Este documento discute a Teoria da Escolha Pública. Aborda como os políticos e eleitores agem motivados pelo interesse próprio, como o problema da informação imperfeita influencia as decisões políticas, e como os sistemas eleitorais e lobbying organizado podem distorcer os resultados políticos.
2. CONTEÚDO
1. Contexto e Precursores
2. Perspetiva, Objeto e Metodologia
3. O Problema da Informação
4. Sistemas Eleitorais
5. O Lobbying Organizado
6. Rent-Seeking
Apêndice
Suporte Bibliográfico
• Buchholz (Cap. XI); Tullock, Gordon al al, (2002), Government Failure: A Primer in Public
Choice; Keynes (1919) The Economic Consequences of Peace
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3. 1. O Contexto e os Precursores
• A corrente da escolha pública ganha expressão após a II Guerra
Mundial, quando o peso do governo nas economias desenvolvidas
aumenta consideravelmente.
• James Buchanan (1919-2013), foi o mais influente economista neste
domínio. Escreveu The Calculus of Consent (1962) em coautoria
com Gordon Tullock. Em 1986 recebeu o Nobel da Economia.
• Entre os precursores contam-se o próprio Adam Smith e David Hume,
e o economista sueco Knut Wickesell (1851-1926).
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4. 2. A Perspetiva, O Objeto e a Metodologia
• “O homo politicus e o homo economicus são o mesmo. A implicação
crítica deste pressuposto da prevalência do interesse próprio é a de
que as diferenças observáveis entre a escolha pública e a escolha
privada emergem não do facto de os indivíduos adotarem diferentes
objetivos nesses dois ambientes, mas antes sim porque as
restrições que os seus comportamentos enfrentam são diferentes.”*
o Desde o século XIX, beneficiando do contributo dos clássicos (Adam Smith,
David Ricardo), os economistas assumiam que os indivíduos eram
motivados pelo interesse próprio. Já na ciência política assumia-se que os
indivíduos eram norteados pelo interesse público.
o Em suma, uma visão bifurcada do comportamento humano (Tullock, p. 5).
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Tullock, p. 2-5
5. 2. A Perspetiva, o Objeto e a Metodologia (cont.)
• Uma visão unificada do comportamento humano é proposta pela “a teoria da
Escolha Pública, a qual representa, na sua essência, a transposição do
aparelho analítico da ciência económica para a ciência política”.
o “Numa sociedade democrática, os políticos singram na vida ganhando
eleições”.
• Todavia,
o “Enquanto nos mercados privados os votantes e os políticos fazem
escolhas que afetam sobretudo os próprios, no domínio da política fazem
escolhas que afetam sobretudo os outros”.
o Daí decorrem algumas das questões fundamentais que interessam à teoria
da Escolha Pública e que vamos analisar em seguida.
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Tullock, p. 5-6
6. 3. O Problema da Informação – Informação (mais que) Imperfeita
• A teoria económica assenta no princípio de que os compradores
agem nos mercado de forma informada. Contudo, no domínio da
política o problema da informação é bem mais complexo.
o Exemplo. Na compra de um automóvel invisto tempo para me informar
sobre as marcas e modelos que melhor possam convir-me, pela simples
razão de que um possível erro afetará a carteira ou o conforto próprios.
Mas quando votamos para o presidente dos Estados Unidos, o meu voto
será um entre 70 milhões e será altamente improvável que altere o
resultado final da eleição. Por isso, o esfoço que irei despender em
recolher a informação para tomar a decisão mais acertada será também
menor. … Provavelmente, os eleitores são pessoas mal informadas e
poderão até favorecer políticos ou políticas contrárias aos seus interesses.
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Tullock, Loc 171
7. 3. O Problema da Informação - Informação Assimétrica
• “A informação limitada sobre tópicos gerais contrasta com o
conhecimento aprofundado que a maioria das pessoas possuem
sobre políticas específicas.
o Exemplo: Os agricultores sabem muito sobre os subsídios à agricultura nos
EUA e na Europa (Política Agrícola Comum).
• Esta informação assimétrica favorece ao aparecimento de grupos de
“interesses especiais” e encorajam os políticos a prestar maior
atenção a estes grupos do que ao interesse geral.
o Exemplo: Os políticos tenderão a eternizar a alocação de impostos à
Política Agrícola Comum: ganham assim o voto dos agricultores, mas não
perdem os dos contribuintes em geral, já que estes têm uma informação
muito vaga sobre quanto lhes custa tal política.
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8. 4. Sistemas Eleitorais
• Na maioria dos regimes democráticos, os representantes são eleitos
por um dos seguintes procedimentos:
o Representação proporcional, em que cada distrito, ou um círculo
nacional único, elege múltiplos parlamentares.
o Círculo uninominal (single member constituence), em que apenas é eleito
um único representante, à primeira votação (maioria simples, ou “first-past-
the-post”).
• Antes de analisar as vantagens e desvantagens de cada um destes
de sistemas, vamos mostrar como podem tornar-se aleatórios os
resultados de uma votação num processo de escolha coletiva.
o Viz. o paradoxo de Condorcet (1743-1794) – uma referência clássica na
teoria da “escolha coletiva” (social choice).
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9. 4.1 O Paradoxo de Condorcet
• A Tabela acima apresenta a ordenação das preferências da Maria,
da Joana e da Francisca, sobre as propostas alternativas A, B e C.
• Suponha que são chamadas a votar segundo uma dada ordem:
o Primeiro. Votam A contra B; votam seguidamente a proposta vencedora
contra C. Resultado: A ganha a B; a seguir C ganha a A. Logo, C vence.
o Segundo. Votam B contra C; votam seguidamente a proposta vencedora
contra A. Resultado: B ganha a C; a seguir A ganha a B. Logo, A vence.
o Terceiro. Votam em C contra A; votam seguidamente a proposta vencedora
contra B. Resultado: C ganha a A; a seguir B ganha a C. Logo, B vence.
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Preferências
Maria Joana Francisca
A B C
B C A
C A B
10. 4.2 Os Círculos Uninominais
• O sistema eleitoral britânico, baseado em círculos uninominais e na
regra da maioria simples (“first-past-the-post”), serve para ilustrar o
paradoxo da votação feita em pares alternantes*.
o O Partido Liberal ganharia as eleições se concorresse separadamente em
eleições a dois contra os Conservadores e os Trabalhistas. Porquanto, os
eleitores conservadores iriam preferir os Liberais aos Trabalhistas; e os
eleitores Trabalhistas iriam igualmente preferir os Liberais aos
Conservadores. E no entanto pelo método de votação vigente – círculos
uninominais, mas em que todos os candidatos concorrem simultaneamente
– a representação parlamentar dos Liberais torna-se irrelevante (1,8 %).
• O sistema eleitoral britânico, propiciando a concentração das
representações parlamentares em apenas dois partidos (aos quais se
juntarão os de base regional), favorece a formação de maiorias
governamentais estáveis.
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Tullock, pp. 19
11. 4.3 A Representação Proporcional
• Método de representação proporcional utilizado na Holanda e em
Israel: um único círculo eleitoral: o país no seu conjunto.*
o Neste caso, os votos nos pequenos partidos “não se perdem”: são
agregados a nível nacional e dão direito a eleger um número de deputados
correspondente ao peso relativo (proporcional) que cada partido alcançou.
• Num sistema de representação proporcional podem existir regras
para diminuir a fragmentação, tais como:
o (i) um limiar mínimo para ser eleito (ex. 5% dos votos, na Alemanha)
o (ii) fórmulas matemática que favorecem os partidos mais votados na
conversão dos votos em mandatos (o método de Hondt*, v. Alemanha e
Portugal).
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*Tullock, p. 20
12. 4.4 Implicações dos Sistemas Eleitorais
• Os sistemas uninominais favorecem a concentração, v.g.
Conservadores e Trabalhistas no Reino Unido, ou Republicanos e
Democratas nos EUA
• Já o sistemas proporcionais tendem a favorecer a fragmentação, v.g.
a Câmara de Deputados no Brasil.
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Câmara dos Deputados do Brasil
Câmara dos Representantes dos EUA
13. 4.5 O Teorema do Votante Mediano
• Suponhamos que a Maria, a Joana e a Francisca são chamadas
agora a votar em três novas propostas eleitorais, D, E, e F, e que as
suas preferências se apresentam ordenadas na forma seguinte:
• A opção E é designada por a preferência mediana. Notar agora que a
opção E ganha sempre, independentemente da ordem da votação.
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Preferências
Maria Joana Francisca
D F E
E E F
F D D
14. 4.5 O Teorema do Votante Mediano (cont.)
• Numa eleição concorrem dois partidos, em campos opostos.
• Se algum dos candidatos escolher uma posição numa das
extremidades da distribuição, o outro posiciona-se ao centro e ganha.
o Logo ambos irão posicionar-se ao centro, pelo que serão as preferências
do eleitor mediano (o que divide a distribuição dos votos ao meio, a
Francisca no caso) a determinar as escolhas políticas.
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*Tullock, Loc 502
Francisca
Maria Joana
15. 5. O Lobbying Organizado
• “Ninguém se encontra em segurança quando o Congresso está
reunido – incluindo os próprios congressistas. Os lobistas
perseguem-nos e aos seus assessores, pressionando para obter
favores, isenções fiscais, subsídios, e proteção.”*
• Questão: E por que não vemos os interesses especiais a fazer lóbi
patriótico no Congresso para aumentar a eficiência e a riqueza
nacionais? Resposta: Por que não compensa. Tal como a seguir se
exemplifica.
o Exemplo. Considere a Associação dos Produtores de Leite nos EUA.
Suponha que eles representam 1% da população americana. Se eles
tiverem êxito em levar o Congresso a aprovar medidas que contribuam
para a aumentar a produtividade geral, os benefícios que daí retiram serão
nessa mesma proporção de 1%.
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15
*Buchholz, p. 255
16. 5. O Lobbying Organizado (cont.)
o Contudo, eles exerceram 100% dos esforços para aprovar a nova
legislação. E poderão ter assim gasto $50.000 numa ação que criou $1
milhão de nova riqueza para o país, mas da qual eles irão apenas
aproveitar $10.000.
o Portanto, as organizações têm pouco interesse em promover a eficiência
na sociedade através da política. Tão simplesmente porque não compensa.
o Suponha agora que os produtores que fazem o mesmo “investimento”
($50.000) para conseguir a aprovação de um “preço mínimo” para o leite,
com o qual as receitas dos seus associados aumentam em $1 milhão.
Agora suportam 100% dos custos do lobbying mas obtêm 100% do
benefício.
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Buchholz, p. 255; ** Tullock, p. 37
17. 6. Rent-Seeking
• Definição: “Consiste na mobilização de recursos com o propósito de
obter rendas para alguém, sendo que tais rendas provêm de alguma
atividade com um valor social negativo.”*
o Historicamente, “a maioria das sociedades das quais temos registo foram
rent seeking. Um padrão que se modificou nos últimos dois séculos. Foi a
Grã Bretanha que pôs termo à sociedade rent seeking”. Os países que
emularam esta inovação institucional, tornaram-se prósperos. As sociedade
que persistiram no rent seeking ficaram para trás.
• Alocação do talento. “James Watt inventou a máquina a vapor e
Thomas Edison a lâmpada incandescente. Nessa mesma época, na
China as pessoas com igual talento investiam-no antes em conseguir
do governo privilégios especiais.”
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17
*Tullock p. 43
19. A1.1 Peso relativo do emprego público
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19
Fonte: OCDE, http://www.oecd.org/gov/government-at-a-glance-2017-highlights-en.pdf
General government employment as a percentage of total employment across OECD countries has
remained relatively stable, rising slightly between 2007 and 2015, from 17.9% to 18.1%.
20. A1.2 Peso relativo das mulheres em postos de gestão pública
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20
Fonte: OCDE, http://www.oecd.org/gov/government-at-a-glance-2017-highlights-en.pdf
Gender parity has been reached and surpassed in most OECD countries concerning professional
judges, with women representing on average 56% of all judges. However, gender representation
varies and women’s participation critically drops in higher levels of courts. Women occupy on
average 59% of offices in first instance courts but only 34% of judgeships in supreme courts.
21. A.2 A Burocracia
• “Tradicionalmente, a burocracia ora foi entendida meramente como
uma qualificação depreciativa ora assumindo que o burocrata se
norteava pela maximização do interesse público.”*
• “Os burocratas são como os outros e como tal interessados no seu
bem-estar. A questão está em desenhar um mecanismo que leve os
burocratas a servir o interesse de todos enquanto prosseguem a
realização do seu próprio interesse”.*
o Tullock enquadra aqui o problema em termos dos incentivos que o
burocrata enfrenta. Questão prática: comparar os efeitos esperados sobre
a qualidade dos serviços públicos quando as progressões nas carreiras são
automáticas (todos ascendem ao patamar mais alto) vs. baseadas na
avaliação do mérito.
Obs: O conceito “burocratas” abrange toda a hierarquia do funcionalismo público, mas
refere-se fundamentalmente ao grupo que detém um efetivo poder de gestão e decisão”**
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21
Tullock, p. 53-4; Neves Cruz, p. 251
22. A.2 Burocracia (cont.)
• No modelo tradicional da maximização do orçamento, a função
objetivo dos burocratas da administração pública é definida sobre as
seguintes “variáveis; salários, privilégios, poder, prestígio,
oportunidades após a reforma, etc.”*
• E como podem os burocratas maximizar essa função? Inflacionando
o orçamento e a dimensão do bureau (os serviços sob a sua direção).
• Os serviços públicos podem expandir-se muito para além de uma
escala eficiente. Mais dinheiro significa mais poder, e por isso os
burocratas não têm incentivos fortes para reduzir custos.
• Mesmo quando os políticos eleitos prometem cortar na burocracia,
raras são as vezes em que tal acontece.
o Jimmy Carter e Ronald Reagan prometeram-no e ambos falharam nisso.
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22
Buchholz, p. 261
23. A. 3 Federalismo (Descentralização)
• “O federalismo é usualmente associado com os governos Americano ou
Suíço, mas o seu significado é mais amplo. Basicamente, significa a divisão
da governo entre as funções centralizadas e os programas assegurados
localmente”.*
• A teoria económica também demonstra que alguns tipos de bens públicos
(polícia, bombeiros, saneamento básico, escolas) devem ser assegurados por
múltiplos provisores, enquanto para certos bens (e.g. defesa nacionais)
justifica-se uma única entidade governamental (as forças armadas).
• A noção atual de federalismo (descentralização)** coloca-se para os bens
públicos cuja provisão pode ser assegurada por múltiplas entidades; e levanta
a seguinte questão: quais os que devem ser assegurados pelo governo
central e quais os que deverão ser pelos governos locais (estadual/regional;
municípios).
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23
Tullock, p. 70; ** Ver também Oates (1999) “An Essay on Fiscal Federalism”
24. A. 2.3 O Federalismo Orçamental
• A favor da descentralização, é comumente invocado o argumento de que
aproximando os decisores das pessoas, estarão mais capacitados para (i)
responder às preferências dos seus eleitores e (ii) de forma mais eficiente.
• Mas, a questão básica é antes a de saber “como alinhar as responsabilidades
e os instrumentos orçamentais com os respetivos níveis de governação”*. O
que implica “compreender quais as funções e os instrumentos que estarão
melhor na esfera centralizada e quais os que ficarão melhor colocados aos
níveis de governo descentralizo”*.
• Apenas como exemplo: Ao governo central cabem as responsabilidades com
a estabilização macroeconómica e a redistribuição do rendimento para a
proteção dos mais pobres. Já aos níveis descentralizados caberia a provisão
dos chamados bens públicos locais (infraestruturas urbanísticas, habitação
social, bombeiros…).
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24
* Oates (1999) “An Essay on Fiscal Federalism”
25. A. 2.3.2 “Votar com os Pés”
• Um dos benefícios da descentralização fiscal é posto em evidência pelo
célebre modelo de Tiebout (1956), segundo o qual as famílias com elevada
mobilidade “votam com os seus pés”.
• Significando com isso que “as famílias escolhem como jurisdição da sua
residência a localidade que lhes proporciona o pacote orçamental (o binómio
carga fiscal e bens públicos locais) melhor ajustado aos seus gostos”.
• Explicando. Na América, uma família com filhos e que valorize muito a sua
educação irá escolher como residência um município que ofereça escolas
públicas de qualidade, embora os impostos locais sejam mais altos.
• Sob este mesmo principio, um município que tenha uma gestão ineficiente
tenderá a ser abandonado, pois a ineficiência traduz-se impostos mais altos e
baixa qualidade dos serviços públicos (ex., os jardins e demais espaços
públicos descuidados), suscitando-se assim o tema da concorrência fiscal.
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25
* Oates (1999) “An Essay on Fiscal Federalism”