ao amanhecer, todas as
coisas de ontem pertencem ao
passado. Hoje é um novo dia e
a vida pode recomeçar”
(Autor desconhecido)
RESUMO
7. A dependência química do Crack vem crescendo e agravando as consequências do
uso para o sujeito dependente, sua família e a sociedade. Inicialmente o uso dessa
droga era associado as pessoas de baixa renda ou em situação de rua, mas esse
quadro sofreu alterações significativas, atingindo as classes média e alta. O
crescimento da dependência dessa droga, que possui um preço acessível, efeito
mais rápido e agressivo no organismo, desafia os profissionais a pensar em novas
estratégias de intervenção de atendimento e trabalho para essa nova demanda que
vem afetando de forma tão dramática milhares de famílias. A pesquisa foi realizada
com o objetivo de compreender o universo vivenciado pelo usuário de Crack,
identificar as Políticas Públicas que vem trabalhando para o enfrentamento da
dependência química, o tratamento oferecido a esses usuários pela Seção Núcleo
de Atendimento ao Tóxico Dependente - SENAT e a atuação dos profissionais na
instituição, com ênfase no trabalho do Assistente Social. Foi realizada uma pesquisa
qualitativa, contribuindo para a valorização dos sujeitos. Utilizamos observação
participante e entrevistas semi estruturadas, com os sujeitos, familiares e
profissionais. Através da pesquisa revelamos as dificuldades apresentadas pelos
sujeitos e suas famílias no processo de adesão ao tratamento da dependência
química, a relevância do envolvimento da família nesse processo. Possibilitou
revelar a importância do Assistente Social na instituição para o tratamento do
dependente químico e que a participação da família nesse processo é fundamental,
bem como a necessidade de uma equipe trabalhando de maneira interdisciplinar,
contribuindo para um acolhimento humanizado que é essencial para adesão do
sujeito ao tratamento e ao serviço de saúde.
Palavras-chaves: Crack. Dependência Química. Tratamento ao usuário de crack.
Serviço Social.
8. ABSTRACT
Keywords: The Crack addiction is increasing and aggravating the consequences of
using the subject to subject, his family and society. Initially this drug was associated
with people of low income or homeless, but this picture has changed significantly,
reaching the middle and upper classes. The growth of drug addiction, which has an
affordable, faster and more aggressive effect in the body, challenges the students to
think about new strategies of intervention and treatment work for this new demand
that has so dramatically affecting thousands of families. The survey was conducted
with the aim of understanding the universe experienced by crack users, identify the
public policy which has been working to combat the addiction, the treatment offered
to these users by Seção Núcleo de Atendimento ao Tóxico Dependente - SENAT
and the performance of professionals in the institution, with emphasis on the work of
the Social Worker. We conducted a qualitative research, contributing to the
enhancement of the subjects. Used participant observation and semi structured
interviews with the subjects, families and professionals. Through the research
revealed the difficulties presented by the subjects and their families in the process of
accession to the addiction, the importance of family involvement in this process.
Allowed to reveal the importance of the social worker at the institution for the
treatment of chemically dependent and that family involvement is crucial in this
process, as well as the need for a team working in an interdisciplinary manner,
contributing to a humanized approach that is essential for adhesion of the subject
treatment and health service.
Keywords: crack, Chemical dependency and treatmant for crack users. Social
Worker
9. LISTA DE TABELAS, FIGURAS E QUADROS
Tabela 1: Levantamento do uso de droga nos anos de 2001 e 2005........................27
......................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................13
CAPÍTULO I.................................................................................................................16
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): UMA TRAJETÓRIA DE LUTA PELA SAÚDE
NO BRASIL.................................................................................................................16
1.1 A saúde no Brasil..................................................................................................16
1.2 Saúde Mental e Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) / Núcleo de Apoio
Psicossocial (NAPS)...................................................................................................20
CAPÍTULO II................................................................................................................25
CRACK: UMA PROBLEMÁTICA A SER ENFRENTADA...........................................25
2.1 O que é dependência química?...........................................................................25
2.2 O que é o Crack?..................................................................................................25
2.2.1 Crack: Referência de consumo no Brasil .........................................................26
2.2.2 O usuário de Crack............................................................................................28
CAPÍTULO III...............................................................................................................33
SEÇÃO NÚCLEO DE ATENDIMENTO AO TÓXICO DEPENDENTE (SENAT):
CONTRIBUINDO NA RECONSTRUÇÃO DE VIDAS. ...............................................33
3.1 A Seção Núcleo de Atendimento ao Tóxico Dependente (SENAT): o acesso ao
tratamento...................................................................................................................33
3.1.1 O funcionamento da instituição no tratamento da dependência química.........34
3.2 Metodologia da pesquisa......................................................................................37
3.3 Apresentação dos sujeitos da pesquisa. ............................................................38
3.4 O grupo no processo de tratamento da dependência química.............................39
3.5 Análise dos dados.................................................................................................42
3.5.1 O usuário de Crack............................................................................................42
3.5.2 A realidade vivida pelas famílias........................................................................45
3.5.3 Dificuldades e sugestões para adesão ao tratamento.......................................47
3.5.4 Dificuldades do cotidiano na equipe da SENAT: A atuação do Assistente
Social. .........................................................................................................................49
10. 3.5.5 Trabalho Interdisciplinar.....................................................................................51
3.5.6 Redução de Danos.............................................................................................53
3.5.7 Trabalho em rede..............................................................................................54
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................59
FONTES ELETRÔNICAS...........................................................................................61
ANEXO I......................................................................................................................62
ANEXO II.....................................................................................................................63
ANEXO III....................................................................................................................64
ANEXO IV....................................................................................................................65
ANEXO V.....................................................................................................................66
7
......................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................13
CAPÍTULO I.................................................................................................................16
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): UMA TRAJETÓRIA DE LUTA PELA SAÚDE
NO BRASIL.................................................................................................................16
1.1 A saúde no Brasil..................................................................................................16
1.2 Saúde Mental e Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) / Núcleo de Apoio
Psicossocial (NAPS)...................................................................................................20
CAPÍTULO II................................................................................................................25
CRACK: UMA PROBLEMÁTICA A SER ENFRENTADA...........................................25
2.1 O que é dependência química?...........................................................................25
2.2 O que é o Crack?..................................................................................................25
2.2.1 Crack: Referência de consumo no Brasil .........................................................26
2.2.2 O usuário de Crack............................................................................................28
CAPÍTULO III...............................................................................................................33
SEÇÃO NÚCLEO DE ATENDIMENTO AO TÓXICO DEPENDENTE (SENAT):
CONTRIBUINDO NA RECONSTRUÇÃO DE VIDAS. ...............................................33
3.1 A Seção Núcleo de Atendimento ao Tóxico Dependente (SENAT): o acesso ao
tratamento...................................................................................................................33
3.1.1 O funcionamento da instituição no tratamento da dependência química.........34
3.2 Metodologia da pesquisa......................................................................................37
11. 3.3 Apresentação dos sujeitos da pesquisa. ............................................................38
3.4 O grupo no processo de tratamento da dependência química.............................39
3.5 Análise dos dados.................................................................................................42
3.5.1 O usuário de Crack............................................................................................42
3.5.2 A realidade vivida pelas famílias........................................................................45
3.5.3 Dificuldades e sugestões para adesão ao tratamento.......................................47
3.5.4 Dificuldades do cotidiano na equipe da SENAT: A atuação do Assistente
Social. .........................................................................................................................49
3.5.5 Trabalho Interdisciplinar.....................................................................................51
3.5.6 Redução de Danos.............................................................................................53
3.5.7 Trabalho em rede..............................................................................................54
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................59
FONTES ELETRÔNICAS...........................................................................................61
ANEXO I......................................................................................................................62
ANEXO II.....................................................................................................................63
ANEXO III....................................................................................................................64
ANEXO IV....................................................................................................................65
ANEXO V.....................................................................................................................66
12. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIDS (Sindrome da Imunodeficiência Humana)
......................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................13
CAPÍTULO I.................................................................................................................16
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): UMA TRAJETÓRIA DE LUTA PELA SAÚDE
NO BRASIL.................................................................................................................16
1.1 A saúde no Brasil..................................................................................................16
1.2 Saúde Mental e Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) / Núcleo de Apoio
Psicossocial (NAPS)...................................................................................................20
CAPÍTULO II................................................................................................................25
CRACK: UMA PROBLEMÁTICA A SER ENFRENTADA...........................................25
2.1 O que é dependência química?...........................................................................25
2.2 O que é o Crack?..................................................................................................25
2.2.1 Crack: Referência de consumo no Brasil .........................................................26
2.2.2 O usuário de Crack............................................................................................28
CAPÍTULO III...............................................................................................................33
SEÇÃO NÚCLEO DE ATENDIMENTO AO TÓXICO DEPENDENTE (SENAT):
CONTRIBUINDO NA RECONSTRUÇÃO DE VIDAS. ...............................................33
3.1 A Seção Núcleo de Atendimento ao Tóxico Dependente (SENAT): o acesso ao
tratamento...................................................................................................................33
3.1.1 O funcionamento da instituição no tratamento da dependência química.........34
3.2 Metodologia da pesquisa......................................................................................37
3.3 Apresentação dos sujeitos da pesquisa. ............................................................38
3.4 O grupo no processo de tratamento da dependência química.............................39
3.5 Análise dos dados.................................................................................................42
3.5.1 O usuário de Crack............................................................................................42
3.5.2 A realidade vivida pelas famílias........................................................................45
3.5.3 Dificuldades e sugestões para adesão ao tratamento.......................................47
3.5.4 Dificuldades do cotidiano na equipe da SENAT: A atuação do Assistente
Social. .........................................................................................................................49
3.5.5 Trabalho Interdisciplinar.....................................................................................51
3.5.6 Redução de Danos.............................................................................................53
13. 3.5.7 Trabalho em rede..............................................................................................54
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................59
FONTES ELETRÔNICAS...........................................................................................61
ANEXO I......................................................................................................................62
ANEXO II.....................................................................................................................63
ANEXO III....................................................................................................................64
ANEXO IV....................................................................................................................65
ANEXO V.....................................................................................................................66
16. INTRODUÇÃO
13
O presente estudo procurou conhecer mediante pesquisa o tratamento de
saúde oferecido aos dependentes químicos, usuários de crack, no município de
Santos e o papel profissional do Assistente Social no enfrentamento dessa
problemática.
Busca revelar o universo vivenciado pelo usuário de crack, demanda que
atualmente vem crescendo significativamente, devido ao crack possuir um preço
acessível e efeito rápido no organismo. Esta droga que surgiu no Brasil em meados
dos anos 80/90 tem efeitos avassaladores e negativos na vida do indivíduo e de sua
família, causando à dependência física e psíquica e com graves consequências
sociais.
Inicialmente o crack era considerado uma droga utilizada predominantemente
por população de baixa renda e população em “situação de rua”, porém, dados de
pesquisas do Ministério da Saúde comprovam que a droga tem sido consumida por
todos os segmentos e classes sociais nos últimos anos.
Com o decorrer do tempo na história do uso abusivo de drogas surgem novas
substâncias, como o crack, mais baratas e potentes, que impõe a necessidade de se
criar também novas estratégias de intervenção de trabalho, devido ao seu poder
devastador e baixo custo, facilitando o acesso e consumo de grandes parcelas da
população. Desafia o Estado, a sociedade e as famílias a enfrentarem um problema
tão grave que muitas vezes impõe ao ser humano uma condição que atenta contra a
vida.
Vamos identificar como as Políticas Públicas vem historicamente trabalhando
com os dependentes químicos, onde inicialmente não havia um tratamento
específico para essa demanda. Através da reforma psiquiátrica, em meados dos
anos 90, foi possível identificar as diferenças entre os usuários da saúde mental,
pessoas com transtornos mentais e o usuário de substâncias psicoativas e assim,
garantir diretrizes para um tratamento específico para os dependentes de álcool e
outras drogas na busca da qualidade do atendimento e tratamento.
A história revela que as Políticas Públicas são recentes no enfrentamento
dessa questão, e por haver o crescimento expressivo dessa demanda e por
17. 14
consequência, aumento dos graves problemas sociais, no nível familiar e também
seu vínculo com o tráfico de drogas, com a violência, com danos graves para a
saúde individual e coletiva. Há preocupação do governo frente a esta questão social
e a recente definição de diretrizes políticas do Ministério da Saúde - MS, através da
formulação das políticas de prevenção, enfrentamento e de redução de danos, como
as lançadas recentemente no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras
Drogas, em junho de 2010 que tem como uma das suas diretrizes fundamentais a
Atenção Integral aos usuários de Crack.
O tratamento aos dependentes de crack é uma questão recente e
desafiadora, encontramos poucos materiais que apresentam trabalhos
especificamente sobre essa problemática. O presente estudo pretende contribuir
para essa reflexão e através da análise das informações obtidas, aprofundar
questões relevantes para o acesso e tratamento ao usuário de crack nos serviços de
saúde.
Nesse sentido, sentimos a necessidade de realizar uma pesquisa para
conhecer qual é o tratamento oferecido aos usuários de crack no município de
Santos, como se dá a adesão dos usuários ao programa, seu olhar frente ao
tratamento em que estão inseridos e o acolhimento que se dá a esse sujeito na
instituição.
Buscaremos também no processo deste estudo, identificar e aprofundar o
trabalho interdisciplinar desenvolvido pelo serviço de saúde, considerando a
importância deste para o tratamento de dependência do Crack. Estaremos aqui,
ressaltando o papel do Assistente Social dentro da instituição, sua proposta de
atuação, desafios e limites da prática profissional.
Nosso objetivo é que possamos contribuir para a compreensão desse
fenômeno tão complexo, que é a dependência química do Crack, e através da
análise aprofundar o trabalho desenvolvido para o seu enfrentamento. Sabemos da
importância de combater as formas de preconceito e discriminação que não
contribuem para enfrentar a dependência química. É preciso discutir o uso abusivo
de drogas como um fenômeno social, onde a família, a sociedade civil e o Estado
tem responsabilidades a serem compartilhadas, na prevenção, no combate e no
tratamento aos usuários de Crack.
18. 15
No capítulo I fazemos um breve histórico da Política de saúde no Brasil, e as
ações voltadas ao tratamento da dependência química no decorrer da história do
país.
No capítulo II abordaremos a dependência química, com ênfase no Crack e
suas problemáticas, referências de consumo no país e o perfil do usuário de Crack.
No capítulo III por meio da pesquisa de campo apresentaremos o serviço de
saúde que é referência no município de Santos no tratamento da dependência
química, a prática do Assistente Social e demais profissionais da instituição, o olhar
dos sujeitos e familiares que acessam o serviço. Buscaremos através da análise das
falas desses sujeitos, revelar a vivencia desses usuários e familiares no
enfrentamento a dependência química, limites e possibilidades no processo de
tratamento. E ainda identificar o trabalho profissional da Assistente Social neste
contexto.
No percurso deste estudo, temos a certeza da urgência, da sociedade
brasileira, agir no combate a este fenômeno. E é isto que este estudo e
principalmente, os sujeitos da pesquisa, em suas trajetórias aqui reveladas vão nos
mostrar.
19. CAPÍTULO I
16
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): UMA TRAJETÓRIA DE LUTA
PELA SAÚDE NO BRASIL.
1.1 A saúde no Brasil
No início do século XX, a saúde da população brasileira não era reconhecida
como um direito do cidadão e dever do Estado, ficando a mercê de atendimento
filantrópico nos hospitais de caridade mantidos pela Igreja Católica. A saúde era
entendida como um serviço de caráter individual, paliativo e curativo.
O Estado brasileiro restringia a sua atuação na área da saúde em ações de
saneamento nas grandes cidades e portos para combater as epidemias da época,
principalmente quando estas epidemias interferiam na economia e traziam prejuízos,
como por exemplo, o combate a febre amarela e outras doenças infecto-contagiosas
através de programas de saneamento no Rio de Janeiro e no porto de Santos que
resultou também em campanhas de vacinação obrigatória no Brasil.
Em 1923, fruto do crescimento industrial e da mobilização dos trabalhadores,
foi criada a lei Eloi Chaves que regulamenta e cria as Caixas de Aposentadoria e
Pensão (CAPS), que eram entidades públicas que possuíam autonomia em relação
ao Estado, administradas com a participação direta dos trabalhadores e
empresários, sendo financiada pela empresa, trabalhador e União, garantindo
assistência médica e aposentadoria. Os benefícios e serviços de saúde destinavam-se
a empregados de empresas específicas, sem recursos do poder público.
A saúde nesta época estava condicionada à inserção no mercado de trabalho,
onde apenas os trabalhadores urbanos assalariados com alto poder aquisitivo e a
classe social dominante tinham acesso a mesma.
Na década de 1930, na chamada Era Vargas, foi criado o Instituto de
Aposentadoria e Pensões (IAPS), organizados por categorias profissionais e não
mais por empresas. No final da década de 1930 e início da década de 1940, os IAPS
já concentravam uma grande quantidade de recursos, resultado do crescimento
contínuo da arrecadação, fruto do aumento do número de trabalhadores com
carteira assinada. Ao mesmo tempo, os gastos eram poucos já que a demanda por
aposentadoria ainda era pequena, porém o Governo Vargas utilizou grande parte
20. 17
dos recursos dos IAPS de forma indevida, no financiamento da industrialização do
Brasil, emprestando para empresários ou investindo diretamente, como foi o caso do
desenvolvimento da indústria siderúrgica.
Com o processo de industrialização na década de 30, no país tivemos o
“êxodo rural” aumentando a população nos centros urbanos que objetivavam a
busca de emprego nas indústrias. No entanto a demanda foi maior que a oferta de
emprego, contribuindo para aceleração da urbanização e a ampliação da massa
trabalhadora, em precárias condições de higiene, saúde e habitação.
A conjuntura de 30, com suas características econômicas e políticas,
possibilitou o surgimento de políticas sociais nacionais que respondessem às
questões sociais de forma orgânica e sistemática. As questões sociais em
geral e as de saúde em particular, já colocadas na década de 20, precisavam
ser enfrentadas de forma mais sofisticada. Necessitavam transformar-se em
questão política, com a intervenção estatal e a criação de novos aparelhos
que contemplassem, de algum modo, os assalariados urbanos, que se
caracterizavam como sujeitos sociais importantes no cenário político nacional,
em decorrência da nova dinâmica da acumulação. (BRAVO, 2007, p. 91).
Nas constituições do Brasil de 1934 e 1937 notamos avanços da assistência
médica ao trabalhador:
Art.121 § 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além
de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:[...] h)
assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a
esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do
emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União,
do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da
maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte (BRASIL,
1934)
Art 137 - A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes
preceitos:[...] l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante,
assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e
depois do parto; (BRASIL, 1937)
A constituição do Brasil de 1946 amplia as competências do Estado em
relação à saúde:
Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos
seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos
trabalhadores: [...] XIV - assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica
preventiva, ao trabalhador e à gestante; [...] XVI - previdência, mediante
contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da
maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e
da morte;
21. 18
Esses avanços na Constituição foram conquistas sociais, fruto das lutas e
reivindicações dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, juntamente
com a pressão sindical e a participação de outros atores políticos. Até 1950 as
atividades de saúde baseavam–se na atenção médica curativa e de prevenção
coletiva, sendo que durante o regime militar de 1964, os problemas não foram
resolvidos intensificando ainda mais a situação.
Em face da “questão social” no período 64/74, o Estado utilizou para sua
intervenção o binômio repressão-assistência, sendo a política assistencial
ampliada, burocratizada e modernizada pela máquina estatal com a
finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade, suavizar as
tensões sociais e conseguir legitimidade para o regime, como também servir
de mecanismo de acumulação do capital. (BRAVO, 2007, p. 93).
Em 1966 houve a unificação dos IAPS, tornando-se Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS).
Na década de 1970 após a consolidação dos serviços privados e públicos,
fica clara a divisão de acesso à saúde, isto é, entre os que podiam pagar por
serviços de saúde privada e a população carente que era atendida na saúde pública.
Em 1978 aconteceu em Alma-Ata, União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS), a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de
Saúde, expressando a necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos
os que trabalham nos campos da saúde e do desenvolvimento e da comunidade
mundial para promover a saúde de todos os povos do mundo.
Nesse contexto a sociedade civil organiza-se no país para mobilização e
conquista do direito à saúde. Como um direito universal e dever do Estado. Esse
movimento ficou conhecido como movimento sanitarista representado pelos
profissionais da saúde e sociedade civil. Os movimentos organizados participavam
das conferências propondo os seguintes princípios: universalização da saúde,
descentralização, com equidade e participação popular.
Em 1986, pós o regime militar, e em processo de abertura política no país é
realizado a 8ª Conferência Nacional de Saúde em Brasília, grande marco na história
das conferências de saúde no Brasil. Foi a primeira vez que a população participou
das discussões da conferência. Participaram dessa conferência mais de 4.000
delegados, impulsionados pelo movimento da Reforma Sanitária, e propuseram a
criação de uma ação institucional correspondente ao conceito ampliado de saúde,
que envolve promoção, proteção e recuperação.
22. 19
Em 1988 suas propostas foram contempladas e aprovadas pela Constituição
Federal (C.F.) e o Sistema Único de Saúde (SUS) regulamentado pelas leis
orgânicas da saúde 8.080/90 e 8.142/90, garantindo legalmente a proteção e a
defesa da saúde, corroborando com a definição da Organização Mundial da Saúde
(OMS) “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a
ausência de enfermidade ou invalidez”, garantindo um direito de todos os cidadãos
brasileiros e dever do Estado.
Art. 196 - A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a
sua promoção, proteção e recuperação (C.F BRASIL, 1988).
Concretizava -se através dos princípios do SUS:
Universalidade: atendimento a todo e qualquer cidadão, de acordo com a
necessidade (independente do pagamento a Previdência Social).
Integralidade: percepção da pessoa como um todo, que faz parte da
sociedade. Ações de prevenção e tratamento voltadas ao indivíduo e a comunidade.
Unidades prestadoras de serviços nos diversos graus de complexidade formando
um todo indivisível prestando assistência integral. Respeito a dignidade humana.
Equidade: direito ao atendimento frente às necessidades específicas, estando
atento as desigualdades existentes, ajustando as ações às necessidades de cada
parcela da população considerando suas vulnerabilidades.
Descentralização: poder de decisão na mão dos responsáveis pela execução
das ações (Comando Único) nas esferas (municipal, estadual e federal).
Regionalização / Hierarquização: serviços devem ser organizados em níveis
de complexidade tecnológica crescente, com área geograficamente definida e
definição da população a ser atendida.
Eficácia / Resolutividade: produzir resultados positivos quando for procurado
pela população ou quando um problema se apresenta na comunidade. Ter qualidade
no atendimento ao usuário e comunidade.
Participação Popular: direito de participação a todos os segmentos envolvidos
com o sistema (gestores, prestadores de serviço, trabalhadores de saúde e a
população usuária dos serviços). Participação através dos Conselhos de Saúde e
Conferências Municipais.
23. 20
Complementaridade do Setor Privado: quando por insuficiência do setor
público, poderá ser contratado serviço privado, mantendo-se os princípios do SUS.
Deve-se dar preferência a serviços não lucrativos.
O SUS é resultado da mobilização do movimento sanitarista, da classe
trabalhadora, juntamente com outros atores da sociedade civil que reivindicavam o
direito ao acesso integral, universal e gratuito a saúde de todos os brasileiros.
Busca romper com a lógica neoliberal de insuficiência de recursos públicos
investidos em saúde no Brasil pelo Estado, que se revela através da privatização e
sucateamento da saúde.
O SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. No entanto
apesar de seu caráter inovador, o SUS efetivado está longe do SUS constitucional.
Existe um hiato entre os ideais defendidos e propostos pelos movimentos e a prática
do sistema público de saúde que historicamente tem grandes desafios na garantia
da saúde pública no país.
1.2 Saúde Mental e Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) / Núcleo de
Apoio Psicossocial (NAPS)
A Política de Saúde Mental consolidada no Brasil é consequência,
principalmente, do processo de questionamento e reflexão iniciado no final da
década de 70 pelos trabalhadores de saúde mental, familiares, sindicalistas que
colocaram “um ponto final” ao paradigma e ao modelo psiquiátrico vigente na época.
Este Movimento passa ser protagonista na defesa dos direitos das pessoas
com transtornos mentais, denúncia à violência dos manicômios, da mercantilização
da loucura, da hegemonia de uma rede privada de assistência e crítica ao chamado
saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com
transtornos mentais.
As experiências que ocorreram na Itália, de desinstitucionalização em
psiquiatria e sua crítica radical ao manicômio têm repercussão positiva no Brasil,
pois revela que é possível uma ruptura ao modelo de violência asilar estabelecido na
época. Passaram a surgir as primeiras propostas e ações para a reorientação da
assistência.
Em 1987 na cidade de São Paulo é construído o primeiro Centro de Apoio
Psicossocial (CAPS) no Brasil. Em 1989 na cidade de Santos por meio da Secretaria
24. 21
Municipal de Saúde, inicia-se o processo de intervenção para construção de uma
rede de cuidados efetivos em substituição ao hospital psiquiátrico, Casa de Saúde
Anchieta da cidade de Santos, local de maus-tratos e mortes de pacientes. A
experiência da cidade de Santos é um marco no processo de Reforma Psiquiátrica
brasileira, pois revela e transmite para o país a realidade dos hospitais psiquiátricos,
demonstra que é possível transformar essa problemática e que precisa ser
enfrentada, trazendo à tona a urgente necessidade da extinção dos manicômios do
país.
A Reforma Psiquiátrica tem o apoio do Deputado Federal Paulo Delgado
(PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos
mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país e sua substituição por
outros recursos assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica compulsória
através do Projeto de Lei 3.657/89.
Em 1992, surgem movimentos sociais inspirados no Projeto de Lei Paulo
Delgado, que conquistam as primeiras leis que determinam a substituição do modelo
vigente, manicomial, apesar da resistência do setor privado, propondo uma rede
integrada de atenção a saúde mental. Ainda na década de 90 é firmado pelo Brasil,
através da assinatura na Declaração de Caracas e pela realização da II Conferencia
Nacional de Saúde Mental, o compromisso em criar normas federais e serviços de
atenção diários. Sendo assim são fundados os primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dias
e as primeiras normas para a fiscalização e a classificação dos hospitais
psiquiátricos.
Somente após 12 anos a Lei Paulo Delgado é sancionada, mas é apenas
uma substituição do Projeto de Lei 3.657/89 original e traz modificações importantes,
pois a Lei 10.216 de 06 de abril de 2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em
saúde mental. A aprovação da Lei 10.216/01 foi um marco ético-legal da Reforma
Psiquiátrica, ratificando de forma histórica, as diretrizes básicas que constituem o
Sistema Único de Saúde - SUS; garantindo aos usuários de serviços de saúde
mental e consequentemente, aos que sofrem por transtornos decorrentes do
consumo de álcool e outras drogas – a universalidade de acesso e direito à
assistência, bem como à sua integralidade; valoriza a descentralização do modelo
de atendimento quando determina a estruturação de serviços mais próximos do
convívio social de seus usuários, configurando redes assistenciais mais atentas às
25. 22
desigualdades existentes, ajustando de forma equânime e democrática as suas
ações às necessidades da população.
1.3 Saúde mental e usuários de álcool e outras drogas
Inicialmente os usuários de álcool e outras drogas não tinham assistência
específica, sua política de atendimento ficava restrita ao tratamento de saúde
mental. O tema era tratado com preconceito, onde os dependentes eram vistos
como marginais e não como doentes. Esse preconceito associado à criminalidade,
vinculava o tratamento a modelos de exclusão e de internação, acreditando que
manter longe e em abstinência seria a solução.
Mas a realidade contemporânea nos coloca a frente de novos desafios,
exigindo dos profissionais novas formas de atuação. A questão da dependência
química que era abordada especificadamente por médicos da saúde mental, onde
os profissionais e suas disciplinas eram compartimentalizadas e o conhecimento
fragmentado, passa a exigir novas estratégias, onde o conhecimento não é privativo
de uma única área do saber, portanto faz necessário a interlocução entre elas.
A interdisciplinaridade promove a troca de informações e de conhecimentos
entre disciplinas mas, fundamentalmente, transfere métodos de uma
disciplina para outras. Por exemplo: os métodos da física nuclear podem
auxiliar na cura do câncer, na engenharia de alimentos ou de remédios, etc.
Corresponde a um espectro mais ampliado de ação, alcançando um processo
de interação entre as disciplinas capaz de promover a conjugação de
conhecimentos que elevem os níveis de saber. (RODRIGUES, 2004, p. 52)
A interdisciplinaridade possibilita a complementaridade do conhecimento das
diversas disciplinas, proporciona que várias áreas do conhecimento possam dialogar
entre si, verificando as diferentes formas de abordar a realidade. O trabalho
interdisciplinar faz-se necessário cada vez mais devido a dificuldade que
encontramos para enfrentar a diversidade e a complexidade dos problemas
associado ao uso de substâncias psicoativas, contribuindo para compreensão do
aumento do uso abusivo de álcool e outras drogas e suas implicações que são
multidimensionais, já que envolve aspectos sociais, psicológicos, econômicos e
políticos, afetando a todos os segmentos sociais.
Em 2002, junto às recomendações da III Conferência Nacional de Saúde
Mental, o Ministério da Saúde implementa o Programa Nacional de Atenção
26. 23
Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas, voltando sua
estratégia de atuação para a ampliação do acesso dos usuários ao tratamento, a
compreensão integral e dinâmica da problemática, a promoção de seus direitos e a
abordagem de redução de danos. Afirma-se assim, através do Estado uma
estratégia que visa enfrentar um problema que passa a ser considerado de saúde
pública. De acordo com as Organizações Mundiais de Saúde, 10% da população
dos centros urbanos do mundo consomem substâncias psicoativas, sem distinção
de idade, sexo, nível de escolaridade e poder aquisitivo.
Ao ser organizada essa nova rede de trabalho no enfrentamento dessa
problemática, visa-se a reabilitação e a reinserção social do dependente, o que
levou o Ministério da Saúde a instituir ao Sistema Único de Saúde (SUS), o Plano
Nacional de Atenção Comunitária e Integral aos usuários de Álcool e outras drogas,
que tem como uma de suas diretrizes a intersetorialidade, a atenção integral, a
prevenção, a promoção e proteção a saúde de consumidores de álcool e outras
drogas, o modelos de atenção (CAPS) e redes assistenciais e o controle de
entorpecentes – padronização de serviços. Estabelecendo serviços extra
hospitalares específicos para essa demanda articulada junto à rede de atenção
psicossocial e abordando em conjunto a redução de danos.
São criados os CAPSad, Centros de Atenção Psicossocial para o atendimento
de pacientes com dependência e/ou uso prejudicial de álcool e outras drogas,
devendo ser trabalhado todo o cenário do usuário: o sistema de saúde, assistência
social e familiar.
Os CAPSad devem oferecer atendimentos diários a sujeitos que fazem uso
prejudicial de álcool e outras drogas, desenvolver atividades que envolvam desde
atendimentos individuais (medicamentoso, psicoterápicos, de orientação, dentre
outros) até atendimentos em grupos ou oficinas terapêuticas e visitas domiciliares.
Devem oferecer também, espaços de repouso para desintoxicação ambulatorial de
pacientes que necessitem desses cuidados e que não seja necessário atendimento
hospitalar.
O trabalho de prevenção pelo CAPSad pode ser definido como um processo
de planejamento, implantação e implementação de múltiplas estratégicas voltadas
para a redução dos fatores de riscos específicos e fortalecimento dos fatores de
proteção, o que implica a inserção comunitária das práticas propostas juntamente
com a colaboração de todos os segmentos sociais.
27. 24
A lógica sugerida pelo Ministério da Saúde é a Redução de Danos que visa
minimizar as consequências causadas pelo uso de drogas como a transmissão de
doenças, como hepatite e Vírus da Imunodeficiência Humana - HIV, através de
utensílios perfuro cortantes compartilhados entre os usuários, como seringas e
cachimbos.
Segundo o Ministério da Saúde para funcionar o CAPSad deve oferecer a
seguinte equipe multiprofissional: médico psiquiatra; enfermeiro com formação em
saúde mental; médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e
acompanhamento das intercorrências clínicas; profissionais de nível superior entre
as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social, enfermeiro,
terapeuta ocupacional, pedagogo, ou outro profissional necessário para o processo
terapêutico; profissionais de nível médio: técnico e / ou auxiliar de enfermagem,
técnico administrativo, técnico educacional e artesão.
Destacamos neste capítulo aspectos relevantes do desenvolvimento da
política de saúde no Brasil, e nesse processo, a necessidade de priorizar de forma
que se organize uma atuação diferenciada junto aos usuários de álcool e outras
drogas na política de saúde local.
28. CAPÍTULO II
CRACK: UMA PROBLEMÁTICA A SER ENFRENTADA
2.1 O que é dependência química?
25
A dependência é, essencialmente, uma relação alterada entre o usuário e o
seu modo de consumo. Todo o consumo de substâncias psicoativas, seja ele
lícito ou ilícito, é influenciado por uma série de fatores que diminuem ou
aumentam o risco de complicações agudas e crônicas. (COMUDA, 2006, p.
117).
Durante a vida, cada indivíduo adquire um modo particular de consumo de
substâncias, que sofre influência de diversos fatores de proteção e risco, podendo
serem de natureza biológica, psicológica e social. Esses fatores se influenciam
mutuamente, podendo comprometer vários campos da vida. Vale ressaltar que
nunca um fator de risco isolado leva a dependência, é necessário que haja outros
fatores sobre a história de cada um conduzindo-o ao abuso ou à dependência.
Assim, fica claro que os fatores ligados ao indivíduo, a natureza das
substâncias e seu ambiente social, desenvolvem padrões diferentes de consumo
dessas substâncias. Tomando como exemplo o álcool, um consumo em baixas
doses, com precauções necessárias é considerado de baixo risco, o eventual
acompanhado de brigas, perda de compromissos é considerada nociva ou abuso e
quando o consumo é frequente, compulsivo, é considerado dependência.
2.2 O que é o Crack?
O Crack é uma substância psicoativa, resultado da mistura da cocaína (pasta
da coca ou ela pura) e substâncias alcalinas, como bicarbonato de sódio e amônia.
Atualmente, nota-se o crescimento da utilização de outras substâncias na
composição do Crack para aumentar sua produção, o que causa efeitos ainda mais
graves ao organismo do usuário.
Essa mistura é consistente e cortada em pequenos pedaços que são as
pedras, que os usuários fumam em um cachimbo que pode ser facilmente
improvisado com latas. Durante o aquecimento, cristais da cocaína são queimados e
fazem o barulho que deu nome a droga “Crack”.
29. 26
O Crack inicialmente foi tido como uma droga de rua, de pessoas conhecidas
popularmente como “nóias”, indivíduos de baixa renda ou em situação de rua.
Atualmente ela atinge todos os segmentos da sociedade independente de gênero,
idade, sexo e classe social.
Quando a pessoa experimenta o Crack, o corpo cria uma espécie de memória
biológica das sensações que obteve independente de serem prazerosas ou
desagradáveis. A pessoa deseja sentir a sensação de êxtase, de bem estar e euforia
da primeira vez novamente, acredita que a parte ruim não vai se repetir.
O Crack age no cérebro de 05 a 10 segundos, e tem um efeito de
aproximadamente 15 minutos. Causa fortes efeitos psíquicos como euforia, que dá a
sensação de que ele pode tudo; redução da fadiga e da fome; irritabilidade e
impulsividade; sintomas depressivos e junto a uma forte necessidade de consumir
mais; ansiedade, sensação de pânico, mania de perseguição e perda do auto
controle. Esses efeitos, como nas demais drogas, agem conforme cada indivíduo e
seu organismo, seu estado psicológico e físico. Os efeitos físicos são o aumento da
frequência cardíaca e da pressão arterial; alta temperatura corpórea; aumento do
ritmo intestinal; tremores; dilatação da pupila; sudorese. Os efeitos sociais surgem
de acordo com o grau de dependência do usuário, quando está na “fissura”, não tem
respeito por nada nem ninguém, seu único “amigo” é o Crack, nada tem sentido,
sem a droga sente-se perdido e em seus poucos instantes de lucidez vem a
depressão, o sentimento de culpa, a raiva por se sentir incapaz, a preocupação, o
medo e a insegurança. Aos que possuem o apoio da família, mesmo com vergonha,
conseguem pedir ajuda, mas logo a vontade volta e o “cega”, levando - o novamente
a correr atrás da droga. É capaz de tudo para conseguir o Crack, engana, inicia
pequenos furtos, rouba, faz qualquer coisa e passa por cima de tudo e todos para
conseguir mais uma pedra.
2.2.1 Crack: Referência de consumo no Brasil
Os dados mais recentes sobre o consumo do Crack no país estão disponíveis
pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). O seu
II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil divulgado
em 2005 demonstra que houve um aumento do uso de Crack no Brasil em
comparação com o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas
30. 27
no Brasil divulgado em 2001. Conforme podemos observar na tabela abaixo, que é
a comparação entre os levantamentos de 2001 e 2005, sobre o uso do crack em sua
vida, distribuído segundo sexo e a faixa etária dos entrevistados das 108 cidades
com mais de 200 mil habitantes do Brasil.
Tabela 1: Levantamento do uso de droga nos anos de 2001 e 2005.
DROGA ANO 2001 ANO 2005
Crack
Masc.
0,7
Fem.
0,2
TOTAL
0,4
Masc.
1,5
Fem.
0,2
TOTAL
0,7
Fonte: CEBRID, 2005.
O II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil
divulgado em 2005 revela a quantidade do consumo de crack na vida, sendo 0,7 %
equivalente a 381 mil usuários de crack, no ano 0,1 % e no mês 01%. Entre os
brasileiros a porcentagem é maior no sexo masculino (3,2%) e na faixa etária de 25
a 34 anos.
Cerca de 600.000 pessoas fumam Crack hoje no Brasil, segundo estimativa
do Ministério da Saúde. Em 2005, esse número era de 380.000. O aumento foi de
58%. (VEJA São Paulo, 2010. p. 37).
Figura 1: Principais causas de óbito pelo uso do Crack
Fonte: Veja São Paulo, data abr. 2010.
Um em cada três usuários de Crack morre nos primeiros cinco anos de
consumo da droga, segundo estudo da Unifesp, divulgado pela revista Veja. As
31. 28
principais causas de óbito pelo uso de Crack são demonstradas através da figura
acima e por meio dela podemos constatar que o maior índice de mortes é em
decorrência da violência por traficantes ou pela polícia e em segundo por
decorrência da Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS).
2.2.2 O usuário de Crack
Há poucas informações sobre a chegada do crack ao Brasil, em sua maioria
provenientes da imprensa leiga ou de órgãos policiais. Segundo os primeiros
estudos iniciados no final da década de 80, a cidade de São Paulo foi a mais
atingida. A primeira apreensão da substância no município registrada nos arquivos
da Divisão de Investigações sobre Entorpecentes (DISE), aconteceu em 1990
(Uchôa, 1996). Algumas evidências apontam para o surgimento da substância em
bairros da Zona Leste da cidade (São Mateus, Cidade Tiradentes e Itaim Paulista)
para em seguida alcançar a região da Estação da Luz (conhecida como
"Cracolândia") e o centro da cidade (Uchôa, 1996). A partir daí espalhou-se para
vários pontos da cidade, estimulado pelo ambiente de exclusão social (Uchôa,
1996).
O Crack era usado pela população de baixa renda, em específico, pessoas
em situação de rua. Geralmente homens, com menos de 30 anos, desempregados,
com baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo, e oriundos de ambiente familiar em
situação de vulnerabilidade social.
Foi analisado que o usuário de Crack tem um padrão mais alto de
necessidade de consumo, maior envolvimento em atividades ilegais e prostituição.
Possuem também, maior número de problemas de saúde e sociais que os usuários
dos demais entorpecentes.
Geralmente o usuário de Crack usou outras drogas pesadas e teve seu início
em idade precoce, o que dificulta ainda mais seu tratamento, pois estão
biologicamente mais prejudicados devido ao início danoso em sua fase de
crescimento e desenvolvimento bio-psicossocial.
Esse quadro inicial veio se modificando com o desenvolvimento de nossa
sociedade e a falta de intervenção de Políticas Públicas específicas aos usuários de
álcool e outras drogas e em especial para o usuário de Crack que, atualmente, não
tem distinção de classe social, raça ou nível de escolaridade. São indivíduos que
32. 29
buscam a droga por motivos que são diversos e complexos, pois são subjetivos para
cada sujeito em seu contexto.
Segundo o “Guia Prático sobre Uso, Abuso e Dependência de Substâncias
Psicotrópicas para Educadores e Profissionais da Saúde”, elaborado pela Prefeitura
Municipal de São Paulo, podemos tentar analisar o usuário de Crack avaliando
fatores que possam influenciar e potencializar seu uso.
Fatores Biológicos: nos usuários de Crack a depressão e os transtornos de
ansiedade são os mais apresentados, mostrando uma correlação significativa entre
esses sintomas e a gravidade da dependência.
Fatores Individuais: depressão, ansiedade, alienação, comportamento
compulsivo, isolamento, timidez, dificuldades de concentração e pessimismos. É
válido acrescentar que, o uso precoce aumenta em até quatro vezes a chance de
uso contínuo e de dependência.
Fatores Sociais: fatores relacionais se referem ao grupo social a que pertence
aquele indivíduo, de onde ele quer fazer parte, se destacar, ser reconhecido. Grupo
esse em ambiente que ele cresceu e aprendeu, tendo como referência suas
características.
Fatores Familiares: que vão variar de acordo com o que ele vivencia e
aprende cotidianamente, desde a infância, como a violência, situação
socioeconômica, falta de comunicação entre os membros da família, dentre outros.
Fatores Escolares: variam desde problemas de adaptação e de relação entre
escola e estudante, onde não há o reforço do valor da escola, ao invés disso, exclui,
estigmatiza, rejeita e reforça negativamente, não possui regras, nem informações, e
apresentam professores não capacitados para lidar com essa questão, dentre
outros.
Os fatores apresentados se referem ao que pode potencializar o uso e a
dependência, mas precisamos analisar como ficam comprometidas essas relações
quando a dependência já está instalada.
O dependente de Crack vive para a droga, só pensa nela e na próxima dose,
assim tudo o mais fica irrelevante para o usuário.
Em casa, com sua família, começam as pequenas mentiras, em pouco tempo
é percebido seu uso, pois o usuário não consegue segurar a “fissura”1 e passa a
1 Fissura é um termo utilizado para se referir ao momento de abstinência que o usuário não consegue
suportar, em que não esta usando droga, mas sente o desejo incontrolável.
33. 30
usá-la em casa, improvisando cachimbos com latas de refrigerante e usam
constantemente o incenso para tentar disfarçar o cheiro característico da droga.
Dá-se início então a venda de seus pertences particulares, celular, tênis, até
roupas, passando a fazer pequenos furtos na própria família, televisão, DVD, tudo o
que acreditar ter valor de troca para o traficante. Quando já não tiver mais nada para
vender em casa passa a fazer pequenos furtos na rua, sendo violento quando
necessário, pois não pode perder tempo, “precisa do Crack” e é capaz de tudo para
consegui-lo. Sua relação familiar passa a ficar comprometida, brigas constantes,
pois o usuário não aceita sua dependência, se acha capaz de tudo e que tem
controle sobre a droga, dizendo que pode parar de usar quando quiser. Sem
entender a droga, a família não sabe como agir e tentam de tudo para ajudar, mas
chega o momento em que perdem a esperança, pois o usuário de Crack passa a
ficar extremamente violento, já que uma das características da droga é que quando
está ativa dá uma forte sensação de poder. Geralmente apenas um membro da
família insiste no usuário, os demais, perdem a esperança, chegando a acreditar que
a morte é a solução mais esperada, tamanho o desespero e a desilusão, não
acreditando no tratamento, pois o usuário de Crack costuma ter diversas recaídas.
A abstinência do Crack é extremamente estressante para o usuário, suor,
calafrios, tremores, dores abdominais, fazendo-o colocar a droga como um objetivo
a ser conquistado naquele momento e quando seus meios materiais terminam passa
a se prostituir, independente de sexo e idade, o usuário vende seu corpo por uma
pedra de Crack. É físico, é biológico, ele precisa, ele tem que ter mais uma pedra e
qualquer coisa que o faça conquistá-la é válida. Não pensa nas consequências e
nas doenças que pode adquirir e transmitir, sob efeito da droga ele não consegue
pensar, não consegue raciocinar, assim não vai usar preservativo, nem é capaz de
lembrar.
Na escola, a frequência diminui consideravelmente, chegando a deixá-la
definitivamente quanto instalada a dependência, pois não consegue acompanhar os
demais e nem há o interesse. Os profissionais da escola não estão capacitados para
lidar com o usuário de drogas, sendo assim, sentem-se impotentes e pouco ou nada
podem fazer para mudar o quadro.
O Usuário de Crack não consegue exercer atividade remunerada, seu
comprometimento não o deixa se concentrar no trabalho, tem tremores e passa a
ficar dias somente usando a droga, o que o impossibilita de continuar em um
34. 31
emprego. Destacamos também que o usuário de Crack não é confiável, quando
precisa de uma pedra não pensa antes de enganar, mentir, sendo assim, o
empregador não abre precedentes, prefere mandá-lo embora a ter prejuízos.
Fisicamente os efeitos do Crack se instalam visivelmente, emagrecem até que
fiquem com aspecto cadavérico, pois a droga inibe completamente o apetite, os
deixando dias sem comer. Apresentam feridas nos lábios decorrentes das
queimaduras no uso da droga, assim como em seus dedos, alem das rachaduras e
da cor amarelada.
2.3 O desenvolvimento das ações de Redução de Danos - RD no Brasil no
enfrentamento da dependência química.
A Redução de Danos é uma estratégia da saúde pública que visa diminuir as
consequências adversas decorrentes da prática de risco ao uso de drogas (lícitas e
ilícitas) ocasionando danos à saúde, como por exemplo, compartilhar apetrechos de
seringas e cachimbos, que podem transmitir doenças como hepatite, AIDS, Sífilis,
Herpes entre outras.
A primeira experiência de Redução de Danos no Brasil começou em
dezembro de 1989 no município de Santos – SP. O então prefeito da cidade,
preocupado com o rápido crescimento de contaminação pelo vírus HIV/AIDS nos
usuário de drogas injetáveis, usou como estratégia para controle da epidemia a
proposta de distribuir seringas e agulhas para uso do indivíduo. Essa medida gerou
muita polêmica e controversas. Inclusive foi enquadrada, na época pelo Ministério
Público, que entendeu que o objetivo era incentivar o uso de entorpecentes
conforme a Lei 6.368 de 1976 “qualquer forma de auxílio /incentivo àqueles que se
utilizam de substâncias entorpecentes” é considerado crime. Inviabilizando assim a
proposta naquele momento.
No ano de 1995 em Salvador – BA e em outros estados o trabalho de
Redução Danos já estava sendo desenvolvido mesmo sem uma legislação que a
liberasse ou se opusesse. Os avanços passam a surgir após a participação e
mobilização da população e profissionais em conferências e debates. Em 1998 foi
aprovada a lei que protegia os Redutores de Danos, que atuavam junto aos usuários
de drogas. Atualmente o Ministério da Saúde incentiva à parceria e o fortalecimento
entre os Programas de Saúde Mental, de Hepatite Virais e o de DST e AIDS
35. 32
objetivando promover a integralidade da atenção e a visibilidade da Redução de
Danos como uma política de saúde pública.
A Portaria nº. 1.028 de 4 de julho de 2005 do Ministério da Saúde preconiza
estabelecer diretrizes que orientam a implantação das ações e, desta forma,
subsidia municípios e estados na manutenção ou implantação de ações de Redução
de Danos voltadas aos dependentes usuários de drogas.
O objetivo é reduzir os danos daqueles usuários que não querem ou não
conseguem parar de usar drogas, pelo menos naquele momento, e, portanto,
compartilham muitas vezes a seringa, o cachimbo ou praticam atividades sexuais
sem o uso do preservativo e se expõem à infecção pela AIDS, Hepatite e outras
doenças. A Redução de Danos surge como uma alternativa de prevenção ao usuário
de drogas que não está preparado para aderir ao tratamento que tem por objetivo a
abstinência.
A redução de danos propõe a escuta e o acolhimento sem julgamento,
reconhecendo cada usuário e sua singularidade e o uso que ele faz das drogas e,
partindo disso, traça com ele estratégias para reduzir tanto quanto possível os
eventuais prejuízos que vem sendo acarretados a esse indivíduo pelo uso indevido
das drogas, bem como, orientá-lo no sentido de fazer um uso menos prejudicial a
sua saúde. O objetivo a ser alcançado não é o da abstinência, tem como principal
meta a ser alcançada a defesa da vida humana, o direito a saúde, gerar informações
adequadas sobre riscos e danos, estimulando práticas de cuidado e valorizando
suas escolhas, diminuindo os impactos social, físico e mental.
Não podemos confundir as estratégias de Redução de Danos com o incentivo
ao uso indevido de drogas, pois se trata de uma estratégia de prevenção de
doenças decorrentes do uso contínuo de substâncias psicoativas. Pressupõe avaliar
junto ao usuário os danos causados pelo uso sem controle da droga em sua vida, e
junto com ele, estabelecer estratégias para maior controle para sua dependência,
diminuindo riscos e danos, para si, para outros e sua família.
36. CAPÍTULO III
33
SEÇÃO NÚCLEO DE ATENDIMENTO AO TÓXICO DEPENDENTE
(SENAT): CONTRIBUINDO NA RECONSTRUÇÃO DE VIDAS.
3.1 A Seção Núcleo de Atendimento ao Tóxico Dependente (SENAT): o
acesso ao tratamento.
A SENAT é um serviço que atua no enfrentamento da dependência química
em atendimento ambulatorial, ou seja, trata o usuário na instituição, mas oferece
encaminhamentos para as comunidades terapêuticas quando diagnosticado pela
equipe técnica sua necessidade. Faz parte da Secretaria Municipal de Saúde e
funciona como um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad).
Oferece atendimento diário a sujeitos que fazem uso prejudicial de álcool e
outras drogas, desenvolvendo atividades desde atendimentos individuais até
atendimentos em grupos ou oficinas terapêuticas e visitas domiciliares. Oferecem
também, espaços de repouso para desintoxicação ambulatorial de pacientes que
necessitem desses cuidados mas que não precisam de atendimento hospitalar.
A Instituição conta com equipe multiprofissional: Assistente Social,
Psicólogos, Psiquiatras, Acompanhantes Terapêuticos, Enfermeiro e Técnicos de
Enfermagem.
O usuário que chega a SENAT tem o entendimento de sua dependência, ou
seja, quer se tratar e parar de usar a droga. Mas há também os casos que são
encaminhados pelo judiciário, como os adolescentes ou pela Central de Penas e
Medidas Alternativas de Santos, onde pessoas que não tem condições de prestar
serviço comunitário por causa da dependência química, após autorização do juiz,
fará seu tratamento que servirá como prestação de serviço a comunidade. Vale
ressaltar que nesses dois últimos casos é muito difícil a adesão ao tratamento pois
muitos não se consideram dependentes e assim desistem quando passado o prazo
exigido ou simplesmente o abandona. O maior índice de desistência vem justamente
dessa demanda onde o juiz determinou um tratamento em que eles não acreditam,
segundo técnicos da equipe.
Grande parte dos que acessam a SENAT vem encaminhados de outros
serviços, como as unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Saúde da
37. 34
Família (USF), Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), dentre outros.
O usuário que chega por conta própria já está em estado de “aceitação” devido as
perdas, onde sua família, seu trabalho, sua vida social, está prejudicada de forma
desastrosa pelo vício. Segundo pesquisa de campo existe pouca divulgação da
instituição, e essa divulgação é realizada por outros equipamentos da prefeitura,
dificultando o acesso da demanda que não passa por esses equipamentos. Porém
percebemos que a demanda do município é grande para a quantidade de
profissionais, sendo necessário que essa estrutura seja revista, pois mesmo que a
equipe esteja de acordo com as exigências do Ministério da Saúde, ela também
deve ser adequada com o fluxo de atendimento do município. Vale ressaltar que
conforme informações na instituição, está previsto a implementação de um novo
SENAT, para adolescentes, que mudará a estrutura de funcionamento do serviço,
pois deixará de atender a essa demanda.
3.1.1 O funcionamento da instituição no tratamento da dependência
química.
Conforme levantamento disponibilizado pela SENAT referente ao mês de
Agosto de 2010, foram atendidos 226 usuários de drogas, 199 são homens e 27 são
mulheres, destes 68 utilizam o Crack, associado a outras drogas, representando
30% dos pacientes atendidos no mês.
O tratamento dá inicio com o acolhimento. Definimos acolhimento como
sendo todo contato com o usuário onde a intenção seja de receber de forma
humanizada favorecendo a criação de vínculos, sendo realizado durante o
atendimento na recepção, na sala de espera ou atendimento pelo plantonista, pois
todas essas formas visam o contato com o usuário.
O acolhimento e o espaço para a criação de vínculos nos atendimentos[...]
acontecem, inicialmente, através de pequenas atitudes dos profissionais, tais
como: chamar o usuário ou familiar pelo nome, fazê-los aguardar pouco pelo
atendimento e mantê-los informados em casos de atraso, disponibilizar um
espaço de privacidade para o atendimento, ouvir o que o usuário tem a dizer
e direcionar a conversa sem causar desconforto. Outro aspecto fundamental
é a forma e a linguagem utilizada para que as informações ou orientações
possam ser compreendidas de maneira satisfatória. (FERNANDES, 2006,
p.7)
Nessa primeira fase o usuário chega ao serviço e passa pelo profissional de
plantão, que é rotativo entre o Assistente Social, Psicólogo, Enfermeiro, Terapeuta
38. 35
Ocupacional e Acompanhante Terapêutico, cada dia um desses profissionais fica de
plantão. Esse profissional faz uma primeira avaliação e o orienta quanto ao
tratamento em que irá seguir, sobre os atendimentos e grupos que frequentará, o
que se chama Projeto Terapêutico, que é individual respeitando a subjetividade dos
sujeitos. Neste momento é agendado com os demais profissionais da instituição e
com os grupos que fazem parte do tratamento, grupos de acolhimento, de
abstinência e de manutenção. Esses são os principais, mas ele também poderá
fazer parte da Terapia Comunitária e do Grupo de Serviço Social e das Oficinas
oferecidas.
Assim o fluxo do atendimento segue a seguinte lógica: Acolhimento pela
recepção – acolhimento pelo plantonista – agendamento com os profissionais de
assistência social, psicólogo, enfermeiro e psiquiatra – agendamento nos grupos de
acolhimento e depois de determinado tempo neste grupo ele passa ao grupo de
abstinência e quando estiver preparado passa ao grupo de manutenção, sendo este
o último, preparando-o para deixar a instituição. Reforçamos que os Projetos
Terapêuticos são individuais e seguem a necessidade de cada um, assim após cada
caso ser avaliado é ou não encaminhado aos demais grupos e oficinas oferecidas na
SENAT.
Vale ressaltar que quando o indivíduo chega a SENAT, ele está muitas vezes
em situação de rua, fragilizado, precisando de atendimento imediato, assim esse
primeiro acolhimento é de extrema importância e os agendamentos são realizados o
mais rápido possível, cerca de três dias conforme informações da SENAT, para que
esses pacientes não desistam do tratamento.
A família do usuário também é acolhida e seu papel é importantíssimo para o
desenvolvimento do mesmo. A família passa por atendimento com o plantonista e
com os demais profissionais da instituição sempre que houver necessidade e
participa do Grupo de Família, especialmente criado para essa demanda.
Após a avaliação dos profissionais, é estudado o grau de dependência do
usuário, para que assim possa ser feito seu Projeto Terapêutico dentro da
instituição, não há uma escala de dependência, mas a equipe avalia a vontade de
parar de usar a droga, o tipo de droga em específico, pois no caso do Crack é muito
difícil esse primeiro momento de abstinência, onde o paciente pode ser risco para si,
como em casos de tentativa anterior de suicídio ou para o outro, em casos de
39. 36
violência aos familiares ou externos para conseguir a droga, assim, pode ser
sugerida também a internação em Comunidades Terapêuticas.
São três as Comunidades Terapêuticas conveniadas com a Secretaria
Municipal de Saúde:
Comunidade Terapêutica Recanto das Garças, em Bragança Paulista-SP,
que atende adolescentes de 12 a 18 anos. São 10 vagas e a duração do tratamento
é de 6 meses.
Comunidade Terapêutica Vitória, em Mariporã-SP, que atende adultos
homens. São 10 vagas e a duração do tratamento é de 6 meses.
Comunidade Terapêutica Respeitar, em Pedro de Toledo-SP, que atende
adultos, homens e mulheres. São 10 vagas e a duração do tratamento é de 7
meses.
Grande parte dos usuários da SENAT, principalmente os usuários de Crack,
chega solicitando internação, devido ao grau de fragilidade em que se encontram e o
de suas famílias, já esgotadas com o vício. Mas como já dito anteriormente, a
internação acontece após o diagnóstico da equipe técnica.
Ao iniciar o tratamento o usuário passa pelos atendimentos com os
profissionais e nos grupos. Inicia no grupo de acolhimento e com mais ou menos 3
meses passa ao grupo de abstinência, esse tempo não é determinado, ele será de
acordo com a evolução do usuário, após mais ou menos 3 meses passa ao grupo de
manutenção, onde será preparado para retornar as suas atividades. Esse último
grupo é de extrema importância para o usuário, pois a dependência química não tem
cura, a vontade de usar a droga vai permanecer por muito tempo e ele vai ter que
aprender a lidar com essa vontade a partir das mudanças de comportamento que se
fazem necessárias.
É importante ressaltar que durante a pesquisa na instituição e participação
nos grupos, percebemos que há uma quantidade significativa de usuários que são
trabalhadores das mediações do Porto de Santos. Em um dos grupos um usuário
relatou sobre seu medo de terminar o tratamento na SENAT, pois em seu ambiente
de trabalho sente vontade de usar a droga e tem medo de não conseguir resistir sem
as reuniões da SENAT, ele já está trabalhando e seu tratamento está no final. Por
isso a importância de avaliar se esse paciente está preparado para concluir o
tratamento, sentir-se seguro é primordial para que ele não recaia.
40. 37
Muitos pacientes que chegam a SENAT não tem condições de trabalhar,
assim são orientados sobre o direito de afastamento do trabalho durante o
tratamento. Esta orientação é feita pelo serviço social ou pelo médico. Alguns
pacientes já possuem o conhecimento desse direito. Ressaltamos que o laudo só é
oferecido quando o paciente está fazendo o tratamento regularmente, participando
dos grupos, das terapias, dos atendimentos e consultas médicas, caso contrário é
negado.
3.2 Metodologia da pesquisa
Realizamos uma pesquisa qualitativa na SENAT, que está subordinada a
Coordenadoria de Saúde Mental e da Secretaria Municipal de Saúde, que
possibilitou valorizar o conhecimento que os sujeitos possuem sobre a realidade
vivida, contribuindo assim para o desenvolvimento deste trabalho. A pesquisa
qualitativa é importante, pois dá voz ao sujeito, reconhecendo-o como protagonista
da pesquisa e consequentemente do processo de conhecimento.
A pesquisa qualitativa:
[...] tem por objetivo trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do
que está sendo pesquisado, não é só a minha visão de pesquisador em
relação ao problema, mas é também o que o sujeito tem a me dizer a
respeito. (MARTINELLI, 1999, p.21).
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, onde obtivemos o conhecimento
teórico sobre a droga, suas características e as dos usuários, os efeitos do Crack no
organismo e suas consequências psicossociais, bem como as Políticas e Diretrizes
propostas para o enfrentamento da mesma. Na pesquisa de campo realizada foram
utilizados os seguintes instrumentais:
Entrevista semi - estruturada (Anexo I): foi realizada com os usuários do
serviço no intuito de obter a opinião dos sujeitos a respeito do tratamento oferecido,
sua história de vida, as dificuldades enfrentadas durante o tratamento, os conflitos
familiares e suas sugestões para melhorar o atendimento;
Os usuários entrevistados foram convidados durante processo de grupo em
que participavam, são 5 usuários: sexo masculino e sexo feminino, de faixas etárias
diversas e que aceitaram participar da pesquisa.
41. 38
Entrevista semi – estruturada: foi realizada com a Assistente Social (Anexo II)
e a equipe interdisciplinar (Anexo III) que compartilhou suas experiências, o seu
conhecimento sobre os usuários de Crack, o que observa sobre as dificuldades para
adesão ao tratamento, a opinião sobre o papel da família e as dificuldades
enfrentadas no cotidiano, no trabalho interdisciplinar e no trabalho em rede;
Observação participante: foi realizada durante todo o processo de
desenvolvimento da pesquisa de campo, proporcionou conhecer a rotina de trabalho
da instituição, dos profissionais, o fluxo da demanda, o acolhimento e a participação
dos usuários nos grupos.
A pesquisa foi realizada em dias agendados com a direção da Unidade, onde
permanecemos durante os meses de setembro e outubro de 2010. Realizamos
entrevistas com profissionais da assistência social, psicologia e funcionário
acompanhante terapêutico. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados em uma
amostragem intencional sendo orientados sobre seu objetivo através do termo de
consentimento livre e esclarecido – TCLE.
As entrevistas realizadas foram gravadas com o consentimento dos
entrevistados, através do TCLE, com o intuito de valorizar o seu conhecimento e
experiências, dando maior visibilidade ao sujeito por meio da sua fala sobre essa
problemática, expondo suas formas de pensar e avaliar o processo de tratamento.
Foi garantido a não identificação no relatório final da pesquisa, resguardando-se sua
privacidade.
3.3 Apresentação dos sujeitos da pesquisa.
Entrevistamos os profissionais e funcionários da SENAT, que é referência no
tratamento da dependência química no município de Santos. Para a seleção dos
funcionários e profissionais foram escolhidos conforme sua área de atuação e
interesse em participar da pesquisa, Assistentes Sociais, Psicólogos e
Acompanhantes Terapêutico. A entrevista foi previamente agendada conforme
disponibilidade dos mesmos, sendo realizadas na SENAT. Os usuários e familiares
foram convidados durante sua participação nos grupos de acolhimento e de família.
Os integrantes dos grupos que se sentiram a vontade em participar, após o término
do mesmo nos acompanharam para aplicação da entrevista na própria instituição.
Foi explicado o objetivo do trabalho e firmado o compromisso da devolutiva do
42. 39
mesmo, bem como foram convidados a assistir a apresentação do trabalho de
conclusão de curso – TCC.
Para aplicação da pesquisa foram selecionados 4 sujeitos entre profissionais
e funcionários, 3 usuários e 2 familiares. Vale ressaltar que dentre os entrevistados
profissionais, havia 2 Assistentes Sociais, onde uma atualmente atua como gestora
da unidade, mas por muito tempo atuou como Assistente social, e sua opinião como
profissional do serviço social foi de extrema importância para a compreensão do
quanto essa área é requisitada na SENAT. Para que os profissionais não sejam
identificados, garantindo sua privacidade, principalmente por que a equipe da
SENAT é pequena, optamos por não relacioná-los por profissão, vamos utilizar as
letras A, B, C e D de maneira aleatória. Quando nos referirmos a atuação do
Assistente Social – A.S. vamos utilizar os números 1 e 2, para que não seja
identificado qual profissional citou determinada frase. Os usuários e familiares
também serão apresentados pelas letras E, F, G, H e I, para manter o sigilo.
Estaremos desta forma buscando garantir o sigilo e a privacidade dos sujeitos
de pesquisa e destacando o que é mais importante, suas formas de pensar e avaliar
a problemática do dependente químico do Crack.
3.4 O grupo no processo de tratamento da dependência química
No contexto grupal, o indivíduo pode encontrar maior possibilidade de
perceber a si mesmo e ao outro, através daquilo que podemos chamar
“reação espelho” (enxergar-se a si a partir do outro), além disso, pode se
familiarizar com novas maneiras de sofrimento e de soluções, representadas
por pessoas reais colocadas na mesma sala. (MELO e FIGLIE, 2010, p.429).
A abordagem grupal no processo de tratamento da dependência química
possibilita oferecer ao indivíduo um espaço no qual ele não é discriminado /
excluído, ao contrário, proporciona um ambiente onde todos são iguais frente a sua
problemática, favorecendo para que ele sinta-se um integrante do grupo, identifique–
se com o outro, troque experiências, compartilhe os seus sentimentos, sua história
de vida, saindo do individual para o coletivo, um fortalecendo o outro, criando saídas
e alternativas para problemática enfrentada.
[...] aqui nas terapias a gente fala e desabafa, coloca tudo pra fora, mas tem
gente que não fala uma palavra e vai pra casa, fica quieto, aqui você
descarrega. (Usuário F).
43. 40
Além desses aspectos a intervenção em grupo permite atender um número
maior de pessoas, sendo uma técnica e estratégia viável, levando em consideração
a demanda e a quantidade de profissionais para realizar o atendimento.
A SENAT conforme foi dito anteriormente é um serviço ambulatorial, portanto
possui uma grande rotatividade de pessoas no tratamento. Dessa forma para facilitar
o atendimento existem grupos abertos que possibilita a entrada de um novo
integrante no grupo que está iniciando o tratamento independente do momento. Os
grupos abertos são: Serviço Social, Família e Terapia Comunitária.
Grupo de Serviço Social: é coordenado pela assistente social e
acompanhante terapêutico. O grupo é realizado com os dependentes
químicos que estão em tratamento. Seu objetivo é abordar assuntos
pertinentes ao enfrentamento da dependência química, por exemplo, projeto
de vida.
Grupo de Família: é coordenado pela assistente social e acompanhante
terapêutico. O grupo é composto pelos familiares dos dependentes químicos
que estão em tratamento. Seu intuito é discutir as questões trazidas pelos
familiares e fazer a reflexão junto com seus integrantes.
Terapia Comunitária: é realizada pela enfermeira e acompanhante
terapêutico. Os integrantes do grupo são os dependentes químicos em
tratamento e os seus familiares.
Existem os grupos fechados que tem o propósito de caminhar juntos durante
o tratamento e tendo um tempo pré determinado para início e fim do mesmo.
Entretanto é respeitado o tempo de cada pessoa em cada grupo, levando em
consideração a singularidade do sujeito.
[...] Não existe tempo certo para o fim do tratamento em média 1 ano mas
algumas pessoas aparentam estar bem, quando chega no final precisa de um
apoio maior, nada vai impedir que ele fique mais 2 ou 3 meses, não tem essa
coisa muito certa não, esta avaliação é constante com os pacientes e com os
técnicos. (Profissional B).
Os grupos fechados são: Acolhimento, Abstinência e Manutenção.
Grupo de Acolhimento: é coordenado pela terapeuta ocupacional e
44. 41
acompanhante terapêutico. Os participantes do grupo são dependentes
químicos que estão iniciando o tratamento ou estão retornando, em casos de
recaída. O grupo tem duração prevista de três meses.
Grupo de Abstinência: é coordenado pela psicóloga. O grupo é freqüentado
por dependentes químicos que já estão um tempo sem usar drogas e que já
passaram pelo grupo de acolhimento. O grupo tem duração prevista de dois
meses.
Grupo de Manutenção: é coordenado pelo psicólogo. Os participantes desse
grupo são dependentes químicos que já passaram pelos grupos de
acolhimento e abstinência. Sua duração tem previsão de dois meses.
Na SENAT também existe o Grupo de Adolescentes: que é coordenado pela
psicóloga, no entanto a nossa pesquisa foi realizada somente com usuários adultos.
Quadro 1: Grupos Desenvolvidos na SENAT
Grupo: Funcionamento:
Grupo de Serviço Social Quinta – feira ás 13h00
Grupo de Família Segunda – feira ás 15h00
Terapia Comunitária Segunda – feira ás 10h00
Grupo de Acolhimento Segunda – feira ás 09h00
Grupo de Abstinência Quarta – feira ás 16h00
Grupo de Manutenção Sexta – feira ás 08h00
Grupo de Adolescente Quinta – feira ás 15h00
Fonte: Pesquisa de Campo, set. e out., 2010
Conforme ilustração do Quadro I, os grupos da SENAT acontecem
semanalmente, entre os grupos, o de Manutenção é o único que acontece no
primeiro horário, o que não é por acaso. Segundo relato dos profissionais, no início
do tratamento o usuário chega com a sua rotina comprometida dependendo do grau
45. 42
de dependência em que se encontra, sendo difícil sua participação. No início do
tratamento os usuários têm dificuldade em cumprir com os horários estabelecidos
pela SENAT, seja dos grupos ou dos atendimentos individuais, entretanto a partir do
grupo de Manutenção é importante que o usuário já comece se acostumar com sua
rotina de trabalho, estudo, enfim suas responsabilidades e compromissos do
cotidiano, pois estão no final do tratamento e precisam estar preparados para voltar
a sua rotina de vida.
Todos os grupos da SENAT são heterogêneos, isto é, não existe uma divisão
por gênero, tipo de droga (lícita ou ilícita) e o tipo de dependência (álcool, maconha,
crack e etc).
O grupo heterogêneo proporciona aspectos positivos e negativos, enriquece
a interação, troca de informações e ajuda mútua entre os integrantes do grupo.
Entretanto ainda que o assunto tratado no grupo seja o mesmo, isto é, a
dependência química, o coordenador do grupo precisa estar preparado e atento
para trabalhar questões que possam surgir, como por exemplo: o preconceito entre
os usuários de drogas lícitas para com os que usam drogas ilícitas, já que os tipos
de perdas, o comportamento, a maneira de encarar a dependência são diferentes,
por exemplo, um alcoolista em relação a um usuário de crack, ou seja, um
dependente de álcool não se acha tão debilitado quanto um dependente de Crack.
3.5 Análise dos dados
3.5.1 O usuário de Crack
Podemos confirmar através das falas dos sujeitos que não existe um único
motivo ou modo de se iniciar o uso de drogas, cada indivíduo é único e tem sua
subjetividade. Assim as decisões são tomadas por cada um de maneira que
satisfaça suas próprias necessidades. Para cada um algo diferente os tocou, os
afetou de maneira que o entorpecente e seus prazeres seja uma espécie de
paliativo, fuga para seu dia a dia e dificuldades que enfrentam.
Lá atrás, teve o acidente com meus pais, que morreram os dois juntos, eu
tinha 19 anos, eles morreram e para mim foi um bum, eu não usava nada, eu
era tranquilo, eu tinha irmãos que usavam, eu era contra, eu tinha ódio de ver
eles usando, até quando aconteceu essas coisas, então fui usando, usando,
46. 43
vi meus irmãos usando e naquela de provar, provei, gostei e pronto. Comecei
com 20 anos com a cocaína, o Crack foi depois (Usuário E).
A partir dos 13 anos passei a usar cigarro, meio que pra chamar a atenção
dos pais, não sei, não tenho certeza disso, eu tinha liberdade total em casa,
horário, não tinha esse problema. (Usuário E).
[...] eu tive algumas dificuldades na família de ver pai bebendo, brigando e tal,
não sei dizer se de alguma forma foi isso que ficou, mas que eu lembro é,
minha mãe também mas só que eles pararam [...].A primeira droga que usei
foi a maconha, aquela famosa história eu tava só conhecendo, [...], mas eu já
saia, já bebia e se eu não me engano foi 6 meses depois ou um ano que eu
conheci a cocaína, como sendo a cura da bebedeira, você bebia muito, e
ficava bem legal, e isso progrediu bem rápido, eu não sabia que eu tinha
esta pré disposição e fui cada vez aumentando as doses. (Usuário F).
[...] alguma droga tinha que ter no dia, foi aumentando o uso em qualquer
horário, antes era só a noite, até que chegou a qualquer dia, qualquer
horário, de manhã eu não tinha horário e já era uma característica da minha
dependência e aos dezesseis anos eu conheci o crack e nessa época ainda,
nem existia, a gente fazia o crack, a gente pegava a cocaína, de boa
qualidade, já tinha pronto mais era mais fácil você fazer, você misturava
bicarbonato com água, fervia e quando secasse ficava aquela pasta, que era
o crack,[...]. (Usuário - G).
Podemos fazer uma relação com os informações citadas anteriormente no
capítulo 2, que fala a respeito de fatores que possam influenciar e potencializar o
uso, como as questões familiares do cotidiano, da vivência de presenciar brigas,
alcoolismo dos pais, questões sociais de influências de amigos, experimentando
para fazer parte do grupo, são alguns destaques que podemos relacionar.
Seja pelo excesso de liberdade em casa, pela perda de pessoas queridas,
somada as questões de propensão a dependência química, faz com que esses
sujeitos percam sua identidade para o Crack. Perde sua dignidade, o controle de si e
acabam ferindo sua família e as pessoas que estão a sua volta.
Você desliga do mundo, da família, de tomar um banho, é onde a pessoa
chega nesse ponto de ficar na rua, não tem nada, não corta o cabelo, não
escova o dente. Você tem tudo ali, mais você não faz, fazendo da sua casa
uma loucura, você tem toda a estrutura mas você não faz nada, o negócio é
impressionante mesmo [...] a recaída é pior que no começo, a gente fica num
estado que pior que um chão. (Usuário E)
O Crack tem o efeito instantâneo, trago já deu a deixa, a primeira tragada é
um prazer, depois você vai se transformando no seu problema, vou me
transformando num bicho. (usuário G)