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6 0 + m o ­n e t + s e t e m b r o s e t e m b r o + m o ­n e t + 6 1
odemos gostar ou não, mas a vida muda, isso é certo.
Julia Carolyn McWilliams, por exemplo, sempre gostou de mudan-
ças. Em 1944, aos 32 anos, foi lidar com documentos ultrassecretos
no Ceilão, atual Sri Lanka, onde conheceu e se apaixonou pelo colega
Paul Child, seu futuro marido. Cinco anos depois, em Paris, começou
a estudar gastronomia. Ajudou a escrever um clássico que populari-
zou a cozinha francesa nos EUA e reforçou essa mensagem apresen-
tando um dos programas de culinária de maior sucesso da TV do país.
Já a funcionária pública Julie Powell não ficou muito feliz quando se mudou para Nova
York em 2002. Estava prestes a completar 29 anos. Mas, aspirante a escritora, colocou
na cabeça que faria todas as 524 receitas do superlivro de receitas de Julia em um ano e
relataria as experiências num blog. Deu tão certo que as histórias dela e de sua mentora
se transformaram no filme Julie & Julia, que estreia este mês no HBO.
por josé gabriel navarro
Deagentesecretaamitodagastronomia,JuliaChildcriou
umjeitoúnicodeensinarreceitas,tantoemlivrosquantona
TV,einspirouumablogueiraemseuprojetodevida.
Umagrandehistóriaquecomeçounacozinhaeviroufilme
Bon
appétit!
Pfoto:CorbisOutline
6 2 + m o ­n e t + s e t e m b r o s e t e m b r o + m o ­n e t + 6 3
AvidadeJuliaChildrealmentedariaumfilmeenãopo-
deria haver cenário melhor para começo de história que a
capital francesa. “Ela amou fazer compras e cozinhar em
Paris, mas não começou pensando seriamente em cozi-
nhar até estudar na Le Cordon Bleu [centenária escola de
gastronomia]”,contaLauraShapiro,autoradabiografiade
Julia Child, não editada no Brasil. “Aquela foi uma expe-
riência que mostrou a ela o quão tremendamente interes-
santeeraaprenderdeverdadesobrecomida.”Foidurante
sua passagem pela escola, no final dos 1940, que, ao lado
das colegas Simone Beck e Louisette Bertholle, começou
a escrever MasteringtheArtofFrenchCooking, que só seria
publicado em 1961. Antes havia sido recusado por outras
editoras por causa de suas 752 páginas. A extensão era
impensável para um livro de receitas até então. Mas a ti-
ragem vendeu muito bem. Tanto que o volume 2 veio em
1970 com mais 648 páginas, assinado apenas por Julia e
Simone,emaisumavezcomumtextodetomleveeexpli-
cativo aliado a um amor genuíno pela gastronomia.
ÀMODADACASA – “Ela apareceu cozinhando pela pri-
meira vez na TV pública de Boston porque foi convidada
para falar sobre seu livro e acabaram lhe pedindo para
criar uma série de lições sobre a cozinha francesa”, diz
Laura Shapiro. “Ela adorou a ideia, uma vez que sempre
quis ensinar e via na televisão um ótimo meio de fazê-lo.
Apesar de ser totalmente amadora, tinha uma intimida-
de mágica com a câmera.” Segundo Laura, em seus pri-
meiros anos, o programa The French Chef foi o de maior
audiência entre as emissoras públicas americanas. Estava
feita a revolução: descer a cozinha francesa de seu altar e
popularizá-la entre o público estadunidense.
A voz agudíssima e as pequenas gafes que iam ao ar
ajudaram a marcar seu estilo único. Nos bastidores, uma
única frustração tornou-se conhecida: Julia não podia ter
filhos. “Ela de fato se ressentia por isso. Mas o trabalho
se tornou uma parte muito feliz e importante e ela com-
partilhavaessesentimentocomPaul.Nãoeraalguémque
sentia pena de si mesma por causa de coisas que não po-
deriam ser mudadas.” Entre novos programas e reprises,
Julia Child permaneceu por cerca de 40 anos na TV.
Com o público na mão – Nesta página, a verdadeira Julia Child,
tanto em ação no seu programa televisivo, The French Chef,
quanto na companhia do chef franco-brasileiro Claude Troisgros,
que a encontrou pela última vez em 2004, ano da morte da
americana. Na outra página, a Julia ficcional, interpretada por
Meryl Streep, ao lado do marido, Paul Child (Stanley Tucci), e a
jovem blogueira e fã Julie Powell (interpretada por Amy Adams)
julie & julia, dia25,sábado,21h,HBO,71
Até que, em 2003, um site voltou
a chamar a atenção para a telechef.
The Julie/Julia Project, mantido por
Julie Powell, uma texana que, após
setransferircomomaridoparaNova
York, queria mudar de verdade. Ela
havia estudado teatro e redação cria-
tiva na faculdade e, no entanto, tra-
balhava como funcionária pública,
lidando com queixas, sugestões e
lamentos de cidadãos a respeito do
vazio físico deixado pela queda das
Torres Gêmeas no 11 de Setembro.
Fez o blog para ir até o fim numa
empreitada pessoal: cozinhar os 524
pratos de Mastering the Art of French
Cooking em apenas um ano. Confor-
me se aproximava da reta final, co-
meçou a chamar a atenção da gran-
de imprensa e, graças à repercussão
de sua página na internet, realizou o
sonho de se tornar escritora profissional. O primeiro livro faz um paralelo
entre seus 365 dias dedicados às receitas e à luta de Julia Child para aprender
a cozinhar e publicar sua obra-prima. Trata-se de Julie & Julia, que inspirou o
filme estrelado por Amy Adams (Julie) e Meryl Streep (Julia).
Até onde se sabe, Julia não aprovou o blog. A biógrafa Laura Shapiro, que es-
creveu sobre comida para a revista americana Newsweek durante 16 anos e, por
isso, chegou a entrevistar Julia, também censura o site e sua autora. “[Adiretorae
roteirista]NoraEphronfezumtrabalhomaravilhoso,contandoahistóriadeJulia
Child. Não foi realista em todos os detalhes, mas foi honesta de um modo geral e
certamente honesta em relação ao espírito e ao caráter dela. Já Julie Powell não é
uma pessoa muito sagaz ou simpática. Não fui cativada por sua história.”
Polêmicas à parte, em uma coisa Laura está certa: boa parte do vigor do filme
vem da personagem de Julia e da consequente presença de Meryl Streep, ainda
mais por causa da impressionante semelhança entre as duas. Mas gostemos ou
não de Julie Powell, foi graças a ela que o resto do mundo pôde conhecer melhor
Julia Child e sua importância para a história da gastronomia. Afinal, só é possível
avaliar um prato com propriedade após prová-lo. n
enquantoisso,nobrasil...
fazer as 124 receitas do livro
Mais Você: 10 Anos, de Ana Maria Braga, em 6 meses
e contar tudo em um blog. O desafio que o
estudante do sexto semestre de radialismo
Gabriel Barone começou a vencer em 1º
de março deste ano não é a única coisa em
comum com Julie Powell. Assim como a
protagonista contemporânea de Julie &
Julia, ele também estava para se mudar
e sua situação profissional o angustiava quando foi
sozinho assistir ao filme no fim de 2009. “Foi uma
inspiração reveladora”, resume o moço de 21 anos.
Ele já havia feito cursos de gastronomia quando
vivia em Pirassununga, sua cidade natal
(SP), mas, diferentemente de sua “versão
americana”, Gabriel conheceu ao vivo a
autora de seu guia e ainda por cima ocupou
23 minutos do Mais Você (praticamente um
terço do tempo de duração da atração matinal). A
aparição gerou frutos, ou melhor, seguidores. Antes,
seu blog tinha 13 internautas cadastrados. Poucos
dias depois da participação no programa, o número
já ultrapassava a marca dos 2.600. “Sempre tive
vontade de misturar culinária com TV e foi a partir
desse trabalho que vi que poderia fazer isso”, diz
Gabriel, hoje morador da capital paulista.
Quando planejou o Projeto Mais Você
(www.projetomaisvoce.blogspot.com), no início do
ano, tudo voltou aos eixos, segundo ele. Conseguiu
um estágio e, graças à dedicação ao novo hobby,
antecipou o prazo final em um mês. Em 31 de julho
de 2010, o 149º dia da saga, escreveu: “Não consigo
imaginar que amanhã vou entrar na cozinha e não vou
pegar o livro da Ana e ter como obrigação preparar
alguma receita”. Está mais uma vez provado: o apetite
de Julia Child pela vida é contagiante.
fotos:ag.ogloboedivulgação

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  • 2. 6 2 + m o ­n e t + s e t e m b r o s e t e m b r o + m o ­n e t + 6 3 AvidadeJuliaChildrealmentedariaumfilmeenãopo- deria haver cenário melhor para começo de história que a capital francesa. “Ela amou fazer compras e cozinhar em Paris, mas não começou pensando seriamente em cozi- nhar até estudar na Le Cordon Bleu [centenária escola de gastronomia]”,contaLauraShapiro,autoradabiografiade Julia Child, não editada no Brasil. “Aquela foi uma expe- riência que mostrou a ela o quão tremendamente interes- santeeraaprenderdeverdadesobrecomida.”Foidurante sua passagem pela escola, no final dos 1940, que, ao lado das colegas Simone Beck e Louisette Bertholle, começou a escrever MasteringtheArtofFrenchCooking, que só seria publicado em 1961. Antes havia sido recusado por outras editoras por causa de suas 752 páginas. A extensão era impensável para um livro de receitas até então. Mas a ti- ragem vendeu muito bem. 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Nos bastidores, uma única frustração tornou-se conhecida: Julia não podia ter filhos. “Ela de fato se ressentia por isso. Mas o trabalho se tornou uma parte muito feliz e importante e ela com- partilhavaessesentimentocomPaul.Nãoeraalguémque sentia pena de si mesma por causa de coisas que não po- deriam ser mudadas.” Entre novos programas e reprises, Julia Child permaneceu por cerca de 40 anos na TV. Com o público na mão – Nesta página, a verdadeira Julia Child, tanto em ação no seu programa televisivo, The French Chef, quanto na companhia do chef franco-brasileiro Claude Troisgros, que a encontrou pela última vez em 2004, ano da morte da americana. Na outra página, a Julia ficcional, interpretada por Meryl Streep, ao lado do marido, Paul Child (Stanley Tucci), e a jovem blogueira e fã Julie Powell (interpretada por Amy Adams) julie & julia, dia25,sábado,21h,HBO,71 Até que, em 2003, um site voltou a chamar a atenção para a telechef. The Julie/Julia Project, mantido por Julie Powell, uma texana que, após setransferircomomaridoparaNova York, queria mudar de verdade. Ela havia estudado teatro e redação cria- tiva na faculdade e, no entanto, tra- balhava como funcionária pública, lidando com queixas, sugestões e lamentos de cidadãos a respeito do vazio físico deixado pela queda das Torres Gêmeas no 11 de Setembro. Fez o blog para ir até o fim numa empreitada pessoal: cozinhar os 524 pratos de Mastering the Art of French Cooking em apenas um ano. Confor- me se aproximava da reta final, co- meçou a chamar a atenção da gran- de imprensa e, graças à repercussão de sua página na internet, realizou o sonho de se tornar escritora profissional. O primeiro livro faz um paralelo entre seus 365 dias dedicados às receitas e à luta de Julia Child para aprender a cozinhar e publicar sua obra-prima. Trata-se de Julie & Julia, que inspirou o filme estrelado por Amy Adams (Julie) e Meryl Streep (Julia). Até onde se sabe, Julia não aprovou o blog. A biógrafa Laura Shapiro, que es- creveu sobre comida para a revista americana Newsweek durante 16 anos e, por isso, chegou a entrevistar Julia, também censura o site e sua autora. “[Adiretorae roteirista]NoraEphronfezumtrabalhomaravilhoso,contandoahistóriadeJulia Child. Não foi realista em todos os detalhes, mas foi honesta de um modo geral e certamente honesta em relação ao espírito e ao caráter dela. Já Julie Powell não é uma pessoa muito sagaz ou simpática. Não fui cativada por sua história.” Polêmicas à parte, em uma coisa Laura está certa: boa parte do vigor do filme vem da personagem de Julia e da consequente presença de Meryl Streep, ainda mais por causa da impressionante semelhança entre as duas. Mas gostemos ou não de Julie Powell, foi graças a ela que o resto do mundo pôde conhecer melhor Julia Child e sua importância para a história da gastronomia. Afinal, só é possível avaliar um prato com propriedade após prová-lo. n enquantoisso,nobrasil... fazer as 124 receitas do livro Mais Você: 10 Anos, de Ana Maria Braga, em 6 meses e contar tudo em um blog. O desafio que o estudante do sexto semestre de radialismo Gabriel Barone começou a vencer em 1º de março deste ano não é a única coisa em comum com Julie Powell. Assim como a protagonista contemporânea de Julie & Julia, ele também estava para se mudar e sua situação profissional o angustiava quando foi sozinho assistir ao filme no fim de 2009. “Foi uma inspiração reveladora”, resume o moço de 21 anos. Ele já havia feito cursos de gastronomia quando vivia em Pirassununga, sua cidade natal (SP), mas, diferentemente de sua “versão americana”, Gabriel conheceu ao vivo a autora de seu guia e ainda por cima ocupou 23 minutos do Mais Você (praticamente um terço do tempo de duração da atração matinal). A aparição gerou frutos, ou melhor, seguidores. 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