O documento descreve a história e importância cultural do cambucá, uma fruta nativa brasileira em risco de extinção. Conta memórias de infância da avó da autora sobre o sabor do cambucá e menciona sua presença na literatura e canções brasileiras. No entanto, explica que a espécie está ameaçada devido à destruição de seu habitat e ao descaso com espécies nativas, apesar de seus potenciais benefícios à saúde e ao reflorestamento.
1. luz do entardecer e o chei-
ro de café coado anunciam
uma boa conversa prestes
a começar. Entre um beliscar de queijo
e um gole da bebida passada na hora,
ouço muitas histórias, como a de um
tal cambucá (Plinia edulis). Quem conta
é Maria Eneida Pupo Pimentel, minha
avó. “Lembro que sua cor era entre o
amarelo e o laranja quando estava boa
para chupar. Seu sabor era delicioso,
muito docinho. Cortávamos uma bei-
rada e espremíamos à espera do caldo
cremoso”, diz, buscando detalhes em
suas memórias de infância passada na
fazenda de seu pai.
Na fazenda Santo Aleixo, localizada
nobairrodoPantaleão,nacidadedeAm-
paro, interior de São Paulo, meu bisavô
recebia muitas pessoas e dentre eles ha-
via um homem – de nome Henrique De
La Roque – que, sob a sombra de um
cambucazeiro, falava de negócios e
deseugostopelofruto.“Estedou-
tor voltou uma porção de vezes”,
conta minha avó, após mais um
gole de café, “para provar mais
uma daquela saborosa fruta e
falar sobre outras coisas”.
Os cambucás já foram coad-
juvantes não somente da história
de minha avó, Maria Eneida, mas de
pessoas próximas do imperador Dom
Pedro I, além de constar nas páginas do
livro Sonhos d’Ouro, de José de Alencar e
da canção Olhos Verdes, do compositor e
Fruta boa de chupar, memória saborosa de infância no interior
e nos jardins imperiais. Assim o cambucá é saudado em canções
e mencionado em livros. Mas é preciso muito mais do que isso
para não relegar a espécie apenas a doces lembranças...
cambucá
flora brasileirax x
texto AmAndA Pimentel
A
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2. 40
arranjador Vicente Paiva, interpretada
nos anos 1950 por Dalva de Oliveira, e,
nos anos 1970, por Gal Costa.
O nome da fruta se eternizou, mas
a planta não teve a mesma sorte. “Em-
bora ainda sejam predominantes em
diversas regiões da Mata Atlântica, di-
versas mirtáceas estão ameaçadas de
extinção”, diz Tati Ishikawa, mestre
e doutora pela Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da Universidade de São
Paulo (USP) e pesquisadora dos cambu-
cazeiros. “Nós estamos, literalmente,
destruindo uma biblioteca enorme de
possibilidades, de conhecimento. São
espécies endêmicas, de ocorrência ex-
clusiva no território nacional, que nun-
ca chegaremos a conhecer”.
Segundo Silvestre Silva, jornalista
e fotógrafo viajante, autor de 5 livros
sobre frutas brasileiras, “é uma rarida-
de encontrar uma árvore de cambucá.
Quer seja no seu hábitat natural da
Mata Atlântica ou cultivada. Os mo-
tivos? Por ser de difícil germinação e
regeneração natural nas matas e pelo
descaso do brasileiro com as espécies
nativas importantes do seu País”.
Já Tati acredita na possibilidade de
aspesquisasdespertaremointeresseda
comunidade científica e da população
acerca do cambucá, culminando no in-
centivo ao reflorestamento: “A geração
de conhecimento, especialmente no
que se refere à flora e fauna brasileiras
e sua divulgação, é sempre importante
para alertar sobre o desaparecimento
de espécies – sobretudo as nativas e as
endêmicas em ecossistemas ameaça-
dos, como é o caso da Mata Atlântica.
Acredito que fomentando o interesse e
valorizando espécies nativas, estamos
contribuindo para o uso sustentável e,
por consequência, para a necessidade
do reflorestamento”.
Os poucos privilegiados que ainda
podemcontemplarasfloradasdoscam-
bucazeiros – entre outubro e novembro
– mal podem esperar a nova carga de
cambucás por elas anunciadas, que só
amadurecem em meados de dezembro.
Algumas árvores do interior mais som-
breado e úmido das matas frutificam
em pleno outono, apresentando frutos
maduros em maio.
Como as jabuticabas, os frutos do
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cambucá nascem
direto do caule da ár-
vore e, em geral, têm
apenas uma semente
arredondada e grande. “A
casca é grossa e de coloração inicial
esverdeada até chegar ao tom amarelo
alaranjado, no momento ideal para a co-
lheita, quando os frutos medem entre 3 e
5 centímetros de diâmetro”, descreve a pes-
quisadora Tati. A polpa carnosa e suculenta,
de sabor agridoce, atrai muitas aves e peque-
nos mamíferos.
E devia ser muito apreciada pelos índios de
língua tupi-guarani para receber um nome cujo
significado é ‘fruta de chupar’ (camb = mamar ou
chupareiká=fruta).Tambémdonomecientífico
constaosabor,deacordocomHeltonJosuéTeodo-
ro Muniz, idealizador do site Frutas Raras: “o nome
Plinia homenageia o naturalista Caio Plínio Cecílio e
edulis quer dizer édulo, ou seja, saboroso e comestível”.
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OlhOs verdes
(Vicente Paiva, 1908-1964)
vem, de uma remota batucada
uma cadência bem marcada
que uma baiana tem no andar
e nos seus requebros e maneiras
na graça toda das palmeiras
esguias, altaneiras
a balançar
são da cor do mar, da cor da mata
os olhos verdes da mulata
são cismadores e fatais, fatais
e no beijo ardente perfumado
conserva o cravo do pecado
de sabores cambucás
direto do caule
O cambucá maduro mede de
3 a 5 centímetros e tem casca grossa
no tom amarelo alaranjado (acima).
A floração ocorre entre outubro e
novembro e os frutos nascem
no caule, como a jabuticaba (à dir.)
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A espécie ocorria na Mata Atlântica,
do Rio de Janeiro até o Rio Grande do
Sul. A árvore é considerada de pequeno
porte, por atingir até 10 metros de al-
tura. Seu tronco possui casca lisa, mas
descama uma vez por ano, como o das
goiabeiras e das jabuticabeiras. As fo-
lhassãoescurasebrilhantes,formando
uma copa densa, de boa sombra. Uma
característica promissora para uso em
paisagismo e reflorestamento, segundo
a especialista da USP. “Embora seu cres-
cimento seja lento, a espécie pode ser
empregada em reflorestamentos mis-
tos destinados à recomposição de áreas
degradadas”, defende.
O cambucá cresce em vários tipos
de solo, “desde que sejam profundos, de
textura média e conservem a umida-
de”, observa Helton. “Mas é preciso ter
paciência,poisaplantademoraemmé-
dia 10 anos para frutificar. Mesmo as
mudas enxertadas levam no mínimo 4
anos para começar a frutificar”.
Os benefícios à saúde promovidos
peloscambucazeirossãopopularmente
conhecidos por caiçaras dos estados de
São Paulo e Rio de Janeiro. E algumas
pesquisasjáinvestigamopotencialme-
dicinal da espécie na Universidade Es-
tadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(Unesp), na Universidade de São Paulo
(USP) e na Universidade Estadual de
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Campinas (Unicamp).
Os primeiros resultados apontam
baixa toxicidade e eficiência na pro-
teção do estômago contra úlceras não
crônicas, quando se usa o extrato ob-
tido das folhas do cambucá. Também
estão sendo avaliadas a ação contra
tumores (câncer) e a atividade antio-
xidante (combate a radicais livres e ao
envelhecimento). “Esses resultados são
preliminares”, alerta Tati Ishikawa.
“Como educadora e profissional de saú-
de, é importante recomendar cuidado
com o uso indiscriminado de extratos
vegetais, tendo em vista que muitas ve-
zesosefeitostóxicossãopercebidosape-
nas após muitos anos de exposição”.
Ao me oferecer mais uma xícara de
café, minha avó se diz muito feliz em
saber que existem pessoas plantan-
do cambucá. “Enquanto conto
essahistóriaparavocê,me
vem à boca o sabor
que jamais esqueci, daquele pé de cam-
bucá. Será que ainda vou provar nova-
mente o fruto da minha infância?”
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A babá imperial e o cambucá
Maria Graham, autora do livro Diário de uma
viagem ao Brasil (1824), nasceu em 19 de julho de
1785, na Inglaterra. Filha do almirante George Dun-
das, cedo despertou interesse por escrever diários so-
bre os lugares que visitava ao lado de seu pai. E em
suas descrições demonstrava carinho especial pela
fauna e pela flora.
Em março de 1823, já viúva, Maria Graham vem ao Rio
de Janeiro oferecer seus serviços como governanta e pro-
fessora da filha de Dom Pedro I, a princesa D. Maria da
Glória, que anos mais tarde assumiu o trono
real português. Entre as páginas
de seu diário, ela menciona um
passeio pelo Rio de Janeiro,
onde descobre o cambucá:
“Juntei-me a um alegre
grupo num passeio a
cavalo a Copacabana,
pequena fortaleza que defende uma das pequenas
baías atrás da praia Vermelha e de onde se podem
ver algumas das mais belas vistas daqui. As matas
da vizinhança são belíssimas e produzem grande
quantidade de excelente fruta chamada cambucá.”
(8 de agosto de 1823, pág. 321)
Em outro trecho compara diversos frutos brasileiros
com os europeus: “Fiquei contente por ver (no Jardim
Botânico do Rio de Janeiro) muitas das plantas in-
dígenas que haviam sido plantadas aqui: tais como
a andraguoa, a noz de que se tira o mais forte pur-
gativo que existe; o cambucá, cujo fruto é tão gran-
de como uma maçã russet e tem o gosto subácido
de groselha, com a qual sua polpa tem forte seme-
lhança; a japetee-caba, cujo fruto é pouco inferior
ao damasco, e a grumachama donde se extrai um
licor, tão bom como o de cerejas” (9 de setembro de
1823, pág. 353).
“o povo que chupa o caju, a manga,
o cambucá e a jabuticaba pode falar uma língua
com igual pronúncia e espírito do povo que
sorve o figo, a pera, o damasco e a nêspera?”
(sonhos d’ouro, José de alencar, 1872)
árVore Útil
O cambucazeiro é árvore de
pequeno porte - até 10 metros -,
a copa é densa e garante boa sombra,
características próprias para
paisagismo e reflorestamento.
Os galhos têm casca lisa
e descamam (dir.)
Visite o site frutas raras
(http://frutasraras.sites.uol.com.br/)
PArA sAber mAis
anestorMezzoMo
fotos:silvestresilva
anestorMezzoMo