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Uma reflexão
crítica sobre a
economia
política da
promessa da
nova
biomedicina
José Carlos Pinto da Costa
(CRIA/FCSH-NOVA)
Visões de
vanguarda,
imaginários
sociotécnicos e
imaginação
social
Humanidades em emergência: saúde e reconstrução social
6º Congreso Internacional de Antropología AIBR, 28-31 Julho, 2020. Edição online
Introdução
 Sheila Jasanoff identificou três
questões fundamentais que interferem
na coprodução dos futuros no contexto
da economia política da promessa que
estimula as vanguardas sociotécnicas a
projetarem os imaginários
sociotécnicos: a predominância de
organizações privadas na articulação e
propagação dos imaginários; a
existência de tensões sobre a definição
dos futuros desejáveis; e a qualidade
dos imaginários enquanto tradutores
dos entendimentos de uma sociedade
sobre o bem e o mal.
 Na presente comunicação, convido a
partirmos destas três questões para
refletir sobre as implicações da
economia política da promessa da nova
biomedicina na produção dos futuros
imaginados.
Conceitos
 Visões de vanguarda são…
… visões sociotécnicas particulares do futuro projetadas
por “pequenas comunidades que formulam e agem
intencionalmente para as construir e que terão ainda que
ser aceites pelas comunidades mais amplas, como as
nações” (Hilgartner, 2015: 34).
 Imaginários sociotécnicos são…
“…visões de futuros desejáveis coletivamente mantidas,
institucionalmente estabilizadas e publicamente
praticadas, animadas por entendimentos partilhados de
formas de vida social e de ordem social atingíveis através
de, e apoiantes de avanços na ciência e na tecnologia”
(Jasanoff, 2015: 4).
 Imaginação social é...
…a projeção potencialmente coletiva de contingências com
potencial hegemónico e organizador da vida social.
 A economia política da promessa…
… adota a promessa científica das visões de vanguarda
como ideologia e como instrumento de transformação
social e de antecipação de futuros possíveis. Este aspeto é
especialmente visível nas transformações sociotécnicas
projetadas no âmbito da biomedicina.
 Dramas tecnológicos são…
… lugares de confronto de discursividades sobre as
tecnologias desejáveis num dado período e num dado
espaço.
Predominância
de organizações
privadas na
articulação e
propagação dos
imaginários (1/2)
 Dado que as tecnologias são
desenvolvidas em empresas, e que estas
são entidades financeiras (Birch, 2017), o
seu valor é determinado não pela sua
utilidade social, mas sim pela
potencialidade de reverterem em ativos
financeiros. Este aspeto torna as
tecnologias e a ciência e a engenharia que
lhes está na origem como elementos cujo
valor é determinado pelos agentes que
percebem essa reversibilidade.
 Por força desta lógica de assetização
(assetization, cf. Birch, 2017) e
financeirização do conhecimento, as
instituições e os laboratórios científicos
vêem-se na necessidade de ajustar a
oferta à procura dos investidores. E isto
transforma os imaginários tecnocientíficos
e as visões de vanguarda em
instrumentos de propagação de poderes
potencialmente hegemónicos.
Predominância
de organizações
privadas na
articulação e
propagação dos
imaginários (2/2)
Aplicado esta realidade no contexto da economia política
da nova biomedicina, deparamo-nos com dois factos
fundamentais (não necessariamente novos):
1. Não é possível aos utentes dos serviços de saúde
compreenderem os termos em que determinada
tecnologia foi produzida ou em que as tecnologias
ausentes ou alternativas a essa não chegaram a ser
produzidas ou a sua produção foi interrompida.
Este efeito dos mercados, conhecido como
aprisionamento sociotécnico (sociotechnical lock-in,
cf. Callon & Rabeharisoa, 2008) enviesa as
potencialidades de criação das vanguardas
sociotécnicas e esconde ou fecha numa caixa negra
(cf. Whitley, 1970) as condições de possibilidade da
emergência das tecnologias do cuidado.
2. O resultado é a conformação do imaginário
sociotécnico com os interesses dos poderes
hegemónicos, com a “privatização normativa-
interpretativa da contingência” (Rommetveit &
Wynne, 2017: 139) na biopolítica atual,
diminuindo-se aos políticos e às populações o poder
de dirigirem a história.
Existência de
tensões sobre a
definição dos
futuros
desejáveis
(1/2)
 A segunda ideia salientada da citação
de Sheila Jasanoff apresentada
anteriormente é a da existência de
tensões sobre a definição dos futuros
desejáveis. A existência destas
tensões é um sintoma da ausência de
ligação entre os imaginários sociais e
a ciência e a tecnologia, embora estas
condicionem aqueles.
 De acordo com Sheila Jasanoff (2015:
5), essa ausência é desconcertante,
“porque as dimensões performativas
da autorreprodução de uma
sociedade – a promulgação e re-
promulgação dos seus imaginários –
dependem grandemente da
experimentação e da demonstração,
práticas que estão intimamente
ligadas à ciência e à tecnologia”.
Existência de
tensões sobre a
definição dos
futuros
desejáveis
(2/2)
 A ausência de ligação entre as lógicas das práticas
sociais em geral e a lógica da indagação científica é
uma construção da modernidade. Ela radica em
grande parte na tentativa de manutenção do
exercício de purificação discursiva, traduzido pela
separação entre o natural e o humano (Latour,
1993) e que teria estado na base do processo de
desencantamento do mundo iniciado com o
Iluminismo e preconizado pelos filósofos
racionalistas do século XVII.
 Apesar dos sinais de obsolescência da separação
entre a natureza e o humano, devido ao aumento
gradual da proximidade entre a ciência e a política
observada especialmente no nosso século, os
esforços de purificação discursiva, em particular
nas biociências, mantêm-se bem vivos.
 A tensão essencial entre a confusão dos
imaginários e a sua separação permanece através
desta resistência da clivagem cartesiana, e é por
isso que é necessário envolver os públicos nos
debates sobre os modelos biopolíticos a
implementar.
Os imaginários
enquanto
tradutores dos
entendimentos
de uma
sociedade sobre
o bem e o mal
(1/2)
 Na realização dos imaginários sociotécnicos são
envolvidos sistemas de ideias e de práticas cujos
desenho e definição exprimem os imaginários dos
desenhadores e dos definidores particulares.
 Os imaginários são performativos (Rommetveit &
Wynne, 2017). Neles estão mais ou menos
implícitos os sistemas de ideias que suportam as
posições mais ou menos explícitas dos agentes no
decorrer dos dramas tecnológicos (cf. Pfaffenberger,
1992).
 Durante estes dramas, o uso das estruturas de
contingência (cf. Marcus, 1995), como as
infraestruturas tecnológicas, o conhecimento, o
dinheiro ou até a própria lei, é desequilibrado,
porque os agente possuem recursos diferentes,
quer em qualidade quer em quantidade. Isto faz
com que os dramas tecnológicos sejam na verdade
jogos de poder, onde são jogados os entendimentos
sobre o que significa “valor”, ou sobre o que é
valorizado como bem e o que é valorizado como
mal.
Os imaginários
enquanto
tradutores dos
entendimentos
de uma
sociedade sobre
o bem e o mal
(2/2)
 Uma das formas de identificar e analisar os níveis de
convergência entre as posições dos atores envolvidos
nos dramas é procurando mecanismos de coligação de
discursos. As coligações de discursos aludem para a
associação dos elementos das figuras da economia
política do conhecimento numa composição de visões
parciais sobre as tecnologias em apreço. É esta a lógica
da própria coprodução, que supostamente acaba por
acautelar a continuação do imaginário democrático
(Ezrahi, 2004).
 Em síntese, as coligações de histórias particulares sobre
um futuro prometido e esperado configuram não apenas
o imaginário e as visões sociotécnicas, mas igualmente a
sua materialização em estruturas de concretização de
uma filosofia do desejo de suplantação das limitações, o
qual é demasiado antigo para ter sido inventado (Bloch,
1983). Este é o contexto em que a emergência da nova
biopolítica poderá contribui para o cumprimento de uma
função antropológica radical: o controlo das
contingências.
 O jogo de poderes reflete os
termos em que a tensão
essencial entre o imaginário
tecnocientífico e o imaginário
social são entretecidos num
dado imaginário sociotécnico
por via da imposição ou
aceitação de uma dada
discursividade. Na figura, o
subsistema politico aparece
como o campo onde a
economia política da promessa
da nova biomedicina se joga.
 A meu ver, o estudo dos modos
como este jogo conforma ou
não com a função
antropológica do conhecimento
de controlar as contingências
deve figurar como uma
necessidade maior na agenda
de investigação da
antropologia sobre a
coprodução dos imaginários
sociotécnicos.
Figura – Jogo entre os diversos stakeholders envolvidos
nos processos de coprodução dos imaginários
sociotécnicos
Conclusão
(1/2)
 A promulgação dos interesses privados pelo
imaginário tecnocientífico tem como
consequência fundamental a privatização do
imaginário sociotécnico e, por arrastamento,
do imaginário social.
 A tensão entre os imaginários tecnocientífico
e social encontra-se radicada na
diferenciação dos sistemas de ideias que
lhes são subjacentes, nos quais as ideias
são hierarquizadas em função do seu valor
social e cultural, estejamos nós a referir-nos
a culturas no sentido etnológico ou a
culturas epistémicas.
 Por esta razão, a tensão entre o imaginário
tecnocientífico e o imaginário social reflete
uma diferença de natureza sobre o que se
entende por bem e mal – ou por socialmente
bom e socialmente mau – no contexto
desses sistemas.
 O problema maior consiste em alinhar os
sistemas de ideias de forma a convergirem
num mesmo entendimento sobre o bem e o
mal no âmbito do desenvolvimento dos
dispositivos de regulação biopolítica. O
cerne do problema é, portanto, uma matéria
de preocupação sobre aquilo que se
considera ter valor, e não uma matéria de
facto, conforme referia Bruno Latour (2004).
Conclusão
(2/2)
 A análise deste problema implica considerar
o plateau científico e tecnológico como o
plano de problematização adequado para
indagar sobre a economia política da
promessa da nova biomedicina.
 Neste plateau, as matérias de preocupação
fundamentais implicarão saber: i) como é
que as visões sociotécnicas das vanguardas
interagem com os imaginários sociotécnicos
e estes com elas; ii) até que ponto e por que
modos o imaginário social ajuda a moldar o
conteúdo das visões das vanguardas; e iii)
quais e como são jogadas as capacidades
críticas dos atores envolvidos nos dramas
tecnológicos para efeitos de elaboração de
coligações discursivas tendentes à
materialização dos imaginários sociotécnicos,
nomeadamente, os relativos à saúde.
 Estas questões remetem para a necessidade
de se analisar os processos de
biomedicalização, que estão centralizados no
jogo de discursividades entre perspetivas
dominantes e perspetivas subordinadas que
tem lugar no contexto dos subsistemas
políticos.
 Tal análise poderá abrir ao escrutínio os
mecanismos de justificação dos diversos
imaginários, revelando os interesses que lhes
estão subjacentes, potenciando, assim, a
democratização dos processos de coprodução
dos imaginários sociotécnicos.
Referências citadas
 BIRCH, K. (2017), Rethinking Value in the Bio-economy: Finance,
assetization, and the management of value. «Science, Technology,
& Human Values», vol. 42(3), pp. 460-490.
 BLOCH, E. (1983), The dialectical method. «Man and World», vol.
16, pp. 281-313.
 CALLON, M. & RABEHARISOA, V. (2008), The Growing
Engagement of Emergent Concerned Groups in Political and
Economic Life: Lesson from the French Association of
Neuromuscular Disease Patients. «Science, Technology, & Human
Values», vol. 33(2), pp. 230-261.
 EZRAHI, Y. (2004), Science and the political imagination in
contemporary democracies. In JASANOFF, S. (ed.) «States of
Knowledge: The Co-Production science and social order», pp. 254-
273. New York: Routledge.
 HILGARTNER, S. (2015), Capturing the imaginary: Vanguards,
visions and the synthetic biology revolution. In HILGARTNER, S.;
MILLER, C. & HAGENDIJK, R. (eds.), «Science and Democracy:
Making knowledge and making power in the biosciences and
beyond», pp. 33-55. New York and London: Routledge.
 JASANOFF, S. (2015), Future Imperfect: Science, Technology, and
the Imaginations of Modernity. In JASANOFF, S. & KIM, S.-H.
(eds.), «Dreamscapes of Modernity: Sociotechnical Imaginaries and
the Fabrication of Power», pp. 1-33. Chicago and London:
University of Chicago Press.
 LATOUR, B. (1993), We Have Never Been Modern. Cambridge, MA:
Harvard
 LATOUR, B. (1993), We Have Never Been Modern. Cambridge, MA:
Harvard University Press.
 LATOUR, B. (2004), Politics of Nature: How to Bring the Sciences
into Democracy. Cambridge, MA: Harvard University Press.
 MARCUS, G. (1995), Introduction. In MARCUS, G. (ed.),
«Technoscientific Imaginaries: Conversations, Profiles, and
Memoirs», pp. 1-10. Chicago: University of Chicago Press.
 PFAFFENBERGER, B. (1992), Technological Dramas. «Science,
Technology & Human Values», vol. 17(3), pp. 282-312.
 ROMMETVEIT, K. & WYNNE, B. (2017), Technoscience, imagined
publics and public imaginations. «Public Understanding of
Science», vol. 26(2), pp. 133-147. DOI:
10.1177/0963662516663057.
 WHITLEY, R. (1970), Black boxing and the sociology of science: A
discussion of the major developments in the field. «Sociological
Review», May, pp. 61-92.
Obrigado

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Visões de vanguarda, imaginários sociotécnicos e imaginação social: Uma reflexão crítica sobre a economia política da promessa da nova biomedicina

  • 1. Uma reflexão crítica sobre a economia política da promessa da nova biomedicina José Carlos Pinto da Costa (CRIA/FCSH-NOVA) Visões de vanguarda, imaginários sociotécnicos e imaginação social Humanidades em emergência: saúde e reconstrução social 6º Congreso Internacional de Antropología AIBR, 28-31 Julho, 2020. Edição online
  • 2. Introdução  Sheila Jasanoff identificou três questões fundamentais que interferem na coprodução dos futuros no contexto da economia política da promessa que estimula as vanguardas sociotécnicas a projetarem os imaginários sociotécnicos: a predominância de organizações privadas na articulação e propagação dos imaginários; a existência de tensões sobre a definição dos futuros desejáveis; e a qualidade dos imaginários enquanto tradutores dos entendimentos de uma sociedade sobre o bem e o mal.  Na presente comunicação, convido a partirmos destas três questões para refletir sobre as implicações da economia política da promessa da nova biomedicina na produção dos futuros imaginados.
  • 3. Conceitos  Visões de vanguarda são… … visões sociotécnicas particulares do futuro projetadas por “pequenas comunidades que formulam e agem intencionalmente para as construir e que terão ainda que ser aceites pelas comunidades mais amplas, como as nações” (Hilgartner, 2015: 34).  Imaginários sociotécnicos são… “…visões de futuros desejáveis coletivamente mantidas, institucionalmente estabilizadas e publicamente praticadas, animadas por entendimentos partilhados de formas de vida social e de ordem social atingíveis através de, e apoiantes de avanços na ciência e na tecnologia” (Jasanoff, 2015: 4).  Imaginação social é... …a projeção potencialmente coletiva de contingências com potencial hegemónico e organizador da vida social.  A economia política da promessa… … adota a promessa científica das visões de vanguarda como ideologia e como instrumento de transformação social e de antecipação de futuros possíveis. Este aspeto é especialmente visível nas transformações sociotécnicas projetadas no âmbito da biomedicina.  Dramas tecnológicos são… … lugares de confronto de discursividades sobre as tecnologias desejáveis num dado período e num dado espaço.
  • 4. Predominância de organizações privadas na articulação e propagação dos imaginários (1/2)  Dado que as tecnologias são desenvolvidas em empresas, e que estas são entidades financeiras (Birch, 2017), o seu valor é determinado não pela sua utilidade social, mas sim pela potencialidade de reverterem em ativos financeiros. Este aspeto torna as tecnologias e a ciência e a engenharia que lhes está na origem como elementos cujo valor é determinado pelos agentes que percebem essa reversibilidade.  Por força desta lógica de assetização (assetization, cf. Birch, 2017) e financeirização do conhecimento, as instituições e os laboratórios científicos vêem-se na necessidade de ajustar a oferta à procura dos investidores. E isto transforma os imaginários tecnocientíficos e as visões de vanguarda em instrumentos de propagação de poderes potencialmente hegemónicos.
  • 5. Predominância de organizações privadas na articulação e propagação dos imaginários (2/2) Aplicado esta realidade no contexto da economia política da nova biomedicina, deparamo-nos com dois factos fundamentais (não necessariamente novos): 1. Não é possível aos utentes dos serviços de saúde compreenderem os termos em que determinada tecnologia foi produzida ou em que as tecnologias ausentes ou alternativas a essa não chegaram a ser produzidas ou a sua produção foi interrompida. Este efeito dos mercados, conhecido como aprisionamento sociotécnico (sociotechnical lock-in, cf. Callon & Rabeharisoa, 2008) enviesa as potencialidades de criação das vanguardas sociotécnicas e esconde ou fecha numa caixa negra (cf. Whitley, 1970) as condições de possibilidade da emergência das tecnologias do cuidado. 2. O resultado é a conformação do imaginário sociotécnico com os interesses dos poderes hegemónicos, com a “privatização normativa- interpretativa da contingência” (Rommetveit & Wynne, 2017: 139) na biopolítica atual, diminuindo-se aos políticos e às populações o poder de dirigirem a história.
  • 6. Existência de tensões sobre a definição dos futuros desejáveis (1/2)  A segunda ideia salientada da citação de Sheila Jasanoff apresentada anteriormente é a da existência de tensões sobre a definição dos futuros desejáveis. A existência destas tensões é um sintoma da ausência de ligação entre os imaginários sociais e a ciência e a tecnologia, embora estas condicionem aqueles.  De acordo com Sheila Jasanoff (2015: 5), essa ausência é desconcertante, “porque as dimensões performativas da autorreprodução de uma sociedade – a promulgação e re- promulgação dos seus imaginários – dependem grandemente da experimentação e da demonstração, práticas que estão intimamente ligadas à ciência e à tecnologia”.
  • 7. Existência de tensões sobre a definição dos futuros desejáveis (2/2)  A ausência de ligação entre as lógicas das práticas sociais em geral e a lógica da indagação científica é uma construção da modernidade. Ela radica em grande parte na tentativa de manutenção do exercício de purificação discursiva, traduzido pela separação entre o natural e o humano (Latour, 1993) e que teria estado na base do processo de desencantamento do mundo iniciado com o Iluminismo e preconizado pelos filósofos racionalistas do século XVII.  Apesar dos sinais de obsolescência da separação entre a natureza e o humano, devido ao aumento gradual da proximidade entre a ciência e a política observada especialmente no nosso século, os esforços de purificação discursiva, em particular nas biociências, mantêm-se bem vivos.  A tensão essencial entre a confusão dos imaginários e a sua separação permanece através desta resistência da clivagem cartesiana, e é por isso que é necessário envolver os públicos nos debates sobre os modelos biopolíticos a implementar.
  • 8. Os imaginários enquanto tradutores dos entendimentos de uma sociedade sobre o bem e o mal (1/2)  Na realização dos imaginários sociotécnicos são envolvidos sistemas de ideias e de práticas cujos desenho e definição exprimem os imaginários dos desenhadores e dos definidores particulares.  Os imaginários são performativos (Rommetveit & Wynne, 2017). Neles estão mais ou menos implícitos os sistemas de ideias que suportam as posições mais ou menos explícitas dos agentes no decorrer dos dramas tecnológicos (cf. Pfaffenberger, 1992).  Durante estes dramas, o uso das estruturas de contingência (cf. Marcus, 1995), como as infraestruturas tecnológicas, o conhecimento, o dinheiro ou até a própria lei, é desequilibrado, porque os agente possuem recursos diferentes, quer em qualidade quer em quantidade. Isto faz com que os dramas tecnológicos sejam na verdade jogos de poder, onde são jogados os entendimentos sobre o que significa “valor”, ou sobre o que é valorizado como bem e o que é valorizado como mal.
  • 9. Os imaginários enquanto tradutores dos entendimentos de uma sociedade sobre o bem e o mal (2/2)  Uma das formas de identificar e analisar os níveis de convergência entre as posições dos atores envolvidos nos dramas é procurando mecanismos de coligação de discursos. As coligações de discursos aludem para a associação dos elementos das figuras da economia política do conhecimento numa composição de visões parciais sobre as tecnologias em apreço. É esta a lógica da própria coprodução, que supostamente acaba por acautelar a continuação do imaginário democrático (Ezrahi, 2004).  Em síntese, as coligações de histórias particulares sobre um futuro prometido e esperado configuram não apenas o imaginário e as visões sociotécnicas, mas igualmente a sua materialização em estruturas de concretização de uma filosofia do desejo de suplantação das limitações, o qual é demasiado antigo para ter sido inventado (Bloch, 1983). Este é o contexto em que a emergência da nova biopolítica poderá contribui para o cumprimento de uma função antropológica radical: o controlo das contingências.
  • 10.  O jogo de poderes reflete os termos em que a tensão essencial entre o imaginário tecnocientífico e o imaginário social são entretecidos num dado imaginário sociotécnico por via da imposição ou aceitação de uma dada discursividade. Na figura, o subsistema politico aparece como o campo onde a economia política da promessa da nova biomedicina se joga.  A meu ver, o estudo dos modos como este jogo conforma ou não com a função antropológica do conhecimento de controlar as contingências deve figurar como uma necessidade maior na agenda de investigação da antropologia sobre a coprodução dos imaginários sociotécnicos. Figura – Jogo entre os diversos stakeholders envolvidos nos processos de coprodução dos imaginários sociotécnicos
  • 11. Conclusão (1/2)  A promulgação dos interesses privados pelo imaginário tecnocientífico tem como consequência fundamental a privatização do imaginário sociotécnico e, por arrastamento, do imaginário social.  A tensão entre os imaginários tecnocientífico e social encontra-se radicada na diferenciação dos sistemas de ideias que lhes são subjacentes, nos quais as ideias são hierarquizadas em função do seu valor social e cultural, estejamos nós a referir-nos a culturas no sentido etnológico ou a culturas epistémicas.  Por esta razão, a tensão entre o imaginário tecnocientífico e o imaginário social reflete uma diferença de natureza sobre o que se entende por bem e mal – ou por socialmente bom e socialmente mau – no contexto desses sistemas.  O problema maior consiste em alinhar os sistemas de ideias de forma a convergirem num mesmo entendimento sobre o bem e o mal no âmbito do desenvolvimento dos dispositivos de regulação biopolítica. O cerne do problema é, portanto, uma matéria de preocupação sobre aquilo que se considera ter valor, e não uma matéria de facto, conforme referia Bruno Latour (2004).
  • 12. Conclusão (2/2)  A análise deste problema implica considerar o plateau científico e tecnológico como o plano de problematização adequado para indagar sobre a economia política da promessa da nova biomedicina.  Neste plateau, as matérias de preocupação fundamentais implicarão saber: i) como é que as visões sociotécnicas das vanguardas interagem com os imaginários sociotécnicos e estes com elas; ii) até que ponto e por que modos o imaginário social ajuda a moldar o conteúdo das visões das vanguardas; e iii) quais e como são jogadas as capacidades críticas dos atores envolvidos nos dramas tecnológicos para efeitos de elaboração de coligações discursivas tendentes à materialização dos imaginários sociotécnicos, nomeadamente, os relativos à saúde.  Estas questões remetem para a necessidade de se analisar os processos de biomedicalização, que estão centralizados no jogo de discursividades entre perspetivas dominantes e perspetivas subordinadas que tem lugar no contexto dos subsistemas políticos.  Tal análise poderá abrir ao escrutínio os mecanismos de justificação dos diversos imaginários, revelando os interesses que lhes estão subjacentes, potenciando, assim, a democratização dos processos de coprodução dos imaginários sociotécnicos.
  • 13. Referências citadas  BIRCH, K. (2017), Rethinking Value in the Bio-economy: Finance, assetization, and the management of value. «Science, Technology, & Human Values», vol. 42(3), pp. 460-490.  BLOCH, E. (1983), The dialectical method. «Man and World», vol. 16, pp. 281-313.  CALLON, M. & RABEHARISOA, V. (2008), The Growing Engagement of Emergent Concerned Groups in Political and Economic Life: Lesson from the French Association of Neuromuscular Disease Patients. «Science, Technology, & Human Values», vol. 33(2), pp. 230-261.  EZRAHI, Y. (2004), Science and the political imagination in contemporary democracies. In JASANOFF, S. (ed.) «States of Knowledge: The Co-Production science and social order», pp. 254- 273. New York: Routledge.  HILGARTNER, S. (2015), Capturing the imaginary: Vanguards, visions and the synthetic biology revolution. In HILGARTNER, S.; MILLER, C. & HAGENDIJK, R. (eds.), «Science and Democracy: Making knowledge and making power in the biosciences and beyond», pp. 33-55. New York and London: Routledge.  JASANOFF, S. (2015), Future Imperfect: Science, Technology, and the Imaginations of Modernity. In JASANOFF, S. & KIM, S.-H. (eds.), «Dreamscapes of Modernity: Sociotechnical Imaginaries and the Fabrication of Power», pp. 1-33. Chicago and London: University of Chicago Press.  LATOUR, B. (1993), We Have Never Been Modern. Cambridge, MA: Harvard  LATOUR, B. (1993), We Have Never Been Modern. Cambridge, MA: Harvard University Press.  LATOUR, B. (2004), Politics of Nature: How to Bring the Sciences into Democracy. Cambridge, MA: Harvard University Press.  MARCUS, G. (1995), Introduction. In MARCUS, G. (ed.), «Technoscientific Imaginaries: Conversations, Profiles, and Memoirs», pp. 1-10. Chicago: University of Chicago Press.  PFAFFENBERGER, B. (1992), Technological Dramas. «Science, Technology & Human Values», vol. 17(3), pp. 282-312.  ROMMETVEIT, K. & WYNNE, B. (2017), Technoscience, imagined publics and public imaginations. «Public Understanding of Science», vol. 26(2), pp. 133-147. DOI: 10.1177/0963662516663057.  WHITLEY, R. (1970), Black boxing and the sociology of science: A discussion of the major developments in the field. «Sociological Review», May, pp. 61-92.