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O meu corpo no corpo do outro:
arte performativa e vídeo,
dispositivos híbridos
Profa. Dra. Regilene A. Sarzi Ribeiro
UNESP/Brasil
Conexões transdisciplinares
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Vídeo (comunicação) como dispositivo-máquina
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O texto é uma síntese da análise do vídeo Entre de
Nina Galanternick.
Investigamos dois aspectos inter-relacionados:
O corpo como um operador de sentido do dispositivo
audiovisual e o sincretismo corpo-máquina como
protagonista da construção de identidade do sujeito
performer e do espectador,
Brasil, anos 1970, o embate entre o dispositivo (câmera
de vídeo) e o corpo do artista, deu origem à arte do
vídeo no país,
Os artistas se apropriam dos recursos da máquina
(registros, enquadramentos e sons) para expor seu
corpo a discussões estéticas, sociais, culturais e
políticas.
“Diferentemente de outros países que produzem nos
anos 1970 performances e body art (arte corporal)
muitas vezes em espaços abertos, no Brasil tais
manifestações públicas são recriminadas, censuradas,
pelo Estado ditatorial. Os trabalhos performáticos são
realizados [...] em caráter privado, isolados do espaço
público, e documentados pela câmera de vídeo”.
(MELLO, 2008, p.144).
Anos de 1990, performances registradas por vídeos,
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gráficos e audiovisuais, edição e montagem,
Corpos múltiplos e multifacetados, fragmentados,
sobrepostos, mixados, articulados e recompostos.
Pensar o dispositivo como um aparelho para fazer ver e
falar conforme Michael Foucault, citado por Gilles
Deleuze (O que é um dispositivo?, 1989), representa
acionar a discussão sobre as relações entre obra,
artista e público.
Quem vê, o como vê e o que é visto fazem parte de um
mesmo sistema autopoiético (CAPRA, 2011), tal como
em uma ecologia da criação na qual cada elemento se
define necessariamente na relação com o outro (SARZI-
RIBEIRO, 2015).
A máquina, um dispositivo para fazer ver e falar se torna
muito mais do que um meio de registro e resistência, ela
é meio de expressão que visa questionar autoridades e
tabus.
Na criação contemporânea, o vídeo torna-se linguagem
plástica audiovisual a partir da qual som e imagem
compõem novos discursos do corpo.
Para Arlindo Machado (1997), a imagem eletrônica traz
um vasto campo de experimentações estéticas e
inúmeros recursos pós-produção, de edição e montagem
como cortes, sobreposições, distorções, anamorfoses,
mosaicos, colagens, colorizações, compressão ou
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Para analisar o vídeo Entre
(1999), da artista carioca
Nina Galanternick, tomamos
como eixos norteadores
algumas questões:
Qual a relação entre o corpo
performático e a linguagem
do vídeo?
Como os aspectos formais
(composição, espaço, luz, cor
e textura) operam arranjos
sonoro-visuais, que tornam
visíveis os corpos no vídeo
analisado?
Que sentido do outro e do si
mesmo são processados?
Frame do vídeo Entre de Nina
Galanternick (1999). 6 min, colorido e
som. Fonte: SARZI-RIBEIRO, 2012.
Frame do vídeo Entre de Nina
Galanternick (1999). 6 min colorido e
som. Fonte: SARZI-RIBEIRO, 2012.
No vídeo Entre, nos deparamos com cenas de
um corpo feminino mostrado em detalhes cuja
tonalidade de pele varia de um intenso
rosáceo ao vermelho e ao final, tons claros de
pele branca quase sem cor .
O corpo feminino é percorrido pela câmera de
cima a baixo e enquadrado na intimidade que
mostra particularidades dos membros do seu
rosto, cabelos, narinas, orelhas e boca.
Outras cenas focalizam pormenores como
pintas e machas do corpo e membros como
pés, nádegas e pelos da vagina.
A programação para sentir as coisas do mundo
por suas partes é uma função programada pelo
dispositivo da máquina da ordem do midiático
(comunicação), uma vez que está na essência da
linguagem do vídeo, a estrutura fragmentar
(SARZI-RIBEIRO, 2012).
O cinetismo da câmera é um traço da linguagem
audiovisual que gera movimentos compostos de
ritmo (rápido e lento) e velocidade (acelerado e
desacelerado) marcados pela continuidade e
descontinuidade nas cenas, e a totalidade e
parcialidade com que este corpo se faz visível.
Os percursos (orifícios e
passagens) sugeridos por
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circunvoluções, resultantes
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partes do corpo, são
enquadrados por planos
fechados e zooms que
dirigem quem está
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social e coletivo e para o
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configurando um ajuste à
programação do dispositivo
videográfico. Frames do vídeo Entre (1999). Gráficos de
relações entre o corpo e os percursos de
adentramento. Fonte: SARZI-RIBEIRO, 2012.
A arte performática se estende de dentro para fora
e de fora para dentro do vídeo.
O encantamento ou estranhamento que sentimos
diante dos portais de acesso ao corpo são
materializados pela linguagem videográfica, que
opera na ligação entre cenas rápidas e lentas e
superfícies planas em detrimento às aberturas do
corpo, composta pelo caminhar da câmera.
Por todas estas relações, o corpo do vídeo Entre é
um corpo conhecido na sua intimidade por um
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O corpo performático masculino nos remete a
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Interpretamos por oposições, o poder do corpo
masculino versus a fragilidade do corpo feminino e a
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O vídeo promove um contínuo para dentro do corpo
e um contínuo entre os corpos. O meu corpo no
corpo do outro.
Um corpo vivido que se torna presença a partir de
caminhos que querem burlar o mecânico e o
automático para ser sentido como algo vital e
fundamental à própria condição existencial do corpo.
Referências
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável.
7ª. ed. São Paulo: Cultrix, 2011.
DELEUZE, Gilles. Qu’est-ce qu’un dispositif? In: Michel Foucault
philosophe. Rencontre Internationale Paris, janvier 1998. Tradução
Ruy de Souza Dias. Paris: Seuil, 1989.
MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1997.
MELLO, Christine. Extremidades do vídeo. São Paulo: SENAC São Paulo,
2008.
SARZI-RIBEIRO, Regilene Aparecida. Análise Estética da Videoarte. O
meu corpo no corpo do outro. In: Pós: Revista do Programa de Pós-
Graduação em Artes, v. 04, p. 162-173, 2014.
_____. Regimes de visibilidade do corpo fragmentado e construção de
sentido e interação na videoarte brasileira. São Paulo, 2012. Tese
(Doutorado). Pontifícia Universidade Católica – PUC, São Paulo – SP.
384p.
Obrigado!
regilenesarzi@faac.unesp.br

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  • 1. O meu corpo no corpo do outro: arte performativa e vídeo, dispositivos híbridos Profa. Dra. Regilene A. Sarzi Ribeiro UNESP/Brasil
  • 2. Conexões transdisciplinares Hibridismo entre linguagens – corpo e vídeo Experiência estética (filosofia) Presença do corpo (performance) Vídeo (comunicação) como dispositivo-máquina Produtor de linguagem e discurso O texto é uma síntese da análise do vídeo Entre de Nina Galanternick. Investigamos dois aspectos inter-relacionados: O corpo como um operador de sentido do dispositivo audiovisual e o sincretismo corpo-máquina como protagonista da construção de identidade do sujeito performer e do espectador,
  • 3. Brasil, anos 1970, o embate entre o dispositivo (câmera de vídeo) e o corpo do artista, deu origem à arte do vídeo no país, Os artistas se apropriam dos recursos da máquina (registros, enquadramentos e sons) para expor seu corpo a discussões estéticas, sociais, culturais e políticas. “Diferentemente de outros países que produzem nos anos 1970 performances e body art (arte corporal) muitas vezes em espaços abertos, no Brasil tais manifestações públicas são recriminadas, censuradas, pelo Estado ditatorial. Os trabalhos performáticos são realizados [...] em caráter privado, isolados do espaço público, e documentados pela câmera de vídeo”. (MELLO, 2008, p.144).
  • 4. Anos de 1990, performances registradas por vídeos, Imagem do corpo sofre intervenções dos recursos gráficos e audiovisuais, edição e montagem, Corpos múltiplos e multifacetados, fragmentados, sobrepostos, mixados, articulados e recompostos. Pensar o dispositivo como um aparelho para fazer ver e falar conforme Michael Foucault, citado por Gilles Deleuze (O que é um dispositivo?, 1989), representa acionar a discussão sobre as relações entre obra, artista e público. Quem vê, o como vê e o que é visto fazem parte de um mesmo sistema autopoiético (CAPRA, 2011), tal como em uma ecologia da criação na qual cada elemento se define necessariamente na relação com o outro (SARZI- RIBEIRO, 2015).
  • 5. A máquina, um dispositivo para fazer ver e falar se torna muito mais do que um meio de registro e resistência, ela é meio de expressão que visa questionar autoridades e tabus. Na criação contemporânea, o vídeo torna-se linguagem plástica audiovisual a partir da qual som e imagem compõem novos discursos do corpo. Para Arlindo Machado (1997), a imagem eletrônica traz um vasto campo de experimentações estéticas e inúmeros recursos pós-produção, de edição e montagem como cortes, sobreposições, distorções, anamorfoses, mosaicos, colagens, colorizações, compressão ou expansão da imagem (squeezoom).
  • 6. Para analisar o vídeo Entre (1999), da artista carioca Nina Galanternick, tomamos como eixos norteadores algumas questões: Qual a relação entre o corpo performático e a linguagem do vídeo? Como os aspectos formais (composição, espaço, luz, cor e textura) operam arranjos sonoro-visuais, que tornam visíveis os corpos no vídeo analisado? Que sentido do outro e do si mesmo são processados? Frame do vídeo Entre de Nina Galanternick (1999). 6 min, colorido e som. Fonte: SARZI-RIBEIRO, 2012. Frame do vídeo Entre de Nina Galanternick (1999). 6 min colorido e som. Fonte: SARZI-RIBEIRO, 2012.
  • 7. No vídeo Entre, nos deparamos com cenas de um corpo feminino mostrado em detalhes cuja tonalidade de pele varia de um intenso rosáceo ao vermelho e ao final, tons claros de pele branca quase sem cor . O corpo feminino é percorrido pela câmera de cima a baixo e enquadrado na intimidade que mostra particularidades dos membros do seu rosto, cabelos, narinas, orelhas e boca. Outras cenas focalizam pormenores como pintas e machas do corpo e membros como pés, nádegas e pelos da vagina.
  • 8. A programação para sentir as coisas do mundo por suas partes é uma função programada pelo dispositivo da máquina da ordem do midiático (comunicação), uma vez que está na essência da linguagem do vídeo, a estrutura fragmentar (SARZI-RIBEIRO, 2012). O cinetismo da câmera é um traço da linguagem audiovisual que gera movimentos compostos de ritmo (rápido e lento) e velocidade (acelerado e desacelerado) marcados pela continuidade e descontinuidade nas cenas, e a totalidade e parcialidade com que este corpo se faz visível.
  • 9. Os percursos (orifícios e passagens) sugeridos por triangulações e circunvoluções, resultantes do contorno das formas e partes do corpo, são enquadrados por planos fechados e zooms que dirigem quem está assistindo ao vídeo de fora para dentro, do exterior social e coletivo e para o interior privado e íntimo, configurando um ajuste à programação do dispositivo videográfico. Frames do vídeo Entre (1999). Gráficos de relações entre o corpo e os percursos de adentramento. Fonte: SARZI-RIBEIRO, 2012.
  • 10. A arte performática se estende de dentro para fora e de fora para dentro do vídeo. O encantamento ou estranhamento que sentimos diante dos portais de acesso ao corpo são materializados pela linguagem videográfica, que opera na ligação entre cenas rápidas e lentas e superfícies planas em detrimento às aberturas do corpo, composta pelo caminhar da câmera. Por todas estas relações, o corpo do vídeo Entre é um corpo conhecido na sua intimidade por um dispositivo maquínico que se aproxima sempre com o intuito de tornar visíveis os portais de acesso ao corpo.
  • 11. O corpo performático masculino nos remete a valores e questões de gênero presentes nas relações entre duas pessoas. Interpretamos por oposições, o poder do corpo masculino versus a fragilidade do corpo feminino e a imposição de valores e usos do corpo. O vídeo promove um contínuo para dentro do corpo e um contínuo entre os corpos. O meu corpo no corpo do outro. Um corpo vivido que se torna presença a partir de caminhos que querem burlar o mecânico e o automático para ser sentido como algo vital e fundamental à própria condição existencial do corpo.
  • 12. Referências CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. 7ª. ed. São Paulo: Cultrix, 2011. DELEUZE, Gilles. Qu’est-ce qu’un dispositif? In: Michel Foucault philosophe. Rencontre Internationale Paris, janvier 1998. Tradução Ruy de Souza Dias. Paris: Seuil, 1989. MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1997. MELLO, Christine. Extremidades do vídeo. São Paulo: SENAC São Paulo, 2008. SARZI-RIBEIRO, Regilene Aparecida. Análise Estética da Videoarte. O meu corpo no corpo do outro. In: Pós: Revista do Programa de Pós- Graduação em Artes, v. 04, p. 162-173, 2014. _____. Regimes de visibilidade do corpo fragmentado e construção de sentido e interação na videoarte brasileira. São Paulo, 2012. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica – PUC, São Paulo – SP. 384p.