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OTEXTO
EACONSTRUÇAO
DOS SENTIDOS
INGEDOREG.VILLAÇAKOCH
SBD-FFLCH-USP
262964
11
cüõüfo
pU 5 1 /''t'"l'z'"'t b a
e.. J 5 CoP7riglzf© 1997 Ingedore Villaça Koch
Todos os direitos destaedição reservadosà
EonoR{A CONTEXTO(Editora Pinsky Ltda.)
SUMÁRIO
Composição; FA Fábrica de Comunicação
Revisão: Verá Lúcia Quintanilha
Capa: Antonio
Kehl
Dados Internacionaisde Catalogaçãona Publicação(cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp,Brasil)
Koch, Ingedore Grunfeld Villaça
O texto e a construção dos sentidos/ Ingedore Koch 7. ed
São Paulo : Contexto, 2003.
Introdução 7
Parte 1:A Construção Textual do Sentido
Bibliografia
ISBN85-7244-068-2
9
1 1
25
A Atividadede Produção
Textual
1.Fala 2.Linguagem3.Textos l.Título 11.
Série
O Texto: Construção de Sentidos
97-1799
Atividades e Estratégias de Processamento
Textual 31
Índices para catálogo sistemático:
1. Lingüística textual 415
2. Sentidos: Lingüística 415
3.Texto: Lingüística 415
CDD-415
U
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A Construção dos Sentidosno Texto
Coesão e Coerência 45
l4nTVnUA ( f"h.lvrvvr"
Diretor editorial: JaimePinsky
Rua Acopiara, 199 Alto da Lapa
05083-110--SãoPaulo--sp
PABX:
(11) 3832 5838
contexto@editoracontexto.com .br
www.editoracontexto.com.br
A Construção dos Sentidos no Texto
Intertextualidade e Polifonia
0
8
59
Parte 11:A Construção do Sentido no
Texto Falado 75
77
A Naturezada Faia
2003
Atí'idades de Construção do Texto Falado;
Tipos e Funções 83
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os inó-atires serãoprocessados
na forma da lei
}
lematização e Rematização: Estratégias
de Construção do Texto Falado 93
A Repetição como Estratégia de
Construção do Texto Falado
A DinamicidadedosTópicos no Texto
Conversacional: Digressãoe Coerência
É23
147
É59
167
INTRODUÇÃO
Bibliografia
A Autora no Contexto
O processode produção textual, no quadro dasteorias só-
cio-interacionaisda linguagem, é concebidocomo atividade
inreracional de sujeitossociais,tendo em vista a realizaçãode
determinados Gins.
As teorias sócio-interacionais reconhecem aexistência de um
sujeitoplanejador/organizadorque, em suainter-relaçãocom ou-
trossujeitos,vai construir um texto, sobainfluência de uma com-
plexa rede de Estores,entre os quais a especificidade da situação, o
jogo de imagens recíprocas, as crenças, convicções, atitudes dos
interactantes, os conhecimentos (supostamente) partilhados, as
expectativasmútuas, as normas e convenções sócio-culturais. Isso
signif:ica que a construção do texto exige a realização de uma série
de atividades cognitivo-discursivas que vão dota-lo de certos ele-
mentos, propriedades ou marcas,osquais, em seu inter-relaciona-
mento, serãoresponsáveis
pela produção de sentidos.
É ao estudo de taisatividades discursivase de suasmarcas
na materialidadelingüística quesedestina a presenteobra. Na
primeira parte, trato de questõesgeraisrelativasà produçãodo
sentido, comuns, portanto, às modalidadesescritae EHadada
língua; na segunda,detenho-me no estudo da construçãodos
sentidos no texto falado.
7
Os capítulosque compõemestelivro constituem versões
mais ou menos próximas de trabalhos publicados em revistas
especializadas e/ou apresentados em congressos, que discutem
questõescentrais referentesà construção textual dos sentidos e
queseinterligam teórica emetodologicamente,formando o todo
que aqui apresento e que submeto à apreciação dos leitores, cujas
críticas e sugestõesserãosempre bem-vindas.
8
PARTE l
A CONSTRUÇÃO
TEXTUAL DO SENTIDO
AAriViDADEDE
PRODUÇÃO TEXTUAL
Segundoasteorias da atividade verbal, o texto resulta de
um tipo específicode atividade a que autoresalemães
denomi-
nam 'Spxacó#cÃei /7a 2e/ 'l entendendo por Á.z/zZe/n todo tipo
de influência consciente,teleológica e intencional de sujeitos
humanos, individuais ou coletivos, sobre seuambiente natural e
social. Dessa forma, Spracó#cÃef.fía/z2e/fzdiz respeito à realiza-
çãode uma atividadeverbal, numa situaçãodada, com vistasa
certos resultados.
A escola psicológica e psicolingüística soviética, por sua
vez, baseada em Vigotsky, emprega o termo "dejatel'post" para
designar o complexo conjunto de processospostos em açãopara
a consecuçãode determinado resultado, que é, ao mesmo tempo,
o motivo daatividade,ou seja,aquilo por meiodo queseconcre-
tiza uma necessidade
do sujeito (Serébrennikov,1933:60). Con-
sequentemente,
tal atividade pode articular-seem trêsaspectos:
motivação, finalidade e realização. Diz Leont'ev (1971:31):
1 1
:Surge de uma necessidade. Depois, planinicamos a ativida-
de, Fazendo
uso de meios sociais ossignos ao determinar
sua meta e eleger os meios adequados à sua realização. Final-
mente, a realizamos,e com issoalcançámosos resultados
visados.Cada ato da atividade compreende, pois, a unidade
dostrêsaspectos:
começa
com um motivoe um plano,e
termina com um resultado,com a consecução
da meta pre-
vista no início; mas,nessemeio, há um sistemadinâmico de
ações e operações concretas orientadas para essameta'
e.
dependência constante da situação em que seleva a cabo a
atividade, tanto para a planificação geral como para area-
lizaçãodasaçõese a possívelmodificação do processono
decurso da atividade (troca das açõesprevistas por outras,
de acordo com mudanças produzidas na situação).
Leont'ev (1974) ressaltaque tais açõese operações,que
constituem a atividade verbal,estãoinseridasem um processo
social-- o que permite considerara linguagem enquanto ativida-
de determinada pelos fatores sociais.
Ora, todaatividadepressupõe
a existência
de uma
estruturação interna, a qual, segundo Leont'ev (1971), "se ex-
pressasobretudo no fato de que o processo da atividade consta de
açõesindividuais(...). As mesmasaçõespodem pertencer a dife-
rentes atividades e vice-versa: o mesmo resultado pode ser alcan-
çado por meio de diferentes ações".Tais ações,que presidem a
estruturaçãoou atividade, e quepossuemtambém determinação
social (e psico-individual), articulam-se por sua vez em opera-
ções específicas, que são os meios de realização das ações indivi-
duais, em virtude da motivação própria de cada uma delas.
Enquanto as ações têm caráter "psíquico", as operações são fun-
damentalmente psicofisiológicas(na atividade verbal, pot exem-
plo, as operações de Eonação, articulação etc.).
Toda atividade humana, portanto, teria os seguintesas-
pectos fiindamentais:
A TEORn DA ATIVIDADE VERBAL
A teoria da atividade verbal (teorija recevojdejatel'nosti)
é, portanto, a adaptação ao 6enâmeno "linguagem" de uma teoria
da atividadede caráterâlosófico, articulada com uma teoria da
arividade (social) humana, que se especifica em uma teoria da
atividade(comunicativa) verbal.
A atividadeverbalédefinidapor Leont'ev(1971)como
"... uma atividade (...) do ser humano que se transmite até certo
grau medianteossignosde uma língua (cujacaracterística
fun-
damental é a utilização produtiva e receptiva dos signosda lín-
gua). Em sentido restrito, deve-seentendê-la como uma atividade
na qual o signo lingüístico atua como 'estímulo' (Vgotsky), uma
atividade, portanto, em cujo transcurso construímos uma expressão
lingüística para alcançar um objetivo prendado.
O que interessa,assim,ao estudopropriamente lingüístico
são as formas de organização da linguagem para a realização de
fins sociais(o que inclui, evidentemente,
o estudodo sistema
de signosde que nos valemos).Isto é, seu objetivo é verificar
como seconseguemrealizar determinadas açõesou interagir
socialmenteatravésda linguagem (queé,em essência,
também
a preocupação da teoria dos atos de EHa de Austin, Searle e suas
variantes) .
A realizaçãolingüística da atividade verbal dependedas
condições sociaise psicológicas, além de vir determinada pelo
12 13
a.
b
c.
d
existência de uma necessidade/interesse;
estabelecimento de uma finalidade;
estabelecimento
de um plano de atividade,formado por
ações individuais;
realização de operaçõesespecíficaspara cada ação, de con-
formidade com o plano prefixado;
motivo básico da atividade, e utiliza diversos meios como:
a.seleção
de palavras;b. passagem
do programaà suarealiza-
ção;c. projeto gramatical; d. traduçãoecomparaçãodevarian-
tes sintáticas; e. fixação e reprodução dos compromissos
gramaticais,unidos à programação
motora (fisiológica)
(Leont'ev, 74).
Quanto aomodo como o conjunto daatividadee do seu
entorno sócio-psicológico influi na forma específicada expressão
linguística, ele destaca:
Fatoresquedeterminam aintervençãoverbal(isto é, aquilo
que [evaà realizaçãode determinado ato verbal):
probabilidades", tem a maior probabilidade de êxito) para
cumprir seupapelespecíficodentro do conjunto deações
em que searticula a atividade.
Sob a influência de tais fatores, o sujeito idealizao plano
geral do texto, que determina a organização interna deste, antes
de passar à sua realização mediante unidades lingüísticas.
Já osEstoresque determinam a rea]ização verbal da inten-
ção verbal, ou seja, os aspectos especificamente "superficiais", são,
segundo Leont'ev:
14 alíngua particular em que serealiza o enunciado, isto é, o
sistemalingüístico de uma dada língua;
o grau de domínio da língua;
o Eator fiincional-estilístico, que determina a escolhados
meios lingüísticos mais adequadosdentre todas aspossi-
bilidades existentes, de acordo com as condições especíRl-
casem que se realiza a comunicação. É responsável,por
exemplo, pela seleçãoda forma dialogada ou monoiogada,
escrita
ou calada,
do tipo detextoetc.,assim
comodos
aspectostradicionalmente considerados 'estilísticos";
o eatoraeetivo,expressivo;
asdiferençasindividuais em experiênciaverbal entre Fa-
lante e ouvinte, que exigemdeterminadasestratégias
por
parte do Edantena seleçãodasformas lingüísticas, de acordo
com asnecessidades
e possibilidadesdo ouvinte;
o contexto verbal, no sentido de "contexto lingüístico";
a situação comunicativa.
motivação-- geralmentenão há um motivo único, mas
um conjunto de motivos, embora seja possível destacar o
motivo central ou dominante;
situação que inclui um conjunto de influências inter-
nas que aeetamum organismo e que, juntamente com a
motivaçãoinicial, informam com precisãoesse
organis-
mo quanto àsescolhasque deve realizar; e também a si-
tuaçãoobjetivo (situaçãopropriamentedita) e a infor-
mação sobre situações distintas nas quais se realizaram
outras atividades;
prova de probabilidades, quedetermina quais,entre asdi-
versas ações possíveis (integrantes de uma atividade com-
pleta), têm mais possibilidadede produzir os frutos dese-
jados;
tarefa-ação segundo a qual se seleciona a ação que terá
mais probabilidade de êxito; consistefundamentalmen-
te em nosso próprio conhecimento da estrutura e da fi-
nalidadede toda a atividade, isto é, trata-sede projetar
uma das ações (aquela que, de acordo com o "cálculo de
Em resumo:A linguagemé uma Formade atividadee,
assim sendo, deve ser encarada como uma atividade em geral, e,
mais especificamente,como uma arividade humana. Como tal,
toda atividadeverbalpossui,além da motivação, um conjunto
de operações, que sãopróprias do sistemalingüístico e que repre-
sentam aarticulação dasaçõesindividuais em que seestrutura a
atividade,e um objetivo final que,comoo motivo inicial, tem
um caráter basicamente lingüístico. No processode realização da
atividade mediante açõesverbais (arosverbais), é preciso distin-
guir duas fases:a estruturação da motivação inicial e a realização
superâcialdessamotivação. Em ambas,épreciso ter em conta os
determinantesnão-lingüísticos, fundamentalmente de caráter
psico-social,devendo, inclusive, amanifestaçãosuperficial expli-
car-se,em grande parte, por tais Estores.
referência à situação texto como reflexo de traçosda si-
tuação comunicativa;
intencionalidade -- texto como uma forma de realização de
mtenções;
boa formação -- texto como sucessão linear coerente de
unidadeslingüísticas; unidade realizadade acordo com
determinados princípios;
boa composição -- texto como sucessãode unidades lin-
güísticas selecionadas e organizadas segundo um plano de
composição;
gramaticalidade
-- texto como sucessão
de unidades
lin-
güísticas estruturadas segundo regras gramaticais.
16
t7
ALGUMAS PROPOSTAS
NO INTERIOR
OA LINGÜÍSTICATEXTUAL O estudo do texto em sua totalidade deveconsiderar os
oito aspectos,embora o autor tenha dedicado seutrabalho ape-
nas aosaspectos6, 7 e 8. Cada um delespode dar origem a
uma teoria parcial, de modo que os oito, em conjunto, permi-
tiriam o estudo -- necessariamente interdisciplinar -- do texto
lingüístico. Os vários aspectossão apresentadosnuma ordem
tal que cada um delespressupõeos anteriores,sendo l e 2
pressupostos básicos:existe, em primeiro lugar, a necessidade
social, para cuja realizaçãoseelabora um texto, cujo conteúdo
sefixa de acordocom a situaçãocomunicativa ea intenção do
falante; passo a passo chega-se ao nível superficial do "texto" em
forma de elementoslingüísticossucessivos.
Parao estudode
cada aspecto,é preciso ter em conta os anteriores; assim, por
exemplo, uma descrição adequada da gramaticalidade deverá
levar em conta a intenção.
lsenberg ressaltaa importância do aspecto pragmático como
determinante do sintático e do semântico: o plano geraldo texto
determina asfunções comunicativas que nele irão aparecerees-
1. Dentro da teoria da atividade verbal, uma das primei-
rastentativas de elaboração de um modelo textual 6oidesenvolvi-
do por H. lsenberg(1976), quepropôs um método apto para
descrevera geração(e também ainterpretação e análise) de um
texto, desdeaestrutura pré-lingüística da intenção comunicativa
até a manifestaçãosuperficial, incluindo fiindamentalmente as
estruturas sintáticas, masque pode serampliado aosníveis infe-
riores (morfológico, fonológico etc.). Paraele,o texto pode ser
encarado sob oito aspectosdiferentes:
legitimidade social -- texto como manifestação de uma ati-
vidade social legitimada pelas condições sociais;
funcionalidade comunicativa --texto como unidadedeco-
municação;
semanticidade -- texto em sua função referencial com a
realidade;
tas, por suavez, determinam asestruturassuperficiais.A relação
existente entre os elementos do texto deve-seà intenção do Falan-
te, ao seu plano textual prévio, que se manifestapor meio de
instruçõesao ouvinte paraque realizeoperaçõescognitivas desti-
nadasa compreendero texto em suaintegridade,isto é, o seu
conteúdo e o seuplano global; ou seja,o ouvinte não selimita a
;entender" o texto no sentido de captar seu conteúdo referencial,
mas aguano sentido de reconstruir os propósitos do falante ao
estrutura-lo, isto é, descobrir o "paraquê" do texto.
sistema de signos, denotativo, mascomo sistema de atividades ou
de operações, cuja estrutura consiste em realizar,com a ajuda de
um repertório aberto de vmiáveis (...) e um repertório fechado de
regra, determinadas operaçõesordenadas, a Glmde conseguir um
determinadoobjetivo, que éinformação, comunicação,estabeleci-
mento de contado, automani6estação,expressãoe (per) formação
da atividade.Por issoé que propõe, para os "jogos verbais"de
Wittgenstein, a denominação "jogos de atuação comunicativa'
4. Wunderlich (1978: 30), por suavez,assinala:
"0 obje-
tivo da teoria da atividade é extrair os traços comuns dasações,
planos de açãoe estágiosdas ações,e pâ-los em relaçãocom
traços comuns dos sistemasde normas, conhecimentos e valo-
res.A análisedo conceito de atividade (o que é atividade/ação)
estáestreitamente ligada à análise do conhecimento social so-
bre asaçõesou atividades (o que se considera uma ação?).A
teoria daatividade é,portanto, em parte uma disciplina de ori-
entaçãodas ciências sociais, em parte, também, filosófica e de
metodologia da Ciência. A relaçãocom a lingüística estáem
que o fundamento pragmático da teoria da linguagem deveen-
laçar-secom a teoria da atividade eque, por sua vez, a análise
linguística pode contribuir de alguma forma para o desenvolvi-
mento da teoria da atividade:
E8
2. 1hmbém os trabalhos de Van Dijk, especialmente os da
década de 80, enquadram-se numa teoria acional da linguagem.
Em VanDijk (1981:210), por exemplo,lê-se"... o planejamento
pragmático de um discurso ou conversaçãorequer a atualização
mental de um conceito de ato de Edaglobal. É com respeito a esse
macroatode Edaque seconstrói o propósito da interação: que X
quer saber ou Emer algo. Se dissermos, de maneira bastante vaga,
embora familiar nas ciências sociais, que a ação humana é
finalisticamente orientada ("goal directed"), estaremossignifican-
do que seqüências de ações(...) são realizadassob o controle eeetivo
de uma macro-intençãoou plano, encaixadonuma macro-finali-
dade, para um ou mais fitos globais. Enquanto tal macro-propósi-
to é a representação das consequências desejadasde uma ação (...),
a macro-intenção ou plano é a representação conceitual do estado
6ina], isto é, do resultado da macro-ação. Sem um macro-propósito
e uma macro-intenção, seríamos incapazes de decidir qual ato de
Edaconcretopoderiapropiciarum estadoapartir do qual o resul-
tado pretendido ea meta intencionadapoderiam seralcançados.'
5. Beaugrande& Dressler (1981), por seuturno, aârmam:
"A produção e a recepçãode textos funcionam como ações
discursivas relevantes para algum plano ou meta". (cf as ações
verbais de Leont'ev) . Partindo da definição de Von Wright (1967) :
'açãoé um ato intencional que transforma uma situaçãode uma
forma como, de outro modo, não teria ocorrido", descrevem
a
açãodiscursiva em termos dasmodificações que elaefetua sobre a
3. Schmidt (197 1: 33) escreve,acercada teoria do ato ver-
bal: 'IA linguagem... já não é considerada primariamente como
situação e sobre os vários estadosdos participantes: estado de
conhecimento, social,emocionaletc. Entre todas asmudanças
queocorrem por meio de um discurso,o cocode cadaparticipan-
te recaisobre aquelesestadosque sãoinstrumentais para osseus
planos, com vistasa determinado objetivo. Deste modo, osesta-
dos são processados através de sua vinculação a um plano, isto é,
pelo encaixamentodasaçõesnuma sequênciaplanejadade esta-
dos ("plan attachement").
Seutrabalho, portanto, insere-se
também nosquadrosde
uma teoria daatividade.Dizem elesquea primeira Eme
da pro-
dução de textos consiste usualmente no planejamento: o produ-
tor tem a intençãode atingir determinadametavia texto, de
modo que a produçãodesteé uma submeta no trajeto para o
atingimento do objetivo principal.
Definindo o discursocomo uma seqüênciade situaçõesou
eventos em que vamosparticipantes apresentamtextos como ações
discursivas, Beaugrande& Dressler consideram a atividade verbal
como uma instânciade planejamentointerativo.Por isso,inclu-
em, entre os critérios ou padrõesde textualidade,a inten-
cionalidade/aceitabilidade. Segundoeles,a intencionalidade, em
sentido estrito e imediato, diz respeito ao propósito dos produto-
resde textosde Emercom queo conjunto de ocorrências
verbais
possa constituir um instrumento textual coesivo e coerente, capaz
de realizar suasintenções, isto é,atingir uma meta especificadaem
um plano; em sentido amplo, abrangetodasasmaneirascomo os
sujeitos usam textos para perseguir e realizar seusobjetivos.
A aceitabilidade,por suavez, refere-se
à atitude cooperati-
va (cf. Grice) dos interlocutores,ao concordaremem "jogar o
jogo", de acordo com asregrase encaram, em princípio, a contri-
buição do parceiro como coerentee adequadaà realizaçãodos
objetivos visados.
Paraesses
autores,embora a coesãoea coerênciaconstitu-
am os padrões mais evidentes de textualidade, não são,por si só,
suficientes para estabelecerfronteiras absolutas entre textos e não
textos,já que aspessoas
muitas vezesutilizam textosque, por
várias razões, não se apresentam totalmente coesos e/ou coeren-
tes. E isso que osleva a incluir asatitudes dos usuáriosentre os
critérios de textualidade: para que uma manifestaçãolingüística
constitua um texto, énecessário
que haja aintenção do produtor
de apresenta-la e a dos parceirosde aceita-lacomo tal -, em
uma situação de comunicação determinada. Pode,inclusive, acon-
tecer que, em certas circunstâncias, seafrouxe ou elimine
deliberadamente a coesãoe/ou coerência semântica do texto com
o objetivo de produzir efeitos específicos.,Aliás,nunca é demais
lembrar que a coerêncianão constitui uma propriedade ou qua-
lidade do texto em si: um texto é coerenteparaalguém,em dada
situação de comunicação específica (cf, por ex., Van Dijk, 1983;
Koch & Travaglia,1989 e 1990). Estealguém,paraconstruir a
coerência, deverá levar em conta não só os elementos lingüísticos
que compõem o texto, mastambém seuconhecimento enciclo-
pédico, conhecimentos e imagens mútuas, crenças,convicções,
atitudes, pressuposições,intenções explícitas ou veladas,situa-
çãocomunicativa imediata, contexto sociocultural e assimpor
diante.
20
21
6. Motsch& Pasch(1987)concebem
o tcxto comouma
seqüênciahierarquicamente organizada de atividades realizadas
pelos interlocutores. Segundo eles,componentes da atividade lin-
güística (AL) reúnem-se na seguinte formula:
a] = (e, int., cond., cons.)
em que e representa a enunciação, int., a intenção do anunciador
de atingir determinado objetivo, cond., as condições necessárias
para que esseobjetivo seja alcançado, e cons., asconseqüências
decorrentes do atingimento do objetivo.
De acordocom essa
formula, aenunciação
(e) é movida
por uma intenção (int.) do enunciadorde atingir determinado
objetivo ilocucional em relaçãoaoenunciatário. Paraatingir um
objetivo fundamental (OBf), o enunciador precisa atingir um
outro(OBf- 1),anterior esubordinado àquele:queo enunciatário
aceite, isto é, estejadisposto a mostrar a reaçãopretendida pelo
enunciadorou, ainda, que o enunciatárioqueira que o
enunciador atinja o OBf. E, finalmente, para que a aceitação
ocorra, um outro objetivo (OBf-2), anterior e subordinadoa
OBf-l, precisa ser alcançado: que o enunciatário reconheça a
intenção do enunciador, ou seja,compreenda qual éo objetivo
que estepersegue,o que dependeda formulação adequadada
enunciação.
Em outras palavras,
de acordocom Motsch e Pasch,para
alcançar o objetivo ilocucionário fundamental, exige-se que o
enunciador assegureao enunciatário ascondições para que este
reconheça sua intenção (compreendendo a formulação da
enunciação) eaceite realizar o objetivo aque elevisa. Deste modo,
o enunciadorrealizao objetivo a que elevisa.Destemodo, o
enunciador realiza atividadeslinguístico-cogn itivas para garantir
a compreensão
e estimular,facilitar ou causara aceitação.
Da
parte do enunciatário, para que aatividade i]ocuciona] sejabem
sucedida, faz-se necessárioque ele compreenda o objetivo do
enunciador, aceite esseobjetivo e mostre a reaçãodesejada.Os
autores,relacionando osobjetivos parciais OBf-2 eOBf- l com
asatividades de composição textual (como fundamentar, justifi-
car, explicar, completar, repetir, parafrasear,corrigir, resumir,
enfatizar), distinguem duas categorias:a) asque visam a que o
enunciatário compreendaa enunciação (OBf-2); b) asque pre-
tendem leva-lo a aceitar realizar o objetivo fundamental do
enunciador (OBf-l).
Hilgert (1990: 9), comentando a proposta desses autores,
relativamente àsatividadesde composição do texto Enfado(ou de
formulação "lato sensu"), afirma que estasdevemservistascomo
procedimentos de solução de problemas: "se, em sentido lato,
admitir-se queasatividadesdeformulação sãoiniciativas de cons-
trução ]ingüístico-comunicativa de um enunciador, para forne-
cer uma "proposta de compreensão" ao enunciatário, em interação
com o qual o processo comunicacional se realiza; e se, com Rath
(1985: 21), seconsiderar que "na língua fadada,um texto consiste,
ao menos em parte, na própria produção do texto (...)", onde 6enâ-
menos especíâcos como interrupções, reinícios, correções, paráfra-
ses,repetições eoutros o apresentam em constante status nascendo;
então se pode admitir que as atividades de formulação são
desencadeadas
por problemas reaisou virtuais de compreen-
são, detectados por ocasiãodo processamentotextual. Em outras
palavras, atividades de formulação são aqueles procedimentos aque
recorremosinterlocutores para resolver,contornar, ultrapassar
ou
aemtardificuldades, obstáculos ou barreiras de compreensão.
O estudo dasatividadesde composição ou construçãotex-
tual temsido objetode uma sériede pesquisas,
entre asquaisas
deKoch & Souzae Silva (1991, 1992, 1993); nasquaissepro-
põe uma revisãode alguns posicionamentos de Motsch e Pasche
seapresentauma proposta de classificaçãodasatividades de cons-
trução do texto calado.
22 23
De todo oexposto,pode-seconcluir que,vistasobessa
pers
pectiva, a atividade de produção textual pressupõeum sujeito -
entidadepsico-físico-social que, em sua relaçãocom outro(s)
sujeito(s), constrói o objeto-texto, levando em consideração em
seuplanejamento todos osEstores
acima mencionados, combinan-
do-osde acordocom suasnecessidades
eseus
objetivos. O(s) outro(s)
sujeito(s) implicado(s) nessaatividade -- e no próprio discurso do
parceiro, já que a alteridade éconstitutiva da linguagem pode(m)
ou não atribuir sentido ao texto, aceita-locomo coesoe/ou coeren-
te, considera-lo relevante para a situação de interlocução e/ou ca-
paz de produzir nela alguma transformação.
Na atividade de produção textual, social/individual,
alteridade/subjetividade, cognitivo/discursivo coexistem e con-
dicionam-se mutuamente, sendo responsáveis,em seuconjunto,
pela açãodos sujeitos empenhados nos jogos de atuação comuni-
cativa ou sócio-mterativa.
OTEXTO:CONSTRUÇÃO
DE SENTIDOS
O QUE É UM TEXTO
É sabido que, conforme a perspectiva teórica que seadoce,
o mesmoobjeto podeserconcebido de maneirasdiversas.O con-
ceito de texto não foge à regra. E mais: nos quadros mesmosda
Linguística Textual, que tem no texto seu objeto precípuo de
estudo, o conceito de texto varia conforme o autor e/ou a orienta-
ção teórica adotada.
Assim,pode-severificar que, desdeasorigensda Lingüís-
tica do Texto até nossosdias, o texto foi visto de diferentesfor-
mas. Em um primeiro momento, eoi concebido como:
24
25
a.
b
c.
d
e.
unidade lingüística (do sistema) superior à frase;
sucessãoou combinação de frases;
cadeia de pronominalizações ininterruptas;
cadeia de isotopias;
complexo de proposições semânticas.
Já no interior de orientaçõesde naturezapragmática,o
texto passou a ser encarado:
a. pelasteorias acionais, como uma seqüência de aros de Eda;
b. pelasvertentes cognitivistas, como 6enâmenoprimariamen-
te psíquico, resultado, portanto, de processosmentais;e
c. pelasorientaçõesque adoram por pressupostoa teoria da
atividade verbal, como parte de atividades mais globais
de comunicação,
que vãomuito alémdo texto em si,já
que este constitui apenas uma Fase
desseprocesso global.
Poder-se-ia,assim, conceituar o texto como uma manifes-
tação verbal constituída de elementos linguísticos selecionadose
ordenados pelosco-anunciadores,durante a atividadeverbal, de
modo a permitir-lhes, na interação, não apenasadepreensãode
conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processose
estratégias
de ordem cognitiva, como também a interação(ou
atuação) de acordo com práticas socioculturais (cf. Koch,1 992).
É estatambéma posiçãode Schmidt (1978:170),para
quem o texto é "qualquer expressãode um conjunto linguístico
numaatividadede comunicação no âmbito de um 'jogo de
atuação comunicativa' tematicamente orientado e preenchen-
do uma fiinção comunicativa reconhecível, ou seja, realizando
um potencial ilocucionário reconhecível:
Em Marcuschi(1 983: 12-13), encontramosaseguinte"de-
finição provisória" de Linguística Textual e de seuobjeto, que
também parece ajustar-se bem a essalinha de pensamento:
"Proponho que seveja a Lingüística do Texto, mesmo que
provisória egenericamente,como o as/wdo
óZnOPrrnfões
#nKüáz/-
cas e cognitivas reguladoras e controhdoras da produ çao, consta ção,
funcionamento e recepçãode textos escritos ou orais.
Seu tema abrange a coesãosupe?#c/a/ ao nível dos constitu-
intes linguísticos, a coeré/zci co ce/f a/ ao nível semântico e
cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações a nível prag-
mático daproduçãodo sentido no plano dasaçõese intenções.
Em suma,a Lingüística Textual trata o texto como um ato de
comunicação unificado num complexo universo de açõeshuma-
nas.Por um lado devepreservara o/gan/zzç.2o
#ne.zrque éo tra-
tamento estritamente lingüístico abordado no aspectoda coesão
e, por outro, deveconsiderar a erga í çúorfücz/ázzZz
ou tentacular,
não linear portanto, dos níveis de sentido e intençõesque reali-
zam a coerênciano aspectosemântico efunções pragmáticas.
DestaForma,o texto deixade serentendidocomo uma
estrutura acabada (produto), passando a ser abordado no seu
próprio processo de planejamento, verbalização e construção.
Combinando essesúltimos pontos de vista, o texto pode ser
concebido como resultado parcialde nossaatividade comunicativa,
que compreendeprocessos,
operaçõeseestratégiasque têm lugar na
mente humana, eque são postos em ação em situaçõesconcretas de
inreração social. Depende-se, portanto, a posição de que:
26
27
a. aprodução textual éuma atividade verbal, aserviçode Gins
sociaise, portanto, inserida em contextos mais complexos
de atividades (cf. capítulo anterior) ;
b. trata-se de uma atividade consciente,criativa, que com-
preende o desenvolvimento de estratégias concreta de ação
e a escolha de meios adequados à realização dos objetivos;
isto é, trata-sede uma atividade intencional que o Edante,
deconformidadecom ascondiçõessobasquais o texto é
produzido, empreende,tentando dar aentender seuspro-
pósitos ao destinatário atravésda manifestação verbal;
c. é uma atividade interacional, visto que osinteractantes,de
maneiras diversas, seacham envolvidos na atividade de pro-
dução textual.
Dessaperspectiva,então, podemos dizer, numa primeira
aproximação, que textos são resultados da atividade verbal de in-
divíduos socialmente atuantes, na qual estescoordenam suasações
no intuito de alcançarum fim social,de conformidadecom as
condiçõessob asquais aatividade verbal serealiza.
A ORGANIZAÇÃO DA
INFORMAÇÃO TEXTUAL
a. segmentos textuais de extensõesvariadas;
b. segmentostextuais e conhecimentos prévios;
c. segmentostextuais e conhecimentos e/ou práticas
socioculturalmente partilhados.
A informação semânticacontida no texto distribui-se, como
sesabe,em (pelo menos) dois grandesblocos: o üzü e o /copo,
cuja disposição edosageminterferem na construção do sentido.
A informação dada -- aquelaque seencontra no horizonte
de consciênciados interlocutores (cf. Chúe, 1987) -- tem por
fiinção estabeleceros pontos de ancoragempara o aporte da in-
formação nova.
A retomada deinformação já dadano texto seempor meio
de remissão ou referência textual (cf Koch, 1989), formando-se
destarte no texto ascoze/ai cães/z"zi,
que têm papel importante na
organizaçãotextual, contribuindo para a produção do sentido
pretendido pelo produtor do texto.
A remissão seEaz,freqüentemente, não a referentes textual-
mente expressos,mas a "conteúdos de consciência", isto é, a refe-
rentesestocadosna memória dos interlocutores, que, a partir de
'pistas" encontradas na superfície textual, são (re)avivados, via
inferenciação. É o que se denomina am#@oxaiem.infira ou an#@orn
/'rc?@nzZz,
que seráretomada no Capítulo 4. As inferências cons-
tituem estratégiascognitivas extremamente poderosas,que per-
mitem estabelecer
a ponte entre o materiallingüístico presente
na superRcie textual e os conhecimentos prévios e/ou comparti-
lhados dos parceirosda comunicação. Isto é, é em grande parte
atravésdas inferências que sepode (re)construir ossentidos que o
texto implícita.
Com ancoragemna informação dada, opera-sea progres-
sãotextual, mediante aintrodução de informação nova, estabele-
cendo-se, assim, relaçõesde sentido entre:
Quer para a remissão, quer para a progressão textual, cada
língua põe à disposição dos falantes uma sériede recursosexpres-
sivos,comumente englobadossob o rótulo de rojão fex/z/.z/
(cf.
Koch, 1989).
As relações entre segmentos textuais estabelecem-se em
vários níveis:
28
1. No interior do enunciado, através da articulação tema-rema.
A informação temática é normalmente dada, enquanto a
remática constitui, em geral, informação nova. O uso de
um ou outro tipo de articulação tema--rema (progressão
com tema constante, progressão linear, progressão com tema
derivado, progressãoe subdivisão do rema etc.) tem aver
com o tipo de texto, com a modalidade (oral ou escrita),
com ospropósitos e atitudes do produtor.
2. Entre oraçõesde um mesmo período ou entre períodos no
interior de um parágrafo (encadeamento), por meio dos
conectoresinteúrásticos, aqui consideradostanto aquelesque
estabelecem relações de tipo lógico-semântico, como aque-
les responsáveis pelo estabelecimento de relaçõesdiscursivas
ou argumentativas (cf Koch, 1984, 1987 e 1989a).
3. Entre parágrafos,seqüênciasou partes inteiras do texto,
por meiodos "articuladorestextuais" ou também por mera
Justaposição.
Relaçõesentre informação textualmente expressa
econhe-
cimentos préviose/ou partilhados podem serestabelecidas
por
recursoà intertextualidade,
à situaçãocomunicativae a todo o
contexto sociocultural.
QUAL E, AFINAL, A PROPRIEDADE
DEFINIDORA DO TEXTO?
AriViDADES E ESTRATEGiAS
DE PROCESSAMENTO
TEXTUAL
Um texto seconstitui enquantotal no momento em que os
parceirosde uma atividade comunicativa global, diante de uma ma-
nifestaçãolinguística, pela atuaçãoconjunta de uma complexa rede
de fàtoresde ordem situacional, cognitiva, sociocultural einteracional,
sãocapazesde construir, paraela, determinado sentido.
Portanto, à concepçãode texto aqui apresentadasubjaz o
postulado básico de que o sentido não está no texto, massecons-
trói a partir dele, no curso de uma interação. Parailustrar essa
afirmação, tem-se recorrido com frequência àmetáfora do /rede/g
como este, todo texto possui apenas uma pequena superfície ex-
posta e uma imensa área imersa subjacente. Para se chegar às
profundezasdo implícito edele extrair um sentido, faz-seneces-
sário o recurso aos vários sistemas de conhecimento e a ativação
de processose estratégiascognitivas einteracionais.
Uma vezconstruído um -- enão o sentido, adequado ao
contexto, àsimagens recíporocasdos parceirosda comunicação,
ao tipo de atividade em curso, a manifestaçãoverbal seráconsi-
derada coerente pelos interactantes (cf. Koch & Travaglia, 1989).
E é a coerência assim estabelecidaque, em uma situação concreta
de atividade verbal ou, seassim quisermos, em um "jogo de
linguagem" -- vai levar osparceirosda comunicação a identificar
um texto comotexto.
Dentro da concepção de língua(gem) como atividade
interindividual, o processamentotextual, quer em termosde pro-
dução,quer de compreensão,
deveservisto tambémcomo uma
atividade tanto de caráterlingüístico, como de carátersócio-
cognitivo.
Ainda dentro dessa
concepção,o texto éconsideradocomo
manifestação verbal, constituída de elementos lingüísticos de
diversasordens, selecionadose dispostosde acordo com as
virtualidadesque cadalíngua põe à disposiçãodos falantesno
curso de uma atividade verbal, de modo afacultar aosinteractantes
não apenasa produção de sentidos, como a fiindear a própria
interação como prática sociocultural.
Nessaatividade de produção textual, os parceiros mobili-
zam diversos sistemas de conhecimentos que têm representados
na mem(ária,
a par de um conjunto de estratégias
de proces-
samento de caráter sociocognitivo e textual.
O objetivo deste capítulo é discutir algumas das questões
ligadas ao processamento sociocognitivo de textos.
30 3 1
SISTEMAS
DE CONHECIMENTO ACESSADOSPOR
OCASIÃO DO PROCESSAMENTO
TEXTUAL
interação, pretende atingir. Trata-se de conhecimentos sobre dpof zú'
oOeüz,Of
áoz/
ífpai zú'azmz&#aü0,que costumam serverbalizadospor
meio de enunciaçõescaracterísticas,embora sejatambém 6eqüente
sua realizaçãopor viasindiretas, o que exigedos interlocutoreso
conhecimento necessário
paraa captaçãodo objetivo ilocucional.
O conhecimentocomunicacionalé aqueleque diz res-
peitos por exemplo, a normas comunicativas gerais,como as
máximas descritaspor Grice (1969); à quantidade de informa-
ção necessárianuma situação concreta para que o parceiro seja
capazde reconstruir o objetivo do produtor do texto; à seleção
da variante lingüística adequada a cadasituação de inreração e
àadequaçãodos tipos de texto àssituaçõescomunicativas.É o
que Van Dijk (1994) chama de modeZoi coK z/f/z,os de con/ex/o.
O conhecimento metacomunicativo permite ao produtor
do texto evitar perturbações previsíveis na comunicação ou sanar
Óon-ane
oz/'zPoi/erfor0 conflitos e6etivamenteocorridos por meio
da introdução no texto, de sinais de articulação ou apoios textuais,
e pela realização de atividades específicas de formulação ou cons-
trução textual. Trata-sedo conhecimento sobreosváriostipos de
açõeslingüísticasquepermitem, decertaforma, aolocutor asse-
gurar a compreensãodo texto e conseguir a aceitação,pelo par-
ceiro, dos objetivos com que é produzido, monitorando com elas
o fluxo verbal (cf Motsch & Pasch, 1985).
O conhecimento superestrutura, isto é, sobreestruturasou
modelos textuais globais, permite reconhecer textos como exem-
plaresde determinado gênero ou tipo; envolve, também, conheci-
mentos sobre as macrocategorias ou unidades globais que
distinguem os vários tipos de textos, sobre a sua ordenaçãoou
seqüenciação, bem como sobre a conexão entre objetivos, bases
proposicionaise estruturas textuais globais.
Parao processamento textual contribuem três grandes sis-
temasde conhecimento:
o lingüístico,o enciclopédico
e o
interacional (cf Heinemann & Viehweger, 1991).
O conhecimento lingüístico compreendeo conhecimento
gramatical e o lexical, sendo o responsávelpela articulação som-
sentido. É ele o responsável,por exemplo, pela organização do
material lingüístico na superfícietextual, pelo uso dos meios
coesivos que a língua nos põe à disposição para eeetuar a remissão
ou a seqüenciação textual, pela seleçãolexical adequada ao tema
e/ou aos modelos cognitivos avivados.
O conhecimento enciclopédicoou conhecimento de mun-
do é aquele que se encontra armazenadona memória de cada
indivíduo, quersetratedeconhecimentodo tipo declarativo(pro-
posições a respeito dos fatos do mundo), quer do tipo episódico
(os"modelos cognitivos" socioculturalmente determinados ead-
quiridosatravésda experiência).
É com baseem tais modelos,
por exemplo, que selevantam hipóteses,a partir de uma man-
chete;que secriam expectativassobreo(s) campo (s)lexical (ais)
a ser(em) explorado(s)no texto; que seproduzem asinferências
que permitem suprir aslacunasou incompletudesencontradas
na superfície textual.
O conhecimento sócio-interacional é o conhecimento so-
bre as ações verbais, isto é, sobre as formas de / Ir -grão através
da linguagem. Engloba os conhecimentosdo tipo ilocucional,
comunicacional, metacomunicativo e superestrutural.
E o conhecimento ilocucional que permite reconhecer os
objetivos ou propósitosque um falante, em dada situaçãode
32
33
Heinemann & Viehweger (1991) salientam que, a cada
um desses
sistemasde conhecimento, corresponde um conheci-
mento específicosobrecomo coloca-loem prática,ou seja,um
conhecimento de tipo procedural, isto é, dos procedimentos ou
rotinas por meio dos quais esses
sistemasde conhecimento se
atualizam quando do processamento textual. Este conhecimento
funciona como uma espécie
de"sistemadecontrole" dosdemais
sistemas, no sentido de adapta-los ou adequa-los àsnecessidades
dos interlocutores no momento da interação.
TH conhecimento engloba, também, o sabersobreasprá-
ticas peculiaresao meio socioculturalem que vivem os
interactantes, bem como o domínio dasestratégiasde interação,
como preservação das faces, representação positiva do "self", po-
lidez, negociação,atribuição de causasa mal-entendidos ou fra-
cassosna comunicação,entre outras. Concretiza-seatravésde
estratégias de processamento textual.
estruturae-o significadode um fragmento de texto ou de um
texto inteiro. Elas fazem parte do nosso conhecimento geral, re-
presentandoo conhecimento procedural que possuímossobre
compreensão de discurso. Falarem processamento estratégicosig-
nifica dizer que os usuáriosda língua realizam simultaneamente
em vários níveis passosinterpretativos finalisticamente orienta-
dos,-e6etivos,eficientes, flexíveis, tentativos e extremamente rápi-
dos; fazem pequenos cortes no material "entrante" (;ncom//lg),
podendo utilizar somenteinformação ainda incompleta parache-
gar a uma (hipótesede) interpretação. Em outras palavras,a in-
formação é processada o/z-ane.
Assim, a análise estratégica depende não só de característi-
castextuais, como também de característicasdos usuários da lín-
gua, tais como seusobjedvos, convicções e conhecimento de mundo,
quer setrate de conhecimento de tipo episódico, quer do conheci-
mento maisgeral eabstrato, representadona memória semântica
ou enciclopédica. Desta forma, asestratégiascognitivas consistem
em es/xafí#ün
z&z/iodo conhecimento. E esse
uso, em cadasitua-
ção,depende dos objetivos do usuário, da quantidade de conheci-
mento disponível a partir do texto e do contexto, bem como de
suascrenças,opiniões e atitudes, o que torna possível,no momen-
to da compreensão, reconstruir não somente o sentido intenciona-
do pelo produtor do texto, mastambémoutrossentidos,não
previstosou mesmonão desejados
pelo produtor.
Van Dijk & Kintsch citam, entreasestratégias
deproces-
samento cognitivo, as estratégias proposicionais, as de coerência
local, as macroestratégias, as estratégias esquemáticas, as estilís-
ticas, as retóricas, as não-verbais e as conversacionais. Não cabe
aqui aprofundar essas
questões,para o que remetoao trabalho
desses autores.
34 35
ESTRATÉGIAS
DE PROCESSAMENTO
TEXTUAL
As estratégiasde processamentotextual implicam, portan-
to, a mobilização "on-lhe" dos diversossistemasde conhecimen-
to..Paraefeito de exposição, vou divida-las em cognitivas, textuais
esociointeracionais.
Estratégias cognitivas
Na acepçãode Van Dijk & Kintsch (1983: 65), o
processamento
cognitivo de um texto consistede diferenteses-
tratégias processuais, entendendo-se estratégia como "uma ins-
trução global para cada escolhaa serfeita no curso da ação". THs
estratégiasconsistem em hipótesesoperacionaiseficazessobre a
Pode-sedizer, portanto, que asestratégiascognitivas, em
sentido restrito, sãoaquelasque consistemna execuçãode al-
gum "cálculo mental" por parte dos interlocutores. Exemplo
prototípico são asinferências, que, como já 6oi dito, permitem
gerar informação semântica nova a partir daquela dada, em cer-
to contexto. Sendo a informação dos diversos níveis apenasem
p'rte explicitadano texto, ficandoa maior parte implícita, as
inferências constituem estratégiascognitivas por meio dasquais
o ouvinte ou leitor, partindo da informação veiculada pelo tex-
to e levando em conta o contexto (em sentido amplo), constrói
novas representaçõesmentais e/ou estabeleceuma ponte entre
segmentostextuais, ou entre informação explícita einformação
não explicitada no texto.
As inferências são estratégias cognitivas comuns à modali-
dade escrita e falada. Existem, contudo, estratégias específicasda
fala, como aquelasque venho denominando "estratégiasde
desaceleração" (cf Koch & Souza e Silva, 1994), algumas das
quais,como, por exemplo,aspausasde planejamento,têm por
função ganhar tempo para o processamentopor ocasião da pro-
dução textual.
As estratégiasde ordem cognitiva têm, assim,a função de
permitir ou facilitar o processamentotextual, quer em termosde
produção, quer em termos de compreensão.As estratégias
mteracionals, por su' vez,visam afazer com que osjogos de lin-
guagem transcorram sem problemas, evitando o fracassoda
mteração.
mo uma interação verbal. Entre elas, podem-se mencionar, além
daquelas Klativas à realização dos diversos tipos de fitos de eHa,as
estratégias de preservação das faces ("facework") e/ou de repre-
sentaçãopositiva do "self", que envolvem o uso das#ormmZr
.zfe/zw.z(üo,
asestratégiasde polidez, de negociação, de atribuição
de causas aos mal-entendidos, entre outras.
A efn.z/lkfa Ze p eserz,.zçãozZ #aref manifesta-se linguis-
ticamente atravésde aros preparatórios, eufemismos,rodeios,
mudanças de tópico e dos marcadores de atenuação em geral. O
gaz/ Zr po#ó2kz
é socialmente determinado, em geral com base
nos papéis sociaisdesempenhadospelos participantes, na neces-
sidade de resguardara própria face ou a do parceiro, ou,.ainda,
condicionado por normas culturais.
Conflitos, mal-entendidos, situações que desencadeiam
incompreensãomútua sãoinevitáveisno intercâmbio linguístico.
Pararestabelecera "commonality", Eaz-se
preciso, então, que as
dificuldades sejamdevidamente identificadas e.zfr/óz/ií2úzi
a.poli/-
z,eü
c'zz/i,zf
subjacentes
ao conflito. Como conseqüência
da atri-
buição (adequada ou inadequada) de causas às dificuldades, os
contratos subjacentes necessitam ser, muitas vezes,modificados,
ou então, novos contratos devem serestabelecidos
para prevenir
fiituros problemas do mesmo tipo. .Além disso, toda interação
envolve a neKac/açúo
de uma denlnição da própria situação e das
normas que a governam. Na verdade, todos os aspectosda situa-
ção relativos aos participantes estão sujeitos à negociação. Isso vai
resu[tar numa construção social da realidade, já que, sendo a rea-
lidade social e constituída no processo contínuo de interpretação
e interação, os seusvários aspectospodem ser considerados e
(re)negociados
de forma explícitaou implícita.
Portanto, asestratégiasinteracionais visam a levar a bom
termo um "jogo de linguagem".As estratégias
textuais,por seu
36
37
Estratégias sócio-interacionais
Estratégias interacionaissão estratégias socioculturalmente
determinadasquevisam aestabelecer,manter e levara bom ter-
turno -- que, obviamente não deixam de ser também interacionais
ecognitivas em sentido lato --, dizem respeito àsescolhastextu-
aisque osinterlocutores realizam, desempenhando diferentes fun-
çõese tendo em vista a produção de determinados sentidos.
que sepode Edarde segmentação(cf cap. 3 da Parte11).Nestes,
a integração sintática reduzida ou mesmo inexistente resulta da
possibilidade
que tem o Edantede introduzir de imediatoum
elemento temático ou remático, semque arelaçãosintática com
o(s) subseqüente(s)já esteja plenamente planejada (Koch, 1995).
Além do aspecto
do planejamento,outros parâmetrosdainteração
'face-a-facedesempenham aqui papel relevante:arápida alternância
dos turnos, a expressividade,a inserção na situação comunicativa,
entre outros.
Estratégias textuais
1. De organização da informação.
2. De formulação.
3. De reGerenciação.
4. De "balanceamento" ("calibragem") entre explícito e implí-
cito.
38
2. Estratégiasde formulação -- têm funçõesde ordem
cognitiva-interacional.Entre tais estratégias,
podem citar-seos
vários tipos de /nierf.2a e de rl:Éormz/ázçáo(cf.cap. 2 da Parte ll).
As inserçõestêm, em geral, afiinção de facilitar acompre-
ensãodos interlocutores, criando coordenadaspara o estabeleci-
mento de uma estruturareferencial,de modo que o material
inserido não é supérfluo, isto é, não é eliminável semprejuízo
para a compreensão. Por meio da inserção, introduzem-se expli-
caçõesou justiâcativas, apresentam-se ilustrações ou exemplifi-
cações,Errem-secomentários metaeormulativos que têm, muitas
vezes,a função de melhor organizar o mundo textual. A inserção
pode ter, também, a fiinção de despertar ou manter o interesse dos
parceiros,como no casoda introdução de questões
retóricas(re-
curso persuasivo)e/ou criar uma atmosfera de intimidade ou cum-
plicidade,como aconteceno casoda introdução de comentários
jocosos ou alusivos aconvicções, crença eopiniões partilhada pelos
interlocutores. Pode,ainda, servir de suporte a uma argumentação
em curso e/ou expressar a atitude do locutor perante o dito, intro-
duzindo, por exemplo, atenuações,ressalvas,avaliações.
Quanto às estratégias de reformulação, postulamos que
podem serretóricas ou saneadoras.
A reformulação retórica rea-
39
1. Estratégias de organização da informação -- dizem res
peito à distribuição do materiallingüístico nasuperfícietextual
dado/novo
Conforme já 6oi ressalvadono Capítulo 2, a estrutura
inÊormaciona] de um texto exigeapresença de elementos dados e
elementos novos. É com base na informação dada, responsável
pela locaçãodo que vai serdito no espaçocognitivo do enter-
locutor, queseintroduz a informaçãonova,que tem por função
introduzir nele novas predicações a respeito de determinados re-
ferentes,com o objetivo de ampliar e/ou reformular osconheci-
mentos já estocadosa respeito deles.
estratégiasdearticulação tema-rema
Em termos da articulação tema-rema, particularmente na
linguagem falada, tem-se uma série de padrões expressivosem
liza-se, basicamente, através de repetições e parlraseamentos, cuja
função precípua é a de reforçar a argumentação, sendo, nesse
caso,comum àsmodalidadesescrita e oral. Pode [er, também, a
fiinção de facilitar a compreensão através da desaceleraçãodo rit-
mo da fala, dandoao(s)parceiro(s)tempo maior parao
processamentodo que estásendodito (cf Capítulo 4 da Parte ll).
A reformulação saneadora,por suavez, pode ocorrer sob
forma de correçõesou reparos,e também de repetições e paráfra-
ses,todas elas com função de solucionar imediatamente apósa
verbalizaçãode um segmento,dificuldades nele detectadaspelo
próprio falante ou pelosparceiros,podendo, assim,serauto - ou
heterocondicionada.
[os que Errem parte de um mesmo "fume" ou "script", a partir de
um ou vários de seus elementos explícitos na superfície textual.
Eis alguns exemplos:
(1)
(2)
(3)
.l#2oifinas e delicadasteciam asmais graciosasrendas,en-
quanto aZ»oi e üó/oí pareciam sorrir suavemente.
Jorge 6oi atacado pelo enorme cão policial. Elessão realmente
animais muito perigosos
Ao ser abordada pelo assaltante, a bolsa da jovem abriu-se, e
seuspertences espalharam-se pela calçada. O /e/zfo,o vaza/z,a
pente rolaram para o meio da rua.
40
41
3. Estratégias de referenciação -- a reativação de referentes
no texto érealizada através de estratégias de reEerenciaçãoanaforica
(Koch, ] 987 e 1989 e outros), formando-se, desta maneira, ca-
deiascoesivasmais ou menos longas. Aquelas que retomam refe-
rentes principais ou temáticos (por exemplo, protagonista e
antagonista, na narrativa; serque é objeto de uma descrição; tema
de uma discussão,
em textosopinativos)percorrem em geral o
texto inteiro.
Como serádetalhado no Capítulo 4, essetipo de remissão
pode sere6etuado
por meio de recursosde ordem "gramatical"
ou por intermédio de recursos
de naturezalexical,como sinóni-
mos, hiperânimos, nomesgenéricos,descriçõesdefinidas; ou,
ainda, por reiteração de um mesmo grupo nominal ou parte dele;
e, 6lnalmente, por meio da elipse.
Por vezes, a (re)ativação de referentes, a partir de "pistas
expressasno texto, se dá via ineerenciação. Pode-se inferir, por
junto a partir de um ou maissubconjuntos; enfim, conhecimen-
Há, também, a remissãopara a frente catáeora-- que se
realizapreferencialmenteatravésde pronomes demonstrativosou
indefinidos neutros(isto, isso,aquilo, tudo, nada)ou de nomes
genéricos,
mastambém por meio dasdemaisespécies
de prono'
mes,de numerais ede advérbios propominais.
(4) O incêndio havia destruído fzído:casas,móveis, plantações
Uma dasformas de avivar ou reativar referentessãoexpres-
sõesnominais deânidas, ou seja, asdescrições deânidas do refe-
rente.Ora, o usode uma expressão
definida implica semprena
escolhadentre aspropriedades ou qualidadesque caracterizamo
referente, escolha, escolha estaque será deita de acordo com aque-
las propriedades ou qualidades que, em dadassituaçõesde
interação,em fiinção dos propósitos a serematingidos, o produ-
tor do texto tem interesse
em ressaltar,
ou mesmotornar conhe-
cidas de seu(s) interlocutor(es). Veja-se,por exemplo, a diferença
entre (14) e (15):
(14) Collor preocupa-se
emmanteraforma. Ocres/Zr /f exercita-
se todos os dias.
(15) Collor preocup'-se em manter a forma. O mosto /nZzan.zlamrr
exercita-se todos os dias.
A necessidadede recorrer aossistemas de conhecimento e
às estratégias aqui parcialmente descritas, por ocasião do
processamentotextual, permite constatar a grande complexida-
de do processode construção de um texto ea gamade atividades
de ordem sociocognitivaque serealizamcom vistasà produção
de sentidos.
Como se vê, a escolha das descrições deânidas pode trazer
ao interlocutor informações importantes sobreasopiniões, cren-
çase atitudesdo produtor do texto, auxiliando-o naconstrução
do sentido. Por outro lado, o locutor pode também, através do
uso de uma descriçãodeGlnida,dar a conhecerao interlocutor
dados que acredita desconhecidos deste, relativamente ao refe-
rente textual, com os maisvariadospropósitos; ou ainda
categorizar, classificar, resumir a informação previamente apre-
sentada de uma certa maneira: a hipótese, a cena, a tragédia etc.
42
43
4. Estratégia de "balanceamento" do explícito/implícito
--relaçõesentre informação textualmente expressa
econhecimen-
tos prévios, pressupostoscomo partilhados, podem também ser
decidas por meio de estratégiasde "sinalização" textual, por
meio dasquaiso interlocutor, por ocasião
do processamento
tex-
tual, é levado arecorrer ao contexto sociocognitivo(situação co-
municativa, "scripts" sociais, conhecimentos intertextuais, e assim
por diante).
Visto que não podem existir textos totalmente explícitos,
o produtor deum texto precisaprocederao"baJanceamento"
do
que necessita
serexplicitado textualmente edo que pode perma-
necer implícito, por ser recuperável via inHerenciação a partir das
marcasou pistasque o locutor coloca no texto ou do que é supos-
to por este como conhecimento partilhado com o interlocutor
(éf: Nystrand& Wiemelt, 1991;Marcuschi,1994).Na verda-
de, é esteo grande segredodo locutor competente.
ACONSTRUÇÃO DOSSENTIDOS
NOTEXTO:COESÀOECOERÊNCIA
Em muitos anosde reflexõessobreos fenómenostextuais
da coesãoe da coerência, tenho-me perguntado com freqüência
sobreasfronteiras entre ambos.Soude opinião que setrata de
Genâmenos
distintos, conforme defendi em diversostrabalhos
sobre a questão (Koch, 1984,1985, 1989a, 1989b, 1990, en-
tre outros), em concordânciacom a maioria dos autoresque
trabalham atualmente nesse campo (Beaugrande & Dressler,
Charolles,Heinemann & Viehweger,Van Dijk, para citar ape-
nas alguns).
É preciso considerar, contudo, que existem zonas mais
ou menos amplas de imbricação entre eles, nas quais setorna
extremamente difícil ou mesmo impossível estabeleceruma se-
paração
nítida entre um e outro fenómeno.
Pretendo, portanto, aprofundar um pouco mais essare-
flexão.
45
A COESÃO TEXTUAL
Podemosconceituar a coesãocomo o fenómeno quediz
respeito ao modo como os elementos linguísticos presentesna
superfícietextual seencontram interligados entre si, por meio
de recursos também lingüísticos, formando seqüências veicu-
ladoras de sentidos.
.. Segundo Marcuschi(1 983), os estores de coesão são aque-
lesquedão contadaseqüenciação
superficial do texto, isto é,os
mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer,
entre oselementoslingüísticosdo texto, relações
de sentido.
Tenho consideradoem meus trabalhos duasgrandes mo-
dalidadesde coesão:
a remissão
e a seqüenciação.
Gostariade
proceder, aqui, a uma revisãodessaclassificação'
A coesão por remissão pode, no meu entender, desempe-
nhar quer afiinção de (re)ativação
dereferentes,
quer ade 'sina-
lização"textual.
A reativação de referentes no texto é realizada por meio da
re6erenciação
anaforica ou cataforica, formando-se, destemodo
cadeias coesivas mais ou menos longas. Aquelas que retomam
referentes principais ou temáticos (por exemplo, protagonista e
antagonista, na narrativa; serque é objeto de uma descrição; tem,
de umadiscussão,
em textosopinativos)percorrem em geral o
texto inteiro. '
EssetiPO de remissão pode sere6etuado,como âoi mencio-
nado no capítulo anterior,por meio de recursosdeordem "gra-
matical" -- pronomes pessoaisde terceira pessoa(retos e oblíquos)
. os,demonstrativos, indeânidos.
e os demais pronomes (possessi ---'
interrogativos, relativos), os diversos tipos de numerais, advérbios
pronominais (como agzz/,aZ ZÉ.z110
e artigosdefinidos; ou por
Intermédio de recursos de natureza lexical, como sinónimos.
hlperânimos, nomes genéricos,descriçõesdeânidas;"ou, a nda,
por reiteração de um mesmo grupo nominal ou parte dele; e,
finalmente, por meio da elipse.
Observem-se os exemplos:
(1) A jovem acordou sobressaltada.Z& não conseguia lembrar-se
do que haviaacontecidoe como coraparar ali
(2)
(3)
(4)
Márcia olhou em torno de si. Sfz/i pais e irai irmãos observa-
vam-na com carinho.
Acorreram ao local muitos curiosos..4/gw/zitrepavamnasár-
vores para enxergar melhor.
O concurso selecionará os melhores candidatos. O pr/me/ra
deverá desempenhar o pape] principal na nova peça.
O juiz olhou parao auditório. -4/í estavam
osparentes
eami-
gosdo réu, aguardandoansiososo veredito final.
Um policial que seguravauma arma aproximou-se do desco-
nhecido.O estranho,aover opa#clall lançou-se
a sf#i pés.
(5)
(Q
46
47
Muitas vezes,
a (re)ativaçãode referentes,
a partir de "pis-
tas" expressas no texto, se dá via ineerenciação. Pode-se inferir,
por exemplo,o todo a partir de uma ou de algumaspartes;um
conjunto a partir de um ou mais subconjuntos, o gênero ou es-
pécieapartir deum indivíduo; enâm, conhecimentos
queamem
partedeum mesmo"fume" ou "script", a partir deum ou vários
de seus elementos explícitos naxsuperfície textual ou vice-versa.
Eis alguns exemplos:
(7)
(8)
(9)
O aposento estava abandonado. .4i z,iZrafm quebradas deixa-
vamentrar o vento e achuva.
A baleia azul é um animal em vias de extinção. E&a ainda são
encontradas em algumas regiões do globo.
Chamaram-me a atenção os lábios vermelhos, os olhos pro-
fiindamente azuis, as sobrancelhasbem desenhadas,o nariz
Gins,a tez morena.Nunca iria esquecer
aqueleraifal
A remissão para a frente -- catá6ora-- realiza-sepreferencial-
mente atravésde pronomes demonstrativosou indefinidos neu-
tros (isto, isso,aquilo, tudo, nada)ou de nomesgenéricos,
mas
também por meio dm demais espéciesde pronomes, de numerais
ede advérbios pronominais. Seriam exemplos de remissão cataforica:
Sou de opinião que, nessescasosde "sinalização", seria mais
adequado Edar de "dêixis textual", como tem postulado, entre
outros,K. Ehlich. Isto é, nãosetrataria aqui derelações
derefe-
rência ou corre6erência,mas antes de "mostração" dêitica no inte-
rior do próprio texto.
Segundo Ehlich (1981), asexpressõesdêiticas permitem ao
EHanteobter uma organização da atenção comum dos interlocutores
com referência ao conteúdo da mensagem. Para consegui-lo, o pro'
dutor do texto tem necessidade
defocalizaraatençãodo parceiro
sobreobjetos, entidades e dimensões de que seserveem sua ativi-
dadelingüística. Assim sendo,o procedimento dêitico constitui o
instrumento paradirigir a6ocnlização
do ouvinte em direçãoa um
item específico, que Em parte de um domínio de acessibilidade
comum -- o espaço dêitico. Na comunicação cotidiana simples,
esseespaço dêitico é o próprio espaço da atividade de eda, isto é, a
situação de interação. Os procedimentos dêiticos atualizam-se atra-
vésdo uso de expressõesdêiticas. Como asatividades de orientação
dêitica são atividades sobretudo mentais, o uso de expressões
dêiticas em procedimentos dêiticos constitui uma atividade verbal
com âns cognitivos e, quando bem sucedida, com consequências
de ordem cognitiva para o interlocutor.
Embora, evidentemente,o domínio dafala sejao domí-
nio dêitico por excelência, e as expressões
dêiticas estejam ge-
ralmente ligadasa fenómenosdiretamente visíveis para os
interlocutores, isto é, que se encontrem no seucampo
perceptual/sensorial, Ehlich assinalaque, selevarmos em con-
sideração o "tempo" como uma dessasdimensões, mesmo no
domínio da fala,essa
dimensãoseestenderáalémdoslimites da
percepção sensorial direta, ou seja, o quadro de referência com-
partilhado seráem si mesmo uma estrutura mental comum a
ambos:quando, por exemplo, o falante usauma expressão
como
(10) O incêndio havia destruído f#2o: casas,móveis, plantações.
(11) Desejo somente;f/a: que me dêem a oportunidade de me
defender das acusações injustas.
(12) O enfermo esperava mzcoça apenas:o alívio de seussofri-
mentos.
(13) ÉZ' era tão bom, o presidente assassinado!
48
A "sinalizaçãotextual", por suavez,tem a fiinção básicade
organizar o texto, fornecendoao interlocutor "apoios" para o
processamentotextual, atravésde "orientações" ou indicações para
cima, para baixo (no texto escrito),para a frente epara trás,'ou
ainda, estabelecendo
uma ordenaçãoentre segmentostextuais
ou p'nes do texto. Vejamosalgunsexemplos:
49
(14) As evidências aóaüo comprovam estaafirmação: a. ; b.--
(15) Como eoi mencionado ac;ma, postulo a existência de duas
grandes modalidades de coesão
(16) MaÜ azZÜza@voltarei a essa questão.
(17) Na seçãoanterior, tratei da origem do termo; .z irKmz6acor-
darei sua evolução semântica.
C
l
Entre os casosde "apontamento"para trás, poder-se-iam
incluir aquelestipos de remissãocom fiação "distributiva", como em:
(18)
Paulo, José e Pedra deverão formar duplas com Lúcia, Mariana
e Renata, reiper/;z'úmfmre
"agora",Éazuso de um sistemade conhecimentosque pressu-
põe partilhado com seu interlocutor.
Partindo dessa constatação, o autor depende a posição de
que a dêixis relativa ao domínio da Edaé apenas um caso especí-
fico do procedimentodêitico. Dessemodo, o
v'l'vbx
procedimento
dêitico deveserestudado
de maneiraglobal,de forma a tornar
evidente que há um porteenvolvimento de sistemasmentais, sis-
temas de conhecimento e de análise da realidade comuns, para-
":
Ihados pelos interlocutores, possibilitando, descarte,a economia
comunicativa através do uso das expressõesdêiticas.
Concentrando seu estudo no que chama de "dêixis textual«,
procura contrapâ-laà noçãode anáeora,
ao contrário do que se
na maior parteda literatura, na qual geralmente'a se-
gunda engloba osfatoscaracterísticosda primeira ou seja,adêixis
textual não tem sido consideradauma dêixispropriamente dita
mas sim descrita apenascomo um uso anaforico ou cataf6rico
específico, em virtude da concepção sensório-perceptual da dêixis
dominante entre os estudiosos da questão.
Isto é: aremissão
no interior do texto temsido vistageral-
mente como um âenâmeno de referência endoforica(cf Hiiiday
& Hasan, 1976). Distingue-se, por vezes,entre aná6orae catáâora.
outras vezes,incluem-se todos os tipos de remissão sob a designa-
ção genérica de aná6ora, em contraposição à dêixis, que constituiria
apenas a remissão a elementos exteriores ao texto(exóeora, para
Halliday). Há outrosautoresque,por seuturno, englobamaanáEora
no domínio geral da dêixis, ou sqa, pensam a aná6oracomo parte
J. f
do âenâmenoglobalde remissão,de modo que tal conceito acaba
por abrangerfatosbastante
díspares
em termosde seufiinciona-
mento. Sãovistoscomo anaÉ6ricos
não sóoselementosdo texto
que remetema sintagmasou a um ou algunsconstituintes de um
sintagma, como os que remetem a porçõesinteiras, maiores ou
menores, do texto antecedente ou subseqüente. Incluem-se, tam-
bém, na noção de anáfora, além dos elementos que Erremremissão
aoutros expressos
no texto, osque remetem a elementosdo uni-
versocognitivo dos interlocutores,desdeque ativadospor alguma
expressão do texto. De minha pote, considero interessante proce-
der à distinção sugerida por Ehlich, entre anáfora e dêixis textual,
por razões como asseguintes, entre outras:
l A anáfora estabelece uma relação de correfêrencia ou, no
mínimo, de referência, entre elementos presentesno texto
ou recuperáveis através de in6erenciação; ao passo que a
dêixis textual aponta, de forma indicial, para segmentos
maioresou menoresdo co-texto, com o objetivo defocali-
zar nelesa atençãodo interlocutor.
Nos casos de aná6ora tem-se, com freqüência, instruções
de congruência (concordância), o que raramenteacontece
na dêixis textual, e6etuada
em geral por meio de formas
neutras e de advérbios ou expressões
adverbiais, portanto
invariáveis.
Através da remissão anaGórica, estabelecem-se no texto ca-
deias coesivas ou referenciais, o que não ocorre nos casos
de dêixistextual.
50
51
2
3
Quanto à catá6ora,
parece-me
que fica a meio caminho
entre osdois Genâmenos:sehá casosde remissão referencial, como
(13), exemplos como(lO),(11),(12), bem como(19) e(20) a
seguir podem ser considerados como casosde dêixis textual:
(19) Observem bem irra: não lhes pareceum tanto estranho?
(20) Não estava habituado a coisa ramo eilm. ser servido, receber
atenções e homenagens.
A coesão seqüenciadora, por seu turno, é aquela através da
qual seÉaz
o texto avançar,garantindo-se,porém, acontinuidade
dos sentidos.
O seqüenciamento de elementos textuais pode ocorrer de for-
ma direta, sem retornou ou recorrência; ou podem ocorrer na pro-
gressãodo texto recorrências das mais diversasordens: de termos ou
expressões,de estruturas(paralelismo), de conteúdos semânticos(pa-
sse)lde elementos fonológicos ou prosódicos(similicadência, rima,
aliteração, assonância) e de tempos verbais. Em Koch(1989a), dis-
cuto em maior profimdidadeessas
questões.
Entre os recursos responsáveis pelo seqüenciamento textu-
al, estão a seleçãodos campos lexicais a serem ativados no texto
(contigüidade, conforme Halliday & Hasan) eo inter-relaciona-
mento que seestabelece
entre dois ou mais campos com vista à
obtenção de determinadosefeitosdesentido, os(diversos
tipos de
articulação tema-rema e o encadeamento ou conexão(commecíednaxJ.
commex/iO,também estudados em Koch (1989a).
Alguns dessesâenâmenos serão retomados mais adiante em
nossadiscussão.
Se,porém, é verdadeque a coerência não estáno texto, é
verdade também que eladeve ser construída a partir dele, levan-
do-se, pois, em conta os recursos coesivos presentes na superfície
textual, que flincionam como pistasou chavespara orientar o
interlocutor na construção do sentido. Para que se estabeleçam as
relaçõesadequadasentre tais elementose o conhecimento de
mundo (enciclopédico), o conhecimento socioculturalmentepar-
tilhado entre os interlocutores, e as práticassociaispostasem
açãono curso da interação, torna-se necessário, na grande maio-
ria dos casos, proceder a um cálculo, recorrendo-se a estratégias
interpretativas, como asinferências e outras estratégiasde nego-
,;.,=A in ...t.;J.x
bla..a v Xv D..K ILXUVa
A coerência se estabeleceem diversos níveis: sintático, se-
mântico, temático,estilístico, ilocucional, concorrendo todos eles
para a construção da coerência global. Assim, há autores que dis-
tinguem entre acoerêncialocal (isto é, aquelaque ocorre em'um
dessesníveis, sobretudo no sintático) e a coerência g]oba] do tex-
to (cf. Charolles, 1978; Van Dijk, 1981 e 1990, entre outros).
52
53
A COERÊNCIA
ZONAS DE INTERSECÇÃO
A coerência diz respeito ao modo como os elementos
subjacentesà superfície textual vêm a constituir, na mente dos
interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos.
A coerência, portanto, longe de constituir mera qualidade
ou propriedadedo texto, é resultadode uma construçãodeita
pelos interlocutores, numa situação de interação dada, pela atua-
ção conjunta de uma série de favoresde ordem cognitiva,
situaciona], Sociocultural e interacional (cf Koch & Travaglia,
Defendo a posição de que, sempre que se Em necessário
algum tipo de cálculo apartir doselementosexpressos
no texto
como acontece na absoluta maioria dos casos-- já seestá no cam-
po da coerência.Ora, como já indiciei acima e procurarei detalhar
aseguir, é bastante comum, para se interpretarem adequadamente
as relações coesivas que o texto sugere, que sejamos obrigados a
eGetuar
determinados cálculos quanto ao sentido possíveldessas
relações.É nesses
momentos, portanto, que seobliteram oslimi-
tes nítidos entre coesãoe coerência.
Passoa examinar alguns dessescasos:
1.Anáfora semântica, mediata ou profiinda -- conforme
mencionei anteriormente, é preciso, em tal situação, "extrair" o
referente da forma feEerencial de modelos ("arames", "scripts
cenários") armazenados na memória, ou seja,de conhecimentos
queconstituem nosso" horizonte de consciência".Como afirma
Webber (1980), a relação entre situação discursiva ou externa.
de um lado, e os referentes da anáfora, de outro, é indireta, me-
diadapelos modelosdos participantes,de modo que escolher
entre os possíveis antecedentes de uma forma anahrica pode,
pois, demandar habilidades sintáticas, cognitivas, pragmáticas,
inâerenciais eavaliativas muito soGtsticada da parte do interlocuto..
Assim,em exemplos
como (7), (8) e (9), como em um
grande número de outros casos,há necessidade
de introduzir
contextualmente determinadas entidades, atravésdo conhecimen-
to de mundo partilhado entre osinterlocutores.
de uma expressão
definida implica sempre uma escolhadentre as
propriedades ou qualidades quecaracterizam o referente, escolha
estaqueserádeitade acordocom aquelaspropriedades
ou quali-
dadesque, em dada situaçãode interação, em fiinção dos propó-
sitosa serematingidos,o produtor do texto tem interesse
em
ressaltar, ou mesmo tornar conhecidas de seu(s) interlocutor(es) .
Veja-se,por exemplo, a diferença entre (21) e (22):
(21)
(22)
Reaganperdeu a batalha no Congresso. Opreside [?amrrjra-
na não tem tido grande sucessoultimamente em suasnegocia-
ções com o Parlamento.
Reaganperdeu a batalha no Congresso. O fazaóay
do#araeire
amfrifazzo não tem tido grande sucesso em suas negociações
com o Parlamento.
54 55
Como sevê, a escolhadas descrições definidas pode trazer ao
interlocutor informaçõesimportantes sobre asopiniões,crençase
atitudesdo produtor do texto, auxiliando-o na construção do senti-
do. Por outro lado, o locutor pode também, através da descrição
definida, dar aconhecerao interlocutor dadosque acreditadesco-
nhecidos deste, relativamente ao referente textual, com os mais vui-
ados propósitos. Veja-se, por exemplo(20), em que, na verdade, o
que o locutor Êmé anunciar ao(s)parceiro(s) que Pedro é agora na-
morado da irmã, ou, então, que ela mudou de namorado:
2. A forma como é feita a remissão, isto é, a construção das
cadeiascoesivas a escolha dos elementos lingüísticos usados para
Emer a remissão, o tom e o estilo podem constituir índices valiosos
dasatitudes, crençase convicçõesdo produtor do texto, bem como
do modo como elegostariaqueo referentefossevisto pelospa'ced-
ros. Remissõespor meio de formas diminutivas, por exemplo, po-
dem revelaro carinho ou a empatia do produtor pelo referente; ou,
dependendo do tom e, na Eda, de certas marcas prosódicas, expres-
sões6lsionâmicas,gestosetc., uma atitude pejorativa permitindo,
assim, aos interlocutores depreender a orientação argumentativa
que o produtor pretende imprimir ao seudiscurso.
(20) Pedro não 6oi classificado no concurso. O nado /zdmoxuzüde
m/mó.z ;rm.Z não anda realmente com muita sorte.
3. Referência por meio de expressõesdefinidas uma das
formas de emer a remissão sãojustamente as expressões nominais
definidas, ou seja,asdescriçõesdefinidas do referente.Or,, o uso
4. A seleçãodos campos lexicais e aseleção lexical de modo
geral pelo que 6oi dito anteriormente, já sepode deduzir a
importância da seleção
lexical na construçãodo sentido.O uso
de Mrmulas de endereçamento,
de dada variante da língua, de
gírias ou jargões profissionais, de determinado tipo de adjetivação,
de termos diminutivos ou pejorativos fornece aosparceiros pistas
valiosaspara ainterpretação do texto eacaptaçãodos propósitos
com que é produzido.
Também a ativação de determinados campos lexicais -- que
são a contraparte lingüística dos modelos cognitivos -- tem sua
influência no cálculo do sentido. Além disso, o inter-relacionamento
de dois ou mais campos lexicaispermite a produção de novos sen-
tidos, nem sempreclaramenteexplicitados,e que, portanto, cabe
ao interlocutor reconstruir (veja-se,também, Koch, 1984).
ção entre segmentos textuais), cabe ao interlocutor, com base em
seus
conhecimentoslingilísticos eenciclopédicos,suprir essa
Ef-
ta, "repondo" mentalmentea marcafdtante, como sepode ver
em (23) e (24):
(23)
(24)
Não desejavaser vista por ninguém. Estava suja, cabelos em
desalinho, o rosto banhado de lágrimas. Poderiam imaginar
coisas a seu respeito. Não queria pâr a perder a boa imagem
que tinham dela.
Olhar fixo no horizonte.Apenas
o mar imenso.Nenhumsi-
nal de vida humana. Tentativa desesperada
de recordar algu-
ma coisa.Nada.
56
57
5. Ambigüidade referencial -- sempreque ocorre no texto
a ambiguidade referencial, isto é, quando surgem vários candida-
tos possíveisa referentesde uma forma remissiva, torna-se neces-
sário proceder a um cálculo para a identificação do referente
adequado.
Thl cálculo terá de levar em conta não só aspossíveisins-
truções de congruência dadaspela forma remissiva, como tam-
bém todo o contexto,ou seja,aspredicações
Gaitas
tanto sobrea
forma remissiva, como sobre os eventuais referentes, para só en-
tão proceder-seao "casamento"entre a forma reÊerencia]
ambí-
gua eo referente considerado adequado. Paratanto, torna-se preciso
recorrer ao nosso conhecimento de mundo e do contexto
Socioculturalem que nos encontramosinseridos,além de outros
critérios como saliênciatemática e recência(fere/zq0, por exemplo.
É interessantenotar que o interlocutor, em geral,não tem
dificuldade em reconstruir aconexãoEstante pelo recursoapro-
cessos
cognitivos como, por exemplo, aativaçãode.»amos,apar'
tir dos elementos que seencontram expressos na superHcie textual.
Outros casosexistem, os quais exigem dos interlocutores o
recurso a processos e estratégias de ordem cognitiva para procede-
rem ao "cálculo" do sentido. Os que Geram
aqui apresentados
ser-
vem apenascomo exemplificação.
Por tudo o que Goidiscutido, deveter ficado patente que,
embora coesão e coerência constituam fenómenos diferentes,
opera-se, muitas vezes, uma imbricação entre eles por ocasião do
processamento textual.
Não hádúvida de quea presença
de recursos
coesivos
em
um texto não é condição nem suficiente, nem necessária
da coe-
rência.A coesão,inclusive, em alguns tipos de texto, é nãosódis-
pensável, como seria até mesmo de estranhar -- veja-se o caso de
certos textos poéticos modernos, quer em prosa, quer em verso.
Ressalte-se,
porém, que, em muitos outros (textosdidáticos,
6. Encadeamentos por justaposição -- quando seencadei-
am enunciados por merajustaposição, sem a explicitação da rela-
ção que se desejaestabelecer
entre eles por meio de sinais de
articulação (conectores,termos de relação,partículas de transi-
jornalísticos, jurídicos, científicos,por exemplo), sua presençase
torna altamente desejável, visto que, nestes casos, ela permite au-
mentar alegibilidade egarantir uma interpretaçãomais uniforme.
Portanto, nos textosem queacoesãoestápresente--já que
elanão écondição nem necessária,
nem suficiente da coerência--.
pode-se afirmar que ambas passam a constituir asduas facesde
uma mesma moeda, ou então, para usar de uma outra metáfora,
o versoe o reversodessecomplexo 6enâmenoque é o texto.
ACONSTRUÇÃO DOSSENTIDOS
NO TEXTO: INTERTEXTUALIDADE
EPOLIFONIA
Pretendo, nestecapítulo, proceder auma reflexãosobreos
conceitos tão freqüentes na literatura lingüística contemporânea
de intertextualidade e polifonia, com o intuito, inclusive, de ve-
rificar, através da determinação das características e do âmbito de
abrangênciaque lhes têm sido atribuídos, sedesignamum só
6enâmeno;
ou, nãosendoesse
o caso,como seriapossível
distin-
guir entre um e outro. Tratarei, em primeiro lugar, da intertex-
tualidade.
59
INTERTEXTUALIDADE
Começo citando Barthes (1974): "0 texto redistribui a
língua. Uma dasviasdessareconstrução é ade permutar textos,
fragmentos de textos, que existiram ou existem ao redor do texto
considerado, e, por fim, dentro dele mesmo; todo texto é um
intertexto; outros textos estão presentesnele, em níveis variáveis,
sobformas mais ou menos reconhecíveis'
Issosigniâcaque todo texto é um objeto heterogêneo,que
revelauma relaçãoradicalde seuinterior com seuexterior;e,
desseexterior, evidentemente, Errem parte outros textos que Ihe
dão origem, que o predeterminam,com os quais dialoga,que
retoma, a quealude, ou aque seopõe. Foi essa
a razãoque levou
Beaugrand & Dressler (1981) a apontarem, como um dos pa-
drõesou critériosde textualidade,a intertextualidade,
que,se-
gundo eles,diz respeito aosmodos como a produção e recepção
de um texto dependem do conhecimento que setenha de outros
textoscom osquaisele,de alguma forma, serelaciona. Essas
for-
mas de relacionamento entre textos são,como severá, bastante
variadas.
Partirei da distinçãoqueGizem Koch (1986) entre inter-
textualidadeem sentido amplo e intertextualidade em sentido
restrito.
da intertextualidade é também válido entre universos discursivos
diferentes(por exemplo, cinema e televisão); em terceiro lugar, no
processode produção de um discurso, há uma relaçãointertextual
com outros discursosrelativamente autónomos que, embora fiincio-
nando como momentosou etapa da produção, não apuecemna
superfície do discurso "produzido" ou "terminado". O estudo de tais
textos mediadorespode ofereceresclarecimentosfiindamentais não
só sobre o processo de produção em si, como também sobre o pro'
cessode leitura, no nível da recepção. Trata-se, segundo Verón, de
uma intertextualidade "profunda", por setratar de textos que, parti-
cipando do processode produção de outros textos, não atingem
nunca(ou muito raramente) a consumaçãosocial dos discursos.
SegundoVerón (1980: 82), a análisesemiológicasó pode
avançarpor diferença, isto é, por comparaçãoentre objetos tex-
tuais: "Um texto não tem propriedades 'em si': caracteriza-se
so-
mente por aquilo que o diferencia de outro texto (...). Por isso,
também anoção de intertextualidade não serefereapenasàveri-
ficação de um dos aspectosdo processo de produção dos discur-
sos, mas também à expressãode uma regra de basedo método
(...); trabalha-se sempre sobre vários textos, conscientemente ou
não, uma vez que asoperaçõesna matéria significante são, por
definição, intertextuais'
É também por meio da comparação dos textos produzidos
em determinada cultura que sepodem detectar aspropriedades
formais ou estruturais, comuns a determinadosgênerosou tipos
(intertextualidade de caráter tipológico), que são armazenadas
na memória dos usuários sob a forma de esquemastextuais ou
superestruturas (cf., por exemplo, Van Dijk & Kintsch, 1983;
Van Dijk, 1983). Tais esquemas,que são socialmente adquiri-
dos, desempenham papel de grande relevância no processamento
(produção/intelecção) textual.
60 Intertextualidade em sentido amplo
A intertextualidadeem sentidoamplo, condição de exis-
tência do próprio discurso, pode ser aproximada do que, sob a
perspectivada Análise do Discurso, se denomina inter-
discursividade (ou heterogeneidade constitutiva, segundo Authier,
1982). É nessesentido que Maingueneau (1976: 39) aârma ser
o mtertexto um componentedecisivodascondiçõesde produ
ção: "um discursonãovem ao mundo numa inocentesolitude.
masconstrói-se
através
de um já-dito em relaçãoao qual tom,
posição". Também Pêcheux (1969) escreve:"Deste modo, dado
discurso envia a outro, frente ao qual é uma respostadireta ou
indireta, ou do qual ele'orquestra'ostermosprincipais,ou cujos
argumentosdestrói. Assim é que o processodiscursivo não tem.
de direito, um início: o discursoseestabelece
sempresobreum
discurso prévio...
Verón (1980), por sua vez, examina a questão da produção
do sentido sob um ângulo sócio-semiológico. Para ele, a pesquisa
semiológica deve considerar três dimensõesdo princípio da
intertextualidade: em primeiro lugar, asoperaçõesprodutoras de
sentidosãosempreintertextuaisno interior de um certo universo
discursivo(por exemplo,o cinema);em segundolugar,o princípio
61
Essassão algumasdas razõesque me levam a concordar
com Kristeva (1974:60), quando aârma: "Qualquer textosecons-
trói como um mosaico de citações e é a absorção e transformação
de um outro texto'
quando o autor de um texto imita ou parodia, tendo emvista
efeitos específicos, estilos, registros ou variedades de língua, como
é o casode textosque reproduzema linguagembíblica,a de
determinado escritor ou de um dado segmento da sociedade.
Intertextualidadeem sentido restrito
Considero intertextualidade em sentido restrito a relação
de um texto com outros textospreviamenteexistentes,
isto é,
e6etivamenteproduzidos. Respaldo-me em Jenny (1979:14):
'Propomo-nos a Edar de intertextualidade desdeque se
possaencontrar num texto elementosanteriormente estruturados,
para além do lexema, naturalmente, masseja qual for seu nível
de estruturação'
Entre os tipos de intertextualidadeem sentido restrito,
podem-se considerar os seguintes:
2. Explícita X implícita.
A intertextualidade é explícita, quando há citação da conte
do intertexto, comoaconteceno discursorelatado,nascitaçõese
referências; nos resumos, resenhas e traduções; nas retomadas do
texto do parceiro para encadear sobre ele ou questiona-lo, na con-
versação.A intertextualidade implícita ocorre semcitação expressa
da fonte, cabendoaointerlocutor recupera-lana memória para
construir o sentido do texto, como nasalusões,
na paródia,em
certos tipos de paráfrase e de ironia.
62 63
3. Das semelhanças
X dasdiferenças(cf. Aüonso Romano de
Sant'Anna).
Na intertextualidade dassemelhanças,o texto incor-
pora o intertexto paraseguir-lhe a orientação argumentativa
e, freqüentemente, para apoiar-se nele a argumentação(por
exemplo, na argumentação por autoridade). Maingueneau
(1987)fala aquide valor de captação.
Em setratandode
intertextualidade dasdiferenças,o texto incorpora o in-
tertexto para ridiculariza-lo, mostrar suaimprocedência ou,
pelo menos,coloca-lo em questão(paródia, ironia, estraté-
gia argumentativa da concessãoou concordância parcial).
É o que Maingueneaudenomina valor de subversão.
1. De conteúdo X de forma/conteúdo (descargo
a possibili-
dade de uma intertextualidade apenasde forma, pois toda
forma enforma/emoldura um conteúdo) .
Ocorre intertextualidade de conteúdo, por exemplo, entre
textos científicos de uma mesmaárea ou corrente do conheci-
mento, que seservemde conceitos eexpressões
comuns, já defi-
nidos em outros textos daquelaáreaou corrente; entre matérias
dejornais (eda médiaemgeral),no mesmodia ou no períodode
tempo em que dado assuntoé focal; entre diversasmatériasde
um mesmo jornal sobre tal assunto; entre textos literários de uma
mesma escola ou de um mesmo gênero (por exemplo, asepopéi-
as).Tem-se intertextualidade de forma/conteúdo, por exemplo,
4. Com intertexto alheio,com intertexto próprio ou com
intertexto atribuído a um enunciador genérico.
Alguns autoresreservama denominaçãode intertextuali-
dade apenaspara o primeiro caso,utilizando para o segundo o
rótulo deintra ou autotextualidade.Por seuturno, atribuem-sea
um enunciador genérico(a queBerrendonner,1981, chamaON),
enunciaçõesque têm por origem um enunciador indeterminado,
asquaisfazemparte do repertório deuma comunidade, como éo
caso dos provérbios e ditos populares. Ao usar-se um provérbio,
produz-se uma "enunciação-eco" de um número ilimitado de
enunciaçõesanteriores do mesmo provérbio, cuja verdadeé ga-
rantida pelo enunciador genérico, representanteda opinião ge-
ral,da "vox populi", do sabercomum dacoletividade.
Todas essasmanifestações da intertextualidade permitem
aponta-la como Eatordos mais relevantesna construção da coe-
rência textual (Koch & Travaglia, 1989).
ou posiçõesque serepresentam nos enunciados. Paraele, o sen-
tido de um enunciadoconsisteem uma representação
(no sen-
tido teatral) de sua enunciação. Nessacena, movem-seas
personagens figuras do discurso -- que serepresentam em di-
versos níveis:
a.
b
locutor "responsável" pelo enunciado. (Ducrot distin.
gue ainda entre ]ocutor enquanto ta] L e locutor en.
quanto pessoal.
enunciadores encenaçõesde pontos de vista, de perspec
uvasdiferentes
no interior do enunciado.
64 65
Em Ducrot (1984) consideram-se
dois tipos de polifonia
a.
b
quando,no mesmoenunciado,setem maisdeum locutor
correspondendonestecasoao que denominei intertex-
tualidade explícita (discurso relatado, citações, referênci-
as,argumentação por autoridade etc.);
quando, no mesmo enunciado, há mais de um enunciador,
recobrindo, em parte, a intertextualidade implícita, sen-
do, porém, mais ampla: bastaque serepresentem,no mes-
mo enunciado, perspectivasdiferentes, sema necessidade
de utilizar textos eGetivamente
existentes.Por isso é que
Ducrot se refere à encenação (teatral) de enunciadores
reaisou virtuais a quem é atribuída a responsabilidade
da posição expressano enunciado ou segmento dele. Essa
noção de polifonia permite explicar uma gama muito am-
pla de eenâmenosdiscursivos, que podem ser classificados
segundoa atitude de adesãoou não do locutor à perspec-
tiva poli6onicamente
introduzida.
POLIFONIA
O conceito de polifonia, como sesabe,6oi introduzido
nas ciências da linguagem por Bahktin (1929), para caracteri-
zar o romance de Dostoiévski. ParaBahktin, o dialogismo é
constitutivo da linguagem:"A palavraé o produto da relação
recíproca entre falante e ouvinte, emissor e receptor. Cada pala-
vra expressa
o 'um' em relação
com o outro. Eu medou forma
verbal a partir do ponto de vista da comunidade a que perten-
ço. O Eu seconstróiconstituindoo Eu do Outro e por eleé
constituído'
Ducrot (1980,1984) trouxe o termo para o interior da
pragmáticalinguística para designar,dentro de uma visão
enunciativa do sentido, asdiversasperspectivas,pontos de vista
A. Entre os casos de adesão (L = EI), podem-se mencio-
nar os seguintes:
&
(3) Tudo o que o jornalista escreveu é a pura verdade, logo ele não
merece ser punido. (Quem diz a verdade não merece castigo).
l Pressuposição encenam-se, no caso, dois enunciadores,
um primeiro (EI), responsável pelo pressuposto (geral-
mente o enunciador genéricoON, ou então o grupo aque
o locutor e interlocutor pertencem)
e o outro (E2), res-
ponsávelpeloconteúdo posto,com quem o locutor seiden-
tifica. Por exemplo:
b. certosenunciados introduzidos por n'ãoió... mm iamóán,
em que a parte introduzida por áo sónão é apenasde
responsabilidade do locutor:
(4) Vejam nossasofertas.Temosprodutos não só baratos,mas
tambémduráveis.(El: Uma boa oferta é aquelaem que se
oferecem produtos baratos).
X
66
(1) Mariana continua apaixonada por RaEael. 67
Certos tipos de par#raseamento, nos quais é possívelde-
tectar a presençado intertexto. É o caso,por exemplo, de
váriostextos (Hino Nacional Brasileiro, Canção do Expe-
dicionário etc.) que, de alguma forma, parafraseiam tre-
chos da Canção do Exílio, de Gonçalves Dim.
Argumentação por autoridade: quando seencenaavoz de
um enunciador apartir da qual o locutor, identificando-se
com ele, argumenta:
C
certosenunciadosem que ocorre o uso "metaforico" do
futuro do pretérito (cf Weinrich, 1964),emqueseintro-
duz avoz a partir da qual seargumenta, mascuja respon-
sabilidade não seassume,uso atestadocom freqüência na
linguagemjornalística:
2
3
(5) Novas reformas estariam sendo cogitadas pelo governo. Já é
tempo mesmo de pâr asmãos na massa.
a. enunciados conclusivos-- nos quais seargumenta a partir
de uma premissa (maior) poli6onicamente introduzida no
discurso. Trata-se, em grande número de casos,da voz da
sabedoria popular (como quando se argumenta a partir de
provérbiose ditos populares),da perspectivada comuni-
dade ou do grupo a que se pertence, do interlocutor ou
dos valores estabelecidosem dada cultura. Vejam-se os
exemplos:
d. enunciados introduzidos pelas expressões
p zreregwe,ie-
gz/m2o
X etc., aos quais seencadeia um posicionamento
pessoal:
(6) Parece
que vamos ter uma mudançana política económica
Há muito tempo ela estava se fazendo necessária.
B. Passemos
agoraaoscasosem que o locutor não adereà
perspectiva poliEonicamente introduzida.
(2) Ele é dessas
pessoas
desmesuradamente
ambiciosas,portanto
vai acabarficando semnada. (Quem tudo quer, tudo perde).
l Negação Ducrot (1984) distingue a negação meta-
lingüística da negaçãopolêmica (ambaspolifónicas). A
primeira visa a atingir o próprio locutor do enunciado
oposto, do qual secontradizem os pressupostos,como
em (7):
dado, expressão
ou termo; e um segundo(E2=L), que
menciona, aspeando, o que diz o primeiro, para manter
distância, isto é, eximir-se ou diminuir a responsabilida-
de sobre o que estásendo dito. Por exemplo:
(IO) ..."0 regime militar teve a longevidade que teve por causa
dessa resignação com 'o possível' uma postura eternizada
por Ulysses Guimarães". (Fernando Rodrigues, 'IA CPMF e o
'possível"',Folha de São Paulo, 16/07/1996, 1 2)
(11) ..."Antigamente nem o policial podia expor sua arma; era
obrigado a carrega-lano coldre, presa.Hoje os 'homensda
lei' exibem como troRus suasescopetas,metralhadorase fu-
zis." (Luiz Caversan, "Não às armas", Folha de São Paulo, id.
Ibid.)
(7) Li: Pedro deixou de beber (Ei = Pedro bebia)
Lz: Pedro não deixou de beber,ele nunca bebeu (L= E2)
Na segunda, encenam-sedois enunciadores: Et, que pro-
68 duz o enunciadoafirmativo e E2= L, que o contradiz, como
em (8):
69
(8) Pedro não é trabalhador; ele é até bem preguiçoso. (L= Ez)
(Ei = Pedro é trabalhador)
2. Enunciados introduzidos por .aaco /z#r;a,peãora /zürjo,
que não seopõem ao segmentoanteriormente expresso'
que tem a mesmaorientação argumentativa, mas à pers'
pectiva do enunciador EI, poliGonicamenteintroduzida,
como sepode verificar no exemplo:
Authier distingue diversas funções das aspasnessaoperação
de distanciamento: mpm zú'z;/l@z'xrncüfáa(para
mostrar que nos dis-
tinguimos daquele(s) que usa(m) a palavra, que somos "irredutíveis'
àspalavras mencionadas; zú'ca zzüsremz#fü(para assinalaruma pa-
lavra que se incorpora "paternalisticamente",por saberque o
interlocutor Edaria assim);.peziCglgíÜlcm(no
discurso de vulgarização
científica, que assinalam, freqüentemente, o uso de termos ou ex-
pressõesvulgares como um passo intermediário para permitir o
emprego posterior da palavra "verdadeira", "carreta", à qual o locu-
tor adere); .ú'.prozr@o(para mostrar que aspalavrasou expressões
usadasnão são plenamente apropriada, que estão sendo emprega-
da no lugar de outras,constituindo, muitasvezes,
metáforas
ba-
nalsb& ê7ifmeÇdenúsêndxaÜ& questionamentoofensivoou irónico
(quanto à propriedade da palavra ou expressão
empregadapelo
interlocutor por prudência ou por imposição da situação)
.
(9) Luísa não é uma amiga leal; pelo contrário, tem'se demons-
trado pouco conRiável.
(El= Luísa é uma amiga leal)
3 lapas de distanciamento" -- nesses
casosde "aspeamento"
(de co/zoínfão
az/ro/zi'm/c.z,
conforme Authier, 198 1), tem-
se,simultaneamente, o que secostuma denominar de z/se
e me/zçãodo termo ou expressão aspeada.Encena-se um
primeiro enunciador (Ei), responsável
pelo usodo enun-
t
4 'Z)/fo r emenf" -- termo usado por Grésillon &
Maingueneau (1984), para designar a alteração (na forma
e/ou no conteúdo de provérbios, slogans ou frases deitas, a
título lúdico ou militante, com o objetivo decaptaçãoou,
mais frequentemente,de subversão.
Trata-sede uma estra-
tégiamuito comum na publicidadee bastantefreqüente
em outras formas de linguagem, como, por exemplo,o
humor e a músicapopular (cf., por exemplo,a música
Bom Conselho",de Chico Buarquede Hollanda). Tam-
bém aqui, avozdo enunciador genéricoON éintroduzida,
representandoa sabedoriapopular, à qual o locutor adere
ou se opõe. Vejam-se os exemplos:
grupo ou de um "topos" (cf Ducrot, 1987), ao qual seopõe
osegundoenunciador,com o qual o locutor seidentifica E2
= L). Tem-se aqui, segundo Ducrot, o mecanismo da con-
cessão:
acolhe-se
no próprio discursoo ponto devistado
Outro (EI), dá-se-lhe uma certa legitimidade, admitindo-
o como argumento possível para determinada conclusão,
para depois apresentar,como argumento decisivo, a pers-
pectiva contrária. É esteo caso de todos os enunciados in-
troduzidos por conectoresde tipo adversativoe concessivo.
70
Como afirma Ducrot, o m'zs constitui o operador
argumentativo por excelência,já que os enunciadosque contêm
mm e seussimilares,bem como os que contêm operadores
do
paradigma do embora,permitem introduzir, num de seusmem-
bros, a perspectivaque não é ou não é apenas-- a do locutor,
para, em seguida, contrapor-lhe a perspectiva deste,para a qual o
enunciado tende. Seguemalguns exemplos:
71
(12) "Dê um anel xxxx de presente.Lembre-se: Mãos só tem duas'
(publicidade de uma joalheria por ocasião do Dia das Mães,
publicada na RevistaVeja)
(

Observem-se,também, os "détournements" do provérbio
"(quem vê cara, não vê coração", extraídos de textos publicitários
e citados em Frasson (1991):
(16) O candidato não é brilhante, mas honesto.
(17) Franciscoé inteligente, mas não serve para o cargo.
(18) Devemos ser tolerantes, mas há pessoasque eu não suporto!
(13) "Quem vê cara, não vê Aids:
(14) "Quem vê cara não vê fdsi6lcação"
(15) "0 Instituto de Cardiologia não vê cara, só vê coração'
Note-se,
em (18), que o primeiro membrodo enunciado
funcionacomo um atenuador("disclaimer"),por meiodo qual o
locutor tenta preservar a própria face, procurando mostrar-se con-
forme o modo de pensa' e/ou agir que constitui o ideal da comuni-
dade aque pertence ao menos em setratando do discursopúblico;
somente no segundo membro do enunciado éque elevai manifes-
tar sua verdadeira opinião. Essetipo de enunciação é extremamente
comum no discurso preconceituoso em geral: lembrem-se, a título
de exemplo, os enunciados do tipo: "eu não sou racista, mas... (cfl
Van Dijk, 1992, entre várias outras obras do mesmo autor).
Funcionamento semelhante ao "détournement" é o da pa-
ródia, em que sealtera(adultera)um textojá existentecom o
objetivo ou apenasdeproduzir humor ou de desmoralizá-loou
fazer-lhe oposição.
5 Contrajunção consiste na introdução da perspectiva de
um outro enunciadorEI, genérico
ou representante
deum
6 Certos enunciadoscomparativos -- osenunciados compa-
rativos, como -demonstra Voga (1 977,1980), têm caráter
argumentativo e, segundo aestrutura argumentativa, ana-
lisam-se sempre em lema e come z# /o, que são comutáveis
do ponto de vista sintático, mas não do ponto de vista
argumentativo. No casodo comparativo de igualdade, se
o primeiromembrodacomparação
for o tema,a argu-
mentação ser-lhe-áfavorável; seo tema 6oro segundo mem-
bro da comparação,o movimento argumentativo serádes-
favorávelaoprimeiro. Em "Pedroé tão alto como Jogo",
por exemplo, sePedro Goro tema, o enunciado servepara
assinalara sua"grandeza",constituindo-se em argumento
aele favorável;por outro lado, seo tema for Jogo, o enun-
ciado sedispõe de modo a assinalarsua"pequenez",ou
seja, o movimento argumentativo será desfavorável a João
(cf. também Koch, 1987). No último caso, a paráfrase
adequada seria: "Pedro e não Jogo deve ser considerado
suficientemente alto para EmerX". Ora, o ponto de vista
segundo o qual Jogoseriaa pessoaadequada para emerX é
introduzido poli6onicamente
no enunciadoeo locutor ar-
gumenta em sentido contrário a este.Observe-seo exem-
plo (19), extraído da "Folha de São Paulo'
Em (19), aperspectivade queo maisimportante éapre-
ce?fáo do i ceifa opõe-se àquela -- polifonicamente introduzida
de que o importante é o fz/resta
co c e/adopZa/zo,
sendo-lhe
argumentativamente superior.
O discursoindireto livre constitui tambémum casointe-
ressante de polifonia. Nele, mesclam-se as vozes de dois
enunciadores(na narrativa, personagem (EI) e narrador (E2».
Daí deriva a ambigüidade dessetipo de discurso,isto é, adificul-
dade de distinguir o ponto de vista (perspectiva) de onde se Eda.
72 73
Pode-se
concluir, portanto, quenão hácoincidênciatotal
entre os conceitos de intertextualidade e polifonia.
Na intertextualidade, a alteridade é necessariamente
ates-
tada pela presença de um intertexto: ou a fonte é explicitamente
mencionada
no textoqueo incorpora
ou o seuprodutorestá
presente,em situaçõesde comunicaçãooral; ou, ainda, trata-se
de textos anteriormente produzidos, provérbios, frases deitas, ex-
pressõesestereotipadas ou Gormulaicas,de autoria anónima, mas
que Errempartede um repertório partilhado por uma comuni-
dade de fda. Em se tratando de polifonia, basta que a alteridade
sejaencenada, isto é, incorporam-se ao tcxto vozes de enunciadores
reaisou virtuais, que representamperspectivas,
pontos de vista
diversos, ou põem em jogo "topoi" diferentes, com os quais o
locutor seidentifica ou não (paramaior aprofundamento, con-
sulte-se Koch).
Deste modo, a meu ver, o conceito de polifonia recobreo
de intertextualidade, isto é, todo casode intertextualidade é um
casode polifonia, não sendo, porém, verdadeira a recíproca: há
casosde polifonia que não podem ser vistos como manifestações
de intertextualidade.
L
(19) 'Tão importante quanto o sucesso concreto do plano ou
seja,a inflação baixar de verdade-- é a percepçãodo sucesso.
Explicando melhor, é a confiança de que os preços estão mes-
mo sob controle."(Gilberto Dimenstein,"Um tiro contra
Lula", Folha de SãoPaulo, 08/06/1994)
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  • 3. } lematização e Rematização: Estratégias de Construção do Texto Falado 93 A Repetição como Estratégia de Construção do Texto Falado A DinamicidadedosTópicos no Texto Conversacional: Digressãoe Coerência É23 147 É59 167 INTRODUÇÃO Bibliografia A Autora no Contexto O processode produção textual, no quadro dasteorias só- cio-interacionaisda linguagem, é concebidocomo atividade inreracional de sujeitossociais,tendo em vista a realizaçãode determinados Gins. As teorias sócio-interacionais reconhecem aexistência de um sujeitoplanejador/organizadorque, em suainter-relaçãocom ou- trossujeitos,vai construir um texto, sobainfluência de uma com- plexa rede de Estores,entre os quais a especificidade da situação, o jogo de imagens recíprocas, as crenças, convicções, atitudes dos interactantes, os conhecimentos (supostamente) partilhados, as expectativasmútuas, as normas e convenções sócio-culturais. Isso signif:ica que a construção do texto exige a realização de uma série de atividades cognitivo-discursivas que vão dota-lo de certos ele- mentos, propriedades ou marcas,osquais, em seu inter-relaciona- mento, serãoresponsáveis pela produção de sentidos. É ao estudo de taisatividades discursivase de suasmarcas na materialidadelingüística quesedestina a presenteobra. Na primeira parte, trato de questõesgeraisrelativasà produçãodo sentido, comuns, portanto, às modalidadesescritae EHadada língua; na segunda,detenho-me no estudo da construçãodos sentidos no texto falado. 7
  • 4. Os capítulosque compõemestelivro constituem versões mais ou menos próximas de trabalhos publicados em revistas especializadas e/ou apresentados em congressos, que discutem questõescentrais referentesà construção textual dos sentidos e queseinterligam teórica emetodologicamente,formando o todo que aqui apresento e que submeto à apreciação dos leitores, cujas críticas e sugestõesserãosempre bem-vindas. 8 PARTE l A CONSTRUÇÃO TEXTUAL DO SENTIDO
  • 5. AAriViDADEDE PRODUÇÃO TEXTUAL Segundoasteorias da atividade verbal, o texto resulta de um tipo específicode atividade a que autoresalemães denomi- nam 'Spxacó#cÃei /7a 2e/ 'l entendendo por Á.z/zZe/n todo tipo de influência consciente,teleológica e intencional de sujeitos humanos, individuais ou coletivos, sobre seuambiente natural e social. Dessa forma, Spracó#cÃef.fía/z2e/fzdiz respeito à realiza- çãode uma atividadeverbal, numa situaçãodada, com vistasa certos resultados. A escola psicológica e psicolingüística soviética, por sua vez, baseada em Vigotsky, emprega o termo "dejatel'post" para designar o complexo conjunto de processospostos em açãopara a consecuçãode determinado resultado, que é, ao mesmo tempo, o motivo daatividade,ou seja,aquilo por meiodo queseconcre- tiza uma necessidade do sujeito (Serébrennikov,1933:60). Con- sequentemente, tal atividade pode articular-seem trêsaspectos: motivação, finalidade e realização. Diz Leont'ev (1971:31): 1 1 :Surge de uma necessidade. Depois, planinicamos a ativida- de, Fazendo uso de meios sociais ossignos ao determinar sua meta e eleger os meios adequados à sua realização. Final- mente, a realizamos,e com issoalcançámosos resultados visados.Cada ato da atividade compreende, pois, a unidade
  • 6. dostrêsaspectos: começa com um motivoe um plano,e termina com um resultado,com a consecução da meta pre- vista no início; mas,nessemeio, há um sistemadinâmico de ações e operações concretas orientadas para essameta' e. dependência constante da situação em que seleva a cabo a atividade, tanto para a planificação geral como para area- lizaçãodasaçõese a possívelmodificação do processono decurso da atividade (troca das açõesprevistas por outras, de acordo com mudanças produzidas na situação). Leont'ev (1974) ressaltaque tais açõese operações,que constituem a atividade verbal,estãoinseridasem um processo social-- o que permite considerara linguagem enquanto ativida- de determinada pelos fatores sociais. Ora, todaatividadepressupõe a existência de uma estruturação interna, a qual, segundo Leont'ev (1971), "se ex- pressasobretudo no fato de que o processo da atividade consta de açõesindividuais(...). As mesmasaçõespodem pertencer a dife- rentes atividades e vice-versa: o mesmo resultado pode ser alcan- çado por meio de diferentes ações".Tais ações,que presidem a estruturaçãoou atividade, e quepossuemtambém determinação social (e psico-individual), articulam-se por sua vez em opera- ções específicas, que são os meios de realização das ações indivi- duais, em virtude da motivação própria de cada uma delas. Enquanto as ações têm caráter "psíquico", as operações são fun- damentalmente psicofisiológicas(na atividade verbal, pot exem- plo, as operações de Eonação, articulação etc.). Toda atividade humana, portanto, teria os seguintesas- pectos fiindamentais: A TEORn DA ATIVIDADE VERBAL A teoria da atividade verbal (teorija recevojdejatel'nosti) é, portanto, a adaptação ao 6enâmeno "linguagem" de uma teoria da atividadede caráterâlosófico, articulada com uma teoria da arividade (social) humana, que se especifica em uma teoria da atividade(comunicativa) verbal. A atividadeverbalédefinidapor Leont'ev(1971)como "... uma atividade (...) do ser humano que se transmite até certo grau medianteossignosde uma língua (cujacaracterística fun- damental é a utilização produtiva e receptiva dos signosda lín- gua). Em sentido restrito, deve-seentendê-la como uma atividade na qual o signo lingüístico atua como 'estímulo' (Vgotsky), uma atividade, portanto, em cujo transcurso construímos uma expressão lingüística para alcançar um objetivo prendado. O que interessa,assim,ao estudopropriamente lingüístico são as formas de organização da linguagem para a realização de fins sociais(o que inclui, evidentemente, o estudodo sistema de signosde que nos valemos).Isto é, seu objetivo é verificar como seconseguemrealizar determinadas açõesou interagir socialmenteatravésda linguagem (queé,em essência, também a preocupação da teoria dos atos de EHa de Austin, Searle e suas variantes) . A realizaçãolingüística da atividade verbal dependedas condições sociaise psicológicas, além de vir determinada pelo 12 13 a. b c. d existência de uma necessidade/interesse; estabelecimento de uma finalidade; estabelecimento de um plano de atividade,formado por ações individuais; realização de operaçõesespecíficaspara cada ação, de con- formidade com o plano prefixado;
  • 7. motivo básico da atividade, e utiliza diversos meios como: a.seleção de palavras;b. passagem do programaà suarealiza- ção;c. projeto gramatical; d. traduçãoecomparaçãodevarian- tes sintáticas; e. fixação e reprodução dos compromissos gramaticais,unidos à programação motora (fisiológica) (Leont'ev, 74). Quanto aomodo como o conjunto daatividadee do seu entorno sócio-psicológico influi na forma específicada expressão linguística, ele destaca: Fatoresquedeterminam aintervençãoverbal(isto é, aquilo que [evaà realizaçãode determinado ato verbal): probabilidades", tem a maior probabilidade de êxito) para cumprir seupapelespecíficodentro do conjunto deações em que searticula a atividade. Sob a influência de tais fatores, o sujeito idealizao plano geral do texto, que determina a organização interna deste, antes de passar à sua realização mediante unidades lingüísticas. Já osEstoresque determinam a rea]ização verbal da inten- ção verbal, ou seja, os aspectos especificamente "superficiais", são, segundo Leont'ev: 14 alíngua particular em que serealiza o enunciado, isto é, o sistemalingüístico de uma dada língua; o grau de domínio da língua; o Eator fiincional-estilístico, que determina a escolhados meios lingüísticos mais adequadosdentre todas aspossi- bilidades existentes, de acordo com as condições especíRl- casem que se realiza a comunicação. É responsável,por exemplo, pela seleçãoda forma dialogada ou monoiogada, escrita ou calada, do tipo detextoetc.,assim comodos aspectostradicionalmente considerados 'estilísticos"; o eatoraeetivo,expressivo; asdiferençasindividuais em experiênciaverbal entre Fa- lante e ouvinte, que exigemdeterminadasestratégias por parte do Edantena seleçãodasformas lingüísticas, de acordo com asnecessidades e possibilidadesdo ouvinte; o contexto verbal, no sentido de "contexto lingüístico"; a situação comunicativa. motivação-- geralmentenão há um motivo único, mas um conjunto de motivos, embora seja possível destacar o motivo central ou dominante; situação que inclui um conjunto de influências inter- nas que aeetamum organismo e que, juntamente com a motivaçãoinicial, informam com precisãoesse organis- mo quanto àsescolhasque deve realizar; e também a si- tuaçãoobjetivo (situaçãopropriamentedita) e a infor- mação sobre situações distintas nas quais se realizaram outras atividades; prova de probabilidades, quedetermina quais,entre asdi- versas ações possíveis (integrantes de uma atividade com- pleta), têm mais possibilidadede produzir os frutos dese- jados; tarefa-ação segundo a qual se seleciona a ação que terá mais probabilidade de êxito; consistefundamentalmen- te em nosso próprio conhecimento da estrutura e da fi- nalidadede toda a atividade, isto é, trata-sede projetar uma das ações (aquela que, de acordo com o "cálculo de Em resumo:A linguagemé uma Formade atividadee, assim sendo, deve ser encarada como uma atividade em geral, e, mais especificamente,como uma arividade humana. Como tal,
  • 8. toda atividadeverbalpossui,além da motivação, um conjunto de operações, que sãopróprias do sistemalingüístico e que repre- sentam aarticulação dasaçõesindividuais em que seestrutura a atividade,e um objetivo final que,comoo motivo inicial, tem um caráter basicamente lingüístico. No processode realização da atividade mediante açõesverbais (arosverbais), é preciso distin- guir duas fases:a estruturação da motivação inicial e a realização superâcialdessamotivação. Em ambas,épreciso ter em conta os determinantesnão-lingüísticos, fundamentalmente de caráter psico-social,devendo, inclusive, amanifestaçãosuperficial expli- car-se,em grande parte, por tais Estores. referência à situação texto como reflexo de traçosda si- tuação comunicativa; intencionalidade -- texto como uma forma de realização de mtenções; boa formação -- texto como sucessão linear coerente de unidadeslingüísticas; unidade realizadade acordo com determinados princípios; boa composição -- texto como sucessãode unidades lin- güísticas selecionadas e organizadas segundo um plano de composição; gramaticalidade -- texto como sucessão de unidades lin- güísticas estruturadas segundo regras gramaticais. 16 t7 ALGUMAS PROPOSTAS NO INTERIOR OA LINGÜÍSTICATEXTUAL O estudo do texto em sua totalidade deveconsiderar os oito aspectos,embora o autor tenha dedicado seutrabalho ape- nas aosaspectos6, 7 e 8. Cada um delespode dar origem a uma teoria parcial, de modo que os oito, em conjunto, permi- tiriam o estudo -- necessariamente interdisciplinar -- do texto lingüístico. Os vários aspectossão apresentadosnuma ordem tal que cada um delespressupõeos anteriores,sendo l e 2 pressupostos básicos:existe, em primeiro lugar, a necessidade social, para cuja realizaçãoseelabora um texto, cujo conteúdo sefixa de acordocom a situaçãocomunicativa ea intenção do falante; passo a passo chega-se ao nível superficial do "texto" em forma de elementoslingüísticossucessivos. Parao estudode cada aspecto,é preciso ter em conta os anteriores; assim, por exemplo, uma descrição adequada da gramaticalidade deverá levar em conta a intenção. lsenberg ressaltaa importância do aspecto pragmático como determinante do sintático e do semântico: o plano geraldo texto determina asfunções comunicativas que nele irão aparecerees- 1. Dentro da teoria da atividade verbal, uma das primei- rastentativas de elaboração de um modelo textual 6oidesenvolvi- do por H. lsenberg(1976), quepropôs um método apto para descrevera geração(e também ainterpretação e análise) de um texto, desdeaestrutura pré-lingüística da intenção comunicativa até a manifestaçãosuperficial, incluindo fiindamentalmente as estruturas sintáticas, masque pode serampliado aosníveis infe- riores (morfológico, fonológico etc.). Paraele,o texto pode ser encarado sob oito aspectosdiferentes: legitimidade social -- texto como manifestação de uma ati- vidade social legitimada pelas condições sociais; funcionalidade comunicativa --texto como unidadedeco- municação; semanticidade -- texto em sua função referencial com a realidade;
  • 9. tas, por suavez, determinam asestruturassuperficiais.A relação existente entre os elementos do texto deve-seà intenção do Falan- te, ao seu plano textual prévio, que se manifestapor meio de instruçõesao ouvinte paraque realizeoperaçõescognitivas desti- nadasa compreendero texto em suaintegridade,isto é, o seu conteúdo e o seuplano global; ou seja,o ouvinte não selimita a ;entender" o texto no sentido de captar seu conteúdo referencial, mas aguano sentido de reconstruir os propósitos do falante ao estrutura-lo, isto é, descobrir o "paraquê" do texto. sistema de signos, denotativo, mascomo sistema de atividades ou de operações, cuja estrutura consiste em realizar,com a ajuda de um repertório aberto de vmiáveis (...) e um repertório fechado de regra, determinadas operaçõesordenadas, a Glmde conseguir um determinadoobjetivo, que éinformação, comunicação,estabeleci- mento de contado, automani6estação,expressãoe (per) formação da atividade.Por issoé que propõe, para os "jogos verbais"de Wittgenstein, a denominação "jogos de atuação comunicativa' 4. Wunderlich (1978: 30), por suavez,assinala: "0 obje- tivo da teoria da atividade é extrair os traços comuns dasações, planos de açãoe estágiosdas ações,e pâ-los em relaçãocom traços comuns dos sistemasde normas, conhecimentos e valo- res.A análisedo conceito de atividade (o que é atividade/ação) estáestreitamente ligada à análise do conhecimento social so- bre asaçõesou atividades (o que se considera uma ação?).A teoria daatividade é,portanto, em parte uma disciplina de ori- entaçãodas ciências sociais, em parte, também, filosófica e de metodologia da Ciência. A relaçãocom a lingüística estáem que o fundamento pragmático da teoria da linguagem deveen- laçar-secom a teoria da atividade eque, por sua vez, a análise linguística pode contribuir de alguma forma para o desenvolvi- mento da teoria da atividade: E8 2. 1hmbém os trabalhos de Van Dijk, especialmente os da década de 80, enquadram-se numa teoria acional da linguagem. Em VanDijk (1981:210), por exemplo,lê-se"... o planejamento pragmático de um discurso ou conversaçãorequer a atualização mental de um conceito de ato de Edaglobal. É com respeito a esse macroatode Edaque seconstrói o propósito da interação: que X quer saber ou Emer algo. Se dissermos, de maneira bastante vaga, embora familiar nas ciências sociais, que a ação humana é finalisticamente orientada ("goal directed"), estaremossignifican- do que seqüências de ações(...) são realizadassob o controle eeetivo de uma macro-intençãoou plano, encaixadonuma macro-finali- dade, para um ou mais fitos globais. Enquanto tal macro-propósi- to é a representação das consequências desejadasde uma ação (...), a macro-intenção ou plano é a representação conceitual do estado 6ina], isto é, do resultado da macro-ação. Sem um macro-propósito e uma macro-intenção, seríamos incapazes de decidir qual ato de Edaconcretopoderiapropiciarum estadoapartir do qual o resul- tado pretendido ea meta intencionadapoderiam seralcançados.' 5. Beaugrande& Dressler (1981), por seuturno, aârmam: "A produção e a recepçãode textos funcionam como ações discursivas relevantes para algum plano ou meta". (cf as ações verbais de Leont'ev) . Partindo da definição de Von Wright (1967) : 'açãoé um ato intencional que transforma uma situaçãode uma forma como, de outro modo, não teria ocorrido", descrevem a açãodiscursiva em termos dasmodificações que elaefetua sobre a 3. Schmidt (197 1: 33) escreve,acercada teoria do ato ver- bal: 'IA linguagem... já não é considerada primariamente como
  • 10. situação e sobre os vários estadosdos participantes: estado de conhecimento, social,emocionaletc. Entre todas asmudanças queocorrem por meio de um discurso,o cocode cadaparticipan- te recaisobre aquelesestadosque sãoinstrumentais para osseus planos, com vistasa determinado objetivo. Deste modo, osesta- dos são processados através de sua vinculação a um plano, isto é, pelo encaixamentodasaçõesnuma sequênciaplanejadade esta- dos ("plan attachement"). Seutrabalho, portanto, insere-se também nosquadrosde uma teoria daatividade.Dizem elesquea primeira Eme da pro- dução de textos consiste usualmente no planejamento: o produ- tor tem a intençãode atingir determinadametavia texto, de modo que a produçãodesteé uma submeta no trajeto para o atingimento do objetivo principal. Definindo o discursocomo uma seqüênciade situaçõesou eventos em que vamosparticipantes apresentamtextos como ações discursivas, Beaugrande& Dressler consideram a atividade verbal como uma instânciade planejamentointerativo.Por isso,inclu- em, entre os critérios ou padrõesde textualidade,a inten- cionalidade/aceitabilidade. Segundoeles,a intencionalidade, em sentido estrito e imediato, diz respeito ao propósito dos produto- resde textosde Emercom queo conjunto de ocorrências verbais possa constituir um instrumento textual coesivo e coerente, capaz de realizar suasintenções, isto é,atingir uma meta especificadaem um plano; em sentido amplo, abrangetodasasmaneirascomo os sujeitos usam textos para perseguir e realizar seusobjetivos. A aceitabilidade,por suavez, refere-se à atitude cooperati- va (cf. Grice) dos interlocutores,ao concordaremem "jogar o jogo", de acordo com asregrase encaram, em princípio, a contri- buição do parceiro como coerentee adequadaà realizaçãodos objetivos visados. Paraesses autores,embora a coesãoea coerênciaconstitu- am os padrões mais evidentes de textualidade, não são,por si só, suficientes para estabelecerfronteiras absolutas entre textos e não textos,já que aspessoas muitas vezesutilizam textosque, por várias razões, não se apresentam totalmente coesos e/ou coeren- tes. E isso que osleva a incluir asatitudes dos usuáriosentre os critérios de textualidade: para que uma manifestaçãolingüística constitua um texto, énecessário que haja aintenção do produtor de apresenta-la e a dos parceirosde aceita-lacomo tal -, em uma situação de comunicação determinada. Pode,inclusive, acon- tecer que, em certas circunstâncias, seafrouxe ou elimine deliberadamente a coesãoe/ou coerência semântica do texto com o objetivo de produzir efeitos específicos.,Aliás,nunca é demais lembrar que a coerêncianão constitui uma propriedade ou qua- lidade do texto em si: um texto é coerenteparaalguém,em dada situação de comunicação específica (cf, por ex., Van Dijk, 1983; Koch & Travaglia,1989 e 1990). Estealguém,paraconstruir a coerência, deverá levar em conta não só os elementos lingüísticos que compõem o texto, mastambém seuconhecimento enciclo- pédico, conhecimentos e imagens mútuas, crenças,convicções, atitudes, pressuposições,intenções explícitas ou veladas,situa- çãocomunicativa imediata, contexto sociocultural e assimpor diante. 20 21 6. Motsch& Pasch(1987)concebem o tcxto comouma seqüênciahierarquicamente organizada de atividades realizadas pelos interlocutores. Segundo eles,componentes da atividade lin- güística (AL) reúnem-se na seguinte formula: a] = (e, int., cond., cons.)
  • 11. em que e representa a enunciação, int., a intenção do anunciador de atingir determinado objetivo, cond., as condições necessárias para que esseobjetivo seja alcançado, e cons., asconseqüências decorrentes do atingimento do objetivo. De acordocom essa formula, aenunciação (e) é movida por uma intenção (int.) do enunciadorde atingir determinado objetivo ilocucional em relaçãoaoenunciatário. Paraatingir um objetivo fundamental (OBf), o enunciador precisa atingir um outro(OBf- 1),anterior esubordinado àquele:queo enunciatário aceite, isto é, estejadisposto a mostrar a reaçãopretendida pelo enunciadorou, ainda, que o enunciatárioqueira que o enunciador atinja o OBf. E, finalmente, para que a aceitação ocorra, um outro objetivo (OBf-2), anterior e subordinadoa OBf-l, precisa ser alcançado: que o enunciatário reconheça a intenção do enunciador, ou seja,compreenda qual éo objetivo que estepersegue,o que dependeda formulação adequadada enunciação. Em outras palavras, de acordocom Motsch e Pasch,para alcançar o objetivo ilocucionário fundamental, exige-se que o enunciador assegureao enunciatário ascondições para que este reconheça sua intenção (compreendendo a formulação da enunciação) eaceite realizar o objetivo aque elevisa. Deste modo, o enunciadorrealizao objetivo a que elevisa.Destemodo, o enunciador realiza atividadeslinguístico-cogn itivas para garantir a compreensão e estimular,facilitar ou causara aceitação. Da parte do enunciatário, para que aatividade i]ocuciona] sejabem sucedida, faz-se necessárioque ele compreenda o objetivo do enunciador, aceite esseobjetivo e mostre a reaçãodesejada.Os autores,relacionando osobjetivos parciais OBf-2 eOBf- l com asatividades de composição textual (como fundamentar, justifi- car, explicar, completar, repetir, parafrasear,corrigir, resumir, enfatizar), distinguem duas categorias:a) asque visam a que o enunciatário compreendaa enunciação (OBf-2); b) asque pre- tendem leva-lo a aceitar realizar o objetivo fundamental do enunciador (OBf-l). Hilgert (1990: 9), comentando a proposta desses autores, relativamente àsatividadesde composição do texto Enfado(ou de formulação "lato sensu"), afirma que estasdevemservistascomo procedimentos de solução de problemas: "se, em sentido lato, admitir-se queasatividadesdeformulação sãoiniciativas de cons- trução ]ingüístico-comunicativa de um enunciador, para forne- cer uma "proposta de compreensão" ao enunciatário, em interação com o qual o processo comunicacional se realiza; e se, com Rath (1985: 21), seconsiderar que "na língua fadada,um texto consiste, ao menos em parte, na própria produção do texto (...)", onde 6enâ- menos especíâcos como interrupções, reinícios, correções, paráfra- ses,repetições eoutros o apresentam em constante status nascendo; então se pode admitir que as atividades de formulação são desencadeadas por problemas reaisou virtuais de compreen- são, detectados por ocasiãodo processamentotextual. Em outras palavras, atividades de formulação são aqueles procedimentos aque recorremosinterlocutores para resolver,contornar, ultrapassar ou aemtardificuldades, obstáculos ou barreiras de compreensão. O estudo dasatividadesde composição ou construçãotex- tual temsido objetode uma sériede pesquisas, entre asquaisas deKoch & Souzae Silva (1991, 1992, 1993); nasquaissepro- põe uma revisãode alguns posicionamentos de Motsch e Pasche seapresentauma proposta de classificaçãodasatividades de cons- trução do texto calado. 22 23 De todo oexposto,pode-seconcluir que,vistasobessa pers pectiva, a atividade de produção textual pressupõeum sujeito -
  • 12. entidadepsico-físico-social que, em sua relaçãocom outro(s) sujeito(s), constrói o objeto-texto, levando em consideração em seuplanejamento todos osEstores acima mencionados, combinan- do-osde acordocom suasnecessidades eseus objetivos. O(s) outro(s) sujeito(s) implicado(s) nessaatividade -- e no próprio discurso do parceiro, já que a alteridade éconstitutiva da linguagem pode(m) ou não atribuir sentido ao texto, aceita-locomo coesoe/ou coeren- te, considera-lo relevante para a situação de interlocução e/ou ca- paz de produzir nela alguma transformação. Na atividade de produção textual, social/individual, alteridade/subjetividade, cognitivo/discursivo coexistem e con- dicionam-se mutuamente, sendo responsáveis,em seuconjunto, pela açãodos sujeitos empenhados nos jogos de atuação comuni- cativa ou sócio-mterativa. OTEXTO:CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS O QUE É UM TEXTO É sabido que, conforme a perspectiva teórica que seadoce, o mesmoobjeto podeserconcebido de maneirasdiversas.O con- ceito de texto não foge à regra. E mais: nos quadros mesmosda Linguística Textual, que tem no texto seu objeto precípuo de estudo, o conceito de texto varia conforme o autor e/ou a orienta- ção teórica adotada. Assim,pode-severificar que, desdeasorigensda Lingüís- tica do Texto até nossosdias, o texto foi visto de diferentesfor- mas. Em um primeiro momento, eoi concebido como: 24 25 a. b c. d e. unidade lingüística (do sistema) superior à frase; sucessãoou combinação de frases; cadeia de pronominalizações ininterruptas; cadeia de isotopias; complexo de proposições semânticas. Já no interior de orientaçõesde naturezapragmática,o texto passou a ser encarado: a. pelasteorias acionais, como uma seqüência de aros de Eda; b. pelasvertentes cognitivistas, como 6enâmenoprimariamen- te psíquico, resultado, portanto, de processosmentais;e
  • 13. c. pelasorientaçõesque adoram por pressupostoa teoria da atividade verbal, como parte de atividades mais globais de comunicação, que vãomuito alémdo texto em si,já que este constitui apenas uma Fase desseprocesso global. Poder-se-ia,assim, conceituar o texto como uma manifes- tação verbal constituída de elementos linguísticos selecionadose ordenados pelosco-anunciadores,durante a atividadeverbal, de modo a permitir-lhes, na interação, não apenasadepreensãode conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processose estratégias de ordem cognitiva, como também a interação(ou atuação) de acordo com práticas socioculturais (cf. Koch,1 992). É estatambéma posiçãode Schmidt (1978:170),para quem o texto é "qualquer expressãode um conjunto linguístico numaatividadede comunicação no âmbito de um 'jogo de atuação comunicativa' tematicamente orientado e preenchen- do uma fiinção comunicativa reconhecível, ou seja, realizando um potencial ilocucionário reconhecível: Em Marcuschi(1 983: 12-13), encontramosaseguinte"de- finição provisória" de Linguística Textual e de seuobjeto, que também parece ajustar-se bem a essalinha de pensamento: "Proponho que seveja a Lingüística do Texto, mesmo que provisória egenericamente,como o as/wdo óZnOPrrnfões #nKüáz/- cas e cognitivas reguladoras e controhdoras da produ çao, consta ção, funcionamento e recepçãode textos escritos ou orais. Seu tema abrange a coesãosupe?#c/a/ ao nível dos constitu- intes linguísticos, a coeré/zci co ce/f a/ ao nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações a nível prag- mático daproduçãodo sentido no plano dasaçõese intenções. Em suma,a Lingüística Textual trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de açõeshuma- nas.Por um lado devepreservara o/gan/zzç.2o #ne.zrque éo tra- tamento estritamente lingüístico abordado no aspectoda coesão e, por outro, deveconsiderar a erga í çúorfücz/ázzZz ou tentacular, não linear portanto, dos níveis de sentido e intençõesque reali- zam a coerênciano aspectosemântico efunções pragmáticas. DestaForma,o texto deixade serentendidocomo uma estrutura acabada (produto), passando a ser abordado no seu próprio processo de planejamento, verbalização e construção. Combinando essesúltimos pontos de vista, o texto pode ser concebido como resultado parcialde nossaatividade comunicativa, que compreendeprocessos, operaçõeseestratégiasque têm lugar na mente humana, eque são postos em ação em situaçõesconcretas de inreração social. Depende-se, portanto, a posição de que: 26 27 a. aprodução textual éuma atividade verbal, aserviçode Gins sociaise, portanto, inserida em contextos mais complexos de atividades (cf. capítulo anterior) ; b. trata-se de uma atividade consciente,criativa, que com- preende o desenvolvimento de estratégias concreta de ação e a escolha de meios adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-sede uma atividade intencional que o Edante, deconformidadecom ascondiçõessobasquais o texto é produzido, empreende,tentando dar aentender seuspro- pósitos ao destinatário atravésda manifestação verbal; c. é uma atividade interacional, visto que osinteractantes,de maneiras diversas, seacham envolvidos na atividade de pro- dução textual. Dessaperspectiva,então, podemos dizer, numa primeira aproximação, que textos são resultados da atividade verbal de in- divíduos socialmente atuantes, na qual estescoordenam suasações no intuito de alcançarum fim social,de conformidadecom as condiçõessob asquais aatividade verbal serealiza.
  • 14. A ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO TEXTUAL a. segmentos textuais de extensõesvariadas; b. segmentostextuais e conhecimentos prévios; c. segmentostextuais e conhecimentos e/ou práticas socioculturalmente partilhados. A informação semânticacontida no texto distribui-se, como sesabe,em (pelo menos) dois grandesblocos: o üzü e o /copo, cuja disposição edosageminterferem na construção do sentido. A informação dada -- aquelaque seencontra no horizonte de consciênciados interlocutores (cf. Chúe, 1987) -- tem por fiinção estabeleceros pontos de ancoragempara o aporte da in- formação nova. A retomada deinformação já dadano texto seempor meio de remissão ou referência textual (cf Koch, 1989), formando-se destarte no texto ascoze/ai cães/z"zi, que têm papel importante na organizaçãotextual, contribuindo para a produção do sentido pretendido pelo produtor do texto. A remissão seEaz,freqüentemente, não a referentes textual- mente expressos,mas a "conteúdos de consciência", isto é, a refe- rentesestocadosna memória dos interlocutores, que, a partir de 'pistas" encontradas na superfície textual, são (re)avivados, via inferenciação. É o que se denomina am#@oxaiem.infira ou an#@orn /'rc?@nzZz, que seráretomada no Capítulo 4. As inferências cons- tituem estratégiascognitivas extremamente poderosas,que per- mitem estabelecer a ponte entre o materiallingüístico presente na superRcie textual e os conhecimentos prévios e/ou comparti- lhados dos parceirosda comunicação. Isto é, é em grande parte atravésdas inferências que sepode (re)construir ossentidos que o texto implícita. Com ancoragemna informação dada, opera-sea progres- sãotextual, mediante aintrodução de informação nova, estabele- cendo-se, assim, relaçõesde sentido entre: Quer para a remissão, quer para a progressão textual, cada língua põe à disposição dos falantes uma sériede recursosexpres- sivos,comumente englobadossob o rótulo de rojão fex/z/.z/ (cf. Koch, 1989). As relações entre segmentos textuais estabelecem-se em vários níveis: 28 1. No interior do enunciado, através da articulação tema-rema. A informação temática é normalmente dada, enquanto a remática constitui, em geral, informação nova. O uso de um ou outro tipo de articulação tema--rema (progressão com tema constante, progressão linear, progressão com tema derivado, progressãoe subdivisão do rema etc.) tem aver com o tipo de texto, com a modalidade (oral ou escrita), com ospropósitos e atitudes do produtor. 2. Entre oraçõesde um mesmo período ou entre períodos no interior de um parágrafo (encadeamento), por meio dos conectoresinteúrásticos, aqui consideradostanto aquelesque estabelecem relações de tipo lógico-semântico, como aque- les responsáveis pelo estabelecimento de relaçõesdiscursivas ou argumentativas (cf Koch, 1984, 1987 e 1989a). 3. Entre parágrafos,seqüênciasou partes inteiras do texto, por meiodos "articuladorestextuais" ou também por mera Justaposição. Relaçõesentre informação textualmente expressa econhe- cimentos préviose/ou partilhados podem serestabelecidas por recursoà intertextualidade, à situaçãocomunicativae a todo o contexto sociocultural.
  • 15. QUAL E, AFINAL, A PROPRIEDADE DEFINIDORA DO TEXTO? AriViDADES E ESTRATEGiAS DE PROCESSAMENTO TEXTUAL Um texto seconstitui enquantotal no momento em que os parceirosde uma atividade comunicativa global, diante de uma ma- nifestaçãolinguística, pela atuaçãoconjunta de uma complexa rede de fàtoresde ordem situacional, cognitiva, sociocultural einteracional, sãocapazesde construir, paraela, determinado sentido. Portanto, à concepçãode texto aqui apresentadasubjaz o postulado básico de que o sentido não está no texto, massecons- trói a partir dele, no curso de uma interação. Parailustrar essa afirmação, tem-se recorrido com frequência àmetáfora do /rede/g como este, todo texto possui apenas uma pequena superfície ex- posta e uma imensa área imersa subjacente. Para se chegar às profundezasdo implícito edele extrair um sentido, faz-seneces- sário o recurso aos vários sistemas de conhecimento e a ativação de processose estratégiascognitivas einteracionais. Uma vezconstruído um -- enão o sentido, adequado ao contexto, àsimagens recíporocasdos parceirosda comunicação, ao tipo de atividade em curso, a manifestaçãoverbal seráconsi- derada coerente pelos interactantes (cf. Koch & Travaglia, 1989). E é a coerência assim estabelecidaque, em uma situação concreta de atividade verbal ou, seassim quisermos, em um "jogo de linguagem" -- vai levar osparceirosda comunicação a identificar um texto comotexto. Dentro da concepção de língua(gem) como atividade interindividual, o processamentotextual, quer em termosde pro- dução,quer de compreensão, deveservisto tambémcomo uma atividade tanto de caráterlingüístico, como de carátersócio- cognitivo. Ainda dentro dessa concepção,o texto éconsideradocomo manifestação verbal, constituída de elementos lingüísticos de diversasordens, selecionadose dispostosde acordo com as virtualidadesque cadalíngua põe à disposiçãodos falantesno curso de uma atividade verbal, de modo afacultar aosinteractantes não apenasa produção de sentidos, como a fiindear a própria interação como prática sociocultural. Nessaatividade de produção textual, os parceiros mobili- zam diversos sistemas de conhecimentos que têm representados na mem(ária, a par de um conjunto de estratégias de proces- samento de caráter sociocognitivo e textual. O objetivo deste capítulo é discutir algumas das questões ligadas ao processamento sociocognitivo de textos. 30 3 1
  • 16. SISTEMAS DE CONHECIMENTO ACESSADOSPOR OCASIÃO DO PROCESSAMENTO TEXTUAL interação, pretende atingir. Trata-se de conhecimentos sobre dpof zú' oOeüz,Of áoz/ ífpai zú'azmz&#aü0,que costumam serverbalizadospor meio de enunciaçõescaracterísticas,embora sejatambém 6eqüente sua realizaçãopor viasindiretas, o que exigedos interlocutoreso conhecimento necessário paraa captaçãodo objetivo ilocucional. O conhecimentocomunicacionalé aqueleque diz res- peitos por exemplo, a normas comunicativas gerais,como as máximas descritaspor Grice (1969); à quantidade de informa- ção necessárianuma situação concreta para que o parceiro seja capazde reconstruir o objetivo do produtor do texto; à seleção da variante lingüística adequada a cadasituação de inreração e àadequaçãodos tipos de texto àssituaçõescomunicativas.É o que Van Dijk (1994) chama de modeZoi coK z/f/z,os de con/ex/o. O conhecimento metacomunicativo permite ao produtor do texto evitar perturbações previsíveis na comunicação ou sanar Óon-ane oz/'zPoi/erfor0 conflitos e6etivamenteocorridos por meio da introdução no texto, de sinais de articulação ou apoios textuais, e pela realização de atividades específicas de formulação ou cons- trução textual. Trata-sedo conhecimento sobreosváriostipos de açõeslingüísticasquepermitem, decertaforma, aolocutor asse- gurar a compreensãodo texto e conseguir a aceitação,pelo par- ceiro, dos objetivos com que é produzido, monitorando com elas o fluxo verbal (cf Motsch & Pasch, 1985). O conhecimento superestrutura, isto é, sobreestruturasou modelos textuais globais, permite reconhecer textos como exem- plaresde determinado gênero ou tipo; envolve, também, conheci- mentos sobre as macrocategorias ou unidades globais que distinguem os vários tipos de textos, sobre a sua ordenaçãoou seqüenciação, bem como sobre a conexão entre objetivos, bases proposicionaise estruturas textuais globais. Parao processamento textual contribuem três grandes sis- temasde conhecimento: o lingüístico,o enciclopédico e o interacional (cf Heinemann & Viehweger, 1991). O conhecimento lingüístico compreendeo conhecimento gramatical e o lexical, sendo o responsávelpela articulação som- sentido. É ele o responsável,por exemplo, pela organização do material lingüístico na superfícietextual, pelo uso dos meios coesivos que a língua nos põe à disposição para eeetuar a remissão ou a seqüenciação textual, pela seleçãolexical adequada ao tema e/ou aos modelos cognitivos avivados. O conhecimento enciclopédicoou conhecimento de mun- do é aquele que se encontra armazenadona memória de cada indivíduo, quersetratedeconhecimentodo tipo declarativo(pro- posições a respeito dos fatos do mundo), quer do tipo episódico (os"modelos cognitivos" socioculturalmente determinados ead- quiridosatravésda experiência). É com baseem tais modelos, por exemplo, que selevantam hipóteses,a partir de uma man- chete;que secriam expectativassobreo(s) campo (s)lexical (ais) a ser(em) explorado(s)no texto; que seproduzem asinferências que permitem suprir aslacunasou incompletudesencontradas na superfície textual. O conhecimento sócio-interacional é o conhecimento so- bre as ações verbais, isto é, sobre as formas de / Ir -grão através da linguagem. Engloba os conhecimentosdo tipo ilocucional, comunicacional, metacomunicativo e superestrutural. E o conhecimento ilocucional que permite reconhecer os objetivos ou propósitosque um falante, em dada situaçãode 32 33
  • 17. Heinemann & Viehweger (1991) salientam que, a cada um desses sistemasde conhecimento, corresponde um conheci- mento específicosobrecomo coloca-loem prática,ou seja,um conhecimento de tipo procedural, isto é, dos procedimentos ou rotinas por meio dos quais esses sistemasde conhecimento se atualizam quando do processamento textual. Este conhecimento funciona como uma espécie de"sistemadecontrole" dosdemais sistemas, no sentido de adapta-los ou adequa-los àsnecessidades dos interlocutores no momento da interação. TH conhecimento engloba, também, o sabersobreasprá- ticas peculiaresao meio socioculturalem que vivem os interactantes, bem como o domínio dasestratégiasde interação, como preservação das faces, representação positiva do "self", po- lidez, negociação,atribuição de causasa mal-entendidos ou fra- cassosna comunicação,entre outras. Concretiza-seatravésde estratégias de processamento textual. estruturae-o significadode um fragmento de texto ou de um texto inteiro. Elas fazem parte do nosso conhecimento geral, re- presentandoo conhecimento procedural que possuímossobre compreensão de discurso. Falarem processamento estratégicosig- nifica dizer que os usuáriosda língua realizam simultaneamente em vários níveis passosinterpretativos finalisticamente orienta- dos,-e6etivos,eficientes, flexíveis, tentativos e extremamente rápi- dos; fazem pequenos cortes no material "entrante" (;ncom//lg), podendo utilizar somenteinformação ainda incompleta parache- gar a uma (hipótesede) interpretação. Em outras palavras,a in- formação é processada o/z-ane. Assim, a análise estratégica depende não só de característi- castextuais, como também de característicasdos usuários da lín- gua, tais como seusobjedvos, convicções e conhecimento de mundo, quer setrate de conhecimento de tipo episódico, quer do conheci- mento maisgeral eabstrato, representadona memória semântica ou enciclopédica. Desta forma, asestratégiascognitivas consistem em es/xafí#ün z&z/iodo conhecimento. E esse uso, em cadasitua- ção,depende dos objetivos do usuário, da quantidade de conheci- mento disponível a partir do texto e do contexto, bem como de suascrenças,opiniões e atitudes, o que torna possível,no momen- to da compreensão, reconstruir não somente o sentido intenciona- do pelo produtor do texto, mastambémoutrossentidos,não previstosou mesmonão desejados pelo produtor. Van Dijk & Kintsch citam, entreasestratégias deproces- samento cognitivo, as estratégias proposicionais, as de coerência local, as macroestratégias, as estratégias esquemáticas, as estilís- ticas, as retóricas, as não-verbais e as conversacionais. Não cabe aqui aprofundar essas questões,para o que remetoao trabalho desses autores. 34 35 ESTRATÉGIAS DE PROCESSAMENTO TEXTUAL As estratégiasde processamentotextual implicam, portan- to, a mobilização "on-lhe" dos diversossistemasde conhecimen- to..Paraefeito de exposição, vou divida-las em cognitivas, textuais esociointeracionais. Estratégias cognitivas Na acepçãode Van Dijk & Kintsch (1983: 65), o processamento cognitivo de um texto consistede diferenteses- tratégias processuais, entendendo-se estratégia como "uma ins- trução global para cada escolhaa serfeita no curso da ação". THs estratégiasconsistem em hipótesesoperacionaiseficazessobre a
  • 18. Pode-sedizer, portanto, que asestratégiascognitivas, em sentido restrito, sãoaquelasque consistemna execuçãode al- gum "cálculo mental" por parte dos interlocutores. Exemplo prototípico são asinferências, que, como já 6oi dito, permitem gerar informação semântica nova a partir daquela dada, em cer- to contexto. Sendo a informação dos diversos níveis apenasem p'rte explicitadano texto, ficandoa maior parte implícita, as inferências constituem estratégiascognitivas por meio dasquais o ouvinte ou leitor, partindo da informação veiculada pelo tex- to e levando em conta o contexto (em sentido amplo), constrói novas representaçõesmentais e/ou estabeleceuma ponte entre segmentostextuais, ou entre informação explícita einformação não explicitada no texto. As inferências são estratégias cognitivas comuns à modali- dade escrita e falada. Existem, contudo, estratégias específicasda fala, como aquelasque venho denominando "estratégiasde desaceleração" (cf Koch & Souza e Silva, 1994), algumas das quais,como, por exemplo,aspausasde planejamento,têm por função ganhar tempo para o processamentopor ocasião da pro- dução textual. As estratégiasde ordem cognitiva têm, assim,a função de permitir ou facilitar o processamentotextual, quer em termosde produção, quer em termos de compreensão.As estratégias mteracionals, por su' vez,visam afazer com que osjogos de lin- guagem transcorram sem problemas, evitando o fracassoda mteração. mo uma interação verbal. Entre elas, podem-se mencionar, além daquelas Klativas à realização dos diversos tipos de fitos de eHa,as estratégias de preservação das faces ("facework") e/ou de repre- sentaçãopositiva do "self", que envolvem o uso das#ormmZr .zfe/zw.z(üo, asestratégiasde polidez, de negociação, de atribuição de causas aos mal-entendidos, entre outras. A efn.z/lkfa Ze p eserz,.zçãozZ #aref manifesta-se linguis- ticamente atravésde aros preparatórios, eufemismos,rodeios, mudanças de tópico e dos marcadores de atenuação em geral. O gaz/ Zr po#ó2kz é socialmente determinado, em geral com base nos papéis sociaisdesempenhadospelos participantes, na neces- sidade de resguardara própria face ou a do parceiro, ou,.ainda, condicionado por normas culturais. Conflitos, mal-entendidos, situações que desencadeiam incompreensãomútua sãoinevitáveisno intercâmbio linguístico. Pararestabelecera "commonality", Eaz-se preciso, então, que as dificuldades sejamdevidamente identificadas e.zfr/óz/ií2úzi a.poli/- z,eü c'zz/i,zf subjacentes ao conflito. Como conseqüência da atri- buição (adequada ou inadequada) de causas às dificuldades, os contratos subjacentes necessitam ser, muitas vezes,modificados, ou então, novos contratos devem serestabelecidos para prevenir fiituros problemas do mesmo tipo. .Além disso, toda interação envolve a neKac/açúo de uma denlnição da própria situação e das normas que a governam. Na verdade, todos os aspectosda situa- ção relativos aos participantes estão sujeitos à negociação. Isso vai resu[tar numa construção social da realidade, já que, sendo a rea- lidade social e constituída no processo contínuo de interpretação e interação, os seusvários aspectospodem ser considerados e (re)negociados de forma explícitaou implícita. Portanto, asestratégiasinteracionais visam a levar a bom termo um "jogo de linguagem".As estratégias textuais,por seu 36 37 Estratégias sócio-interacionais Estratégias interacionaissão estratégias socioculturalmente determinadasquevisam aestabelecer,manter e levara bom ter-
  • 19. turno -- que, obviamente não deixam de ser também interacionais ecognitivas em sentido lato --, dizem respeito àsescolhastextu- aisque osinterlocutores realizam, desempenhando diferentes fun- çõese tendo em vista a produção de determinados sentidos. que sepode Edarde segmentação(cf cap. 3 da Parte11).Nestes, a integração sintática reduzida ou mesmo inexistente resulta da possibilidade que tem o Edantede introduzir de imediatoum elemento temático ou remático, semque arelaçãosintática com o(s) subseqüente(s)já esteja plenamente planejada (Koch, 1995). Além do aspecto do planejamento,outros parâmetrosdainteração 'face-a-facedesempenham aqui papel relevante:arápida alternância dos turnos, a expressividade,a inserção na situação comunicativa, entre outros. Estratégias textuais 1. De organização da informação. 2. De formulação. 3. De reGerenciação. 4. De "balanceamento" ("calibragem") entre explícito e implí- cito. 38 2. Estratégiasde formulação -- têm funçõesde ordem cognitiva-interacional.Entre tais estratégias, podem citar-seos vários tipos de /nierf.2a e de rl:Éormz/ázçáo(cf.cap. 2 da Parte ll). As inserçõestêm, em geral, afiinção de facilitar acompre- ensãodos interlocutores, criando coordenadaspara o estabeleci- mento de uma estruturareferencial,de modo que o material inserido não é supérfluo, isto é, não é eliminável semprejuízo para a compreensão. Por meio da inserção, introduzem-se expli- caçõesou justiâcativas, apresentam-se ilustrações ou exemplifi- cações,Errem-secomentários metaeormulativos que têm, muitas vezes,a função de melhor organizar o mundo textual. A inserção pode ter, também, a fiinção de despertar ou manter o interesse dos parceiros,como no casoda introdução de questões retóricas(re- curso persuasivo)e/ou criar uma atmosfera de intimidade ou cum- plicidade,como aconteceno casoda introdução de comentários jocosos ou alusivos aconvicções, crença eopiniões partilhada pelos interlocutores. Pode,ainda, servir de suporte a uma argumentação em curso e/ou expressar a atitude do locutor perante o dito, intro- duzindo, por exemplo, atenuações,ressalvas,avaliações. Quanto às estratégias de reformulação, postulamos que podem serretóricas ou saneadoras. A reformulação retórica rea- 39 1. Estratégias de organização da informação -- dizem res peito à distribuição do materiallingüístico nasuperfícietextual dado/novo Conforme já 6oi ressalvadono Capítulo 2, a estrutura inÊormaciona] de um texto exigeapresença de elementos dados e elementos novos. É com base na informação dada, responsável pela locaçãodo que vai serdito no espaçocognitivo do enter- locutor, queseintroduz a informaçãonova,que tem por função introduzir nele novas predicações a respeito de determinados re- ferentes,com o objetivo de ampliar e/ou reformular osconheci- mentos já estocadosa respeito deles. estratégiasdearticulação tema-rema Em termos da articulação tema-rema, particularmente na linguagem falada, tem-se uma série de padrões expressivosem
  • 20. liza-se, basicamente, através de repetições e parlraseamentos, cuja função precípua é a de reforçar a argumentação, sendo, nesse caso,comum àsmodalidadesescrita e oral. Pode [er, também, a fiinção de facilitar a compreensão através da desaceleraçãodo rit- mo da fala, dandoao(s)parceiro(s)tempo maior parao processamentodo que estásendodito (cf Capítulo 4 da Parte ll). A reformulação saneadora,por suavez, pode ocorrer sob forma de correçõesou reparos,e também de repetições e paráfra- ses,todas elas com função de solucionar imediatamente apósa verbalizaçãode um segmento,dificuldades nele detectadaspelo próprio falante ou pelosparceiros,podendo, assim,serauto - ou heterocondicionada. [os que Errem parte de um mesmo "fume" ou "script", a partir de um ou vários de seus elementos explícitos na superfície textual. Eis alguns exemplos: (1) (2) (3) .l#2oifinas e delicadasteciam asmais graciosasrendas,en- quanto aZ»oi e üó/oí pareciam sorrir suavemente. Jorge 6oi atacado pelo enorme cão policial. Elessão realmente animais muito perigosos Ao ser abordada pelo assaltante, a bolsa da jovem abriu-se, e seuspertences espalharam-se pela calçada. O /e/zfo,o vaza/z,a pente rolaram para o meio da rua. 40 41 3. Estratégias de referenciação -- a reativação de referentes no texto érealizada através de estratégias de reEerenciaçãoanaforica (Koch, ] 987 e 1989 e outros), formando-se, desta maneira, ca- deiascoesivasmais ou menos longas. Aquelas que retomam refe- rentes principais ou temáticos (por exemplo, protagonista e antagonista, na narrativa; serque é objeto de uma descrição; tema de uma discussão, em textosopinativos)percorrem em geral o texto inteiro. Como serádetalhado no Capítulo 4, essetipo de remissão pode sere6etuado por meio de recursosde ordem "gramatical" ou por intermédio de recursos de naturezalexical,como sinóni- mos, hiperânimos, nomesgenéricos,descriçõesdefinidas; ou, ainda, por reiteração de um mesmo grupo nominal ou parte dele; e, 6lnalmente, por meio da elipse. Por vezes, a (re)ativação de referentes, a partir de "pistas expressasno texto, se dá via ineerenciação. Pode-se inferir, por junto a partir de um ou maissubconjuntos; enfim, conhecimen- Há, também, a remissãopara a frente catáeora-- que se realizapreferencialmenteatravésde pronomes demonstrativosou indefinidos neutros(isto, isso,aquilo, tudo, nada)ou de nomes genéricos, mastambém por meio dasdemaisespécies de prono' mes,de numerais ede advérbios propominais. (4) O incêndio havia destruído fzído:casas,móveis, plantações Uma dasformas de avivar ou reativar referentessãoexpres- sõesnominais deânidas, ou seja, asdescrições deânidas do refe- rente.Ora, o usode uma expressão definida implica semprena escolhadentre aspropriedades ou qualidadesque caracterizamo referente, escolha, escolha estaque será deita de acordo com aque- las propriedades ou qualidades que, em dadassituaçõesde interação,em fiinção dos propósitos a serematingidos, o produ- tor do texto tem interesse em ressaltar, ou mesmotornar conhe- cidas de seu(s) interlocutor(es). Veja-se,por exemplo, a diferença entre (14) e (15):
  • 21. (14) Collor preocupa-se emmanteraforma. Ocres/Zr /f exercita- se todos os dias. (15) Collor preocup'-se em manter a forma. O mosto /nZzan.zlamrr exercita-se todos os dias. A necessidadede recorrer aossistemas de conhecimento e às estratégias aqui parcialmente descritas, por ocasião do processamentotextual, permite constatar a grande complexida- de do processode construção de um texto ea gamade atividades de ordem sociocognitivaque serealizamcom vistasà produção de sentidos. Como se vê, a escolha das descrições deânidas pode trazer ao interlocutor informações importantes sobreasopiniões, cren- çase atitudesdo produtor do texto, auxiliando-o naconstrução do sentido. Por outro lado, o locutor pode também, através do uso de uma descriçãodeGlnida,dar a conhecerao interlocutor dados que acredita desconhecidos deste, relativamente ao refe- rente textual, com os maisvariadospropósitos; ou ainda categorizar, classificar, resumir a informação previamente apre- sentada de uma certa maneira: a hipótese, a cena, a tragédia etc. 42 43 4. Estratégia de "balanceamento" do explícito/implícito --relaçõesentre informação textualmente expressa econhecimen- tos prévios, pressupostoscomo partilhados, podem também ser decidas por meio de estratégiasde "sinalização" textual, por meio dasquaiso interlocutor, por ocasião do processamento tex- tual, é levado arecorrer ao contexto sociocognitivo(situação co- municativa, "scripts" sociais, conhecimentos intertextuais, e assim por diante). Visto que não podem existir textos totalmente explícitos, o produtor deum texto precisaprocederao"baJanceamento" do que necessita serexplicitado textualmente edo que pode perma- necer implícito, por ser recuperável via inHerenciação a partir das marcasou pistasque o locutor coloca no texto ou do que é supos- to por este como conhecimento partilhado com o interlocutor (éf: Nystrand& Wiemelt, 1991;Marcuschi,1994).Na verda- de, é esteo grande segredodo locutor competente.
  • 22. ACONSTRUÇÃO DOSSENTIDOS NOTEXTO:COESÀOECOERÊNCIA Em muitos anosde reflexõessobreos fenómenostextuais da coesãoe da coerência, tenho-me perguntado com freqüência sobreasfronteiras entre ambos.Soude opinião que setrata de Genâmenos distintos, conforme defendi em diversostrabalhos sobre a questão (Koch, 1984,1985, 1989a, 1989b, 1990, en- tre outros), em concordânciacom a maioria dos autoresque trabalham atualmente nesse campo (Beaugrande & Dressler, Charolles,Heinemann & Viehweger,Van Dijk, para citar ape- nas alguns). É preciso considerar, contudo, que existem zonas mais ou menos amplas de imbricação entre eles, nas quais setorna extremamente difícil ou mesmo impossível estabeleceruma se- paração nítida entre um e outro fenómeno. Pretendo, portanto, aprofundar um pouco mais essare- flexão. 45 A COESÃO TEXTUAL Podemosconceituar a coesãocomo o fenómeno quediz respeito ao modo como os elementos linguísticos presentesna superfícietextual seencontram interligados entre si, por meio de recursos também lingüísticos, formando seqüências veicu- ladoras de sentidos.
  • 23. .. Segundo Marcuschi(1 983), os estores de coesão são aque- lesquedão contadaseqüenciação superficial do texto, isto é,os mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer, entre oselementoslingüísticosdo texto, relações de sentido. Tenho consideradoem meus trabalhos duasgrandes mo- dalidadesde coesão: a remissão e a seqüenciação. Gostariade proceder, aqui, a uma revisãodessaclassificação' A coesão por remissão pode, no meu entender, desempe- nhar quer afiinção de (re)ativação dereferentes, quer ade 'sina- lização"textual. A reativação de referentes no texto é realizada por meio da re6erenciação anaforica ou cataforica, formando-se, destemodo cadeias coesivas mais ou menos longas. Aquelas que retomam referentes principais ou temáticos (por exemplo, protagonista e antagonista, na narrativa; serque é objeto de uma descrição; tem, de umadiscussão, em textosopinativos)percorrem em geral o texto inteiro. ' EssetiPO de remissão pode sere6etuado,como âoi mencio- nado no capítulo anterior,por meio de recursosdeordem "gra- matical" -- pronomes pessoaisde terceira pessoa(retos e oblíquos) . os,demonstrativos, indeânidos. e os demais pronomes (possessi ---' interrogativos, relativos), os diversos tipos de numerais, advérbios pronominais (como agzz/,aZ ZÉ.z110 e artigosdefinidos; ou por Intermédio de recursos de natureza lexical, como sinónimos. hlperânimos, nomes genéricos,descriçõesdeânidas;"ou, a nda, por reiteração de um mesmo grupo nominal ou parte dele; e, finalmente, por meio da elipse. Observem-se os exemplos: (1) A jovem acordou sobressaltada.Z& não conseguia lembrar-se do que haviaacontecidoe como coraparar ali (2) (3) (4) Márcia olhou em torno de si. Sfz/i pais e irai irmãos observa- vam-na com carinho. Acorreram ao local muitos curiosos..4/gw/zitrepavamnasár- vores para enxergar melhor. O concurso selecionará os melhores candidatos. O pr/me/ra deverá desempenhar o pape] principal na nova peça. O juiz olhou parao auditório. -4/í estavam osparentes eami- gosdo réu, aguardandoansiososo veredito final. Um policial que seguravauma arma aproximou-se do desco- nhecido.O estranho,aover opa#clall lançou-se a sf#i pés. (5) (Q 46 47 Muitas vezes, a (re)ativaçãode referentes, a partir de "pis- tas" expressas no texto, se dá via ineerenciação. Pode-se inferir, por exemplo,o todo a partir de uma ou de algumaspartes;um conjunto a partir de um ou mais subconjuntos, o gênero ou es- pécieapartir deum indivíduo; enâm, conhecimentos queamem partedeum mesmo"fume" ou "script", a partir deum ou vários de seus elementos explícitos naxsuperfície textual ou vice-versa. Eis alguns exemplos: (7) (8) (9) O aposento estava abandonado. .4i z,iZrafm quebradas deixa- vamentrar o vento e achuva. A baleia azul é um animal em vias de extinção. E&a ainda são encontradas em algumas regiões do globo. Chamaram-me a atenção os lábios vermelhos, os olhos pro- fiindamente azuis, as sobrancelhasbem desenhadas,o nariz Gins,a tez morena.Nunca iria esquecer aqueleraifal A remissão para a frente -- catá6ora-- realiza-sepreferencial- mente atravésde pronomes demonstrativosou indefinidos neu- tros (isto, isso,aquilo, tudo, nada)ou de nomesgenéricos, mas
  • 24. também por meio dm demais espéciesde pronomes, de numerais ede advérbios pronominais. Seriam exemplos de remissão cataforica: Sou de opinião que, nessescasosde "sinalização", seria mais adequado Edar de "dêixis textual", como tem postulado, entre outros,K. Ehlich. Isto é, nãosetrataria aqui derelações derefe- rência ou corre6erência,mas antes de "mostração" dêitica no inte- rior do próprio texto. Segundo Ehlich (1981), asexpressõesdêiticas permitem ao EHanteobter uma organização da atenção comum dos interlocutores com referência ao conteúdo da mensagem. Para consegui-lo, o pro' dutor do texto tem necessidade defocalizaraatençãodo parceiro sobreobjetos, entidades e dimensões de que seserveem sua ativi- dadelingüística. Assim sendo,o procedimento dêitico constitui o instrumento paradirigir a6ocnlização do ouvinte em direçãoa um item específico, que Em parte de um domínio de acessibilidade comum -- o espaço dêitico. Na comunicação cotidiana simples, esseespaço dêitico é o próprio espaço da atividade de eda, isto é, a situação de interação. Os procedimentos dêiticos atualizam-se atra- vésdo uso de expressõesdêiticas. Como asatividades de orientação dêitica são atividades sobretudo mentais, o uso de expressões dêiticas em procedimentos dêiticos constitui uma atividade verbal com âns cognitivos e, quando bem sucedida, com consequências de ordem cognitiva para o interlocutor. Embora, evidentemente,o domínio dafala sejao domí- nio dêitico por excelência, e as expressões dêiticas estejam ge- ralmente ligadasa fenómenosdiretamente visíveis para os interlocutores, isto é, que se encontrem no seucampo perceptual/sensorial, Ehlich assinalaque, selevarmos em con- sideração o "tempo" como uma dessasdimensões, mesmo no domínio da fala,essa dimensãoseestenderáalémdoslimites da percepção sensorial direta, ou seja, o quadro de referência com- partilhado seráem si mesmo uma estrutura mental comum a ambos:quando, por exemplo, o falante usauma expressão como (10) O incêndio havia destruído f#2o: casas,móveis, plantações. (11) Desejo somente;f/a: que me dêem a oportunidade de me defender das acusações injustas. (12) O enfermo esperava mzcoça apenas:o alívio de seussofri- mentos. (13) ÉZ' era tão bom, o presidente assassinado! 48 A "sinalizaçãotextual", por suavez,tem a fiinção básicade organizar o texto, fornecendoao interlocutor "apoios" para o processamentotextual, atravésde "orientações" ou indicações para cima, para baixo (no texto escrito),para a frente epara trás,'ou ainda, estabelecendo uma ordenaçãoentre segmentostextuais ou p'nes do texto. Vejamosalgunsexemplos: 49 (14) As evidências aóaüo comprovam estaafirmação: a. ; b.-- (15) Como eoi mencionado ac;ma, postulo a existência de duas grandes modalidades de coesão (16) MaÜ azZÜza@voltarei a essa questão. (17) Na seçãoanterior, tratei da origem do termo; .z irKmz6acor- darei sua evolução semântica. C l Entre os casosde "apontamento"para trás, poder-se-iam incluir aquelestipos de remissãocom fiação "distributiva", como em: (18) Paulo, José e Pedra deverão formar duplas com Lúcia, Mariana e Renata, reiper/;z'úmfmre
  • 25. "agora",Éazuso de um sistemade conhecimentosque pressu- põe partilhado com seu interlocutor. Partindo dessa constatação, o autor depende a posição de que a dêixis relativa ao domínio da Edaé apenas um caso especí- fico do procedimentodêitico. Dessemodo, o v'l'vbx procedimento dêitico deveserestudado de maneiraglobal,de forma a tornar evidente que há um porteenvolvimento de sistemasmentais, sis- temas de conhecimento e de análise da realidade comuns, para- ": Ihados pelos interlocutores, possibilitando, descarte,a economia comunicativa através do uso das expressõesdêiticas. Concentrando seu estudo no que chama de "dêixis textual«, procura contrapâ-laà noçãode anáeora, ao contrário do que se na maior parteda literatura, na qual geralmente'a se- gunda engloba osfatoscaracterísticosda primeira ou seja,adêixis textual não tem sido consideradauma dêixispropriamente dita mas sim descrita apenascomo um uso anaforico ou cataf6rico específico, em virtude da concepção sensório-perceptual da dêixis dominante entre os estudiosos da questão. Isto é: aremissão no interior do texto temsido vistageral- mente como um âenâmeno de referência endoforica(cf Hiiiday & Hasan, 1976). Distingue-se, por vezes,entre aná6orae catáâora. outras vezes,incluem-se todos os tipos de remissão sob a designa- ção genérica de aná6ora, em contraposição à dêixis, que constituiria apenas a remissão a elementos exteriores ao texto(exóeora, para Halliday). Há outrosautoresque,por seuturno, englobamaanáEora no domínio geral da dêixis, ou sqa, pensam a aná6oracomo parte J. f do âenâmenoglobalde remissão,de modo que tal conceito acaba por abrangerfatosbastante díspares em termosde seufiinciona- mento. Sãovistoscomo anaÉ6ricos não sóoselementosdo texto que remetema sintagmasou a um ou algunsconstituintes de um sintagma, como os que remetem a porçõesinteiras, maiores ou menores, do texto antecedente ou subseqüente. Incluem-se, tam- bém, na noção de anáfora, além dos elementos que Erremremissão aoutros expressos no texto, osque remetem a elementosdo uni- versocognitivo dos interlocutores,desdeque ativadospor alguma expressão do texto. De minha pote, considero interessante proce- der à distinção sugerida por Ehlich, entre anáfora e dêixis textual, por razões como asseguintes, entre outras: l A anáfora estabelece uma relação de correfêrencia ou, no mínimo, de referência, entre elementos presentesno texto ou recuperáveis através de in6erenciação; ao passo que a dêixis textual aponta, de forma indicial, para segmentos maioresou menoresdo co-texto, com o objetivo defocali- zar nelesa atençãodo interlocutor. Nos casos de aná6ora tem-se, com freqüência, instruções de congruência (concordância), o que raramenteacontece na dêixis textual, e6etuada em geral por meio de formas neutras e de advérbios ou expressões adverbiais, portanto invariáveis. Através da remissão anaGórica, estabelecem-se no texto ca- deias coesivas ou referenciais, o que não ocorre nos casos de dêixistextual. 50 51 2 3 Quanto à catá6ora, parece-me que fica a meio caminho entre osdois Genâmenos:sehá casosde remissão referencial, como (13), exemplos como(lO),(11),(12), bem como(19) e(20) a seguir podem ser considerados como casosde dêixis textual: (19) Observem bem irra: não lhes pareceum tanto estranho? (20) Não estava habituado a coisa ramo eilm. ser servido, receber atenções e homenagens.
  • 26. A coesão seqüenciadora, por seu turno, é aquela através da qual seÉaz o texto avançar,garantindo-se,porém, acontinuidade dos sentidos. O seqüenciamento de elementos textuais pode ocorrer de for- ma direta, sem retornou ou recorrência; ou podem ocorrer na pro- gressãodo texto recorrências das mais diversasordens: de termos ou expressões,de estruturas(paralelismo), de conteúdos semânticos(pa- sse)lde elementos fonológicos ou prosódicos(similicadência, rima, aliteração, assonância) e de tempos verbais. Em Koch(1989a), dis- cuto em maior profimdidadeessas questões. Entre os recursos responsáveis pelo seqüenciamento textu- al, estão a seleçãodos campos lexicais a serem ativados no texto (contigüidade, conforme Halliday & Hasan) eo inter-relaciona- mento que seestabelece entre dois ou mais campos com vista à obtenção de determinadosefeitosdesentido, os(diversos tipos de articulação tema-rema e o encadeamento ou conexão(commecíednaxJ. commex/iO,também estudados em Koch (1989a). Alguns dessesâenâmenos serão retomados mais adiante em nossadiscussão. Se,porém, é verdadeque a coerência não estáno texto, é verdade também que eladeve ser construída a partir dele, levan- do-se, pois, em conta os recursos coesivos presentes na superfície textual, que flincionam como pistasou chavespara orientar o interlocutor na construção do sentido. Para que se estabeleçam as relaçõesadequadasentre tais elementose o conhecimento de mundo (enciclopédico), o conhecimento socioculturalmentepar- tilhado entre os interlocutores, e as práticassociaispostasem açãono curso da interação, torna-se necessário, na grande maio- ria dos casos, proceder a um cálculo, recorrendo-se a estratégias interpretativas, como asinferências e outras estratégiasde nego- ,;.,=A in ...t.;J.x bla..a v Xv D..K ILXUVa A coerência se estabeleceem diversos níveis: sintático, se- mântico, temático,estilístico, ilocucional, concorrendo todos eles para a construção da coerência global. Assim, há autores que dis- tinguem entre acoerêncialocal (isto é, aquelaque ocorre em'um dessesníveis, sobretudo no sintático) e a coerência g]oba] do tex- to (cf. Charolles, 1978; Van Dijk, 1981 e 1990, entre outros). 52 53 A COERÊNCIA ZONAS DE INTERSECÇÃO A coerência diz respeito ao modo como os elementos subjacentesà superfície textual vêm a constituir, na mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos. A coerência, portanto, longe de constituir mera qualidade ou propriedadedo texto, é resultadode uma construçãodeita pelos interlocutores, numa situação de interação dada, pela atua- ção conjunta de uma série de favoresde ordem cognitiva, situaciona], Sociocultural e interacional (cf Koch & Travaglia, Defendo a posição de que, sempre que se Em necessário algum tipo de cálculo apartir doselementosexpressos no texto como acontece na absoluta maioria dos casos-- já seestá no cam- po da coerência.Ora, como já indiciei acima e procurarei detalhar aseguir, é bastante comum, para se interpretarem adequadamente as relações coesivas que o texto sugere, que sejamos obrigados a eGetuar determinados cálculos quanto ao sentido possíveldessas relações.É nesses momentos, portanto, que seobliteram oslimi- tes nítidos entre coesãoe coerência. Passoa examinar alguns dessescasos:
  • 27. 1.Anáfora semântica, mediata ou profiinda -- conforme mencionei anteriormente, é preciso, em tal situação, "extrair" o referente da forma feEerencial de modelos ("arames", "scripts cenários") armazenados na memória, ou seja,de conhecimentos queconstituem nosso" horizonte de consciência".Como afirma Webber (1980), a relação entre situação discursiva ou externa. de um lado, e os referentes da anáfora, de outro, é indireta, me- diadapelos modelosdos participantes,de modo que escolher entre os possíveis antecedentes de uma forma anahrica pode, pois, demandar habilidades sintáticas, cognitivas, pragmáticas, inâerenciais eavaliativas muito soGtsticada da parte do interlocuto.. Assim,em exemplos como (7), (8) e (9), como em um grande número de outros casos,há necessidade de introduzir contextualmente determinadas entidades, atravésdo conhecimen- to de mundo partilhado entre osinterlocutores. de uma expressão definida implica sempre uma escolhadentre as propriedades ou qualidades quecaracterizam o referente, escolha estaqueserádeitade acordocom aquelaspropriedades ou quali- dadesque, em dada situaçãode interação, em fiinção dos propó- sitosa serematingidos,o produtor do texto tem interesse em ressaltar, ou mesmo tornar conhecidas de seu(s) interlocutor(es) . Veja-se,por exemplo, a diferença entre (21) e (22): (21) (22) Reaganperdeu a batalha no Congresso. Opreside [?amrrjra- na não tem tido grande sucessoultimamente em suasnegocia- ções com o Parlamento. Reaganperdeu a batalha no Congresso. O fazaóay do#araeire amfrifazzo não tem tido grande sucesso em suas negociações com o Parlamento. 54 55 Como sevê, a escolhadas descrições definidas pode trazer ao interlocutor informaçõesimportantes sobre asopiniões,crençase atitudesdo produtor do texto, auxiliando-o na construção do senti- do. Por outro lado, o locutor pode também, através da descrição definida, dar aconhecerao interlocutor dadosque acreditadesco- nhecidos deste, relativamente ao referente textual, com os mais vui- ados propósitos. Veja-se, por exemplo(20), em que, na verdade, o que o locutor Êmé anunciar ao(s)parceiro(s) que Pedro é agora na- morado da irmã, ou, então, que ela mudou de namorado: 2. A forma como é feita a remissão, isto é, a construção das cadeiascoesivas a escolha dos elementos lingüísticos usados para Emer a remissão, o tom e o estilo podem constituir índices valiosos dasatitudes, crençase convicçõesdo produtor do texto, bem como do modo como elegostariaqueo referentefossevisto pelospa'ced- ros. Remissõespor meio de formas diminutivas, por exemplo, po- dem revelaro carinho ou a empatia do produtor pelo referente; ou, dependendo do tom e, na Eda, de certas marcas prosódicas, expres- sões6lsionâmicas,gestosetc., uma atitude pejorativa permitindo, assim, aos interlocutores depreender a orientação argumentativa que o produtor pretende imprimir ao seudiscurso. (20) Pedro não 6oi classificado no concurso. O nado /zdmoxuzüde m/mó.z ;rm.Z não anda realmente com muita sorte. 3. Referência por meio de expressõesdefinidas uma das formas de emer a remissão sãojustamente as expressões nominais definidas, ou seja,asdescriçõesdefinidas do referente.Or,, o uso 4. A seleçãodos campos lexicais e aseleção lexical de modo geral pelo que 6oi dito anteriormente, já sepode deduzir a importância da seleção lexical na construçãodo sentido.O uso
  • 28. de Mrmulas de endereçamento, de dada variante da língua, de gírias ou jargões profissionais, de determinado tipo de adjetivação, de termos diminutivos ou pejorativos fornece aosparceiros pistas valiosaspara ainterpretação do texto eacaptaçãodos propósitos com que é produzido. Também a ativação de determinados campos lexicais -- que são a contraparte lingüística dos modelos cognitivos -- tem sua influência no cálculo do sentido. Além disso, o inter-relacionamento de dois ou mais campos lexicaispermite a produção de novos sen- tidos, nem sempreclaramenteexplicitados,e que, portanto, cabe ao interlocutor reconstruir (veja-se,também, Koch, 1984). ção entre segmentos textuais), cabe ao interlocutor, com base em seus conhecimentoslingilísticos eenciclopédicos,suprir essa Ef- ta, "repondo" mentalmentea marcafdtante, como sepode ver em (23) e (24): (23) (24) Não desejavaser vista por ninguém. Estava suja, cabelos em desalinho, o rosto banhado de lágrimas. Poderiam imaginar coisas a seu respeito. Não queria pâr a perder a boa imagem que tinham dela. Olhar fixo no horizonte.Apenas o mar imenso.Nenhumsi- nal de vida humana. Tentativa desesperada de recordar algu- ma coisa.Nada. 56 57 5. Ambigüidade referencial -- sempreque ocorre no texto a ambiguidade referencial, isto é, quando surgem vários candida- tos possíveisa referentesde uma forma remissiva, torna-se neces- sário proceder a um cálculo para a identificação do referente adequado. Thl cálculo terá de levar em conta não só aspossíveisins- truções de congruência dadaspela forma remissiva, como tam- bém todo o contexto,ou seja,aspredicações Gaitas tanto sobrea forma remissiva, como sobre os eventuais referentes, para só en- tão proceder-seao "casamento"entre a forma reÊerencia] ambí- gua eo referente considerado adequado. Paratanto, torna-se preciso recorrer ao nosso conhecimento de mundo e do contexto Socioculturalem que nos encontramosinseridos,além de outros critérios como saliênciatemática e recência(fere/zq0, por exemplo. É interessantenotar que o interlocutor, em geral,não tem dificuldade em reconstruir aconexãoEstante pelo recursoapro- cessos cognitivos como, por exemplo, aativaçãode.»amos,apar' tir dos elementos que seencontram expressos na superHcie textual. Outros casosexistem, os quais exigem dos interlocutores o recurso a processos e estratégias de ordem cognitiva para procede- rem ao "cálculo" do sentido. Os que Geram aqui apresentados ser- vem apenascomo exemplificação. Por tudo o que Goidiscutido, deveter ficado patente que, embora coesão e coerência constituam fenómenos diferentes, opera-se, muitas vezes, uma imbricação entre eles por ocasião do processamento textual. Não hádúvida de quea presença de recursos coesivos em um texto não é condição nem suficiente, nem necessária da coe- rência.A coesão,inclusive, em alguns tipos de texto, é nãosódis- pensável, como seria até mesmo de estranhar -- veja-se o caso de certos textos poéticos modernos, quer em prosa, quer em verso. Ressalte-se, porém, que, em muitos outros (textosdidáticos, 6. Encadeamentos por justaposição -- quando seencadei- am enunciados por merajustaposição, sem a explicitação da rela- ção que se desejaestabelecer entre eles por meio de sinais de articulação (conectores,termos de relação,partículas de transi-
  • 29. jornalísticos, jurídicos, científicos,por exemplo), sua presençase torna altamente desejável, visto que, nestes casos, ela permite au- mentar alegibilidade egarantir uma interpretaçãomais uniforme. Portanto, nos textosem queacoesãoestápresente--já que elanão écondição nem necessária, nem suficiente da coerência--. pode-se afirmar que ambas passam a constituir asduas facesde uma mesma moeda, ou então, para usar de uma outra metáfora, o versoe o reversodessecomplexo 6enâmenoque é o texto. ACONSTRUÇÃO DOSSENTIDOS NO TEXTO: INTERTEXTUALIDADE EPOLIFONIA Pretendo, nestecapítulo, proceder auma reflexãosobreos conceitos tão freqüentes na literatura lingüística contemporânea de intertextualidade e polifonia, com o intuito, inclusive, de ve- rificar, através da determinação das características e do âmbito de abrangênciaque lhes têm sido atribuídos, sedesignamum só 6enâmeno; ou, nãosendoesse o caso,como seriapossível distin- guir entre um e outro. Tratarei, em primeiro lugar, da intertex- tualidade. 59 INTERTEXTUALIDADE Começo citando Barthes (1974): "0 texto redistribui a língua. Uma dasviasdessareconstrução é ade permutar textos, fragmentos de textos, que existiram ou existem ao redor do texto considerado, e, por fim, dentro dele mesmo; todo texto é um intertexto; outros textos estão presentesnele, em níveis variáveis, sobformas mais ou menos reconhecíveis' Issosigniâcaque todo texto é um objeto heterogêneo,que revelauma relaçãoradicalde seuinterior com seuexterior;e, desseexterior, evidentemente, Errem parte outros textos que Ihe dão origem, que o predeterminam,com os quais dialoga,que retoma, a quealude, ou aque seopõe. Foi essa a razãoque levou Beaugrand & Dressler (1981) a apontarem, como um dos pa- drõesou critériosde textualidade,a intertextualidade, que,se-
  • 30. gundo eles,diz respeito aosmodos como a produção e recepção de um texto dependem do conhecimento que setenha de outros textoscom osquaisele,de alguma forma, serelaciona. Essas for- mas de relacionamento entre textos são,como severá, bastante variadas. Partirei da distinçãoqueGizem Koch (1986) entre inter- textualidadeem sentido amplo e intertextualidade em sentido restrito. da intertextualidade é também válido entre universos discursivos diferentes(por exemplo, cinema e televisão); em terceiro lugar, no processode produção de um discurso, há uma relaçãointertextual com outros discursosrelativamente autónomos que, embora fiincio- nando como momentosou etapa da produção, não apuecemna superfície do discurso "produzido" ou "terminado". O estudo de tais textos mediadorespode ofereceresclarecimentosfiindamentais não só sobre o processo de produção em si, como também sobre o pro' cessode leitura, no nível da recepção. Trata-se, segundo Verón, de uma intertextualidade "profunda", por setratar de textos que, parti- cipando do processode produção de outros textos, não atingem nunca(ou muito raramente) a consumaçãosocial dos discursos. SegundoVerón (1980: 82), a análisesemiológicasó pode avançarpor diferença, isto é, por comparaçãoentre objetos tex- tuais: "Um texto não tem propriedades 'em si': caracteriza-se so- mente por aquilo que o diferencia de outro texto (...). Por isso, também anoção de intertextualidade não serefereapenasàveri- ficação de um dos aspectosdo processo de produção dos discur- sos, mas também à expressãode uma regra de basedo método (...); trabalha-se sempre sobre vários textos, conscientemente ou não, uma vez que asoperaçõesna matéria significante são, por definição, intertextuais' É também por meio da comparação dos textos produzidos em determinada cultura que sepodem detectar aspropriedades formais ou estruturais, comuns a determinadosgênerosou tipos (intertextualidade de caráter tipológico), que são armazenadas na memória dos usuários sob a forma de esquemastextuais ou superestruturas (cf., por exemplo, Van Dijk & Kintsch, 1983; Van Dijk, 1983). Tais esquemas,que são socialmente adquiri- dos, desempenham papel de grande relevância no processamento (produção/intelecção) textual. 60 Intertextualidade em sentido amplo A intertextualidadeem sentidoamplo, condição de exis- tência do próprio discurso, pode ser aproximada do que, sob a perspectivada Análise do Discurso, se denomina inter- discursividade (ou heterogeneidade constitutiva, segundo Authier, 1982). É nessesentido que Maingueneau (1976: 39) aârma ser o mtertexto um componentedecisivodascondiçõesde produ ção: "um discursonãovem ao mundo numa inocentesolitude. masconstrói-se através de um já-dito em relaçãoao qual tom, posição". Também Pêcheux (1969) escreve:"Deste modo, dado discurso envia a outro, frente ao qual é uma respostadireta ou indireta, ou do qual ele'orquestra'ostermosprincipais,ou cujos argumentosdestrói. Assim é que o processodiscursivo não tem. de direito, um início: o discursoseestabelece sempresobreum discurso prévio... Verón (1980), por sua vez, examina a questão da produção do sentido sob um ângulo sócio-semiológico. Para ele, a pesquisa semiológica deve considerar três dimensõesdo princípio da intertextualidade: em primeiro lugar, asoperaçõesprodutoras de sentidosãosempreintertextuaisno interior de um certo universo discursivo(por exemplo,o cinema);em segundolugar,o princípio 61
  • 31. Essassão algumasdas razõesque me levam a concordar com Kristeva (1974:60), quando aârma: "Qualquer textosecons- trói como um mosaico de citações e é a absorção e transformação de um outro texto' quando o autor de um texto imita ou parodia, tendo emvista efeitos específicos, estilos, registros ou variedades de língua, como é o casode textosque reproduzema linguagembíblica,a de determinado escritor ou de um dado segmento da sociedade. Intertextualidadeem sentido restrito Considero intertextualidade em sentido restrito a relação de um texto com outros textospreviamenteexistentes, isto é, e6etivamenteproduzidos. Respaldo-me em Jenny (1979:14): 'Propomo-nos a Edar de intertextualidade desdeque se possaencontrar num texto elementosanteriormente estruturados, para além do lexema, naturalmente, masseja qual for seu nível de estruturação' Entre os tipos de intertextualidadeem sentido restrito, podem-se considerar os seguintes: 2. Explícita X implícita. A intertextualidade é explícita, quando há citação da conte do intertexto, comoaconteceno discursorelatado,nascitaçõese referências; nos resumos, resenhas e traduções; nas retomadas do texto do parceiro para encadear sobre ele ou questiona-lo, na con- versação.A intertextualidade implícita ocorre semcitação expressa da fonte, cabendoaointerlocutor recupera-lana memória para construir o sentido do texto, como nasalusões, na paródia,em certos tipos de paráfrase e de ironia. 62 63 3. Das semelhanças X dasdiferenças(cf. Aüonso Romano de Sant'Anna). Na intertextualidade dassemelhanças,o texto incor- pora o intertexto paraseguir-lhe a orientação argumentativa e, freqüentemente, para apoiar-se nele a argumentação(por exemplo, na argumentação por autoridade). Maingueneau (1987)fala aquide valor de captação. Em setratandode intertextualidade dasdiferenças,o texto incorpora o in- tertexto para ridiculariza-lo, mostrar suaimprocedência ou, pelo menos,coloca-lo em questão(paródia, ironia, estraté- gia argumentativa da concessãoou concordância parcial). É o que Maingueneaudenomina valor de subversão. 1. De conteúdo X de forma/conteúdo (descargo a possibili- dade de uma intertextualidade apenasde forma, pois toda forma enforma/emoldura um conteúdo) . Ocorre intertextualidade de conteúdo, por exemplo, entre textos científicos de uma mesmaárea ou corrente do conheci- mento, que seservemde conceitos eexpressões comuns, já defi- nidos em outros textos daquelaáreaou corrente; entre matérias dejornais (eda médiaemgeral),no mesmodia ou no períodode tempo em que dado assuntoé focal; entre diversasmatériasde um mesmo jornal sobre tal assunto; entre textos literários de uma mesma escola ou de um mesmo gênero (por exemplo, asepopéi- as).Tem-se intertextualidade de forma/conteúdo, por exemplo,
  • 32. 4. Com intertexto alheio,com intertexto próprio ou com intertexto atribuído a um enunciador genérico. Alguns autoresreservama denominaçãode intertextuali- dade apenaspara o primeiro caso,utilizando para o segundo o rótulo deintra ou autotextualidade.Por seuturno, atribuem-sea um enunciador genérico(a queBerrendonner,1981, chamaON), enunciaçõesque têm por origem um enunciador indeterminado, asquaisfazemparte do repertório deuma comunidade, como éo caso dos provérbios e ditos populares. Ao usar-se um provérbio, produz-se uma "enunciação-eco" de um número ilimitado de enunciaçõesanteriores do mesmo provérbio, cuja verdadeé ga- rantida pelo enunciador genérico, representanteda opinião ge- ral,da "vox populi", do sabercomum dacoletividade. Todas essasmanifestações da intertextualidade permitem aponta-la como Eatordos mais relevantesna construção da coe- rência textual (Koch & Travaglia, 1989). ou posiçõesque serepresentam nos enunciados. Paraele, o sen- tido de um enunciadoconsisteem uma representação (no sen- tido teatral) de sua enunciação. Nessacena, movem-seas personagens figuras do discurso -- que serepresentam em di- versos níveis: a. b locutor "responsável" pelo enunciado. (Ducrot distin. gue ainda entre ]ocutor enquanto ta] L e locutor en. quanto pessoal. enunciadores encenaçõesde pontos de vista, de perspec uvasdiferentes no interior do enunciado. 64 65 Em Ducrot (1984) consideram-se dois tipos de polifonia a. b quando,no mesmoenunciado,setem maisdeum locutor correspondendonestecasoao que denominei intertex- tualidade explícita (discurso relatado, citações, referênci- as,argumentação por autoridade etc.); quando, no mesmo enunciado, há mais de um enunciador, recobrindo, em parte, a intertextualidade implícita, sen- do, porém, mais ampla: bastaque serepresentem,no mes- mo enunciado, perspectivasdiferentes, sema necessidade de utilizar textos eGetivamente existentes.Por isso é que Ducrot se refere à encenação (teatral) de enunciadores reaisou virtuais a quem é atribuída a responsabilidade da posição expressano enunciado ou segmento dele. Essa noção de polifonia permite explicar uma gama muito am- pla de eenâmenosdiscursivos, que podem ser classificados segundoa atitude de adesãoou não do locutor à perspec- tiva poli6onicamente introduzida. POLIFONIA O conceito de polifonia, como sesabe,6oi introduzido nas ciências da linguagem por Bahktin (1929), para caracteri- zar o romance de Dostoiévski. ParaBahktin, o dialogismo é constitutivo da linguagem:"A palavraé o produto da relação recíproca entre falante e ouvinte, emissor e receptor. Cada pala- vra expressa o 'um' em relação com o outro. Eu medou forma verbal a partir do ponto de vista da comunidade a que perten- ço. O Eu seconstróiconstituindoo Eu do Outro e por eleé constituído' Ducrot (1980,1984) trouxe o termo para o interior da pragmáticalinguística para designar,dentro de uma visão enunciativa do sentido, asdiversasperspectivas,pontos de vista
  • 33. A. Entre os casos de adesão (L = EI), podem-se mencio- nar os seguintes: & (3) Tudo o que o jornalista escreveu é a pura verdade, logo ele não merece ser punido. (Quem diz a verdade não merece castigo). l Pressuposição encenam-se, no caso, dois enunciadores, um primeiro (EI), responsável pelo pressuposto (geral- mente o enunciador genéricoON, ou então o grupo aque o locutor e interlocutor pertencem) e o outro (E2), res- ponsávelpeloconteúdo posto,com quem o locutor seiden- tifica. Por exemplo: b. certosenunciados introduzidos por n'ãoió... mm iamóán, em que a parte introduzida por áo sónão é apenasde responsabilidade do locutor: (4) Vejam nossasofertas.Temosprodutos não só baratos,mas tambémduráveis.(El: Uma boa oferta é aquelaem que se oferecem produtos baratos). X 66 (1) Mariana continua apaixonada por RaEael. 67 Certos tipos de par#raseamento, nos quais é possívelde- tectar a presençado intertexto. É o caso,por exemplo, de váriostextos (Hino Nacional Brasileiro, Canção do Expe- dicionário etc.) que, de alguma forma, parafraseiam tre- chos da Canção do Exílio, de Gonçalves Dim. Argumentação por autoridade: quando seencenaavoz de um enunciador apartir da qual o locutor, identificando-se com ele, argumenta: C certosenunciadosem que ocorre o uso "metaforico" do futuro do pretérito (cf Weinrich, 1964),emqueseintro- duz avoz a partir da qual seargumenta, mascuja respon- sabilidade não seassume,uso atestadocom freqüência na linguagemjornalística: 2 3 (5) Novas reformas estariam sendo cogitadas pelo governo. Já é tempo mesmo de pâr asmãos na massa. a. enunciados conclusivos-- nos quais seargumenta a partir de uma premissa (maior) poli6onicamente introduzida no discurso. Trata-se, em grande número de casos,da voz da sabedoria popular (como quando se argumenta a partir de provérbiose ditos populares),da perspectivada comuni- dade ou do grupo a que se pertence, do interlocutor ou dos valores estabelecidosem dada cultura. Vejam-se os exemplos: d. enunciados introduzidos pelas expressões p zreregwe,ie- gz/m2o X etc., aos quais seencadeia um posicionamento pessoal: (6) Parece que vamos ter uma mudançana política económica Há muito tempo ela estava se fazendo necessária. B. Passemos agoraaoscasosem que o locutor não adereà perspectiva poliEonicamente introduzida. (2) Ele é dessas pessoas desmesuradamente ambiciosas,portanto vai acabarficando semnada. (Quem tudo quer, tudo perde).
  • 34. l Negação Ducrot (1984) distingue a negação meta- lingüística da negaçãopolêmica (ambaspolifónicas). A primeira visa a atingir o próprio locutor do enunciado oposto, do qual secontradizem os pressupostos,como em (7): dado, expressão ou termo; e um segundo(E2=L), que menciona, aspeando, o que diz o primeiro, para manter distância, isto é, eximir-se ou diminuir a responsabilida- de sobre o que estásendo dito. Por exemplo: (IO) ..."0 regime militar teve a longevidade que teve por causa dessa resignação com 'o possível' uma postura eternizada por Ulysses Guimarães". (Fernando Rodrigues, 'IA CPMF e o 'possível"',Folha de São Paulo, 16/07/1996, 1 2) (11) ..."Antigamente nem o policial podia expor sua arma; era obrigado a carrega-lano coldre, presa.Hoje os 'homensda lei' exibem como troRus suasescopetas,metralhadorase fu- zis." (Luiz Caversan, "Não às armas", Folha de São Paulo, id. Ibid.) (7) Li: Pedro deixou de beber (Ei = Pedro bebia) Lz: Pedro não deixou de beber,ele nunca bebeu (L= E2) Na segunda, encenam-sedois enunciadores: Et, que pro- 68 duz o enunciadoafirmativo e E2= L, que o contradiz, como em (8): 69 (8) Pedro não é trabalhador; ele é até bem preguiçoso. (L= Ez) (Ei = Pedro é trabalhador) 2. Enunciados introduzidos por .aaco /z#r;a,peãora /zürjo, que não seopõem ao segmentoanteriormente expresso' que tem a mesmaorientação argumentativa, mas à pers' pectiva do enunciador EI, poliGonicamenteintroduzida, como sepode verificar no exemplo: Authier distingue diversas funções das aspasnessaoperação de distanciamento: mpm zú'z;/l@z'xrncüfáa(para mostrar que nos dis- tinguimos daquele(s) que usa(m) a palavra, que somos "irredutíveis' àspalavras mencionadas; zú'ca zzüsremz#fü(para assinalaruma pa- lavra que se incorpora "paternalisticamente",por saberque o interlocutor Edaria assim);.peziCglgíÜlcm(no discurso de vulgarização científica, que assinalam, freqüentemente, o uso de termos ou ex- pressõesvulgares como um passo intermediário para permitir o emprego posterior da palavra "verdadeira", "carreta", à qual o locu- tor adere); .ú'.prozr@o(para mostrar que aspalavrasou expressões usadasnão são plenamente apropriada, que estão sendo emprega- da no lugar de outras,constituindo, muitasvezes, metáforas ba- nalsb& ê7ifmeÇdenúsêndxaÜ& questionamentoofensivoou irónico (quanto à propriedade da palavra ou expressão empregadapelo interlocutor por prudência ou por imposição da situação) . (9) Luísa não é uma amiga leal; pelo contrário, tem'se demons- trado pouco conRiável. (El= Luísa é uma amiga leal) 3 lapas de distanciamento" -- nesses casosde "aspeamento" (de co/zoínfão az/ro/zi'm/c.z, conforme Authier, 198 1), tem- se,simultaneamente, o que secostuma denominar de z/se e me/zçãodo termo ou expressão aspeada.Encena-se um primeiro enunciador (Ei), responsável pelo usodo enun-
  • 35. t 4 'Z)/fo r emenf" -- termo usado por Grésillon & Maingueneau (1984), para designar a alteração (na forma e/ou no conteúdo de provérbios, slogans ou frases deitas, a título lúdico ou militante, com o objetivo decaptaçãoou, mais frequentemente,de subversão. Trata-sede uma estra- tégiamuito comum na publicidadee bastantefreqüente em outras formas de linguagem, como, por exemplo,o humor e a músicapopular (cf., por exemplo,a música Bom Conselho",de Chico Buarquede Hollanda). Tam- bém aqui, avozdo enunciador genéricoON éintroduzida, representandoa sabedoriapopular, à qual o locutor adere ou se opõe. Vejam-se os exemplos: grupo ou de um "topos" (cf Ducrot, 1987), ao qual seopõe osegundoenunciador,com o qual o locutor seidentifica E2 = L). Tem-se aqui, segundo Ducrot, o mecanismo da con- cessão: acolhe-se no próprio discursoo ponto devistado Outro (EI), dá-se-lhe uma certa legitimidade, admitindo- o como argumento possível para determinada conclusão, para depois apresentar,como argumento decisivo, a pers- pectiva contrária. É esteo caso de todos os enunciados in- troduzidos por conectoresde tipo adversativoe concessivo. 70 Como afirma Ducrot, o m'zs constitui o operador argumentativo por excelência,já que os enunciadosque contêm mm e seussimilares,bem como os que contêm operadores do paradigma do embora,permitem introduzir, num de seusmem- bros, a perspectivaque não é ou não é apenas-- a do locutor, para, em seguida, contrapor-lhe a perspectiva deste,para a qual o enunciado tende. Seguemalguns exemplos: 71 (12) "Dê um anel xxxx de presente.Lembre-se: Mãos só tem duas' (publicidade de uma joalheria por ocasião do Dia das Mães, publicada na RevistaVeja) ( Observem-se,também, os "détournements" do provérbio "(quem vê cara, não vê coração", extraídos de textos publicitários e citados em Frasson (1991): (16) O candidato não é brilhante, mas honesto. (17) Franciscoé inteligente, mas não serve para o cargo. (18) Devemos ser tolerantes, mas há pessoasque eu não suporto! (13) "Quem vê cara, não vê Aids: (14) "Quem vê cara não vê fdsi6lcação" (15) "0 Instituto de Cardiologia não vê cara, só vê coração' Note-se, em (18), que o primeiro membrodo enunciado funcionacomo um atenuador("disclaimer"),por meiodo qual o locutor tenta preservar a própria face, procurando mostrar-se con- forme o modo de pensa' e/ou agir que constitui o ideal da comuni- dade aque pertence ao menos em setratando do discursopúblico; somente no segundo membro do enunciado éque elevai manifes- tar sua verdadeira opinião. Essetipo de enunciação é extremamente comum no discurso preconceituoso em geral: lembrem-se, a título de exemplo, os enunciados do tipo: "eu não sou racista, mas... (cfl Van Dijk, 1992, entre várias outras obras do mesmo autor). Funcionamento semelhante ao "détournement" é o da pa- ródia, em que sealtera(adultera)um textojá existentecom o objetivo ou apenasdeproduzir humor ou de desmoralizá-loou fazer-lhe oposição. 5 Contrajunção consiste na introdução da perspectiva de um outro enunciadorEI, genérico ou representante deum
  • 36. 6 Certos enunciadoscomparativos -- osenunciados compa- rativos, como -demonstra Voga (1 977,1980), têm caráter argumentativo e, segundo aestrutura argumentativa, ana- lisam-se sempre em lema e come z# /o, que são comutáveis do ponto de vista sintático, mas não do ponto de vista argumentativo. No casodo comparativo de igualdade, se o primeiromembrodacomparação for o tema,a argu- mentação ser-lhe-áfavorável; seo tema 6oro segundo mem- bro da comparação,o movimento argumentativo serádes- favorávelaoprimeiro. Em "Pedroé tão alto como Jogo", por exemplo, sePedro Goro tema, o enunciado servepara assinalara sua"grandeza",constituindo-se em argumento aele favorável;por outro lado, seo tema for Jogo, o enun- ciado sedispõe de modo a assinalarsua"pequenez",ou seja, o movimento argumentativo será desfavorável a João (cf. também Koch, 1987). No último caso, a paráfrase adequada seria: "Pedro e não Jogo deve ser considerado suficientemente alto para EmerX". Ora, o ponto de vista segundo o qual Jogoseriaa pessoaadequada para emerX é introduzido poli6onicamente no enunciadoeo locutor ar- gumenta em sentido contrário a este.Observe-seo exem- plo (19), extraído da "Folha de São Paulo' Em (19), aperspectivade queo maisimportante éapre- ce?fáo do i ceifa opõe-se àquela -- polifonicamente introduzida de que o importante é o fz/resta co c e/adopZa/zo, sendo-lhe argumentativamente superior. O discursoindireto livre constitui tambémum casointe- ressante de polifonia. Nele, mesclam-se as vozes de dois enunciadores(na narrativa, personagem (EI) e narrador (E2». Daí deriva a ambigüidade dessetipo de discurso,isto é, adificul- dade de distinguir o ponto de vista (perspectiva) de onde se Eda. 72 73 Pode-se concluir, portanto, quenão hácoincidênciatotal entre os conceitos de intertextualidade e polifonia. Na intertextualidade, a alteridade é necessariamente ates- tada pela presença de um intertexto: ou a fonte é explicitamente mencionada no textoqueo incorpora ou o seuprodutorestá presente,em situaçõesde comunicaçãooral; ou, ainda, trata-se de textos anteriormente produzidos, provérbios, frases deitas, ex- pressõesestereotipadas ou Gormulaicas,de autoria anónima, mas que Errempartede um repertório partilhado por uma comuni- dade de fda. Em se tratando de polifonia, basta que a alteridade sejaencenada, isto é, incorporam-se ao tcxto vozes de enunciadores reaisou virtuais, que representamperspectivas, pontos de vista diversos, ou põem em jogo "topoi" diferentes, com os quais o locutor seidentifica ou não (paramaior aprofundamento, con- sulte-se Koch). Deste modo, a meu ver, o conceito de polifonia recobreo de intertextualidade, isto é, todo casode intertextualidade é um casode polifonia, não sendo, porém, verdadeira a recíproca: há casosde polifonia que não podem ser vistos como manifestações de intertextualidade. L (19) 'Tão importante quanto o sucesso concreto do plano ou seja,a inflação baixar de verdade-- é a percepçãodo sucesso. Explicando melhor, é a confiança de que os preços estão mes- mo sob controle."(Gilberto Dimenstein,"Um tiro contra Lula", Folha de SãoPaulo, 08/06/1994)