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UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO IGUAÇU - UNIGUAÇU
FACULDADES INTEGRADAS DO VALE DO IGUAÇU
CURSO DE DIREITO
JOELMA DE BARROS
INQUIRIÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NOS PROCESSOS JUDICIAIS
EM QUE SÃO VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL: REVITIMIZAÇÃO E A TÉCNICA
DO DEPOIMENTO SEM DANO.
UNIÃO DA VITÓRIA – PR
2016
1
JOELMA DE BARROS
INQUIRIÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NOS PROCESSOS JUDICIAIS
EM QUE SÃO VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL: REVITIMIZAÇÃO E A TÉCNICA
DO DEPOIMENTO SEM DANO.
Trabalho de Curso apresentado ao Curso
de Graduação em Direito das Faculdades
Integradas do Vale do Iguaçu, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Orientadora: Prof. Franciélis Ferreira
Vargas
UNIÃO DA VITÓRIA – PR
2016
2
JOELMA DE BARROS
INQUIRIÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NOS PROCESSOS JUDICIAIS
EM QUE SÃO VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL: REVITIMIZAÇÃO E A TÉCNICA
DO DEPOIMENTO SEM DANO.
Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito das Faculdades
Integradas do Vale do Iguaçu, como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________
Prof. Francielis Ferreira Vargas
Orientadora
_____________________________________
Prof. Cainã Domit Vieira
Avaliador
_____________________________________
Magistrado Carlos Eduardo Matioli
Avaliador
União da Vitória, ____ de ________ de 2016.
3
Aos meus pais Antonio de Barros e
Maria de Lourdes Ville de Barros.
Dedico.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais por terem me apoiado durante todo esse tempo,
agradeço aos meus amigos que sempre me auxiliaram durante todo o transcorrer da
faculdade, agradeço aos meus demais familiares que de alguma maneira me
ajudaram.
Agradeço a minha orientadora que me guiou na produção e estruturação do
presente trabalho.
5
Toda criança no mundo
Deve ser bem protegida
Contra os rigores do tempo
Contra os rigores da vida.
(RUTH ROCHA, 2002)
6
RESUMO
A violência sexual é um grande tema em discussão atualmente, é o fator que atinge
milhares de pessoas em escala mundial, independente de crença, etnia, situação
econômica e sexo. Em se tratando de violência sexual contra criança e adolescente
apresenta uma situação mais peculiar. O maior problema é a produção de provas
pela oitiva da vítima, pois em crianças e adolescentes, é possível notar que não
podem sujeitá-los a inquirição processual rotineira, pois são pessoas em
desenvolvimento e diante da posição de vulnerabilidade, poderia atribuir problemas
maiores com essa vasta gama de inquirições em juízo. Uma alternativa para não
causar a “revitimização” é o denominado “depoimento sem dano”, sendo que a
inquirição do infante será realizada de forma mais compatível com a ínfima idade
apresentada pela criança. Na inquirição de crianças, objetiva-se atender a proteção
integral tutelada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Visa atender o direito de
a criança ser ouvida e também a produção de provas nos crimes de cunho.
Palavras-chave: Proteção Integral. Vitimologia. Depoimento sem dano.
7
ABSTRACT
Sexual violence is a major issue currently under discussion, is the factor that affects
thousands of people worldwide, regardless of belief, ethnicity, economic status and
gender. In the case of sexual violence against children and adolescents has a most
peculiar situation. The biggest problem is the production of evidence by the victim's
hearsay, because in children and adolescents, you may notice can not subject them
to routine procedural hearing, as are people in development and on the position of
vulnerability, could give the biggest problems with this wide range of inquiries in
court. An alternative to not cause "revictimization" is called "No damage deposition",
and that the infant examination will be performed more consistently with the tiny age
presented by the child. In the hearing of children, the objective is to meet the full
protection supervised by the Statute of Children and Adolescents. It aims to meet the
child's right to be heard and also the production of evidence in nature of crimes.
Key-words: Full protection. Victimization. Testimony without harm.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Idade das Vítimas........................................................................43
Figura 2 – Relação do Agressor...................................................................44
Figura 3 – Cidades ......................................................................................44
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
DSD Depoimento sem dano
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
CFESS Conselho Federal de Serviço Social
CFP Conselho Federal de Psicologia
CNJ Conselho Nacional de Justiça
10
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................11
2. VITIMOLOGIA E SEUS ASPECTOS .................................................................13
2.1. VITIMIZAÇÃO .................................................................................................18
2.2. A VÍTIMA NO ÂMBITO DO DIREITO CRIMINAL ............................................19
2.3. PÓS-VITIMIZAÇÃO .........................................................................................19
2.4. REVITIMIZAÇÃO ............................................................................................20
2.4.1. Violência sexual contra crianças/adolescentes ......................................21
2.4.2. Depoimento sem dano ...............................................................................22
3. PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE ............................................27
3.1. HISTÓRICO ....................................................................................................27
3.2. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA .....................................29
3.3. PREVISÃO LEGAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ..............29
3.3.1 Direito à vida e à saúde ...............................................................................30
3.3.2 Dignidade da pessoa humana ....................................................................31
3.4. CONCEITO DE CRIANÇA E DE ADOLESCENTE .........................................32
3.5 MAUS-TRATOS ...............................................................................................33
3.6. CRIANÇAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL E A PROTEÇÃO INTEGRAL
PREVISTA NA LEI N. 8.069/90 ..............................................................................33
4. A PRODUÇÃO DE PROVA NO DIREITO PENAL ............................................38
4.1. MEIOS DE PROVAS .......................................................................................37
4.2 VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA E OS PROCEDIMENTOS PARA SUA OITIVA
................................................................................................................................39
4.2.1. Projeto “depoimento sem dano” implantado no Rio Grande Do Sul......41
4.2.2. Levantamento sobre o depoimento sem dano no Rio Grande Do Sul ...42
4.2.3. Divergência entre os profissionais ...........................................................45
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................49
REFERÊNCIAS ......................................................................................................51
11
1. INTRODUÇÃO
Atualmente a violência sexual é um grande tema em discussão, é o fator que
atinge milhares de pessoas em escala mundial, independente de crença, etnia,
situação econômica e sexo.
O maior dilema enfrentado pelo judiciário em processos dessa natureza é a
busca pela verdade real, pois os delitos de cunho sexual são cometidos longe do
público, o que dificulta a produção de prova testemunhal. Também a produção de
prova pericial, algumas vezes torna-se frustrado, tendo em vista o tempo decorrido
entre o delito e a data da denúncia, sendo assim, a principal prova encontra-se no
depoimento da vítima.
Dessa forma, acaba sofrendo o fenômeno chamado “revitimização”, pois no
decorrer da instrução processual é obrigada a relatar os fatos por diversas vezes.
No caso de criança, percebeu-se que não poderia ser sujeitado à inquirição
processual normal, pois são pessoas em desenvolvimento e diante da posição de
vulnerabilidade, poderia desencadear problemas maiores com essa vasta gama de
inquirições perante o judiciário.
Uma alternativa para o enfretamento da “revitimização” é o denominado
“depoimento sem dano”, onde a inquirição do infante será realizada de forma mais
compatível com a ínfima idade apresentada pela criança.
O presente trabalho tem por objetivo analisar se a técnica do depoimento sem
dano é uma saída para enfrentar a revitimização e garantir a proteção ideal para a
criança vítima de violência sexual. Analisar as inquirições, questionando se a técnica
e a produção de provas nesses casos seguem a observância ao melhor benefício da
criança e do adolescente e a proteção integral.
Constituir uma pesquisa, com intuito de pormenorizar a situação da produção
de provas nos processos de crimes sexuais contra crianças, onde é questionado se
inquirição das vítimas é uma forma de proteção ou violação aos direitos das crianças
e adolescentes.
Destarte, que a vítima identifica-se como desacreditada pelo Direito Penal, à
medida que aguarda decisões justas e breves em decorrência do delito cometido.
Todavia, essas expectativas em diversas ocasiões são infrutíferas em razão do
respectivo sistema falido, deficiente e sem expectativas pósteras para o seu
aperfeiçoamento na abordagem às vítimas criminais.
12
Compreendemos a emergência em colocar em destaque esta situação
universal sobre a criminalidade que está presente em torno de todos nós e o
acréscimo de delitos e vítimas, é importante desta que o poder público careceria
promover, através de incentivos, a formação de entes não governamentais, executar
políticas criminais e além do mais, promover uma gama maior de programas de
amparo e proteção às vítimas.
Ainda, há de destacar o papel da vítima no direito penal, o estudo feito a partir
da conduta da vítima é imprescindível para a verificação do delito, pois desta forma,
por diversas vezes, tendo em vista o aporte que esta teve para o cometido do crime,
é presumível que seu comportamento interfira no resultado da ação, pois poderá ser
excluído o fato típico ou a culpabilidade do acusado.
O princípio da proteção integral abrange uma conexão ao princípio do melhor
interesse do infante. Essa asseveração proclama a compreensão de que aqueles
que estiverem analisando o caso concreto abarcando direitos de crianças e
adolescente deverá aplicar o direito em consonância com o resultado mais benéfico
ao infante.
Demais disso, o trabalho visa discutir sobre a proteção integral à criança
vítima de violência sexual e o desenvolvimento de novas técnicas de inquirição
dessas vítimas.
13
2. VITIMOLOGIA E SEUS ASPECTOS
A vitimologia é o estudo científico da vítima e suas relações, seja ela com o
infrator ou com o próprio sistema, nesta análise a doutrina passou a chamar a
relação entre vítima e infrator de dupla penal1
.
Nessa acepção, Luiz Flávio Gomes e Antônio García Pablos de Molina
explanam:
O abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta
em todos os âmbitos: no Direito Penal (material e processual), na Política
Criminal, na Política Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o
campo da Sociologia e da Psicologia social, diversos autores, têm
denunciado esse abandono: o Direito Penal contemporâneo – advertem –
acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do infrator,
relegando a vítima a uma posição marginal, no âmbito da previsão social e
do Direto civil material e processual
2
.
Os impulsionadores do estudo da função das vítimas nos crimes foram Hans
Von Henting e Benjamin Mendelson, considerados os progenitores da vitimologia, na
década de 40. Eles deliberaram que a vítima era um sujeito capaz de intervir
expressivamente na ocorrência delitiva, sua composição, execução e cautela.
Atentados com a posição das vítimas de guerras e massacres advindos em
décadas antecedentes, Mendelsohn e Hentig objetivaram ainda mais seus estudos
entorno das vítimas. Advogado, Benjamin Mendelsohn concretizou sua Conferência
inicial em Bucareste, na Romênia, nomeada “Um Horizonte Novo na Ciência
Biopsicossocial: a Vitimologia”. Posteriormente, em 1958, em Bruxelas, na Bélgica,
ulterior apresentou um Simpósio em que foi debatida vastamente a matéria
Vitimologia. Com esse advento, outros congressos vieram a acontecer, e em 1985,
para materializar de vez o direito das vítimas, a Assembléia Geral das Nações
Unidas seguiu a Resolução 40/34, de 29 de novembro de 1985 de nome
“Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vitimas da Criminalidade
e Abuso de Poder – 1985”; assim, do valor que se dava somente ao Delinquente e a
_______________
1
BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso
em: 20 mar. 2016.
2
MOLINA, Antonio Garcia Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000, p. 73.
14
Criminalidade desde as Escolas Clássica e Positiva, adveio o zelo também pela
vítima3
.
Assim, em uma situação bastante contemporânea, pondera Guaracy Moreira
Filho:
Acreditamos ser a Vitimologia um ramo da Criminologia, que estuda
cientificamente as vítimas visando adverti-las, orientá-las, protegê-las e
repará-las contra o crime.
Entendemos que a Vitimologia deve, também, oferecer à sociedade meios
capazes de dificultar a ação dos delinquentes habituais e erradicar de nosso
convívio o denominado criminoso ocasional, tornando a vida das pessoas,
principalmente das grandes cidades, mais seguras e ao mesmo tempo, por
intermédio da ampla campanha, diminuir a criminalidade, atingindo a nova
dupla penal vítima-criminoso
4
.
Salienta-se que por diversas vezes ao ser avaliado essa dupla penal, é
verificado que a vítima claramente interpôs resistência e por lógica não contribuindo
para o resultado delitivo. Já em certos casos por ser atestado que a dupla penal não
é objetada, pois a vítima exerce uma função associada na decorrência do delito,
mesmo que se às vezes inconscientemente5
.
É de basilar importância esse estudo feito a partir da contribuição da vítima
para o crime, pois identificando a participação inconsiderada ou a responsabilidade,
o crime torna-se exíguo ou em algumas ocorrências pode até deixar de ser
considerado um ato delituoso6
.
Dessa forma, pondera Edgar de Moura Bittencourt, citado por Maria Iracema
Armelim Delfim:
Trata-se da análise racional da dupla delinqüente–vítima, em vista dos
antecedentes do fato, da personalidade de cada um dos sujeitos do crime e
de sua conduta nas cenas que culminaram na infração penal. A vítima será
então estudada, não como efeito nascido ou originado na realização de uma
conduta delituosa, senão, ao contrário como uma das causas, às vezes
principalíssima, que representa na produção dos crimes. Ou em outras
palavras, a consideração e a importância que se deve dar à vítima, na
etiologia do delito
7
.
_______________
3
BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso em:
20 mar. 2016.
4
MOREIRA FILHO, Guaracy. Vitimologia: O Papel da Vítima na Gênese do Delito. 2. ed. São Paulo:
Editora Jurídica Brasileira, 2004, p. 23.
5
BRANCO, Elaine Castelo, op cit.
6
Ibidem.
7
DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente
vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) -
15
Esse estudo feito a partir do comportamento da vítima é essencial para a
apuração do fato, pois desta forma, por diversas vezes, tendo em vista a
contribuição que esta teve para o cometido do ato delituoso, é possível que sua
conduta intervenha no resultado da ação, pois poderá que excluído o fato típico ou a
culpabilidade do acusado8
.
Porém, sabe-se que a emprego da citada teoria deve ser analisada no caso
concreto, pois deverá ser aplicada com cautela, a partir da verificação do fato e se
realmente houve contribuição da vítima, a fim de ser excluída tal ilicitude ou
culpabilidade. Pois não ocorrendo a análise de caso a caso, corre-se o risco de estar
isentando de pena o verdadeiro culpado pelo crime9
.
Fora das hipóteses tipificadas no Código não há de ser sem rigorosa
cautela que se admitiria o poder de exculpação do princípio da não
exigibilidade. Não é que, deliberadamente, só por exceção se deva aplicar o
princípio. Mas excepcional é, na realidade, o aparecimento de casos em
que, de fato, fora da tipificação da lei, se possa dizer que, razoavelmente, e
tendo em vista os fins do Direito Penal, não era exigível do agente um
comportamento conforme a norma
10
.
Desta forma, a proposição tem sido recebida por superioridade dos autores,
sem maiores contestações acerca da sua aplicação no caso concreto, desde que
observados os requisitos acima mencionados11
.
Mas o que se destaca é quem é a vítima? Podemos considerar vítima aquela
pessoa que passa por uma lesão causada por terceiros com culpa ou por vezes de
forma acidental, assim podemos incluir no conceito de lesão, lesões físicas ou
mentais, consternação psíquico, prejuízo financeiro ou abatimento de direitos
individuais12
.
Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005, p.
10. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>.
Acesso em: 9 abr. 2016.
8
BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso em:
20 mar. 2016.
9
Ibidem.
10
DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente
vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) -
Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005, p.
11. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>.
Acesso em: 9 abr. 2016.
11
BRANCO, Elaine Castelo, op cit.
12
Ibidem.
16
Desde o aparecimento da Vitimologia, em arrolamento a aparências múltiplas,
almejava-se estudar a personalidade da vítima, procurando compreender por que
certas pessoas aproximam-se deste destino, também buscava explanar a afinidade
entre delinquente/vítima, esta como sendo a provável fonte de desencadeamento do
fato delitivo. Porém, podemos abreviar em seis os aspectos atuais, importantes da
Vitimologia para com a coletividade13
. Assim define Calhau, citando Molina:
[...] 1. Uma nova imagem da vítima. Diversas variáveis relacionadas com a
pessoa da vítima (físicas, psíquicas, situacionais etc) condicionam o
sucesso do crime e o próprio risco de suceder ser vítima dele. Não se pode,
pois, prescindir da vítima no momento de explicar cientificamente o delito e
seu concreto modo de ocorrer; 2. Vítima e prevenção do delito. Os
programas de prevenção da criminalidade devem contar, também, com a
vítima, operando sobre aqueles grupos que exibam mais elevados riscos de
vitimização; 3. Vítima como informadora. A vítima pode auxiliar o Poder
Público e os cientistas no estudo da criminalidade oculta pela “cifra negra”,
como demonstram as “pesquisas de vitimização”; 4. Vítima e efetividade do
sistema legal. A alienação da vítima provoca o perigoso incremento da “cifra
negra” e, com ele, o desprestígio do sistema mesmo, a deterioração de sua
capacidade dissuasória e sua imprescindível credibilidade; 5. Vítima e medo
de delito. O medo do crime – o temor de converter-se em vítima de crime –
é um problema real, tanto quando dito medo tem uma base crítica, objetiva,
como quando se trata de um temor imaginário, difuso e sem fundamento.
Em qualquer caso, altera os hábitos da população, fomenta
comportamentos não solidários em face de outras vítimas, desencadeia
inevitavelmente uma política criminal passional, e, em momentos de crise,
se volta contra certas minorias as quais os formadores de opinião pública
culpam como os responsáveis dos males sociais; 6. Vítima e política social.
A vítima não reclama compaixão, mas sim respeito de seus direitos. A
efetiva “ressocialização” da vítima exige intervenção positiva dos
particulares e do Poder Público, dirigida a satisfazer solidariamente as
necessidades e expectativas reais daquela
14
.
A vítima considerada “direta”, é aquela que sofreu o trauma, “indireta” a qual
seria aquela que muito embora não tenha sofrido o trauma, mas que tem que
suportar as consequências, pois refere-se ao meio social da vítima direta15
.
Também indaga-se o fator de vulnerabilidade das vítimas quanto ao crime
estudado na visão da vitimologia, que podem ser: (a) Miserabilidade: Muitas pessoas
que encontram-se nessa circunstância, acabam por vezes e muito facilmente
_______________
13
BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso em:
20 mar. 2016.
14
CALHAU, Lélio Braga. Vítima e direito penal. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 40.
15
SOUZA, Elane. Vitímologia: a importância da vítima no delito. 2015. Disponível em:
<http://lanyy.jusbrasil.com.br/artigos/160040515/vitimologia-a-importancia-da-vitima-no-delito>.
Acesso em: 20 mar. 2016.
17
atraídas pelo tráfico, por quadrilhas e posteriormente essas vítimas acabam
tornando-se delinquentes. (b) Riqueza: Pessoas com uma situação financeira
superior são holofotes para crimes como sequestro e roubos, sendo um fator de
vulnerabilidade. (c) Idosos: Pela fragilidade emocional e física, os idosos são miras
fáceis para crimes como furtos, assaltos e estelionatos. (d) Pessoas com Deficiência:
Pessoas com a capacidade de locomoção diminuída, são facilmente vítimas de
crimes de furto. (e) Gestantes e crianças: São alvos vulneráveis por si só. (f)
Consumidores: Como o próprio Código de Defesa do Consumidor declara, o
consumidor é hipossuficiente e desta forma, alvo fácil para grandes indústrias e
comércios16
.
Mendelson classificou as vítimas como: (a) Aquela completamente inocente
isso quer dizer que, não atribuiu nada para provocar a prática delituosa. (b) A com
culpabilidade menor, neste caso favoreceu para o ato, mesmo que inconsciente. (c)
Voluntária, exemplo, o suicídio. (d) Mais culpada que o infrator, assim pode definir,
como uma vítima provocadora. (e) Culpada, que pode ter agido em legítima defesa,
imputando fato delituoso que não existiu17
.
As classificações dos tipos de vítimas são de suma seriedade para a
investigação da medida de reprovabilidade do atuante no delito, desta forma dispõe
o artigo 59 do Código Penal:
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências
do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III - [...]
18
. (grifo não original)
Como pode ser notado, o nosso ordenamento jurídico, em especial o Código
Penal, não dispõe sobre penas cominadas às vitimas que de algum modo
“influenciam” no cometimento do ato delitivo, somente é previsto a análise de seu
_______________
16
DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente
vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) -
Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005.
Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>.
Acesso em: 9 abr. 2016, p. 29.
17
Ibidem.
18
BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, 7 dez.
1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>.
Acesso em: 28 jul. 2016.
18
comportamento para extrair a responsabilidade criminal do autor do crime e sua
sanção19
.
2.1 VITIMIZAÇÃO
A vitimização é um dos aspectos estudados pela vitimologia, neste caso a
vitimização é o processo em que uma pessoa transcorre para se transformar em
vítima. Desta forma:
Iter Victimae é o caminho, interno e externo, que segue um indivíduo para
se converter em vítima, o conjunto de etapas que se operam
cronologicamente no desenvolvimento de vitimização
20
.
Esse estudo feito a partir de aspectos que levam um indivíduo a tornar-se
vítima de um crime é importante, pois com isso é necessário desenvolver o quadro
do papel que esta desenvolveu nas etapas do delito, sendo elas, a cogitação,
preparação, execução e consumação (iter criminis)21
. Neste sentido:
[...] Se o risco de vitimização se configura, segundo as estatísticas, como
um risco diferenciado (isto é, risco que se distribui não de forma igual e
uniforme – nem caprichosa – senão de forma muito discriminatória e
seletiva, tendo em vista as variáveis), parece, então, razoável a
possibilidade de evitar com eficácia muitos delitos dirigindo específicos
programas de prevenção aos grupos ou subgrupos humanos que possuem
maiores riscos de vitimização. Detectados os indicadores que convertem
certas pessoas ou grupos de pessoas em candidatos qualificados ou
propícios ao status de vítima, um meticuloso programa, cientificamente
desenhado, de conscientização, informação e tutela orientado para os
mesmos, pode e deve ser mais positivo em termos de prevenção que o
clássico recurso à ameaça da pena ou a mensagem indiscriminada e
abstrata a um hipotético infrator potencial [...]
22
.
Assim, deve-se extinguir a figura inteiramente inativa da vítima, como figura
atípica no inter criminis e completamente apática ao deliquente. Pois assim coloca
Molina:
_______________
19
DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente
vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) -
Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005.
Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>.
Acesso em: 9 abr. 2016, p. 29.
20
OLIVEIRA, Edmundo.Vitimologia e direito penal: o crime precipitado pela vítima. 2.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001.
21
DELFIM, Maria Iracema Armelin, op cit.
22
MOLINA, Antonio Garcia Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 5. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 77.
19
[...] Pouco a pouco, a Vitimologia foi ampliando seu objeto de investigação.
E, do estudo dos protagonistas do fato criminoso (autor e vítima) ou dos
fenômenos de interação assinalados, passou a se ocupar de outros temas,
sobre os quais, começa a subministrar uma valiosa informação, por
exemplo: atitudes e propensão dos sujeitos para se converterem em vítimas
de delito (“risco de vitimização”), variáveis (sexo, idade, raça etc.) que
intervêm no processo de vitimização e classes especiais de vítimas
(tipologias), danos que sofrem a vítima como conseqüência do delito
(vitimização primária), [...] comportamento da vítima (que dá notícia ao fato
criminoso) como agente de controle social penal, programas de prevenção
do delito por meio dos grupos de pessoas com elevado risco de vitimização,
programas de reparação do dano e de assistência às vítimas do delito,
autoproteção, iter victimae [...]
23
.
2.2 A VÍTIMA NO ÂMBITO DO DIREITO CRIMINAL
A vitimologia estuda e explica a realidade da vítima em inclusão ao crime, por
consequência, tendo um ajuntamento com o Direito Criminal24
.
A pretensão neste caso é expor que a vítima em sua totalidade nem sempre é
apenas um “paciente” no processo de vitimização e que o vitimizador diversas vezes
não é o culpado exclusivo pela conduta delitiva que desencadeou no crime25
.
No cruzamento entre os dois caminhos, o do vitimário e o da vítima, as
coisas deram certo para o primeiro e errado para o segundo. Mas seria
sempre assim? Diz o sábio adágio popular: “quem procura acha”. E esta é
uma das questões fundamentais da Vitimologia: em que sentido a vítima
também poderia estar “procurando”, ainda que inconscientemente, a ofensa
recebida? Quem não se precavê contra um mal, ou, pior ainda, deixa
desguarnecidas as defesas contra o mesmo, é de se suspeitar que, ao
menos inconscientemente, esteja se compatibilizando com ele e o esteja
procurando. Estes aspectos de favorecimento ou de “procura” incluem-se,
muitos deles, entre critérios norteadores das múltiplas classificações das
vítimas, destacando-se, entre elas, as de Mendelson [...]
26
.
2.3 PÓS-VITIMIZAÇÃO
Deve-se também atentar-se ao estudo das implicações da pós-vitimização.
Dentro outros fatores e circunstâncias, as crianças vítimas de abuso sexual a qual
_______________
23
MOLINA, Antonio Garcia Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 5. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 69.
24
BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso em:
20 mar. 2016.
25
Ibidem.
26
SÁ, Alvino Augusto de. Algumas considerações psicológicas sobre a vítima e a
vitimização. 2008. Disponível em: <http://www.leliobragacalhau.com.br/algumas-consideracoes-
psicologicas-sobre-a-vitima-e-a-vitimizacao/>. Acesso em: 1 ago. 2016.
20
esse estudo de pós-vitimização vai analisar presumíveis traumas, assim como as
consequências que geram na criança para o resto da vida27
.
Por exemplo, no caso de crimes de roubo ou agressão, depois do estudo
nota-se após essa experiência a vítima mantém um comportamento diverso do
habitual, o que é característica do processo de vitimização28
.
O que também é abordado é a reincidência de pessoas para vitimização e se
estas estão mais predispostas à vitimização. Desta forma, como já foi abordado, os
grupos com maior probabilidade de vitimização (crianças, gestantes, idosos, entre
outros.) são objetos de estudo, tendo como parâmetro a obtenção de motivos que
tornam certos indivíduos mais propensos à vitimização, neste caso, as origens,
fatores gerais, personalidade e características marcantes29
.
2.4 REVITIMIZAÇÃO
A revitimização é um elemento decorrente da consternação contínua ou
frequente da vítima de um ato delitivo, que ocorre posterior o cometimento do crime,
que pode acontecer instantaneamente, dias, meses ou até anos depois, porém deve
tratar-se do mesmo agente que cometeu o crime30
.
No caso de crianças vítima de violência sexual é muito comum ocorrer o que
chamamos de revitimização, pois em crimes dessa natureza onde o ato é cometido
longe do público, é muito difícil encontrar provas desse ato31
.
Nestes casos a última prova é a testemunhal, porém em se tratando de
crianças deve-se ter cautela para não causar a revitimização32
.
É importante ressaltar que a atuação da denominada ''polícia investigativa''
pode causar possível sobrevitimização, como a decorrente da primeira fase
acima analisada, em virtude da falta de preparo das autoridades em lidar
com a vítima, que já se encontra fragilizada com a situação vitimizadora, ou,
_______________
27
SÁ, Alvino Augusto de. Algumas considerações psicológicas sobre a vítima e a
vitimização. 2008. Disponível em: <http://www.leliobragacalhau.com.br/algumas-consideracoes-
psicologicas-sobre-a-vitima-e-a-vitimizacao/>. Acesso em: 1 ago. 2016.
28
Ibidem.
29
Ibidem.
30
Ibidem.
31
Ibidem.
32
Ibidem.
21
mesmo, da própria estrutura do inquérito e da polícia, assim como das
questões estruturais que se denotam da contingência brasileira
33
.
Ressalta-se que o trauma que o crime desencadeou na criança/adolescente,
irá reprisar durante o depoimento, devido à circunstância da vítima ser obrigada a
relembrar o fato em juízo34
.
Esses casos em que crianças são vítimas de violência sexual, é ainda mais
comum identificar a revitimização, pois para o colhimento da prova testemunhal, a
criança deverá passar por todo um processo criminal, escutada, relembrando o fato
que foi comentido contra ela35
.
2.4.1. Violência sexual contra crianças/adolescentes
Consiste no defloramento dos direitos sexuais, que se caracteriza com a
violência do corpo de crianças e adolescentes. Essa violência pode ser cometida
pela força ou por outro método de coação36
.
Desta forma, a criança é estimulada prematuramente para o sexo, originando
traumas para a vida toda, que evolui para uma reação doentia, como repulsa a
pessoas do mesmo sexo que o agressor, lascívia demasiada, entre outros37
.
Um breve levantamento histórico demonstra como violência e infância
estiveram e estão muito mais próximas do que gostaríamos, não só com
relação às crianças desamparadas mas também dentro da família, e nos dá
maiores esclarecimentos sobre a maior ou menor indiferença social a esse
respeito
38
.
A criança que sofre o abuso sexual, é degradada como pessoa humana, tem
rompido seus direitos, sendo que muitas vezes, o seu agressor é alguém do seu
convívio, alguém do seu lar, o qual tem o múnus de resguardá-la39
.
_______________
33
BARROS, Flaviane de Magalhães. A Participação da Vítima no Processo Penal. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008, p. 77.
34
DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente
vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) -
Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005.
Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>.
Acesso em: 9 abr. 2016.
35
Ibidem.
36
Ibidem.
37
Ibidem.
38
RANGEL, Patricia Calmon. Abuso sexual: intrafamiliar recorrente. 2. ed. Curitiba, Juruá, 2009, p.
30.
39
DELFIM, Maria Iracema Armelim, op cit.
22
O abusador seja qual for, se relaciona com a criança, aproximando-se e
cativando sua confiança e afeição, para, então, executar a prática abusiva
sexualmente. Normalmente, esse é o artifício empregado pelos agressores,
podendo, também ter a afeição dos responsáveis pela criança40
.
A violência sexual não é um fato do qual a vítima exclui da memória ou
questão que deve furtar-se. De outro modo, a violência sexual pode ocasionar
profundos danos à sadia evolução psicossocial e física da criança e/ou
adolescente41
.
Nesse sentindo, expõe Patrícia Calmon Rangel:
Num resumo de estudos realizados em 21 países (principalmente em
países desenvolvidos), publicado pela ONU em 2006, de 7 a 36 por cento
das mulheres e de 3 a 29 por cento dos homens relataram ter sido vitimas
de violência sexual na infância e a maioria dos estudos observou que
meninas sofreram abusos numa proporção 1,5 a 3 vezes mais alta que
meninos. Na maioria dos casos, o abuso ocorreu dentro do círculo familiar
42
.
Destarte, a violência atualmente é um dos maiores temores no plano mundial,
alcançando a sociedade em geral ou a individualidade. A violência incorre na ação
de um sujeito contra outro, exteriorizando-se de múltiplas formas, atribuindo
proporções típicas de vínculos próprios, científicos, sociais ou até mesmo políticos43
.
Incorporada em uma conexão histórico-social, a violência sexual, afeta todas
as camadas sociais, faixas etárias e indivíduos de qualquer sexo44
.
2.4.2. Depoimento sem dano
Os casos de julgamentos de crimes sexuais cometidos contra crianças e
adolescentes têm um significativo número dentro dos tribunais brasileiros. Esses
crimes são cometidos longe do público, desta forma, a dificuldade para comprovar o
crime por meio de prova testemunhal é quase impossível45
.
_______________
40
RANGEL, Patricia Calmon. Abuso sexual: intrafamiliar recorrente. 2. ed. Curitiba, Juruá, 2009, p.
30.
41
FURNISS, Tilman. Abuso sexual da criança. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 15.
42
Ibidem, p. 22.
43
FURNISS, Tilman. Abuso sexual da criança. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 5.
44
Ibidem.
45
FELIX, Juliana Nunes. Depoimento sem dano: evitando a revitimização de crianças e
adolescentes à luz do ordenamento jurídico pátrio. 2011. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1383/1070>. Acesso em: 18 jul. 2016.
23
Assim, a questão principal aplica-se na coleta de informação de vítimas
infanto-juvenis e que deve se ligar a alguns elementos. Neste caso, o abalo que
pode reproduzir na vítima pela coleta das declarações em juízo e a autenticidade
das declarações, são elementos primordiais que devem ser analisados46
.
Ressalta-se que o trauma que o crime desencadeou na criança/adolescente,
irá reprisar durante o depoimento, devido a circunstância de a vítima ser obrigada a
relembrar o fato em juízo. Um meio de elucidação para isso, está sendo apontada,
que é a técnica do depoimento sem dano47
.
Essa técnica consiste no depoimento obtido através de assistente social ou
psicólogo em uma sala especial, onde é acompanhado em tempo real pelo
magistrado e pelas partes por meio de vídeo. O intuito é diminuir o dano causado
pela inquirição da vítima, pois em se tratando de crianças a cautela deve ser maior48
.
O depoimento sem dano apresenta-se como uma saída do caminho da
“revitimização”, delineado em nossos códigos processuais. Intervém para assegurar
à observância ao melhor benefício da criança e do adolescente e a proteção integral.
Porém, primeiramente antes de deliberar sobre alguma técnica, devemos nos
ater ao direito da criança de se expressar e ser ouvida, conforme expõem o Estatuto
da Criança e do Adolescente. O próprio Conselho Federal de Psicologia faz uma
crítica ao projeto, nisto defendem que deve haver consideração ao “silêncio” da
criança e do adolescente. Desta forma, o direito da criança/adolescente de ser
escutado acaba sendo confundido com a obrigação de produzir prova e o de ser
absolutamente “revitimizado” em uma coleção de escutas49
.
A criança, assim, será ouvida por um profissional capacitado, que
reproduzirá as perguntas realizadas pelo Juiz e pelas partes, de uma
maneira mais inteligível, podendo o infante utilizar de objetos como lápis e
bonecas no intuito de responder os questionamentos.
Também é objetivo do projeto a garantia dos direitos da criança e do
adolescente, no que tange ao direito de ser ouvido, ter sua palavra
_______________
46
FELIX, Juliana Nunes. Depoimento sem dano: evitando a revitimização de crianças e
adolescentes à luz do ordenamento jurídico pátrio. 2011. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1383/1070>. Acesso em: 18 jul. 2016,
p. 12.
47
Ibidem.
48
Ibidem, p. 15.
49
Ibidem.
24
valorizada, respeitando-se sempre sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento
50
.
Outro impasse encontrado, é que psicólogos não promovem audiências e
realizam inquirição judicial. Essa é uma das críticas feitas pelos profissionais. Pois a
inquirição de crianças em processos criminais está fora da instrumentalidade
utilizada na profissão51
.
Deve-se também levar em conta a celeridade, pois em casos em que a
elucidação dos fatos seja mais complexa, poderia o psicólogo aceitar o silêncio da
criança, como ocorre por diversas vezes em consultas? Esses casos teriam como
ser analisados com tamanha brevidade, como sugere o procedimento do
depoimento sem dano?52
.
Existe grande disparidade entre o tema, pois os que defendem a técnica
acreditam ser importante à inquirição das vítimas, para que assim possa se obter a
verdade real. Assim defendem que por diversas vezes, essa é a única forma de se
fundar a denúncia do crime e que a dificuldade para a obtenção de provas em
crimes sexuais resulta em um número baixo de condenações53
.
Por outro lado, os que vão contra essa ideia, colocam que sustentar que o
depoimento da criança, a partir dos princípios da ampla defesa e do contraditório, é
substancial na investigação pela verdade real é um ponto de vista limitado54
.
O projeto de depoimento sem dano foi aplicado pela primeira vez no Brasil em
2003, no Rio Grande do Sul pelo magistrado José Antônio Daltoé Cezar, na 2ª Vara
da Infância e Juventude de Porto Alegre.
Quando do início do projeto em maio de 2003, a tecnologia inicialmente
utilizada era bastante singela – note-se que neste momento o projeto não
era institucional, mas uma experiência individual da 2ª Vara da Infância e da
Juventude de Porto Alegre – constituindo-se de uma câmera de segurança,
computador, microfones, placa de captura de imagem e som, bem como
suas respectivas instalações
55
.
_______________
50
FELIX, Juliana Nunes. Depoimento sem dano: evitando a revitimização de crianças e
adolescentes à luz do ordenamento jurídico pátrio. 2011, p. 13. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1383/1070>. Acesso em: 18 jul. 2016.
51
Ibidem.
52
Ibidem.
53
Ibidem.
54
Ibidem, p. 18.
55
CESAR, José Antônio Daltoé. Projeto Depoimento Sem Dano: Direito ao desenvolvimento
saudável. 2006, p. 3. Disponível em: <http://www.amb.com.br/docs/noticias/2008/projeto_DSD.pdf>
Acesso em 18 jul. 2016.
25
Destacou o magistrado que o projeto assumiu natureza institucional somente
em 2004, quando adquirido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul novos e
competentes equipamentos para a sala de audiência, viabilizando dessa forma a
qualidade da inquirição56
.
Ainda, frisou José Antônio Daltoé Cezar:
Desde abril de 2003 até 2008, quando completou o projeto cinco anos de
atividade, foram realizadas na 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto
Alegre, através do instrumental referido, mais de mil e duzentas inquirições,
tendo outras centenas sido realizadas nas outras treze comarcas do Rio
Grande do Sul que trabalham com o projeto
57
.
Nesse seguimento, observa-se que o magistrado conseguiu identificar os
obstáculos na resolução de divergências que a natureza automática do direito logra
êxito em sobrepujar58
.
Outrossim, em 2010 o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Recomendação
n. 33/2010 para os tribunais criarem um sistema hábil para a inquirição de crianças e
adolescentes.
I – a implantação de sistema de depoimento vídeogravado para as crianças
e os adolescentes, o qual deverá ser realizado em ambiente separado da
sala de audiências, com a participação de profissional especializado para
atuar nessa prática;[...]
II – os participantes de escuta judicial deverão ser especificamente
capacitados para o emprego da técnica do depoimento especial, usando os
princípios básicos da entrevista cognitiva.
III – o acolhimento deve contemplar o esclarecimento à criança ou
adolescente a respeito do motivo e efeito de sua participação no
depoimento especial, com ênfase à sua condição de sujeito em
desenvolvimento e do conseqüente direito de proteção, preferencialmente
com o emprego de cartilha previamente preparada para esta finalidade.
IV – os serviços técnicos do sistema de justiça devem estar aptos a
promover o apoio, orientação e encaminhamento de assistência à saúde
física e emocional da vítima ou testemunha e seus familiares, quando
necessários, durante e após o procedimento judicial.
V – devem ser tomadas medidas de controle de tramitação processual que
promovam a garantia do princípio da atualidade, garantindo a diminuição do
tempo entre o conhecimento do fato investigado e a audiência de
depoimento especial
59
.
_______________
56
CEZAR, José Antônio Daltoé. Projeto depoimento sem dano: direito ao desenvolvimento
saudável. 2006. p. 4. Disponível em: <http://www.amb.com.br/docs/noticias/2008/projeto_DSD.pdf>.
Acesso em: 18 jul. 2016.
57
Ibidem.
58
Ibidem.
59
CNJ/Recomendação n. 33/2010: Ementa: Recomenda aos tribunais a criação de serviços
especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos
processos judiciais. Depoimento Especial. (Publicada no DJ-e nº 215/2010, em 25/11/2010, pág.
26
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça reconhece como oportuno à
inquirição de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual na forma do
“depoimento sem dano”, levando em conta seu caráter de pessoa em
desenvolvimento.
[...] Em se tratando de crime sexual contra criança e adolescente, justifica-
se a inquirição da vítima na modalidade do "depoimento sem dano", em
respeito à sua condição especial de pessoa em desenvolvimento,
procedimento aceito no STJ, inclusive antes da deflagração da persecução
penal, mediante prova antecipada (HC 226.179-RS, Quinta Turma, DJe
16/10/2013). [...] RHC 45.589-MT, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em
24/2/2015, DJe 3/3/2015
60
.
Diante disso, é possível averiguar que o “depoimento sem dano” é uma
matéria em ascensão, pois a realidade da atividade processual hodiernamente
empregada é, além de inoperante, retrógrado e sobrepujado, cominando na busca
de modernas formas, mais humanitárias, para que os direitos inerentes às crianças
sejam aplicados na práxis.
33-34). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1194>. Acesso em 18
jul. 2016.
60
Informativo n. 0556/STJ. Disponível em <
https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:KbHNn4AD48AJ:https://ww2.stj.jus.br/do
cs_internet/informativos/RTF/Inf0556.rtf+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=BR> Acesso em 18 jul. 2016.
27
3. PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
3.1. HISTÓRICO
Os direitos da criança e do adolescente têm ganho grande destaque e é ponto
de avanço nos últimos tempos. O Código Mello Mattos foi a primeira norma que deu
atenção à criança e ao adolescente no Brasil. A referida norma surgiu com intuito
único de coordenar a situação de infantes abandonados e dos adolescentes
infratores61
.
Entretanto, o Código Mello Mattos62
foi o diploma legal pioneiro em apresentar
um direito sistemático e humanizador aos infantes, agrupando legislações
precedentes e atribuindo intervenção estatal, anteriormente não prevista.
Destarte, a criança e o adolescente nem sempre foram alvo de proteção pela
sociedade em geral, pois não se atentavam em proteger, ou até em buscar ouvir,
ignorando o significado de crianças e adolescentes serem pessoas em processo de
desenvolvimento.
A Constituição Federal de 1988 recepcionou em seu artigo 22763
a proteção à
criança e ao adolescente, sendo que a partir de convenções e tratados
internacionais inseriu em nosso ordenamento jurídico a efetiva proteção aos direitos
das pessoas em processo de desenvolvimento.
A palavra-passe da norma estabelecida na Carta Magna apresenta-se como a
“absoluta prioridade” atribuída às pessoas em fase de desenvolvimento, ou seja, as
crianças e aos adolescentes64
.
Com o advento da Constituição Federal e seus dispositivos reguladores dos
direitos inerentes às crianças e aos adolescentes, foi sancionada a lei n. 8.069 de 13
_______________
61
COSSETIN, Márcia. Socioeducação no Estado do Paraná: os sentidos de um enunciado
necessário. 2012. 190 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Stricto Sensu em Educação,
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2012, p. 29. Disponível em:
<http://200.201.88.199/portalpos/media/File/educacao/Dissertacao_marcia_cossetin.pdf>. Acesso
em: 30 jul. 2016.
62
BRASIL. Código de Menores. Decreto nº 17.943-A de 12/10/1927. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm>. Acesso em: 30 jul. 2016.
63
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
64
COSSENTIN, Márcia, op cit.
28
de julho de 1990, isto é, o Estatuto da Criança e do Adolescente, substituindo dessa
forma o então vigente Código de Menores, em vigor desde 197965
.
Desta forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90),
consolidou a direção constitucional ao regular vastamente os direitos e deveres às
crianças e aos adolescentes, e porque não mencionar aos jovens também.
O Código de Menores apresentava o menor como objeto subordinação
Estatal, corroborando com a ação estatal entre os adolescentes em que se
apresentassem em posição contrária à disposição da lei, tratados como menores em
situação irregular66
.
Com a forte influência internacional, bem como pelas convenções e tratados
em que o Brasil passou a ser signatário, tornou-se necessária a adequação
do nosso ordenamento jurídico às regras impostas, visando uma maior
proteção dos menores. Todavia, nosso legislador, percebendo o grau de
importância e discrepância que envolve a Criança e o Adolescente, partiu
para uma linha de defesa muito mais arrojada e ampla, posto que constatou
a necessidade de atendê-los não somente nessa ou naquela situação
específica, mas ao contrário, em supri-los integralmente, sem o que, pelo
fato de serem pessoas ainda em desenvolvimento, continuariam à margem
da sociedade
67
.
É possível averiguar que o Código de Menores já se encontrava em
discordância com a concepção jurídica e social em relação à maneira de abordagem
da especial condição de crianças e adolescentes68
.
Assim, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, cuidou de
inserir a atuação essencial da Família, Sociedade, Comunidade e do Estado,
conforme preconiza o artigo 227 da Constituição Federal, atribuindo a eles o dever
de defender esses direitos69
.
_______________
65
Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979, que instituiu o Código de Menores.
66
MENDES, Moacyr Pereira. A doutrina da proteção integral da criança e do adolescente frente
à lei 8.069/90. 2006. 183 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, PUC/SP, São Paulo, 2006, p.
23. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp009234.pdf>. Acesso
em: 25 jul. 2016.
67
Ibidem.
68
Ibidem.
69
A família é a unidade natural fundamental da sociedade, como proclamado no artigo 16 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos artigos 10 e 23 dos Convênios Internacionais
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e sobre Direitos Civis e Políticos, respectivamente.
Uma premissa básica da Convenção sobre os Direitos da Criança, contida em seu preâmbulo, é
que a família é o ambiente natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros -
particularmente das crianças -, reconhecendo, assim, que a família tem o maior potencial de
proteger crianças e velar por sua segurança física e emocional. A privacidade e autonomia da
família são valorizadas em todas as sociedades e o direito a uma vida privada e familiar, a um lar e
à correspondência é garantido em instrumentos internacionais de direitos humanos. (Dados
29
Destarte, antes mesmo da entrada em vigor da então Carta Magna de 1988 e
da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, já era assunto em destaque na
comunidade internacional sobre a primordialidade de amparo especial as pessoas
em desenvolvimento, tendo vista a vulnerabilidade apresentada nas primeiras
etapas de sua vida70
.
3.2. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA
Inaugurando o princípio da importância da dignidade essencial a todos os
componentes da família humana e tendo em vista os direitos inalienáveis inerentes a
eles, sendo esses direitos os da liberdade, igualdade, apregoados na Carta das
Nações Unidas (1945), assim como, o desígnio de tutelar e salvaguardar a infância e
promover o amparo especial aos infantes, conforme previstos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948), visando o desenvolvimento amplo como
indivíduo coerente e consciente, houve edição da Convenção sobre os Direitos da
Criança71
.
Consoante sistematiza o preâmbulo da Convenção, tendo em vista a
Declaração sobre os Direitos da Criança (1959) e sua essência, a Convenção dos
Direitos da Criança foi idealizada considerando-se a primordialidade de assegurar a
defesa e atenção especial à criança72
.
Composta por 54 artigos, a Convenção foi dividida em três partes e
encabeçada por um preâmbulo. Assim, cuidou de estabelecer o conceito de criança
e definiu alguns parâmetros para nortear os Estados-membros no cumprimento dos
princípios convencionados73
.
3.3. PREVISÃO LEGAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
fornecidos pelo relatório do especialista independente sobre o Estudo das Nações Unidas
sobre a Violência Contra Criança, Paulo Sérgio Pinheiro, apresentado em 23.8.2006, na
Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível em:
<http://www.unicef.org/brazil/pt/Estudo_PSP_Portugues.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2016)
70
ALBERNAZ JÚNIOR, Victor Hugo; FERREIRA, Paulo Roberto Vaz. Convenção sobre os direitos
da criança. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado11.htm>. Acesso em: 16
jul. 2016.
71
Ibidem.
72
Ibidem.
73
Ibidem.
30
Com o intuito de normatizar o artigo 227 da Constituição Federal, foi exposto
na Câmara dos Deputados, pelo Deputado Nelson Aguiar, e no Senado pelo
Senador Ronan Tito, projeto para instituir o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentindo, comenta Moacyr Pereira Mendes:
Por certo que muitas foram as batalhas enfrentadas por aqueles que
buscavam, a qualquer custo, defender um setor da sociedade que vinha
sendo tão marginalizado pelos demais segmentos. Essa luta, todavia, que
resultou na elaboração da proposta do Estatuto da Criança e do
Adolescente como nunca antes visto, dando-lhes peculiares condições e,
desta forma, tornando-os merecedores de uma proteção integral, pela
qualidade de pessoas ainda em desenvolvimento
74
.
Assim, a Lei n. 8.069/90 introduziu vários artigos visando a proteção integral
da criança e do adolescente, inclusive vítimas de violência ou abuso sexual,
resguardando seu caráter de vulnerabilidade perante a sociedade em geral, visando
sua característica de pessoa em processo de desenvolvimento. Incluiu já em seu
artigo 1º “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”75
.
A disposição “estatuto” foi aplicada de forma pertinente, pois descreve a
mescla dos direitos fundamentais substanciais ao desenvolvimento absoluto de
crianças e adolescentes, contudo, está distante de ser meramente uma norma
restrita a proferir preceitos de direito material76
.
Apresenta-se como um autêntico conjunto que protege toda a estrutura
indispensável para exercer a regra constitucional de vasta proteção da população
infanto-juvenil. O Estatuto da Criança e do Adolescente inclui-se como uma
legislação especial com abrangente extensão de domínio, inserindo normas
processuais, administrativas, estabelecendo tipos penais, entre outros77
.
3.3.1. Direito à vida e à saúde
_______________
74
MENDES, Moacyr Pereira. A doutrina da proteção integral da criança e do adolescente frente
à lei 8.069/90. 2006. 183 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, PUC/SP, São Paulo, 2006, p.
27. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp009234.pdf>. Acesso
em: 25 jul. 2016.
75
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: 25 jul.
2016.
76
MENDES, Moacyr Pereira. Op. cit., p. 27.
77
Idem.
31
Ao se falar em direito à vida, não existe nenhuma objeção em reconhecer que
é o direito de maior riqueza para a formação para a disciplina jurídica. Sendo que ao
discutir sobre os princípios e normas norteadores do ordenamento jurídico, sem a
existência da vida humana78
.
À vista disso, o Estatuto não mais que certamente enumerou o direito à vida
na relação de direitos fundamentais do ECA criando uma linha de ligação com a
norma constitucional já existe da inviolabilidade do direito à vida, exposta no artigo
5ª da Constituição Federal79
.
Adjacente ao direito à vida surge o direito à saúde, que é precisamente a
instrução e qualificação da proteção e do direito à vida80
.
3.3.2. Dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana, elencado no rol de direitos
fundamentais no texto constitucional, foi integrado ao Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Nesse seguimento, explica Guilherme Freire de Melo Barros:
Por sua importância no ordenamento jurídico e na vida em sociedade, a
dignidade da pessoa humana está mais uma vez expressa no Estatuto, que
lhe buscou traçar o conteúdo ao dispor que se deve pôr a criança e o
adolescente a salvo de tratamento desumano, violento, aterrorizante,
vexatório ou constrangedor. Trata-se de dever imposto a todos os membros
da sociedade e ao Poder Público. Crianças e adolescentes, por gozarem de
proteção absoluta. Hão de ser protegidos contra atos que violem seus
direitos da personalidade e sua dignidade. A imposição desse dever a todos
não advém somente do art. 18 do Estatuto, mas da própria Constituição da
República, cujo art. 227 estabelece tal imposição
81
.
Destarte, a dignidade da pessoa humana é a previsão normativa que deverá
ser objeto de respeito e ponderação em todo e qualquer caso, é o precedente cujo
valor deve ser objeto de busca pela sociedade em geral82
.
A lei, com base na Constituição Federal, impõe a todos a obrigação de
respeitar e fazer respeitar os direitos de crianças e adolescentes, tendo
_______________
78
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da Criança e do Adolescente. Salvador: Juspodivm,
2015, p. 40.
79
Ibidem.
80
Ibidem.
81
Ibidem, p. 41.
82
Ibidem.
32
cada cidadão o dever de agir em sua defesa, diante de qualquer ameaça ou
violação. A inércia, em tais casos, pode mesmo levar à responsabilização
daquele que se omitiu (valendo neste sentido observar o disposto no art. 5º,
in fine, do ECA), sendo exigível de toda pessoa que toma conhecimento de
ameaça ou violação ao direito de uma ou mais crianças e/ou adolescentes,
no mínimo, a comunicação do fato (ainda que se trate de mera suspeita),
aos órgãos e autoridades competentes
83
.
Sendo assim, tem de se acentuar que a dignidade da pessoa humana
demanda a contraprestação da atenção à integridade psíquica, física e moral,
compreendendo o resguardo da imagem, liberdade, identidade, moral, convicções,
juízos e crenças. O princípio da dignidade da pessoa humana situa-se no cerne da
composição dos direitos fundamentais84
.
3.4. CONCEITO DE CRIANÇA E DE ADOLESCENTE
A lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê em seu artigo
2º85
o conceito e divisões entre crianças e adolescente. Dessa forma, a definição de
criança e adolescente exposta no estatuto, tem caráter estritamente objetivo, pois
tem por finalidade caracterizar os critérios de incidência dos artigos dispostos na lei
estatutária.
Isto posto, é consabido que à criança só é possível, para efeitos do Estatuto
da Criança e do Adolescente, a aplicação de medida de proteção, em equivalência,
aos adolescentes é possível a aplicação de medidas socioeducativas, em razão da
prática de algum ato infracional86
.
Destaca-se, em tempo, que ao editar o estatuto, cuidou-se de excluir o
emprego da expressão “menor” intencionalmente, pois o legislador entendeu tratar-
se de termo depreciativo e discriminatório, reverso ao objetivo constitucional dos
direitos infanto-juvenil87
.
_______________
83
DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da criança e do
adolescente anotado e interpretado. 6. ed. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2013,
p. 21. Disponível em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2013_6ed.pdf>. Acesso em:
26 jul. 2016.
84
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da Criança e do Adolescente. Salvador: Juspodivm,
2015, p. 42.
85
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. (Lei n. 8.069/90).
86
Ibidem.
87
DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Op. cit., p. 4.
33
Ainda, é possível constatar que o artigo 2º, parágrafo único, do Estatuto da
Criança e do Adolescente trouxe em seu texto a possibilidade de aplicação em
situação excepcional àqueles que já completaram 18 anos e contém 21 anos ou
menos.
3.5. MAUS-TRATOS
É necessário destacar que a violência em embate à criança e adolescente é
capaz ocupar numerosas maneiras. Nesse sentido, a lei estatutária estabelece que
no caso de presunção ou evidência de violência contra crianças ou adolescentes, as
vítimas devem ser protegidas88
.
Sabe-se que por diversas vezes no caso de violência contra infantes, os
agressores são identificados como as pessoas que vivem no próprio seio familiar da
criança ou adolescente. Ainda, tratando-se de suspeita de violência, o Conselho
Tutelar deve ser comunicado para tomar as medidas pertinentes em cada caso89
.
3.6. CRIANÇAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL, E A PROTEÇÃO INTEGRAL
PREVISTA NA LEI N. 8.069/90.
O Estatuto da Criança e do Adolescente cuidou de salvaguardar os direitos
das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, onde é possível identificar
já em seu artigo 5º90
essa previsão, sendo o desenvolvimento do artigo 227 previsto
na Constituição Federal.
Conforme explica Wilson Donizeti Liberati:
O art. 5º do ECA regulamenta a última parte do art. 227 da CF, que visa
proteger todas as crianças e adolescentes da negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade, opressão e todos os atentados aos seus
direitos, quer por ação ou omissão. Os mandamentos constitucional e
estatutário têm sua fonte no 9º Princípio da Declaração dos Direitos da
Criança, da ONU: “A criança gozará de proteção contra quaisquer formas
_______________
88
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da Criança e do Adolescente. Salvador: Juspodivm,
2015, p. 43.
89
Ibidem.
90
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
34
de negligência, crueldade e exploração. Não será jamias objeto de tráfico,
sobe qualquer forma [...]”
91
.
A lei estatutária cuidou de proteger a criança e o adolescente de maneira
vasta, sem restringir somente aos casos de aplicação de medidas repressivas aos
adolescentes em conflito com a lei. Ao invés, a lei n. 8.069/90 integrou em seu texto
os direitos inerentes aos infantes, maneiras de amparar seu seio familiar, a
caracterização e a cominação de crimes cometidos contra os infantes. Em suma, em
relação à proteção integral tem de se abarcar a união vasta de procedimentos
jurídicos direcionados à proteção da criança e do adolescente92
.
O preceito da proteção integral compreende um vínculo ao princípio do
melhor interesse do infante. Essa afirmação expressa a concepção de que aqueles
que estiverem analisando o caso concreto envolvendo direitos de crianças e
adolescentes deverá aplicar o direito em consonância com o resultado mais benéfico
ao infante93
.
Seguindo a sistemática do Estatuto (Lei n. 8.069/90), identificamos
cominações legais em casos de divulgações pornográficas envolvendo crianças e/ou
adolescentes, previsão que foi dada pela Lei n. 11.829/200894
.
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por
qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança
ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa
95
.
Sobre o ponto em comento, leciona Murillo José Digiácomo e Ildeara de
Amorim Digiácomo:
_______________
91
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 7. ed. rev. e
ampl., de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406/2002). São Paulo: Malehiros Ed., 2003, p. 19.
92
Ibidem.
93
Ibidem.
94
As alterações promovidas à redação original do art. 240, do ECA, pela Lei nº 11.829/2008 não
importam em abolitio criminis e nem excluem a reprovabilidade da conduta. O simples ato de
fotografar criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica já caracteriza o crime
neste artigo tipificado. (DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da
criança e do adolescente anotado e interpretado. 6. ed. Curitiba: Ministério Público do Estado do
Paraná, 2013. Disponível em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2013_6ed.pdf>. Acesso em:
26 jul. 2016. p. 328).
95
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: 25 jul.
2016.
35
A lei pune com maior rigor aqueles que, prevalecendo-se de sua função ou
da relação de parentesco ou proximidade com a criança ou adolescente, a
induz à prática das condutas que o dispositivo visa coibir. Em qualquer
caso, o eventual “consentimento” da vítima e/ou o fato de já ter se envolvido
em situações similares no passado é absolutamente irrelevante para
caracterização do crime
96
.
Dessa forma, é possível verificar que a violência contra crianças e
adolescente não é legítimo e que independente da forma, a violência pode ser
precavida. Entretanto, apesar das formas de coibir a prática de violência contra
crianças e adolescentes, a violência ainda prevalece em escala mundial, autônomo
a qualquer classe, etnias, culturas, níveis de escolaridades ou faixa econômica97
.
A violência contra crianças assume diversas formas e é influenciada por
uma ampla gama de fatores, que envolvem desde as características
pessoais da vítima e do agressor até seu ambiente cultural e físico. No
entanto, grande parte da violência contra crianças continua camuflada por
muitas razões. Uma delas é o medo: muitas crianças têm medo de
denunciar incidentes de violência contra elas. Em muitos casos, os pais,
que deveriam proteger seus filhos, permanecem em silêncio se a violência
for cometida por um cônjuge ou outro familiar, um membro mais poderoso
da sociedade, como um empregador, um policial ou um líder comunitário. O
medo está estreitamente relacionado ao estigma freqüentemente associado
a denúncias de violência, particularmente em locais onde a “honra” da
família é mais valorizada do que a segurança e o bem-estar das crianças. O
estupro ou outras formas de violência sexual podem, particularmente, gerar
ostracismo, mais violência ou morte
98
.
Ainda, estudos revelam que na maioria dos casos de violência sexual são
contra crianças e adolescentes do sexo feminino e muitos ocorrem dentro do próprio
seio familiar.
_______________
96
DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da criança e do
adolescente anotado e interpretado. 6. ed. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2013,
359. Disponível em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2013_6ed.pdf>. Acesso em:
26 jul. 2016.
97
No Brasil, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Penal
dispõem sobre a proteção da criança e do adolescente contra qualquer forma de abuso sexual.
Esses textos de lei também determinam as penalidades para os que praticam a violência, ou ainda,
para aqueles que se omitem de realizar a denúncia. (ROMERO, Karen Richter Pereira dos Santos.
Crianças vítimas de violência sexual: aspectos psicológicos da dinâmica familiar. Curitiba:
Ministério Público do Estado do Paraná, 2007. p. 20 Disponível em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/vitimas_de_abuso.pdf>. Acesso em: 27
jul. 2016)
98
Dados fornecidos pelo relatório do especialista independente sobre o Estudo das Nações Unidas
sobre a Violência Contra Criança, Paulo Sérgio Pinheiro, apresentado em 23.8.2006, na
Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível em:
<http://www.unicef.org/brazil/pt/Estudo_PSP_Portugues.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2016.
36
Desde o início da gestão do serviço pela Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República, em maio de 2003, até 04.04.2006,
este mesmo serviço registrou mais de 17.000 incriminações vindas de todo
o país, das quais 28,7% correspondem a abuso sexual e 27% à exploração
sexual comercial Do total, 62% das vítimas são do sexo feminino
99
.
Contudo, é notável que os dados obtidos no País ponderam
fundamentalmente as vítimas e, em específico, não evidenciam a convivência ou até
mesmo o testemunho com estas vítimas. À vista disso, são apresentadas
essencialmente fundadas em afirmações de entidades governamentais, que em
regra depreciam a proporção dessa disfunção100
.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República informou que
entre as denúncias recebidas pelo Disque Direitos Humanos, a violência sexual
encontra-se no quarto lugar entre as violações contra crianças e adolescentes.
Sendo que no ano de 2015 foram realizadas 4.480 denúncias de casos de violência
sexual, onde 45% das vítimas do sexo feminino e 20% continham entre 4 e 7 anos.
Ainda, 58% dos casos, isto é, mais da metade das denúncias, o pai e a mãe eram os
fundamentais suspeitos das agressões, que aconteciam sobretudo na casa da
vítima101
.
Demais disso, através de pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde em
2012 revela que a violência sexual está em segundo lugar no ranking de violências
cometida contra crianças (entre 0 e 9 anos), ficando atrás somente do abandono ou
negligência. Ainda, entre crianças e adolescente (entre 10 e 14 anos), a violência
sexual só fica atrás da violência física102
.
Já entre adolescentes e jovens (entre 15 e 19 anos), a violência sexual
posiciona-se em terceiro lugar, sendo que a violência física e a violência psicológica
ocupam o primeiro e segundo lugar, respectivamente103
.
A pesquisa mostra que, em 2011, foram registrados 14.625 notificações de
violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra crianças
menores de dez anos. A violência sexual contra crianças até os 9 anos
_______________
99
RANGEL, Patricia Calmon. Abuso sexual: intrafamiliar recorrente. 2. ed. Curitiba, Juruá, 2009, p.
23.
100
Ibidem.
101
Fonte: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Disponível em: <
http://www.sdh.gov.br/noticias/2015/maio/disque-100-quatro-mil-denuncias-de-violencia-sexual-
contra-criancas-e-adolescentes-foram-registradas-no-primeiro-trimestre-de-2015>. Acesso em: 27
jul. 2016.
102
Fonte: VIVA SINAN/SVS/MS - 2011
103
Idem.
37
representa 35% das notificações. Já a negligência e o abandono tem 36%
dos registros.
Os números são do sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva)
do Ministério da Saúde. O Viva possibilita conhecer a frequência e a
gravidade das agressões e identificar a violência doméstica, sexual e outras
formas (física, sexual, psicológica e negligência/abandono). Esse tipo de
notificação se tornou obrigatório a todos os estabelecimentos de saúde do
Brasil, no ano passado.
Os dados preliminares mostram que a violência sexual também ocupa o
segundo lugar na faixa etária de 10 a 14 anos, com 10,5% das notificações,
ficando atrás apenas da violência física (13,3%). Na faixa de 15 a 19 anos,
esse tipo de agressão ocupa o terceiro lugar, com 5,2%, atrás da violência
física (28,3%) e da psicológica (7,6%). Os dados apontam também que 22%
do total de registros (3.253) envolveram menores de 1 ano e 77% foram na
faixa etária de 1 a 9 anos. O percentual é maior em crianças do sexo
masculino (17%) do que no sexo feminino (11%)
104
.
Desta forma, o SINAN informou que o estupro é a violência sexual mais
constante no caso de atendimentos realizados pela rede SUS, totalizando 59% dos
atendimentos, já na segunda posição, com 19,2% dos atendimentos, está o assédio
sexual105
.
Ainda, em relação aos agressores, tem-se que a maior parte é algum
conhecido ou amigos da família, atingindo um percentual de 28,5% dos
atendimentos realizados106
.
_______________
104
Divulgado por Portal Brasil. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/saude/2012/05/abuso-sexual-
e-o-segundo-maior-tipo-de-violencia-contra-criancas-mostra-pesquisa>. Acesso em 27. jul. 2016.
105
Dados do SINAN. Disponível
<http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_Criancas_e_Adolescentes.pdf>.
Acesso em 29 jul. 2016.
106
Ibidem.
38
4. A PRODUÇÃO DE PROVA NO DIREITO PENAL
A expressão prova remete ao caso de aprovar algo, verificar, satisfação por
alguma coisa. O ato de provar algo se apresenta de maneira relativa, tendo em vista
que nem sempre a verdade que se exterioriza para um, vai ser a verdade para outro.
O procedimento de produzir provas é, por meio de documentos, testemunhas,
perícias, entre outros, provar que tal ato foi realizado e como foi executado107
.
No âmbito do Direito Penal, a produção de provas segue alguns princípios
que visam levar o processo à busca da verdade real, contudo, sem ultrapassar o
limiar dos direitos atribuídos ao indivíduo do processo, seja ele vítima ou acusado108
.
Os princípios atribuídos à produção de provas no direito penal são o
contraditório, imediatidade do juiz, concentração e comunhão de provas. Destaca-se
que ao falar em contraditório, tem-se que toda prova apresentada no decorrer
processual deve passar pelo crivo do contraditório109
.
Ademais, quanto à imediatidade do juiz atribui-se ao fator de que todas as
provas que forem colhidas deverão ser colhidas perante o juiz, ainda deverão ser
produzidas em uma única audiência (audiência de instrução e julgamento)110
.
4.1. MEIOS DE PROVAS
Os meios de provas pode ser a perícia, que é um laudo feito por um técnico
na área da perícia, com o intuito de ajudar o juiz na formação da convicção e na
busca da verdade real111
.
Ressalta-se que a perícia pode ser feita tanto na fase do inquérito policial,
quanto na fase processual.
O exame de corpo de delito, que consiste no exame dos vestígios deixados
pelo crime, e é indispensável sua realização nos crimes que deixam vestígios112
.
_______________
107
ALBUQUERQUE, Agatha. Teoria Geral das Provas no Processo Penal. Disponível em:
<http://agathaalbuquerque.jusbrasil.com.br/artigos/187906882/teoria-geral-das-Provas-no-processo-
penal>. Acesso em: 15 jul. 2016.
108
Ibidem.
109
Ibidem.
110
Ibidem.
111
Ibidem.
112
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado (Código de Processo Penal).
39
Todavia, é possível que seja aceito a prova testemunhal, nos casos em que os
vestígios já desapareceram113
.
Já o interrogatório é a inquirição do acusado, que poderá se manifestar sobre
os fatos a ele imputados114
.
As declarações do ofendido115
poderão ser colhidas perante o juízo sempre
que possível, pois em muitos casos, a vítima é a pessoa apta para fornecer as
informações necessárias sobre o fato delituoso.
A prova testemunhal consiste na inquirição de pessoas arroladas ao
processo, que detém conhecimento sobre o crime e narra os fatos perante o juiz,
sendo que toda pessoa pode ser arrolada como testemunha em um processo
criminal, ressalvadas algumas exceções116
.
4.2. VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA E OS PROCEDIMENTOS PARA SUA
OITIVA
O Código Penal prevê em seu texto os crimes contra a liberdade sexual,
como estupro, assédio sexual, entre outros. Contudo, entre os crimes contra a
liberdade sexual, o mais comum contra crianças é o estupro117
.
Nesses casos de abuso sexual a taxa de conjunção carnal é baixa, ainda,
muitas vezes apresenta uma demora entre o crime e a denúncia, ocasionando no
desaparecimento de alguns vestígios e lesões118
.
_______________
113
Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios,
a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (Código de Processo Penal).
114
Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal,
será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado (Código de
Processo Penal).
115
Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias
da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por
termo as suas declarações (Código de Processo Penal).
116
Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto,
recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que
desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível,
por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias (Código de
Processo Penal).
117
STEFANELLO, Sarah Eidt. Váriaveis de influência no depoimento de crianças vítimas de
violência sexual. 2010. 32 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, Faculdade
de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010, p. 17.
Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos
2010_2/sarah_stefanell>. Acessoo.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2016.
118
Ibidem.
40
Ainda, aliado ao fato de que em muitos casos os agressores são indivíduos
do próprio seio familiar da criança ou pessoas próximas, ocasionando uma
desconfiança por parte do infante, que não sabe mais em quem confiar119
.
Demais disso, como diversas vezes o agressor é alguém próximo da criança,
acaba dificultando a denúncia, pois a criança teme represálias, o que acaba
ocasionando o seu silêncio120
.
Embora a peculiaridade do caso, não há em nosso ordenamento jurídico
previsão normativa especial para a inquirição das crianças e adolescentes, vítimas
de crimes sexuais121
.
Assim, a única alternativa que resta aos inquiridores é a aplicação do mesmo
método utilizado para a inquirição de adultos nos processos. Portanto, por não
considerar a condição especial de vulnerabilidade da vítima, para mais o perigo de
desencadear um abalo psicológico, implica-se, também, no risco de depreciar a
credibilidade da prova realizada com embasamento na narração dos fatos feita pelo
infante122
.
Por consequência, a criança, vítima do abuso sexual, é obrigada a relatar por
diversas vezes, para pessoas desconhecidas, um fato que lhe causa vergonha e,
além disso, se deparam muitas vezes com profissionais despreparados para inquiri-
las123
.
Sobre o tema em comento, dispõe a jurisprudência do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina:
APELAÇÃO. PRELIMINAR. NULIDADE DA OITIVA DA VÍTIMA E
TESTEMUNHA. CUIDADOS ESPECIAIS PARA A INQUIRIÇÃO DE
CRIANÇA. PRECLUSÃO. EIVA INEXISTENTE. 1 Eventual inobservância
do procedimento disposto no art. 212 do Código de Processo Penal, embora
importe na qualificação do seu valor para a formação do juízo de
convencimento, enseja nulidade relativa, sujeita à preclusão, que deve ser
arguida logo depois de ocorrer (arts. 564, IV, 571, VIII, 572, I, todos do
Código de Processo Penal). 2 Na tentativa de evitar a vitimização
secundária, especialmente de crianças e adolescentes, deve ser
incentivada a adoção de cuidados especiais, inclusive com a
_______________
119
STEFANELLO, Sarah Eidt. Váriaveis de influência no depoimento de crianças vítimas de
violência sexual. 2010. 32 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, Faculdade
de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010, p. 17.
Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos
2010_2/sarah_stefanell>. Acessoo.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2016.
120
Ibidem.
121
Ibidem.
122
Ibidem.
123
Ibidem.
41
adaptação do procedimento legal, sempre sem descurar da
fidedignidade da prova. Nesses casos, permite-se, inclusive, o
emprego da técnica "depoimento sem dano", com a participação de
profissionais especializados, consoante a Recomendação n. 33/10 do
Conselho Nacional de Justiça. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO
DELITO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. MATERIALIDADE E AUTORIA
COMPROVADAS. PALAVRAS FIRMES DA VÍTIMA CORROBORADAS
POR OUTROS ELEMENTOS. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO.
DESCLASSIFICAÇÃO. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. NÃO
CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1 As palavras da vítima,
coerentes e harmônicas em todos os momentos, respaldadas pelos
demais elementos coligidos, são aptas para embasar a procedência da
representação. 2 Demonstrada a prática de ato libidinoso diverso grave
com o fim de satisfazer a lascívia, não é possível a desclassificação para o
ato infracional análogo à contravenção penal de perturbação da
tranquilidade
124
. (grifo não original)
Nesse contexto, objetivando proporcionar uma saída para esse tipo de
situação, que o magistrado José Antonio Daltoé Cezar, em 2003, criou o projeto do
“depoimento sem dano”.
4.2.1. Projeto “depoimento sem dano” implantado no Rio Grande Do Sul
Em entrevista com a Associação de Magistrados Brasileiros, o magistrado
José Antonio Daltoé Cezar relatou os motivos que levaram ao projeto instituído em
2003, na 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre. Informou que desde seu
início na carreira da magistratura percebeu que os profissionais dessa área não
tinham o mínimo de preparo para inquirir crianças e adolescentes, principalmente as
vítimas de violência de cunho sexual125
.
Afirmou que a técnica respeita as limitações do infante, deixando que a
criança ou adolescente se manifeste como achar necessário. “O tempo do
depoimento também é estendido, pois era comum os depoimentos das crianças, na
inquirição comum”, durarem em média 10 minutos, já com a utilização da técnica, o
tempo fica mais abrangente, respeitando o tempo do infante126
.
Questionado sobre os resultados obtidos após a implantação da técnica,
respondeu o magistrado:
_______________
124
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação nº 0010010-44.2013.8.24.0054. Relator:
Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho. Florianópolis, SC de 2016. Diário da Justiça.
Florianópolis, 12 abr. 2016.
125
Entrevista com o magistrado José Antonio Daltoé Cezar. Associação de Magistrados do Brasil.
disponível em <http://www.amb.com.br/index_.asp?secao=ambonline&m=107_1> Acesso em 30 jul.
2016
126
Ibidem.
42
O principal é que o DSD aumentou o índice de responsabilização de 3%
para 59% do total das denúncias, mas há outros dados curiosos. Depois de
cinco anos, descobrimos que as crianças gostam de vir a juízo, ao contrário
dos adultos, que fazem o que podem para evitar a sala de audiência.
Antigamente a duração do testemunho da criança ou do adolescente não
passava de 10 minutos, mas com o novo método eles se sentem
confortáveis para falarem até meia hora. Outra coisa interessante é que
cerca de 70% das crianças e adolescentes ouvidas pelo DSD sentem-se
valorizados pelo juiz e ao final do depoimento manifestam espontaneamente
a vontade de conhecê-lo.
Acredito que o maior exemplo de aprovação do nosso trabalho é que
atualmente outras cidades já adotaram ou estão implantando o DSD, como
Brasília (DF), Cuiabá (MS), Goiânia (GO), Natal (RN), Porto Velho (RO), Rio
de Janeiro (RJ), Rio Branco (AC) e Serra (ES)
127
.
Esclareceu o magistrado que as críticas recebidas quanto ao Depoimento
sem Dano, são uma questão ideológica. Ainda, destacou que a Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente dispõe o direito destes
serem ouvidos.
No mundo menos de 10% das crianças e adolescentes quebram o silêncio
sobre alguma situação de violência sexual. Por muito tempo não se quis
ouvir essas vítimas com o argumento da proteção, mas a verdade é que
muitos sequer agüentam ouvir o que elas têm a dizer
128
.
Destarte, que a Inglaterra e a África do Sul são os lugares mais antigos que
adotaram um modelo diferenciado de depoimento de crianças129
.
4.2.2. Levantamento sobre o depoimento sem dano no Rio Grande do Sul
Uma pesquisa realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, entre o período de maio de 2003 a dezembro de 2008, definiu alguns dados
referente ao projeto do depoimento sem dano.
A pesquisa foi realizada em análise a 295 (duzentos e noventa e cinco)
processos que foram inquiridas crianças e adolescentes.
O primeiro dado levantado através da pesquisa foi o sexo da vítima, onde
verificou que 77% (setenta e sete por cento) das vítimas eram do sexo feminino,
sendo que somente 23% (vinte e três por cento) eram do sexo masculino.
_______________
127
Entrevista com o magistrado José Antonio Daltoé Cezar. Associação de Magistrados do Brasil.
disponível em <http://www.amb.com.br/index_.asp?secao=ambonline&m=107_1> Acesso em 30 jul.
2016.
128
Ibidem.
129
Ibidem.
43
IDADE DA VÍTIMA
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
2 3 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 18 4 DM 15 16
2
3
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
18
4
DM
15
16
Quanto a idade das vítimas, foi possível verificar crianças com 8 (oito) anos
são as vítimas mais frequentes, alcançando aproximadamente 45 (quarenta e cinco)
dos casos analisados, em segundo lugar aparece as crianças com 10 (dez) anos,
sendo vítimas de 30 (trinta) dos casos considerados.
Figura 1 – Idade das Vítimas
Fonte: Tribunal do Rio Grande do Sul, 2008.
Em relação ao comunicante dos fatos, na maioria dos casos, a mãe é quem
comunica o crime às autoridades competentes, alcançando quase 160 (cento e
sessenta) dos casos. Padrasto e irmão são o que menos comunicam o delito,
aparecendo somente em 1 (um) dos casos cada um.
O pai e o padrasto lideram o ranking de agressores, sendo 47 (quarenta e
sete) e 46 (quarenta e seis) dos casos, respectivamente. Sendo que a maioria dos
agressores tem entre 19 e 30 anos, com 27% (vinte e sente por cento) dos casos.
Em segundo lugar aparecem as pessoas entre 31 a 40 anos, com 25% (vinte e cinco
por cento). Em sequência, com 21% (vinte e um por cento) os agressores entre 41 a
50 anos, com 16% (dezesseis por cento) entre 52 e 60 anos, por último aparecem os
agressores com mais de 60 anos e os com 18 anos, com a porcentagem de 8% (oito
por cento) e 3% (três por cento) respectivamente.
44
RELAÇÃO DO AGRESSOR
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Padrasto
maridodaavó
Vizinho
Pai
Outro
Mãe
Empregado
Empregada
Tio
Irmão
Avô
Bisavô
paiadotivo
colega
padrinho
avó
enteado
primo
diretordaescola
Padrasto
marido da avó
Vizinho
Pai
Outro
Mãe
Empregado
Empregada
Tio
Irmão
Avô
Bisavô
pai adotivo
colega
padrinho
avó
enteado
primo
diretor da escola
Figura 2 – Relação do Agressor
Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2008
Os delitos praticados pelos agressores, em 99% (noventa e nove por cento)
dos casos são crimes contra a liberdade sexual, apenas 1% (um por cento) dos
casos são relacionados a outros delitos tipificados no Código Penal.
Ademais, os locais onde são cometidos os delitos aparecem como 55%
(cinquenta e cinco por cento) no interior e 45% (quarenta e cinco por cento) em
Porto Alegre.
Figura 3 – Cidades
Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2008.
O projeto do Depoimento sem Dano foi instalado em 2003 em Porto Alegre,
mas em 2008 já existiam outras cidades com o Depoimento sem Dano em operação,
45
sendo elas Erechim, Passo Fundo, Vacaria, Caxias do Sul, Osório, Novo Hamburgo,
Canoas, Santa Cruz do Sul, Pelotas, Santo Ângelo, Santa Maria, Uruguaiana e
Bagé.
Ainda, em 2009 o Tribunal do Rio Grande do Sul visava instalar o Depoimento
sem Dano em outras cidades do estado, sendo elas Palmeira das Missões, Ijuí,
Santiago, Santana do Livramento, Bento Gonçalves, Estrela, Torres, Taquara,
Gravataí, Cachoeira do Sul, Camaquã e Rio Grande130
.
4.2.3. Divergência entre os profissionais
A Associação de Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça de
São Paulo, após uma apreciação dos perigos de revitimização da criança a partir da
realização do procedimento de depoimento especial, ainda a incorreta aplicação dos
assistentes sociais e psicólogos para realizarem a inquirição, “entrou com um Pedido
de Providências junto ao CNJ para a suspensão do Protocolo do Tribunal de Justiça
de São Paulo” 131
.
[...] importantes debates foram promovidos por nossa Associação tanto
junto à cúpula dirigente da área da infância do Tribunal, como com
Magistrados, Promotores e Defensores da área criminal e colegas da Rede
de Proteção (como em Taubaté e Santo André e também em Belo Horizonte
(MG) e Vitória (ES) sendo que outros ainda virão, como em Santos, em
maio deste ano.
A cada análise e estudo que fazemos mais nos convencemos de que esta
não é uma alternativa que deva ser utilizada com vistas a impedir a
revitimização da criança. Principalmente, porque nesse procedimento
judicial que ocorre em uma Vara Criminal, a criança é chamada a fazer
prova contra alguém que, via de regra faz parte de suas relações afetivas, e
o possível abuso ocorrido deveria ser trabalhado pela Justiça e pela rede de
proteção de forma mais profunda e eficaz (do que simplesmente obrigá-la a
depor para a produção de provas), no que diz respeito aos relacionamentos
familiares e à gama de problemas aí envolvidos
132
.
Ainda, o Conselho Federal de Serviço Social emitiu uma resolução, não
reconhecendo a técnica de inquirição de criança e adolescente como função dos
profissionais de serviço social.
_______________
130
CEZAR, José Antônio Daltoé. Projeto depoimento sem dano: direito ao desenvolvimento
saudável. 2006. Disponível em: <http://www.amb.com.br/docs/noticias/2008/projeto_DSD.pdf>.
Acesso em: 18 jul. 2016.
131
BORGIANNI, Elisabete. Escuta Especial (Depoimento Sem Dano): subsídios aos que não
querem dela participar. 2015. Disponível em: <http://www.aasptjsp.org.br/noticia/escuta-especial-
depoimento-sem-dano-subsídios-aos-que-não-querem-dela-participar>. Acesso em: 31 jul. 2016.
132
Ibidem.
46
EMENTA: Dispõe sobre o não reconhecimento da inquirição das vítimas
crianças e adolescentes no processo judicial, sob a Metodologia do
Depoimento Sem Dano/DSD, como sendo atribuição ou competência do
profissional assistente social
133
.
Já o Conselho Federal de Psicologia emitiu a Resolução n. 10/2010,
regulamentando o processo de inquirição de criança e adolescente por psicólogos.
Assim dispõe a ementa da Resolução: “Institui a regulamentação da Escuta
Psicológica de Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência, na
Rede de Proteção”134
.
Dessa forma, assim dispõe a referida Resolução do CFP:
A escuta de crianças e de adolescentes deve ser – em qualquer contexto –
fundamentada no princípio da proteção integral, na legislação específica da
profissão e nos marcos teóricos, técnicos e metodológicos da Psicologia
como ciência e profissão. A escuta deve ter como princípio a
intersetorialidade e a interdisciplinaridade, respeitndo a autonomia da
atuação do psicólogo, sem confundir o diálogo entre as disciplinas com a
submissão de demandas produzidas nos diferentes campos de trabalho e
do conhecimento. Diferencia-se, portanto, da inquirição judicial, do diálogo
informal, da investigação policial, entre outros
135
.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
ESTUPRO DE VULNERÁVEL. OITIVA DA VÍTIMA MEDIANTE
"DEPOIMENTO SEM DANO". CONCORDÂNCIA DA DEFESA. NULIDADE.
INEXISTÊNCIA. 1. Esta Corte tem entendido justificada, nos crimes
sexuais contra criança e adolescente, a inquirição da vítima na
modalidade do "depoimento sem dano", em respeito à sua condição
especial de pessoa em desenvolvimento, procedimento admitido,
inclusive, antes da deflagração da persecução penal, mediante prova
antecipada (HC 226.179/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 16/10/2013). 2. A oitiva da vítima do
crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), em audiência de instrução,
sem a presença do réu e de seu defensor não inquina de nulidade o ato, por
cerceamento ao direito de defesa, se o advogado do acusado aquiesceu
àquela forma de inquirição, dela não se insurgindo, nem naquela
oportunidade, nem ao oferecer alegações finais. 3. Além da inércia da
defesa, que acarreta preclusão de eventual vício processual, não restou
demonstrado prejuízo concreto ao réu, incidindo, na espécie, o disposto no
_______________
133
Resolução do Conselho Federal de Serviço Social - CFESS n. 554 de 15 de setembro de 2009.
Disponível em: < http://www.cfess.org.br/arquivos/Resolucao_CFESS_554-2009.pdf> Acesso em:
31 jul. 2016
134
Resolução do Conselho Federal de Psicologia – CFP n. 10 de 29 de julho de 2010. Disponível em
<http://www.crpmg.org.br/CRP2/File/resolucao010%20de%202010.pdf> Acesso em: 31 jul. 2016.
135
Regulamentação da escuta psicológica de crianças e adolescentes envolvidos em situação de
violência, na rede de proteção. Disponível em
<http://www.crpmg.org.br/CRP2/File/resolucao010%20de%202010.pdf> Acesso em: 31 jul. 2016. p.
3.
47
art. 563 do Código de Processo Penal, que acolheu o princípio pas de nullité
sans grief. Precedentes. 4. A palavra da vítima nos crimes contra a
liberdade sexual, que geralmente são praticados na clandestinidade,
assume relevantíssimo valor probatório, mormente se corroborada por
outros elementos (AgRg no AREsp 608.342/PI, Rel. Ministro WALTER DE
ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP),
QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 09/02/2015). 5. No caso,
além do depoimento da vítima, o magistrado sentenciante, no decreto
condenatório, considerou o teor dos testemunhos colhidos em juízo e o
relatório de avaliação da menor realizado pelo Conselho Municipal para
formar seu convencimento. 6. Recurso ordinário desprovido. (STJ - RHC:
45589 MT 2014/0041101-2, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de
Julgamento: 24/02/2015, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
03/03/2015)
136
. (grifo não original)
Outro ponto que merece destaque é que a criança tem alta vulnerabilidade,
assim é comum que o primeiro relato prestado pela criança será o mais harmônico
com a veracidade dos fatos. Todavia, o depoimento prestado na fase do inquérito
policial não passa pelo crivo do contraditório, dessa forma a criança terá que ser
inquirida novamente em juízo137
.
O preparo dos profissionais também é um ponto importante debatido, tanto os
profissionais do direito, quanto os demais profissionais que realizam a oitiva da
criança e do adolescente138
.
[...] a necessidade de preparo dos profissionais tanto do direito (delegados,
promotores, juízes, advogados e defensores) quanto das demais áreas
(psicologia, psiquiatria e serviço social). Esse configura o primeiro e talvez o
principal passo para a redução da vulnerabilidade do depoimento infantil. De
nada adianta existirem pesquisas e estudos sobre o tema e os profissionais
continuarem desabilitados para tanto. Importante ressaltar que as questões
de sugestionabilidade e falsificação de memórias já são antigas para as
áreas psicológicas e psiquiátricas, entretanto parecem ser praticamente
desconhecidas para o âmbito jurídico
139
.
Demais disso, alguns profissionais, como assistentes sociais e psicólogos,
criticam a técnica por ser uma violação ao devido processo legal, pois quem faz a
inquirição da criança é normalmente é um terceiro. Ainda, o Depoimento sem Dano
_______________
136
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário nº 45589. Relator: Ministro Gurgel de
Faria. Diário da Justiça. Brasília, 3 mar. 2015.
137
STEFANELLO, Sarah Eidt. Váriaveis de influência no depoimento de crianças vítimas de
violência sexual. 2010. 32 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, Faculdade
de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. Disponível
em:
<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_2/sarah_stefanell
o.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2016. p. 22.
138
Ibidem.
139
Ibidem.
Inquirição de crianças vítimas de violência sexual
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Inquirição de crianças vítimas de violência sexual

  • 1. UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO IGUAÇU - UNIGUAÇU FACULDADES INTEGRADAS DO VALE DO IGUAÇU CURSO DE DIREITO JOELMA DE BARROS INQUIRIÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NOS PROCESSOS JUDICIAIS EM QUE SÃO VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL: REVITIMIZAÇÃO E A TÉCNICA DO DEPOIMENTO SEM DANO. UNIÃO DA VITÓRIA – PR 2016
  • 2. 1 JOELMA DE BARROS INQUIRIÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NOS PROCESSOS JUDICIAIS EM QUE SÃO VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL: REVITIMIZAÇÃO E A TÉCNICA DO DEPOIMENTO SEM DANO. Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof. Franciélis Ferreira Vargas UNIÃO DA VITÓRIA – PR 2016
  • 3. 2 JOELMA DE BARROS INQUIRIÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NOS PROCESSOS JUDICIAIS EM QUE SÃO VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL: REVITIMIZAÇÃO E A TÉCNICA DO DEPOIMENTO SEM DANO. Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. COMISSÃO EXAMINADORA _____________________________________ Prof. Francielis Ferreira Vargas Orientadora _____________________________________ Prof. Cainã Domit Vieira Avaliador _____________________________________ Magistrado Carlos Eduardo Matioli Avaliador União da Vitória, ____ de ________ de 2016.
  • 4. 3 Aos meus pais Antonio de Barros e Maria de Lourdes Ville de Barros. Dedico.
  • 5. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais por terem me apoiado durante todo esse tempo, agradeço aos meus amigos que sempre me auxiliaram durante todo o transcorrer da faculdade, agradeço aos meus demais familiares que de alguma maneira me ajudaram. Agradeço a minha orientadora que me guiou na produção e estruturação do presente trabalho.
  • 6. 5 Toda criança no mundo Deve ser bem protegida Contra os rigores do tempo Contra os rigores da vida. (RUTH ROCHA, 2002)
  • 7. 6 RESUMO A violência sexual é um grande tema em discussão atualmente, é o fator que atinge milhares de pessoas em escala mundial, independente de crença, etnia, situação econômica e sexo. Em se tratando de violência sexual contra criança e adolescente apresenta uma situação mais peculiar. O maior problema é a produção de provas pela oitiva da vítima, pois em crianças e adolescentes, é possível notar que não podem sujeitá-los a inquirição processual rotineira, pois são pessoas em desenvolvimento e diante da posição de vulnerabilidade, poderia atribuir problemas maiores com essa vasta gama de inquirições em juízo. Uma alternativa para não causar a “revitimização” é o denominado “depoimento sem dano”, sendo que a inquirição do infante será realizada de forma mais compatível com a ínfima idade apresentada pela criança. Na inquirição de crianças, objetiva-se atender a proteção integral tutelada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Visa atender o direito de a criança ser ouvida e também a produção de provas nos crimes de cunho. Palavras-chave: Proteção Integral. Vitimologia. Depoimento sem dano.
  • 8. 7 ABSTRACT Sexual violence is a major issue currently under discussion, is the factor that affects thousands of people worldwide, regardless of belief, ethnicity, economic status and gender. In the case of sexual violence against children and adolescents has a most peculiar situation. The biggest problem is the production of evidence by the victim's hearsay, because in children and adolescents, you may notice can not subject them to routine procedural hearing, as are people in development and on the position of vulnerability, could give the biggest problems with this wide range of inquiries in court. An alternative to not cause "revictimization" is called "No damage deposition", and that the infant examination will be performed more consistently with the tiny age presented by the child. In the hearing of children, the objective is to meet the full protection supervised by the Statute of Children and Adolescents. It aims to meet the child's right to be heard and also the production of evidence in nature of crimes. Key-words: Full protection. Victimization. Testimony without harm.
  • 9. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Idade das Vítimas........................................................................43 Figura 2 – Relação do Agressor...................................................................44 Figura 3 – Cidades ......................................................................................44
  • 10. 9 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS DSD Depoimento sem dano ECA Estatuto da Criança e do Adolescente CFESS Conselho Federal de Serviço Social CFP Conselho Federal de Psicologia CNJ Conselho Nacional de Justiça
  • 11. 10 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................11 2. VITIMOLOGIA E SEUS ASPECTOS .................................................................13 2.1. VITIMIZAÇÃO .................................................................................................18 2.2. A VÍTIMA NO ÂMBITO DO DIREITO CRIMINAL ............................................19 2.3. PÓS-VITIMIZAÇÃO .........................................................................................19 2.4. REVITIMIZAÇÃO ............................................................................................20 2.4.1. Violência sexual contra crianças/adolescentes ......................................21 2.4.2. Depoimento sem dano ...............................................................................22 3. PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE ............................................27 3.1. HISTÓRICO ....................................................................................................27 3.2. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA .....................................29 3.3. PREVISÃO LEGAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ..............29 3.3.1 Direito à vida e à saúde ...............................................................................30 3.3.2 Dignidade da pessoa humana ....................................................................31 3.4. CONCEITO DE CRIANÇA E DE ADOLESCENTE .........................................32 3.5 MAUS-TRATOS ...............................................................................................33 3.6. CRIANÇAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL E A PROTEÇÃO INTEGRAL PREVISTA NA LEI N. 8.069/90 ..............................................................................33 4. A PRODUÇÃO DE PROVA NO DIREITO PENAL ............................................38 4.1. MEIOS DE PROVAS .......................................................................................37 4.2 VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA E OS PROCEDIMENTOS PARA SUA OITIVA ................................................................................................................................39 4.2.1. Projeto “depoimento sem dano” implantado no Rio Grande Do Sul......41 4.2.2. Levantamento sobre o depoimento sem dano no Rio Grande Do Sul ...42 4.2.3. Divergência entre os profissionais ...........................................................45 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................49 REFERÊNCIAS ......................................................................................................51
  • 12. 11 1. INTRODUÇÃO Atualmente a violência sexual é um grande tema em discussão, é o fator que atinge milhares de pessoas em escala mundial, independente de crença, etnia, situação econômica e sexo. O maior dilema enfrentado pelo judiciário em processos dessa natureza é a busca pela verdade real, pois os delitos de cunho sexual são cometidos longe do público, o que dificulta a produção de prova testemunhal. Também a produção de prova pericial, algumas vezes torna-se frustrado, tendo em vista o tempo decorrido entre o delito e a data da denúncia, sendo assim, a principal prova encontra-se no depoimento da vítima. Dessa forma, acaba sofrendo o fenômeno chamado “revitimização”, pois no decorrer da instrução processual é obrigada a relatar os fatos por diversas vezes. No caso de criança, percebeu-se que não poderia ser sujeitado à inquirição processual normal, pois são pessoas em desenvolvimento e diante da posição de vulnerabilidade, poderia desencadear problemas maiores com essa vasta gama de inquirições perante o judiciário. Uma alternativa para o enfretamento da “revitimização” é o denominado “depoimento sem dano”, onde a inquirição do infante será realizada de forma mais compatível com a ínfima idade apresentada pela criança. O presente trabalho tem por objetivo analisar se a técnica do depoimento sem dano é uma saída para enfrentar a revitimização e garantir a proteção ideal para a criança vítima de violência sexual. Analisar as inquirições, questionando se a técnica e a produção de provas nesses casos seguem a observância ao melhor benefício da criança e do adolescente e a proteção integral. Constituir uma pesquisa, com intuito de pormenorizar a situação da produção de provas nos processos de crimes sexuais contra crianças, onde é questionado se inquirição das vítimas é uma forma de proteção ou violação aos direitos das crianças e adolescentes. Destarte, que a vítima identifica-se como desacreditada pelo Direito Penal, à medida que aguarda decisões justas e breves em decorrência do delito cometido. Todavia, essas expectativas em diversas ocasiões são infrutíferas em razão do respectivo sistema falido, deficiente e sem expectativas pósteras para o seu aperfeiçoamento na abordagem às vítimas criminais.
  • 13. 12 Compreendemos a emergência em colocar em destaque esta situação universal sobre a criminalidade que está presente em torno de todos nós e o acréscimo de delitos e vítimas, é importante desta que o poder público careceria promover, através de incentivos, a formação de entes não governamentais, executar políticas criminais e além do mais, promover uma gama maior de programas de amparo e proteção às vítimas. Ainda, há de destacar o papel da vítima no direito penal, o estudo feito a partir da conduta da vítima é imprescindível para a verificação do delito, pois desta forma, por diversas vezes, tendo em vista o aporte que esta teve para o cometido do crime, é presumível que seu comportamento interfira no resultado da ação, pois poderá ser excluído o fato típico ou a culpabilidade do acusado. O princípio da proteção integral abrange uma conexão ao princípio do melhor interesse do infante. Essa asseveração proclama a compreensão de que aqueles que estiverem analisando o caso concreto abarcando direitos de crianças e adolescente deverá aplicar o direito em consonância com o resultado mais benéfico ao infante. Demais disso, o trabalho visa discutir sobre a proteção integral à criança vítima de violência sexual e o desenvolvimento de novas técnicas de inquirição dessas vítimas.
  • 14. 13 2. VITIMOLOGIA E SEUS ASPECTOS A vitimologia é o estudo científico da vítima e suas relações, seja ela com o infrator ou com o próprio sistema, nesta análise a doutrina passou a chamar a relação entre vítima e infrator de dupla penal1 . Nessa acepção, Luiz Flávio Gomes e Antônio García Pablos de Molina explanam: O abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos: no Direito Penal (material e processual), na Política Criminal, na Política Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o campo da Sociologia e da Psicologia social, diversos autores, têm denunciado esse abandono: o Direito Penal contemporâneo – advertem – acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, no âmbito da previsão social e do Direto civil material e processual 2 . Os impulsionadores do estudo da função das vítimas nos crimes foram Hans Von Henting e Benjamin Mendelson, considerados os progenitores da vitimologia, na década de 40. Eles deliberaram que a vítima era um sujeito capaz de intervir expressivamente na ocorrência delitiva, sua composição, execução e cautela. Atentados com a posição das vítimas de guerras e massacres advindos em décadas antecedentes, Mendelsohn e Hentig objetivaram ainda mais seus estudos entorno das vítimas. Advogado, Benjamin Mendelsohn concretizou sua Conferência inicial em Bucareste, na Romênia, nomeada “Um Horizonte Novo na Ciência Biopsicossocial: a Vitimologia”. Posteriormente, em 1958, em Bruxelas, na Bélgica, ulterior apresentou um Simpósio em que foi debatida vastamente a matéria Vitimologia. Com esse advento, outros congressos vieram a acontecer, e em 1985, para materializar de vez o direito das vítimas, a Assembléia Geral das Nações Unidas seguiu a Resolução 40/34, de 29 de novembro de 1985 de nome “Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vitimas da Criminalidade e Abuso de Poder – 1985”; assim, do valor que se dava somente ao Delinquente e a _______________ 1 BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso em: 20 mar. 2016. 2 MOLINA, Antonio Garcia Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 73.
  • 15. 14 Criminalidade desde as Escolas Clássica e Positiva, adveio o zelo também pela vítima3 . Assim, em uma situação bastante contemporânea, pondera Guaracy Moreira Filho: Acreditamos ser a Vitimologia um ramo da Criminologia, que estuda cientificamente as vítimas visando adverti-las, orientá-las, protegê-las e repará-las contra o crime. Entendemos que a Vitimologia deve, também, oferecer à sociedade meios capazes de dificultar a ação dos delinquentes habituais e erradicar de nosso convívio o denominado criminoso ocasional, tornando a vida das pessoas, principalmente das grandes cidades, mais seguras e ao mesmo tempo, por intermédio da ampla campanha, diminuir a criminalidade, atingindo a nova dupla penal vítima-criminoso 4 . Salienta-se que por diversas vezes ao ser avaliado essa dupla penal, é verificado que a vítima claramente interpôs resistência e por lógica não contribuindo para o resultado delitivo. Já em certos casos por ser atestado que a dupla penal não é objetada, pois a vítima exerce uma função associada na decorrência do delito, mesmo que se às vezes inconscientemente5 . É de basilar importância esse estudo feito a partir da contribuição da vítima para o crime, pois identificando a participação inconsiderada ou a responsabilidade, o crime torna-se exíguo ou em algumas ocorrências pode até deixar de ser considerado um ato delituoso6 . Dessa forma, pondera Edgar de Moura Bittencourt, citado por Maria Iracema Armelim Delfim: Trata-se da análise racional da dupla delinqüente–vítima, em vista dos antecedentes do fato, da personalidade de cada um dos sujeitos do crime e de sua conduta nas cenas que culminaram na infração penal. A vítima será então estudada, não como efeito nascido ou originado na realização de uma conduta delituosa, senão, ao contrário como uma das causas, às vezes principalíssima, que representa na produção dos crimes. Ou em outras palavras, a consideração e a importância que se deve dar à vítima, na etiologia do delito 7 . _______________ 3 BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso em: 20 mar. 2016. 4 MOREIRA FILHO, Guaracy. Vitimologia: O Papel da Vítima na Gênese do Delito. 2. ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004, p. 23. 5 BRANCO, Elaine Castelo, op cit. 6 Ibidem. 7 DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) -
  • 16. 15 Esse estudo feito a partir do comportamento da vítima é essencial para a apuração do fato, pois desta forma, por diversas vezes, tendo em vista a contribuição que esta teve para o cometido do ato delituoso, é possível que sua conduta intervenha no resultado da ação, pois poderá que excluído o fato típico ou a culpabilidade do acusado8 . Porém, sabe-se que a emprego da citada teoria deve ser analisada no caso concreto, pois deverá ser aplicada com cautela, a partir da verificação do fato e se realmente houve contribuição da vítima, a fim de ser excluída tal ilicitude ou culpabilidade. Pois não ocorrendo a análise de caso a caso, corre-se o risco de estar isentando de pena o verdadeiro culpado pelo crime9 . Fora das hipóteses tipificadas no Código não há de ser sem rigorosa cautela que se admitiria o poder de exculpação do princípio da não exigibilidade. Não é que, deliberadamente, só por exceção se deva aplicar o princípio. Mas excepcional é, na realidade, o aparecimento de casos em que, de fato, fora da tipificação da lei, se possa dizer que, razoavelmente, e tendo em vista os fins do Direito Penal, não era exigível do agente um comportamento conforme a norma 10 . Desta forma, a proposição tem sido recebida por superioridade dos autores, sem maiores contestações acerca da sua aplicação no caso concreto, desde que observados os requisitos acima mencionados11 . Mas o que se destaca é quem é a vítima? Podemos considerar vítima aquela pessoa que passa por uma lesão causada por terceiros com culpa ou por vezes de forma acidental, assim podemos incluir no conceito de lesão, lesões físicas ou mentais, consternação psíquico, prejuízo financeiro ou abatimento de direitos individuais12 . Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005, p. 10. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>. Acesso em: 9 abr. 2016. 8 BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso em: 20 mar. 2016. 9 Ibidem. 10 DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005, p. 11. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>. Acesso em: 9 abr. 2016. 11 BRANCO, Elaine Castelo, op cit. 12 Ibidem.
  • 17. 16 Desde o aparecimento da Vitimologia, em arrolamento a aparências múltiplas, almejava-se estudar a personalidade da vítima, procurando compreender por que certas pessoas aproximam-se deste destino, também buscava explanar a afinidade entre delinquente/vítima, esta como sendo a provável fonte de desencadeamento do fato delitivo. Porém, podemos abreviar em seis os aspectos atuais, importantes da Vitimologia para com a coletividade13 . Assim define Calhau, citando Molina: [...] 1. Uma nova imagem da vítima. Diversas variáveis relacionadas com a pessoa da vítima (físicas, psíquicas, situacionais etc) condicionam o sucesso do crime e o próprio risco de suceder ser vítima dele. Não se pode, pois, prescindir da vítima no momento de explicar cientificamente o delito e seu concreto modo de ocorrer; 2. Vítima e prevenção do delito. Os programas de prevenção da criminalidade devem contar, também, com a vítima, operando sobre aqueles grupos que exibam mais elevados riscos de vitimização; 3. Vítima como informadora. A vítima pode auxiliar o Poder Público e os cientistas no estudo da criminalidade oculta pela “cifra negra”, como demonstram as “pesquisas de vitimização”; 4. Vítima e efetividade do sistema legal. A alienação da vítima provoca o perigoso incremento da “cifra negra” e, com ele, o desprestígio do sistema mesmo, a deterioração de sua capacidade dissuasória e sua imprescindível credibilidade; 5. Vítima e medo de delito. O medo do crime – o temor de converter-se em vítima de crime – é um problema real, tanto quando dito medo tem uma base crítica, objetiva, como quando se trata de um temor imaginário, difuso e sem fundamento. Em qualquer caso, altera os hábitos da população, fomenta comportamentos não solidários em face de outras vítimas, desencadeia inevitavelmente uma política criminal passional, e, em momentos de crise, se volta contra certas minorias as quais os formadores de opinião pública culpam como os responsáveis dos males sociais; 6. Vítima e política social. A vítima não reclama compaixão, mas sim respeito de seus direitos. A efetiva “ressocialização” da vítima exige intervenção positiva dos particulares e do Poder Público, dirigida a satisfazer solidariamente as necessidades e expectativas reais daquela 14 . A vítima considerada “direta”, é aquela que sofreu o trauma, “indireta” a qual seria aquela que muito embora não tenha sofrido o trauma, mas que tem que suportar as consequências, pois refere-se ao meio social da vítima direta15 . Também indaga-se o fator de vulnerabilidade das vítimas quanto ao crime estudado na visão da vitimologia, que podem ser: (a) Miserabilidade: Muitas pessoas que encontram-se nessa circunstância, acabam por vezes e muito facilmente _______________ 13 BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso em: 20 mar. 2016. 14 CALHAU, Lélio Braga. Vítima e direito penal. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 40. 15 SOUZA, Elane. Vitímologia: a importância da vítima no delito. 2015. Disponível em: <http://lanyy.jusbrasil.com.br/artigos/160040515/vitimologia-a-importancia-da-vitima-no-delito>. Acesso em: 20 mar. 2016.
  • 18. 17 atraídas pelo tráfico, por quadrilhas e posteriormente essas vítimas acabam tornando-se delinquentes. (b) Riqueza: Pessoas com uma situação financeira superior são holofotes para crimes como sequestro e roubos, sendo um fator de vulnerabilidade. (c) Idosos: Pela fragilidade emocional e física, os idosos são miras fáceis para crimes como furtos, assaltos e estelionatos. (d) Pessoas com Deficiência: Pessoas com a capacidade de locomoção diminuída, são facilmente vítimas de crimes de furto. (e) Gestantes e crianças: São alvos vulneráveis por si só. (f) Consumidores: Como o próprio Código de Defesa do Consumidor declara, o consumidor é hipossuficiente e desta forma, alvo fácil para grandes indústrias e comércios16 . Mendelson classificou as vítimas como: (a) Aquela completamente inocente isso quer dizer que, não atribuiu nada para provocar a prática delituosa. (b) A com culpabilidade menor, neste caso favoreceu para o ato, mesmo que inconsciente. (c) Voluntária, exemplo, o suicídio. (d) Mais culpada que o infrator, assim pode definir, como uma vítima provocadora. (e) Culpada, que pode ter agido em legítima defesa, imputando fato delituoso que não existiu17 . As classificações dos tipos de vítimas são de suma seriedade para a investigação da medida de reprovabilidade do atuante no delito, desta forma dispõe o artigo 59 do Código Penal: O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - [...] 18 . (grifo não original) Como pode ser notado, o nosso ordenamento jurídico, em especial o Código Penal, não dispõe sobre penas cominadas às vitimas que de algum modo “influenciam” no cometimento do ato delitivo, somente é previsto a análise de seu _______________ 16 DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>. Acesso em: 9 abr. 2016, p. 29. 17 Ibidem. 18 BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, 7 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 28 jul. 2016.
  • 19. 18 comportamento para extrair a responsabilidade criminal do autor do crime e sua sanção19 . 2.1 VITIMIZAÇÃO A vitimização é um dos aspectos estudados pela vitimologia, neste caso a vitimização é o processo em que uma pessoa transcorre para se transformar em vítima. Desta forma: Iter Victimae é o caminho, interno e externo, que segue um indivíduo para se converter em vítima, o conjunto de etapas que se operam cronologicamente no desenvolvimento de vitimização 20 . Esse estudo feito a partir de aspectos que levam um indivíduo a tornar-se vítima de um crime é importante, pois com isso é necessário desenvolver o quadro do papel que esta desenvolveu nas etapas do delito, sendo elas, a cogitação, preparação, execução e consumação (iter criminis)21 . Neste sentido: [...] Se o risco de vitimização se configura, segundo as estatísticas, como um risco diferenciado (isto é, risco que se distribui não de forma igual e uniforme – nem caprichosa – senão de forma muito discriminatória e seletiva, tendo em vista as variáveis), parece, então, razoável a possibilidade de evitar com eficácia muitos delitos dirigindo específicos programas de prevenção aos grupos ou subgrupos humanos que possuem maiores riscos de vitimização. Detectados os indicadores que convertem certas pessoas ou grupos de pessoas em candidatos qualificados ou propícios ao status de vítima, um meticuloso programa, cientificamente desenhado, de conscientização, informação e tutela orientado para os mesmos, pode e deve ser mais positivo em termos de prevenção que o clássico recurso à ameaça da pena ou a mensagem indiscriminada e abstrata a um hipotético infrator potencial [...] 22 . Assim, deve-se extinguir a figura inteiramente inativa da vítima, como figura atípica no inter criminis e completamente apática ao deliquente. Pois assim coloca Molina: _______________ 19 DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>. Acesso em: 9 abr. 2016, p. 29. 20 OLIVEIRA, Edmundo.Vitimologia e direito penal: o crime precipitado pela vítima. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 21 DELFIM, Maria Iracema Armelin, op cit. 22 MOLINA, Antonio Garcia Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 77.
  • 20. 19 [...] Pouco a pouco, a Vitimologia foi ampliando seu objeto de investigação. E, do estudo dos protagonistas do fato criminoso (autor e vítima) ou dos fenômenos de interação assinalados, passou a se ocupar de outros temas, sobre os quais, começa a subministrar uma valiosa informação, por exemplo: atitudes e propensão dos sujeitos para se converterem em vítimas de delito (“risco de vitimização”), variáveis (sexo, idade, raça etc.) que intervêm no processo de vitimização e classes especiais de vítimas (tipologias), danos que sofrem a vítima como conseqüência do delito (vitimização primária), [...] comportamento da vítima (que dá notícia ao fato criminoso) como agente de controle social penal, programas de prevenção do delito por meio dos grupos de pessoas com elevado risco de vitimização, programas de reparação do dano e de assistência às vítimas do delito, autoproteção, iter victimae [...] 23 . 2.2 A VÍTIMA NO ÂMBITO DO DIREITO CRIMINAL A vitimologia estuda e explica a realidade da vítima em inclusão ao crime, por consequência, tendo um ajuntamento com o Direito Criminal24 . A pretensão neste caso é expor que a vítima em sua totalidade nem sempre é apenas um “paciente” no processo de vitimização e que o vitimizador diversas vezes não é o culpado exclusivo pela conduta delitiva que desencadeou no crime25 . No cruzamento entre os dois caminhos, o do vitimário e o da vítima, as coisas deram certo para o primeiro e errado para o segundo. Mas seria sempre assim? Diz o sábio adágio popular: “quem procura acha”. E esta é uma das questões fundamentais da Vitimologia: em que sentido a vítima também poderia estar “procurando”, ainda que inconscientemente, a ofensa recebida? Quem não se precavê contra um mal, ou, pior ainda, deixa desguarnecidas as defesas contra o mesmo, é de se suspeitar que, ao menos inconscientemente, esteja se compatibilizando com ele e o esteja procurando. Estes aspectos de favorecimento ou de “procura” incluem-se, muitos deles, entre critérios norteadores das múltiplas classificações das vítimas, destacando-se, entre elas, as de Mendelson [...] 26 . 2.3 PÓS-VITIMIZAÇÃO Deve-se também atentar-se ao estudo das implicações da pós-vitimização. Dentro outros fatores e circunstâncias, as crianças vítimas de abuso sexual a qual _______________ 23 MOLINA, Antonio Garcia Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 69. 24 BRANCO, Elaine Castelo. A análise da vítima na consecução dos crimes. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4400&revista_caderno=3>. Acesso em: 20 mar. 2016. 25 Ibidem. 26 SÁ, Alvino Augusto de. Algumas considerações psicológicas sobre a vítima e a vitimização. 2008. Disponível em: <http://www.leliobragacalhau.com.br/algumas-consideracoes- psicologicas-sobre-a-vitima-e-a-vitimizacao/>. Acesso em: 1 ago. 2016.
  • 21. 20 esse estudo de pós-vitimização vai analisar presumíveis traumas, assim como as consequências que geram na criança para o resto da vida27 . Por exemplo, no caso de crimes de roubo ou agressão, depois do estudo nota-se após essa experiência a vítima mantém um comportamento diverso do habitual, o que é característica do processo de vitimização28 . O que também é abordado é a reincidência de pessoas para vitimização e se estas estão mais predispostas à vitimização. Desta forma, como já foi abordado, os grupos com maior probabilidade de vitimização (crianças, gestantes, idosos, entre outros.) são objetos de estudo, tendo como parâmetro a obtenção de motivos que tornam certos indivíduos mais propensos à vitimização, neste caso, as origens, fatores gerais, personalidade e características marcantes29 . 2.4 REVITIMIZAÇÃO A revitimização é um elemento decorrente da consternação contínua ou frequente da vítima de um ato delitivo, que ocorre posterior o cometimento do crime, que pode acontecer instantaneamente, dias, meses ou até anos depois, porém deve tratar-se do mesmo agente que cometeu o crime30 . No caso de crianças vítima de violência sexual é muito comum ocorrer o que chamamos de revitimização, pois em crimes dessa natureza onde o ato é cometido longe do público, é muito difícil encontrar provas desse ato31 . Nestes casos a última prova é a testemunhal, porém em se tratando de crianças deve-se ter cautela para não causar a revitimização32 . É importante ressaltar que a atuação da denominada ''polícia investigativa'' pode causar possível sobrevitimização, como a decorrente da primeira fase acima analisada, em virtude da falta de preparo das autoridades em lidar com a vítima, que já se encontra fragilizada com a situação vitimizadora, ou, _______________ 27 SÁ, Alvino Augusto de. Algumas considerações psicológicas sobre a vítima e a vitimização. 2008. Disponível em: <http://www.leliobragacalhau.com.br/algumas-consideracoes- psicologicas-sobre-a-vitima-e-a-vitimizacao/>. Acesso em: 1 ago. 2016. 28 Ibidem. 29 Ibidem. 30 Ibidem. 31 Ibidem. 32 Ibidem.
  • 22. 21 mesmo, da própria estrutura do inquérito e da polícia, assim como das questões estruturais que se denotam da contingência brasileira 33 . Ressalta-se que o trauma que o crime desencadeou na criança/adolescente, irá reprisar durante o depoimento, devido à circunstância da vítima ser obrigada a relembrar o fato em juízo34 . Esses casos em que crianças são vítimas de violência sexual, é ainda mais comum identificar a revitimização, pois para o colhimento da prova testemunhal, a criança deverá passar por todo um processo criminal, escutada, relembrando o fato que foi comentido contra ela35 . 2.4.1. Violência sexual contra crianças/adolescentes Consiste no defloramento dos direitos sexuais, que se caracteriza com a violência do corpo de crianças e adolescentes. Essa violência pode ser cometida pela força ou por outro método de coação36 . Desta forma, a criança é estimulada prematuramente para o sexo, originando traumas para a vida toda, que evolui para uma reação doentia, como repulsa a pessoas do mesmo sexo que o agressor, lascívia demasiada, entre outros37 . Um breve levantamento histórico demonstra como violência e infância estiveram e estão muito mais próximas do que gostaríamos, não só com relação às crianças desamparadas mas também dentro da família, e nos dá maiores esclarecimentos sobre a maior ou menor indiferença social a esse respeito 38 . A criança que sofre o abuso sexual, é degradada como pessoa humana, tem rompido seus direitos, sendo que muitas vezes, o seu agressor é alguém do seu convívio, alguém do seu lar, o qual tem o múnus de resguardá-la39 . _______________ 33 BARROS, Flaviane de Magalhães. A Participação da Vítima no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 77. 34 DELFIM, Maria Iracema Armelin. A evolução histórica da vitimologia e o componente vitimológico nos crimes contra a liberdade sexual. 2005. 60 f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toleto, Presidente Prudente, 2005. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/370/363>. Acesso em: 9 abr. 2016. 35 Ibidem. 36 Ibidem. 37 Ibidem. 38 RANGEL, Patricia Calmon. Abuso sexual: intrafamiliar recorrente. 2. ed. Curitiba, Juruá, 2009, p. 30. 39 DELFIM, Maria Iracema Armelim, op cit.
  • 23. 22 O abusador seja qual for, se relaciona com a criança, aproximando-se e cativando sua confiança e afeição, para, então, executar a prática abusiva sexualmente. Normalmente, esse é o artifício empregado pelos agressores, podendo, também ter a afeição dos responsáveis pela criança40 . A violência sexual não é um fato do qual a vítima exclui da memória ou questão que deve furtar-se. De outro modo, a violência sexual pode ocasionar profundos danos à sadia evolução psicossocial e física da criança e/ou adolescente41 . Nesse sentindo, expõe Patrícia Calmon Rangel: Num resumo de estudos realizados em 21 países (principalmente em países desenvolvidos), publicado pela ONU em 2006, de 7 a 36 por cento das mulheres e de 3 a 29 por cento dos homens relataram ter sido vitimas de violência sexual na infância e a maioria dos estudos observou que meninas sofreram abusos numa proporção 1,5 a 3 vezes mais alta que meninos. Na maioria dos casos, o abuso ocorreu dentro do círculo familiar 42 . Destarte, a violência atualmente é um dos maiores temores no plano mundial, alcançando a sociedade em geral ou a individualidade. A violência incorre na ação de um sujeito contra outro, exteriorizando-se de múltiplas formas, atribuindo proporções típicas de vínculos próprios, científicos, sociais ou até mesmo políticos43 . Incorporada em uma conexão histórico-social, a violência sexual, afeta todas as camadas sociais, faixas etárias e indivíduos de qualquer sexo44 . 2.4.2. Depoimento sem dano Os casos de julgamentos de crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes têm um significativo número dentro dos tribunais brasileiros. Esses crimes são cometidos longe do público, desta forma, a dificuldade para comprovar o crime por meio de prova testemunhal é quase impossível45 . _______________ 40 RANGEL, Patricia Calmon. Abuso sexual: intrafamiliar recorrente. 2. ed. Curitiba, Juruá, 2009, p. 30. 41 FURNISS, Tilman. Abuso sexual da criança. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 15. 42 Ibidem, p. 22. 43 FURNISS, Tilman. Abuso sexual da criança. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 5. 44 Ibidem. 45 FELIX, Juliana Nunes. Depoimento sem dano: evitando a revitimização de crianças e adolescentes à luz do ordenamento jurídico pátrio. 2011. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1383/1070>. Acesso em: 18 jul. 2016.
  • 24. 23 Assim, a questão principal aplica-se na coleta de informação de vítimas infanto-juvenis e que deve se ligar a alguns elementos. Neste caso, o abalo que pode reproduzir na vítima pela coleta das declarações em juízo e a autenticidade das declarações, são elementos primordiais que devem ser analisados46 . Ressalta-se que o trauma que o crime desencadeou na criança/adolescente, irá reprisar durante o depoimento, devido a circunstância de a vítima ser obrigada a relembrar o fato em juízo. Um meio de elucidação para isso, está sendo apontada, que é a técnica do depoimento sem dano47 . Essa técnica consiste no depoimento obtido através de assistente social ou psicólogo em uma sala especial, onde é acompanhado em tempo real pelo magistrado e pelas partes por meio de vídeo. O intuito é diminuir o dano causado pela inquirição da vítima, pois em se tratando de crianças a cautela deve ser maior48 . O depoimento sem dano apresenta-se como uma saída do caminho da “revitimização”, delineado em nossos códigos processuais. Intervém para assegurar à observância ao melhor benefício da criança e do adolescente e a proteção integral. Porém, primeiramente antes de deliberar sobre alguma técnica, devemos nos ater ao direito da criança de se expressar e ser ouvida, conforme expõem o Estatuto da Criança e do Adolescente. O próprio Conselho Federal de Psicologia faz uma crítica ao projeto, nisto defendem que deve haver consideração ao “silêncio” da criança e do adolescente. Desta forma, o direito da criança/adolescente de ser escutado acaba sendo confundido com a obrigação de produzir prova e o de ser absolutamente “revitimizado” em uma coleção de escutas49 . A criança, assim, será ouvida por um profissional capacitado, que reproduzirá as perguntas realizadas pelo Juiz e pelas partes, de uma maneira mais inteligível, podendo o infante utilizar de objetos como lápis e bonecas no intuito de responder os questionamentos. Também é objetivo do projeto a garantia dos direitos da criança e do adolescente, no que tange ao direito de ser ouvido, ter sua palavra _______________ 46 FELIX, Juliana Nunes. Depoimento sem dano: evitando a revitimização de crianças e adolescentes à luz do ordenamento jurídico pátrio. 2011. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1383/1070>. Acesso em: 18 jul. 2016, p. 12. 47 Ibidem. 48 Ibidem, p. 15. 49 Ibidem.
  • 25. 24 valorizada, respeitando-se sempre sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento 50 . Outro impasse encontrado, é que psicólogos não promovem audiências e realizam inquirição judicial. Essa é uma das críticas feitas pelos profissionais. Pois a inquirição de crianças em processos criminais está fora da instrumentalidade utilizada na profissão51 . Deve-se também levar em conta a celeridade, pois em casos em que a elucidação dos fatos seja mais complexa, poderia o psicólogo aceitar o silêncio da criança, como ocorre por diversas vezes em consultas? Esses casos teriam como ser analisados com tamanha brevidade, como sugere o procedimento do depoimento sem dano?52 . Existe grande disparidade entre o tema, pois os que defendem a técnica acreditam ser importante à inquirição das vítimas, para que assim possa se obter a verdade real. Assim defendem que por diversas vezes, essa é a única forma de se fundar a denúncia do crime e que a dificuldade para a obtenção de provas em crimes sexuais resulta em um número baixo de condenações53 . Por outro lado, os que vão contra essa ideia, colocam que sustentar que o depoimento da criança, a partir dos princípios da ampla defesa e do contraditório, é substancial na investigação pela verdade real é um ponto de vista limitado54 . O projeto de depoimento sem dano foi aplicado pela primeira vez no Brasil em 2003, no Rio Grande do Sul pelo magistrado José Antônio Daltoé Cezar, na 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre. Quando do início do projeto em maio de 2003, a tecnologia inicialmente utilizada era bastante singela – note-se que neste momento o projeto não era institucional, mas uma experiência individual da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre – constituindo-se de uma câmera de segurança, computador, microfones, placa de captura de imagem e som, bem como suas respectivas instalações 55 . _______________ 50 FELIX, Juliana Nunes. Depoimento sem dano: evitando a revitimização de crianças e adolescentes à luz do ordenamento jurídico pátrio. 2011, p. 13. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1383/1070>. Acesso em: 18 jul. 2016. 51 Ibidem. 52 Ibidem. 53 Ibidem. 54 Ibidem, p. 18. 55 CESAR, José Antônio Daltoé. Projeto Depoimento Sem Dano: Direito ao desenvolvimento saudável. 2006, p. 3. Disponível em: <http://www.amb.com.br/docs/noticias/2008/projeto_DSD.pdf> Acesso em 18 jul. 2016.
  • 26. 25 Destacou o magistrado que o projeto assumiu natureza institucional somente em 2004, quando adquirido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul novos e competentes equipamentos para a sala de audiência, viabilizando dessa forma a qualidade da inquirição56 . Ainda, frisou José Antônio Daltoé Cezar: Desde abril de 2003 até 2008, quando completou o projeto cinco anos de atividade, foram realizadas na 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, através do instrumental referido, mais de mil e duzentas inquirições, tendo outras centenas sido realizadas nas outras treze comarcas do Rio Grande do Sul que trabalham com o projeto 57 . Nesse seguimento, observa-se que o magistrado conseguiu identificar os obstáculos na resolução de divergências que a natureza automática do direito logra êxito em sobrepujar58 . Outrossim, em 2010 o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Recomendação n. 33/2010 para os tribunais criarem um sistema hábil para a inquirição de crianças e adolescentes. I – a implantação de sistema de depoimento vídeogravado para as crianças e os adolescentes, o qual deverá ser realizado em ambiente separado da sala de audiências, com a participação de profissional especializado para atuar nessa prática;[...] II – os participantes de escuta judicial deverão ser especificamente capacitados para o emprego da técnica do depoimento especial, usando os princípios básicos da entrevista cognitiva. III – o acolhimento deve contemplar o esclarecimento à criança ou adolescente a respeito do motivo e efeito de sua participação no depoimento especial, com ênfase à sua condição de sujeito em desenvolvimento e do conseqüente direito de proteção, preferencialmente com o emprego de cartilha previamente preparada para esta finalidade. IV – os serviços técnicos do sistema de justiça devem estar aptos a promover o apoio, orientação e encaminhamento de assistência à saúde física e emocional da vítima ou testemunha e seus familiares, quando necessários, durante e após o procedimento judicial. V – devem ser tomadas medidas de controle de tramitação processual que promovam a garantia do princípio da atualidade, garantindo a diminuição do tempo entre o conhecimento do fato investigado e a audiência de depoimento especial 59 . _______________ 56 CEZAR, José Antônio Daltoé. Projeto depoimento sem dano: direito ao desenvolvimento saudável. 2006. p. 4. Disponível em: <http://www.amb.com.br/docs/noticias/2008/projeto_DSD.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2016. 57 Ibidem. 58 Ibidem. 59 CNJ/Recomendação n. 33/2010: Ementa: Recomenda aos tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Depoimento Especial. (Publicada no DJ-e nº 215/2010, em 25/11/2010, pág.
  • 27. 26 Ademais, o Superior Tribunal de Justiça reconhece como oportuno à inquirição de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual na forma do “depoimento sem dano”, levando em conta seu caráter de pessoa em desenvolvimento. [...] Em se tratando de crime sexual contra criança e adolescente, justifica- se a inquirição da vítima na modalidade do "depoimento sem dano", em respeito à sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, procedimento aceito no STJ, inclusive antes da deflagração da persecução penal, mediante prova antecipada (HC 226.179-RS, Quinta Turma, DJe 16/10/2013). [...] RHC 45.589-MT, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 24/2/2015, DJe 3/3/2015 60 . Diante disso, é possível averiguar que o “depoimento sem dano” é uma matéria em ascensão, pois a realidade da atividade processual hodiernamente empregada é, além de inoperante, retrógrado e sobrepujado, cominando na busca de modernas formas, mais humanitárias, para que os direitos inerentes às crianças sejam aplicados na práxis. 33-34). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1194>. Acesso em 18 jul. 2016. 60 Informativo n. 0556/STJ. Disponível em < https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:KbHNn4AD48AJ:https://ww2.stj.jus.br/do cs_internet/informativos/RTF/Inf0556.rtf+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=BR> Acesso em 18 jul. 2016.
  • 28. 27 3. PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE 3.1. HISTÓRICO Os direitos da criança e do adolescente têm ganho grande destaque e é ponto de avanço nos últimos tempos. O Código Mello Mattos foi a primeira norma que deu atenção à criança e ao adolescente no Brasil. A referida norma surgiu com intuito único de coordenar a situação de infantes abandonados e dos adolescentes infratores61 . Entretanto, o Código Mello Mattos62 foi o diploma legal pioneiro em apresentar um direito sistemático e humanizador aos infantes, agrupando legislações precedentes e atribuindo intervenção estatal, anteriormente não prevista. Destarte, a criança e o adolescente nem sempre foram alvo de proteção pela sociedade em geral, pois não se atentavam em proteger, ou até em buscar ouvir, ignorando o significado de crianças e adolescentes serem pessoas em processo de desenvolvimento. A Constituição Federal de 1988 recepcionou em seu artigo 22763 a proteção à criança e ao adolescente, sendo que a partir de convenções e tratados internacionais inseriu em nosso ordenamento jurídico a efetiva proteção aos direitos das pessoas em processo de desenvolvimento. A palavra-passe da norma estabelecida na Carta Magna apresenta-se como a “absoluta prioridade” atribuída às pessoas em fase de desenvolvimento, ou seja, as crianças e aos adolescentes64 . Com o advento da Constituição Federal e seus dispositivos reguladores dos direitos inerentes às crianças e aos adolescentes, foi sancionada a lei n. 8.069 de 13 _______________ 61 COSSETIN, Márcia. Socioeducação no Estado do Paraná: os sentidos de um enunciado necessário. 2012. 190 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Stricto Sensu em Educação, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2012, p. 29. Disponível em: <http://200.201.88.199/portalpos/media/File/educacao/Dissertacao_marcia_cossetin.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2016. 62 BRASIL. Código de Menores. Decreto nº 17.943-A de 12/10/1927. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm>. Acesso em: 30 jul. 2016. 63 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 64 COSSENTIN, Márcia, op cit.
  • 29. 28 de julho de 1990, isto é, o Estatuto da Criança e do Adolescente, substituindo dessa forma o então vigente Código de Menores, em vigor desde 197965 . Desta forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), consolidou a direção constitucional ao regular vastamente os direitos e deveres às crianças e aos adolescentes, e porque não mencionar aos jovens também. O Código de Menores apresentava o menor como objeto subordinação Estatal, corroborando com a ação estatal entre os adolescentes em que se apresentassem em posição contrária à disposição da lei, tratados como menores em situação irregular66 . Com a forte influência internacional, bem como pelas convenções e tratados em que o Brasil passou a ser signatário, tornou-se necessária a adequação do nosso ordenamento jurídico às regras impostas, visando uma maior proteção dos menores. Todavia, nosso legislador, percebendo o grau de importância e discrepância que envolve a Criança e o Adolescente, partiu para uma linha de defesa muito mais arrojada e ampla, posto que constatou a necessidade de atendê-los não somente nessa ou naquela situação específica, mas ao contrário, em supri-los integralmente, sem o que, pelo fato de serem pessoas ainda em desenvolvimento, continuariam à margem da sociedade 67 . É possível averiguar que o Código de Menores já se encontrava em discordância com a concepção jurídica e social em relação à maneira de abordagem da especial condição de crianças e adolescentes68 . Assim, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, cuidou de inserir a atuação essencial da Família, Sociedade, Comunidade e do Estado, conforme preconiza o artigo 227 da Constituição Federal, atribuindo a eles o dever de defender esses direitos69 . _______________ 65 Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979, que instituiu o Código de Menores. 66 MENDES, Moacyr Pereira. A doutrina da proteção integral da criança e do adolescente frente à lei 8.069/90. 2006. 183 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, PUC/SP, São Paulo, 2006, p. 23. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp009234.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2016. 67 Ibidem. 68 Ibidem. 69 A família é a unidade natural fundamental da sociedade, como proclamado no artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos artigos 10 e 23 dos Convênios Internacionais sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e sobre Direitos Civis e Políticos, respectivamente. Uma premissa básica da Convenção sobre os Direitos da Criança, contida em seu preâmbulo, é que a família é o ambiente natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros - particularmente das crianças -, reconhecendo, assim, que a família tem o maior potencial de proteger crianças e velar por sua segurança física e emocional. A privacidade e autonomia da família são valorizadas em todas as sociedades e o direito a uma vida privada e familiar, a um lar e à correspondência é garantido em instrumentos internacionais de direitos humanos. (Dados
  • 30. 29 Destarte, antes mesmo da entrada em vigor da então Carta Magna de 1988 e da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, já era assunto em destaque na comunidade internacional sobre a primordialidade de amparo especial as pessoas em desenvolvimento, tendo vista a vulnerabilidade apresentada nas primeiras etapas de sua vida70 . 3.2. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA Inaugurando o princípio da importância da dignidade essencial a todos os componentes da família humana e tendo em vista os direitos inalienáveis inerentes a eles, sendo esses direitos os da liberdade, igualdade, apregoados na Carta das Nações Unidas (1945), assim como, o desígnio de tutelar e salvaguardar a infância e promover o amparo especial aos infantes, conforme previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), visando o desenvolvimento amplo como indivíduo coerente e consciente, houve edição da Convenção sobre os Direitos da Criança71 . Consoante sistematiza o preâmbulo da Convenção, tendo em vista a Declaração sobre os Direitos da Criança (1959) e sua essência, a Convenção dos Direitos da Criança foi idealizada considerando-se a primordialidade de assegurar a defesa e atenção especial à criança72 . Composta por 54 artigos, a Convenção foi dividida em três partes e encabeçada por um preâmbulo. Assim, cuidou de estabelecer o conceito de criança e definiu alguns parâmetros para nortear os Estados-membros no cumprimento dos princípios convencionados73 . 3.3. PREVISÃO LEGAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO fornecidos pelo relatório do especialista independente sobre o Estudo das Nações Unidas sobre a Violência Contra Criança, Paulo Sérgio Pinheiro, apresentado em 23.8.2006, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/Estudo_PSP_Portugues.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2016) 70 ALBERNAZ JÚNIOR, Victor Hugo; FERREIRA, Paulo Roberto Vaz. Convenção sobre os direitos da criança. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado11.htm>. Acesso em: 16 jul. 2016. 71 Ibidem. 72 Ibidem. 73 Ibidem.
  • 31. 30 Com o intuito de normatizar o artigo 227 da Constituição Federal, foi exposto na Câmara dos Deputados, pelo Deputado Nelson Aguiar, e no Senado pelo Senador Ronan Tito, projeto para instituir o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse sentindo, comenta Moacyr Pereira Mendes: Por certo que muitas foram as batalhas enfrentadas por aqueles que buscavam, a qualquer custo, defender um setor da sociedade que vinha sendo tão marginalizado pelos demais segmentos. Essa luta, todavia, que resultou na elaboração da proposta do Estatuto da Criança e do Adolescente como nunca antes visto, dando-lhes peculiares condições e, desta forma, tornando-os merecedores de uma proteção integral, pela qualidade de pessoas ainda em desenvolvimento 74 . Assim, a Lei n. 8.069/90 introduziu vários artigos visando a proteção integral da criança e do adolescente, inclusive vítimas de violência ou abuso sexual, resguardando seu caráter de vulnerabilidade perante a sociedade em geral, visando sua característica de pessoa em processo de desenvolvimento. Incluiu já em seu artigo 1º “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”75 . A disposição “estatuto” foi aplicada de forma pertinente, pois descreve a mescla dos direitos fundamentais substanciais ao desenvolvimento absoluto de crianças e adolescentes, contudo, está distante de ser meramente uma norma restrita a proferir preceitos de direito material76 . Apresenta-se como um autêntico conjunto que protege toda a estrutura indispensável para exercer a regra constitucional de vasta proteção da população infanto-juvenil. O Estatuto da Criança e do Adolescente inclui-se como uma legislação especial com abrangente extensão de domínio, inserindo normas processuais, administrativas, estabelecendo tipos penais, entre outros77 . 3.3.1. Direito à vida e à saúde _______________ 74 MENDES, Moacyr Pereira. A doutrina da proteção integral da criança e do adolescente frente à lei 8.069/90. 2006. 183 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, PUC/SP, São Paulo, 2006, p. 27. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp009234.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2016. 75 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: 25 jul. 2016. 76 MENDES, Moacyr Pereira. Op. cit., p. 27. 77 Idem.
  • 32. 31 Ao se falar em direito à vida, não existe nenhuma objeção em reconhecer que é o direito de maior riqueza para a formação para a disciplina jurídica. Sendo que ao discutir sobre os princípios e normas norteadores do ordenamento jurídico, sem a existência da vida humana78 . À vista disso, o Estatuto não mais que certamente enumerou o direito à vida na relação de direitos fundamentais do ECA criando uma linha de ligação com a norma constitucional já existe da inviolabilidade do direito à vida, exposta no artigo 5ª da Constituição Federal79 . Adjacente ao direito à vida surge o direito à saúde, que é precisamente a instrução e qualificação da proteção e do direito à vida80 . 3.3.2. Dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana, elencado no rol de direitos fundamentais no texto constitucional, foi integrado ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse seguimento, explica Guilherme Freire de Melo Barros: Por sua importância no ordenamento jurídico e na vida em sociedade, a dignidade da pessoa humana está mais uma vez expressa no Estatuto, que lhe buscou traçar o conteúdo ao dispor que se deve pôr a criança e o adolescente a salvo de tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Trata-se de dever imposto a todos os membros da sociedade e ao Poder Público. Crianças e adolescentes, por gozarem de proteção absoluta. Hão de ser protegidos contra atos que violem seus direitos da personalidade e sua dignidade. A imposição desse dever a todos não advém somente do art. 18 do Estatuto, mas da própria Constituição da República, cujo art. 227 estabelece tal imposição 81 . Destarte, a dignidade da pessoa humana é a previsão normativa que deverá ser objeto de respeito e ponderação em todo e qualquer caso, é o precedente cujo valor deve ser objeto de busca pela sociedade em geral82 . A lei, com base na Constituição Federal, impõe a todos a obrigação de respeitar e fazer respeitar os direitos de crianças e adolescentes, tendo _______________ 78 BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da Criança e do Adolescente. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 40. 79 Ibidem. 80 Ibidem. 81 Ibidem, p. 41. 82 Ibidem.
  • 33. 32 cada cidadão o dever de agir em sua defesa, diante de qualquer ameaça ou violação. A inércia, em tais casos, pode mesmo levar à responsabilização daquele que se omitiu (valendo neste sentido observar o disposto no art. 5º, in fine, do ECA), sendo exigível de toda pessoa que toma conhecimento de ameaça ou violação ao direito de uma ou mais crianças e/ou adolescentes, no mínimo, a comunicação do fato (ainda que se trate de mera suspeita), aos órgãos e autoridades competentes 83 . Sendo assim, tem de se acentuar que a dignidade da pessoa humana demanda a contraprestação da atenção à integridade psíquica, física e moral, compreendendo o resguardo da imagem, liberdade, identidade, moral, convicções, juízos e crenças. O princípio da dignidade da pessoa humana situa-se no cerne da composição dos direitos fundamentais84 . 3.4. CONCEITO DE CRIANÇA E DE ADOLESCENTE A lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê em seu artigo 2º85 o conceito e divisões entre crianças e adolescente. Dessa forma, a definição de criança e adolescente exposta no estatuto, tem caráter estritamente objetivo, pois tem por finalidade caracterizar os critérios de incidência dos artigos dispostos na lei estatutária. Isto posto, é consabido que à criança só é possível, para efeitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, a aplicação de medida de proteção, em equivalência, aos adolescentes é possível a aplicação de medidas socioeducativas, em razão da prática de algum ato infracional86 . Destaca-se, em tempo, que ao editar o estatuto, cuidou-se de excluir o emprego da expressão “menor” intencionalmente, pois o legislador entendeu tratar- se de termo depreciativo e discriminatório, reverso ao objetivo constitucional dos direitos infanto-juvenil87 . _______________ 83 DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado. 6. ed. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2013, p. 21. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2013_6ed.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2016. 84 BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da Criança e do Adolescente. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 42. 85 Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. (Lei n. 8.069/90). 86 Ibidem. 87 DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Op. cit., p. 4.
  • 34. 33 Ainda, é possível constatar que o artigo 2º, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe em seu texto a possibilidade de aplicação em situação excepcional àqueles que já completaram 18 anos e contém 21 anos ou menos. 3.5. MAUS-TRATOS É necessário destacar que a violência em embate à criança e adolescente é capaz ocupar numerosas maneiras. Nesse sentido, a lei estatutária estabelece que no caso de presunção ou evidência de violência contra crianças ou adolescentes, as vítimas devem ser protegidas88 . Sabe-se que por diversas vezes no caso de violência contra infantes, os agressores são identificados como as pessoas que vivem no próprio seio familiar da criança ou adolescente. Ainda, tratando-se de suspeita de violência, o Conselho Tutelar deve ser comunicado para tomar as medidas pertinentes em cada caso89 . 3.6. CRIANÇAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL, E A PROTEÇÃO INTEGRAL PREVISTA NA LEI N. 8.069/90. O Estatuto da Criança e do Adolescente cuidou de salvaguardar os direitos das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, onde é possível identificar já em seu artigo 5º90 essa previsão, sendo o desenvolvimento do artigo 227 previsto na Constituição Federal. Conforme explica Wilson Donizeti Liberati: O art. 5º do ECA regulamenta a última parte do art. 227 da CF, que visa proteger todas as crianças e adolescentes da negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão e todos os atentados aos seus direitos, quer por ação ou omissão. Os mandamentos constitucional e estatutário têm sua fonte no 9º Princípio da Declaração dos Direitos da Criança, da ONU: “A criança gozará de proteção contra quaisquer formas _______________ 88 BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da Criança e do Adolescente. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 43. 89 Ibidem. 90 Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
  • 35. 34 de negligência, crueldade e exploração. Não será jamias objeto de tráfico, sobe qualquer forma [...]” 91 . A lei estatutária cuidou de proteger a criança e o adolescente de maneira vasta, sem restringir somente aos casos de aplicação de medidas repressivas aos adolescentes em conflito com a lei. Ao invés, a lei n. 8.069/90 integrou em seu texto os direitos inerentes aos infantes, maneiras de amparar seu seio familiar, a caracterização e a cominação de crimes cometidos contra os infantes. Em suma, em relação à proteção integral tem de se abarcar a união vasta de procedimentos jurídicos direcionados à proteção da criança e do adolescente92 . O preceito da proteção integral compreende um vínculo ao princípio do melhor interesse do infante. Essa afirmação expressa a concepção de que aqueles que estiverem analisando o caso concreto envolvendo direitos de crianças e adolescentes deverá aplicar o direito em consonância com o resultado mais benéfico ao infante93 . Seguindo a sistemática do Estatuto (Lei n. 8.069/90), identificamos cominações legais em casos de divulgações pornográficas envolvendo crianças e/ou adolescentes, previsão que foi dada pela Lei n. 11.829/200894 . Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa 95 . Sobre o ponto em comento, leciona Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo: _______________ 91 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 7. ed. rev. e ampl., de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406/2002). São Paulo: Malehiros Ed., 2003, p. 19. 92 Ibidem. 93 Ibidem. 94 As alterações promovidas à redação original do art. 240, do ECA, pela Lei nº 11.829/2008 não importam em abolitio criminis e nem excluem a reprovabilidade da conduta. O simples ato de fotografar criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica já caracteriza o crime neste artigo tipificado. (DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado. 6. ed. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2013. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2013_6ed.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2016. p. 328). 95 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: 25 jul. 2016.
  • 36. 35 A lei pune com maior rigor aqueles que, prevalecendo-se de sua função ou da relação de parentesco ou proximidade com a criança ou adolescente, a induz à prática das condutas que o dispositivo visa coibir. Em qualquer caso, o eventual “consentimento” da vítima e/ou o fato de já ter se envolvido em situações similares no passado é absolutamente irrelevante para caracterização do crime 96 . Dessa forma, é possível verificar que a violência contra crianças e adolescente não é legítimo e que independente da forma, a violência pode ser precavida. Entretanto, apesar das formas de coibir a prática de violência contra crianças e adolescentes, a violência ainda prevalece em escala mundial, autônomo a qualquer classe, etnias, culturas, níveis de escolaridades ou faixa econômica97 . A violência contra crianças assume diversas formas e é influenciada por uma ampla gama de fatores, que envolvem desde as características pessoais da vítima e do agressor até seu ambiente cultural e físico. No entanto, grande parte da violência contra crianças continua camuflada por muitas razões. Uma delas é o medo: muitas crianças têm medo de denunciar incidentes de violência contra elas. Em muitos casos, os pais, que deveriam proteger seus filhos, permanecem em silêncio se a violência for cometida por um cônjuge ou outro familiar, um membro mais poderoso da sociedade, como um empregador, um policial ou um líder comunitário. O medo está estreitamente relacionado ao estigma freqüentemente associado a denúncias de violência, particularmente em locais onde a “honra” da família é mais valorizada do que a segurança e o bem-estar das crianças. O estupro ou outras formas de violência sexual podem, particularmente, gerar ostracismo, mais violência ou morte 98 . Ainda, estudos revelam que na maioria dos casos de violência sexual são contra crianças e adolescentes do sexo feminino e muitos ocorrem dentro do próprio seio familiar. _______________ 96 DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado. 6. ed. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2013, 359. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2013_6ed.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2016. 97 No Brasil, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Penal dispõem sobre a proteção da criança e do adolescente contra qualquer forma de abuso sexual. Esses textos de lei também determinam as penalidades para os que praticam a violência, ou ainda, para aqueles que se omitem de realizar a denúncia. (ROMERO, Karen Richter Pereira dos Santos. Crianças vítimas de violência sexual: aspectos psicológicos da dinâmica familiar. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2007. p. 20 Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/vitimas_de_abuso.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2016) 98 Dados fornecidos pelo relatório do especialista independente sobre o Estudo das Nações Unidas sobre a Violência Contra Criança, Paulo Sérgio Pinheiro, apresentado em 23.8.2006, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/Estudo_PSP_Portugues.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2016.
  • 37. 36 Desde o início da gestão do serviço pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, em maio de 2003, até 04.04.2006, este mesmo serviço registrou mais de 17.000 incriminações vindas de todo o país, das quais 28,7% correspondem a abuso sexual e 27% à exploração sexual comercial Do total, 62% das vítimas são do sexo feminino 99 . Contudo, é notável que os dados obtidos no País ponderam fundamentalmente as vítimas e, em específico, não evidenciam a convivência ou até mesmo o testemunho com estas vítimas. À vista disso, são apresentadas essencialmente fundadas em afirmações de entidades governamentais, que em regra depreciam a proporção dessa disfunção100 . A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República informou que entre as denúncias recebidas pelo Disque Direitos Humanos, a violência sexual encontra-se no quarto lugar entre as violações contra crianças e adolescentes. Sendo que no ano de 2015 foram realizadas 4.480 denúncias de casos de violência sexual, onde 45% das vítimas do sexo feminino e 20% continham entre 4 e 7 anos. Ainda, 58% dos casos, isto é, mais da metade das denúncias, o pai e a mãe eram os fundamentais suspeitos das agressões, que aconteciam sobretudo na casa da vítima101 . Demais disso, através de pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde em 2012 revela que a violência sexual está em segundo lugar no ranking de violências cometida contra crianças (entre 0 e 9 anos), ficando atrás somente do abandono ou negligência. Ainda, entre crianças e adolescente (entre 10 e 14 anos), a violência sexual só fica atrás da violência física102 . Já entre adolescentes e jovens (entre 15 e 19 anos), a violência sexual posiciona-se em terceiro lugar, sendo que a violência física e a violência psicológica ocupam o primeiro e segundo lugar, respectivamente103 . A pesquisa mostra que, em 2011, foram registrados 14.625 notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra crianças menores de dez anos. A violência sexual contra crianças até os 9 anos _______________ 99 RANGEL, Patricia Calmon. Abuso sexual: intrafamiliar recorrente. 2. ed. Curitiba, Juruá, 2009, p. 23. 100 Ibidem. 101 Fonte: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Disponível em: < http://www.sdh.gov.br/noticias/2015/maio/disque-100-quatro-mil-denuncias-de-violencia-sexual- contra-criancas-e-adolescentes-foram-registradas-no-primeiro-trimestre-de-2015>. Acesso em: 27 jul. 2016. 102 Fonte: VIVA SINAN/SVS/MS - 2011 103 Idem.
  • 38. 37 representa 35% das notificações. Já a negligência e o abandono tem 36% dos registros. Os números são do sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) do Ministério da Saúde. O Viva possibilita conhecer a frequência e a gravidade das agressões e identificar a violência doméstica, sexual e outras formas (física, sexual, psicológica e negligência/abandono). Esse tipo de notificação se tornou obrigatório a todos os estabelecimentos de saúde do Brasil, no ano passado. Os dados preliminares mostram que a violência sexual também ocupa o segundo lugar na faixa etária de 10 a 14 anos, com 10,5% das notificações, ficando atrás apenas da violência física (13,3%). Na faixa de 15 a 19 anos, esse tipo de agressão ocupa o terceiro lugar, com 5,2%, atrás da violência física (28,3%) e da psicológica (7,6%). Os dados apontam também que 22% do total de registros (3.253) envolveram menores de 1 ano e 77% foram na faixa etária de 1 a 9 anos. O percentual é maior em crianças do sexo masculino (17%) do que no sexo feminino (11%) 104 . Desta forma, o SINAN informou que o estupro é a violência sexual mais constante no caso de atendimentos realizados pela rede SUS, totalizando 59% dos atendimentos, já na segunda posição, com 19,2% dos atendimentos, está o assédio sexual105 . Ainda, em relação aos agressores, tem-se que a maior parte é algum conhecido ou amigos da família, atingindo um percentual de 28,5% dos atendimentos realizados106 . _______________ 104 Divulgado por Portal Brasil. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/saude/2012/05/abuso-sexual- e-o-segundo-maior-tipo-de-violencia-contra-criancas-mostra-pesquisa>. Acesso em 27. jul. 2016. 105 Dados do SINAN. Disponível <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_Criancas_e_Adolescentes.pdf>. Acesso em 29 jul. 2016. 106 Ibidem.
  • 39. 38 4. A PRODUÇÃO DE PROVA NO DIREITO PENAL A expressão prova remete ao caso de aprovar algo, verificar, satisfação por alguma coisa. O ato de provar algo se apresenta de maneira relativa, tendo em vista que nem sempre a verdade que se exterioriza para um, vai ser a verdade para outro. O procedimento de produzir provas é, por meio de documentos, testemunhas, perícias, entre outros, provar que tal ato foi realizado e como foi executado107 . No âmbito do Direito Penal, a produção de provas segue alguns princípios que visam levar o processo à busca da verdade real, contudo, sem ultrapassar o limiar dos direitos atribuídos ao indivíduo do processo, seja ele vítima ou acusado108 . Os princípios atribuídos à produção de provas no direito penal são o contraditório, imediatidade do juiz, concentração e comunhão de provas. Destaca-se que ao falar em contraditório, tem-se que toda prova apresentada no decorrer processual deve passar pelo crivo do contraditório109 . Ademais, quanto à imediatidade do juiz atribui-se ao fator de que todas as provas que forem colhidas deverão ser colhidas perante o juiz, ainda deverão ser produzidas em uma única audiência (audiência de instrução e julgamento)110 . 4.1. MEIOS DE PROVAS Os meios de provas pode ser a perícia, que é um laudo feito por um técnico na área da perícia, com o intuito de ajudar o juiz na formação da convicção e na busca da verdade real111 . Ressalta-se que a perícia pode ser feita tanto na fase do inquérito policial, quanto na fase processual. O exame de corpo de delito, que consiste no exame dos vestígios deixados pelo crime, e é indispensável sua realização nos crimes que deixam vestígios112 . _______________ 107 ALBUQUERQUE, Agatha. Teoria Geral das Provas no Processo Penal. Disponível em: <http://agathaalbuquerque.jusbrasil.com.br/artigos/187906882/teoria-geral-das-Provas-no-processo- penal>. Acesso em: 15 jul. 2016. 108 Ibidem. 109 Ibidem. 110 Ibidem. 111 Ibidem. 112 Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado (Código de Processo Penal).
  • 40. 39 Todavia, é possível que seja aceito a prova testemunhal, nos casos em que os vestígios já desapareceram113 . Já o interrogatório é a inquirição do acusado, que poderá se manifestar sobre os fatos a ele imputados114 . As declarações do ofendido115 poderão ser colhidas perante o juízo sempre que possível, pois em muitos casos, a vítima é a pessoa apta para fornecer as informações necessárias sobre o fato delituoso. A prova testemunhal consiste na inquirição de pessoas arroladas ao processo, que detém conhecimento sobre o crime e narra os fatos perante o juiz, sendo que toda pessoa pode ser arrolada como testemunha em um processo criminal, ressalvadas algumas exceções116 . 4.2. VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA E OS PROCEDIMENTOS PARA SUA OITIVA O Código Penal prevê em seu texto os crimes contra a liberdade sexual, como estupro, assédio sexual, entre outros. Contudo, entre os crimes contra a liberdade sexual, o mais comum contra crianças é o estupro117 . Nesses casos de abuso sexual a taxa de conjunção carnal é baixa, ainda, muitas vezes apresenta uma demora entre o crime e a denúncia, ocasionando no desaparecimento de alguns vestígios e lesões118 . _______________ 113 Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (Código de Processo Penal). 114 Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado (Código de Processo Penal). 115 Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações (Código de Processo Penal). 116 Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias (Código de Processo Penal). 117 STEFANELLO, Sarah Eidt. Váriaveis de influência no depoimento de crianças vítimas de violência sexual. 2010. 32 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010, p. 17. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos 2010_2/sarah_stefanell>. Acessoo.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2016. 118 Ibidem.
  • 41. 40 Ainda, aliado ao fato de que em muitos casos os agressores são indivíduos do próprio seio familiar da criança ou pessoas próximas, ocasionando uma desconfiança por parte do infante, que não sabe mais em quem confiar119 . Demais disso, como diversas vezes o agressor é alguém próximo da criança, acaba dificultando a denúncia, pois a criança teme represálias, o que acaba ocasionando o seu silêncio120 . Embora a peculiaridade do caso, não há em nosso ordenamento jurídico previsão normativa especial para a inquirição das crianças e adolescentes, vítimas de crimes sexuais121 . Assim, a única alternativa que resta aos inquiridores é a aplicação do mesmo método utilizado para a inquirição de adultos nos processos. Portanto, por não considerar a condição especial de vulnerabilidade da vítima, para mais o perigo de desencadear um abalo psicológico, implica-se, também, no risco de depreciar a credibilidade da prova realizada com embasamento na narração dos fatos feita pelo infante122 . Por consequência, a criança, vítima do abuso sexual, é obrigada a relatar por diversas vezes, para pessoas desconhecidas, um fato que lhe causa vergonha e, além disso, se deparam muitas vezes com profissionais despreparados para inquiri- las123 . Sobre o tema em comento, dispõe a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina: APELAÇÃO. PRELIMINAR. NULIDADE DA OITIVA DA VÍTIMA E TESTEMUNHA. CUIDADOS ESPECIAIS PARA A INQUIRIÇÃO DE CRIANÇA. PRECLUSÃO. EIVA INEXISTENTE. 1 Eventual inobservância do procedimento disposto no art. 212 do Código de Processo Penal, embora importe na qualificação do seu valor para a formação do juízo de convencimento, enseja nulidade relativa, sujeita à preclusão, que deve ser arguida logo depois de ocorrer (arts. 564, IV, 571, VIII, 572, I, todos do Código de Processo Penal). 2 Na tentativa de evitar a vitimização secundária, especialmente de crianças e adolescentes, deve ser incentivada a adoção de cuidados especiais, inclusive com a _______________ 119 STEFANELLO, Sarah Eidt. Váriaveis de influência no depoimento de crianças vítimas de violência sexual. 2010. 32 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010, p. 17. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos 2010_2/sarah_stefanell>. Acessoo.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2016. 120 Ibidem. 121 Ibidem. 122 Ibidem. 123 Ibidem.
  • 42. 41 adaptação do procedimento legal, sempre sem descurar da fidedignidade da prova. Nesses casos, permite-se, inclusive, o emprego da técnica "depoimento sem dano", com a participação de profissionais especializados, consoante a Recomendação n. 33/10 do Conselho Nacional de Justiça. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRAS FIRMES DA VÍTIMA CORROBORADAS POR OUTROS ELEMENTOS. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1 As palavras da vítima, coerentes e harmônicas em todos os momentos, respaldadas pelos demais elementos coligidos, são aptas para embasar a procedência da representação. 2 Demonstrada a prática de ato libidinoso diverso grave com o fim de satisfazer a lascívia, não é possível a desclassificação para o ato infracional análogo à contravenção penal de perturbação da tranquilidade 124 . (grifo não original) Nesse contexto, objetivando proporcionar uma saída para esse tipo de situação, que o magistrado José Antonio Daltoé Cezar, em 2003, criou o projeto do “depoimento sem dano”. 4.2.1. Projeto “depoimento sem dano” implantado no Rio Grande Do Sul Em entrevista com a Associação de Magistrados Brasileiros, o magistrado José Antonio Daltoé Cezar relatou os motivos que levaram ao projeto instituído em 2003, na 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre. Informou que desde seu início na carreira da magistratura percebeu que os profissionais dessa área não tinham o mínimo de preparo para inquirir crianças e adolescentes, principalmente as vítimas de violência de cunho sexual125 . Afirmou que a técnica respeita as limitações do infante, deixando que a criança ou adolescente se manifeste como achar necessário. “O tempo do depoimento também é estendido, pois era comum os depoimentos das crianças, na inquirição comum”, durarem em média 10 minutos, já com a utilização da técnica, o tempo fica mais abrangente, respeitando o tempo do infante126 . Questionado sobre os resultados obtidos após a implantação da técnica, respondeu o magistrado: _______________ 124 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação nº 0010010-44.2013.8.24.0054. Relator: Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho. Florianópolis, SC de 2016. Diário da Justiça. Florianópolis, 12 abr. 2016. 125 Entrevista com o magistrado José Antonio Daltoé Cezar. Associação de Magistrados do Brasil. disponível em <http://www.amb.com.br/index_.asp?secao=ambonline&m=107_1> Acesso em 30 jul. 2016 126 Ibidem.
  • 43. 42 O principal é que o DSD aumentou o índice de responsabilização de 3% para 59% do total das denúncias, mas há outros dados curiosos. Depois de cinco anos, descobrimos que as crianças gostam de vir a juízo, ao contrário dos adultos, que fazem o que podem para evitar a sala de audiência. Antigamente a duração do testemunho da criança ou do adolescente não passava de 10 minutos, mas com o novo método eles se sentem confortáveis para falarem até meia hora. Outra coisa interessante é que cerca de 70% das crianças e adolescentes ouvidas pelo DSD sentem-se valorizados pelo juiz e ao final do depoimento manifestam espontaneamente a vontade de conhecê-lo. Acredito que o maior exemplo de aprovação do nosso trabalho é que atualmente outras cidades já adotaram ou estão implantando o DSD, como Brasília (DF), Cuiabá (MS), Goiânia (GO), Natal (RN), Porto Velho (RO), Rio de Janeiro (RJ), Rio Branco (AC) e Serra (ES) 127 . Esclareceu o magistrado que as críticas recebidas quanto ao Depoimento sem Dano, são uma questão ideológica. Ainda, destacou que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente dispõe o direito destes serem ouvidos. No mundo menos de 10% das crianças e adolescentes quebram o silêncio sobre alguma situação de violência sexual. Por muito tempo não se quis ouvir essas vítimas com o argumento da proteção, mas a verdade é que muitos sequer agüentam ouvir o que elas têm a dizer 128 . Destarte, que a Inglaterra e a África do Sul são os lugares mais antigos que adotaram um modelo diferenciado de depoimento de crianças129 . 4.2.2. Levantamento sobre o depoimento sem dano no Rio Grande do Sul Uma pesquisa realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, entre o período de maio de 2003 a dezembro de 2008, definiu alguns dados referente ao projeto do depoimento sem dano. A pesquisa foi realizada em análise a 295 (duzentos e noventa e cinco) processos que foram inquiridas crianças e adolescentes. O primeiro dado levantado através da pesquisa foi o sexo da vítima, onde verificou que 77% (setenta e sete por cento) das vítimas eram do sexo feminino, sendo que somente 23% (vinte e três por cento) eram do sexo masculino. _______________ 127 Entrevista com o magistrado José Antonio Daltoé Cezar. Associação de Magistrados do Brasil. disponível em <http://www.amb.com.br/index_.asp?secao=ambonline&m=107_1> Acesso em 30 jul. 2016. 128 Ibidem. 129 Ibidem.
  • 44. 43 IDADE DA VÍTIMA 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 2 3 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 18 4 DM 15 16 2 3 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 18 4 DM 15 16 Quanto a idade das vítimas, foi possível verificar crianças com 8 (oito) anos são as vítimas mais frequentes, alcançando aproximadamente 45 (quarenta e cinco) dos casos analisados, em segundo lugar aparece as crianças com 10 (dez) anos, sendo vítimas de 30 (trinta) dos casos considerados. Figura 1 – Idade das Vítimas Fonte: Tribunal do Rio Grande do Sul, 2008. Em relação ao comunicante dos fatos, na maioria dos casos, a mãe é quem comunica o crime às autoridades competentes, alcançando quase 160 (cento e sessenta) dos casos. Padrasto e irmão são o que menos comunicam o delito, aparecendo somente em 1 (um) dos casos cada um. O pai e o padrasto lideram o ranking de agressores, sendo 47 (quarenta e sete) e 46 (quarenta e seis) dos casos, respectivamente. Sendo que a maioria dos agressores tem entre 19 e 30 anos, com 27% (vinte e sente por cento) dos casos. Em segundo lugar aparecem as pessoas entre 31 a 40 anos, com 25% (vinte e cinco por cento). Em sequência, com 21% (vinte e um por cento) os agressores entre 41 a 50 anos, com 16% (dezesseis por cento) entre 52 e 60 anos, por último aparecem os agressores com mais de 60 anos e os com 18 anos, com a porcentagem de 8% (oito por cento) e 3% (três por cento) respectivamente.
  • 45. 44 RELAÇÃO DO AGRESSOR 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 Padrasto maridodaavó Vizinho Pai Outro Mãe Empregado Empregada Tio Irmão Avô Bisavô paiadotivo colega padrinho avó enteado primo diretordaescola Padrasto marido da avó Vizinho Pai Outro Mãe Empregado Empregada Tio Irmão Avô Bisavô pai adotivo colega padrinho avó enteado primo diretor da escola Figura 2 – Relação do Agressor Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2008 Os delitos praticados pelos agressores, em 99% (noventa e nove por cento) dos casos são crimes contra a liberdade sexual, apenas 1% (um por cento) dos casos são relacionados a outros delitos tipificados no Código Penal. Ademais, os locais onde são cometidos os delitos aparecem como 55% (cinquenta e cinco por cento) no interior e 45% (quarenta e cinco por cento) em Porto Alegre. Figura 3 – Cidades Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2008. O projeto do Depoimento sem Dano foi instalado em 2003 em Porto Alegre, mas em 2008 já existiam outras cidades com o Depoimento sem Dano em operação,
  • 46. 45 sendo elas Erechim, Passo Fundo, Vacaria, Caxias do Sul, Osório, Novo Hamburgo, Canoas, Santa Cruz do Sul, Pelotas, Santo Ângelo, Santa Maria, Uruguaiana e Bagé. Ainda, em 2009 o Tribunal do Rio Grande do Sul visava instalar o Depoimento sem Dano em outras cidades do estado, sendo elas Palmeira das Missões, Ijuí, Santiago, Santana do Livramento, Bento Gonçalves, Estrela, Torres, Taquara, Gravataí, Cachoeira do Sul, Camaquã e Rio Grande130 . 4.2.3. Divergência entre os profissionais A Associação de Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça de São Paulo, após uma apreciação dos perigos de revitimização da criança a partir da realização do procedimento de depoimento especial, ainda a incorreta aplicação dos assistentes sociais e psicólogos para realizarem a inquirição, “entrou com um Pedido de Providências junto ao CNJ para a suspensão do Protocolo do Tribunal de Justiça de São Paulo” 131 . [...] importantes debates foram promovidos por nossa Associação tanto junto à cúpula dirigente da área da infância do Tribunal, como com Magistrados, Promotores e Defensores da área criminal e colegas da Rede de Proteção (como em Taubaté e Santo André e também em Belo Horizonte (MG) e Vitória (ES) sendo que outros ainda virão, como em Santos, em maio deste ano. A cada análise e estudo que fazemos mais nos convencemos de que esta não é uma alternativa que deva ser utilizada com vistas a impedir a revitimização da criança. Principalmente, porque nesse procedimento judicial que ocorre em uma Vara Criminal, a criança é chamada a fazer prova contra alguém que, via de regra faz parte de suas relações afetivas, e o possível abuso ocorrido deveria ser trabalhado pela Justiça e pela rede de proteção de forma mais profunda e eficaz (do que simplesmente obrigá-la a depor para a produção de provas), no que diz respeito aos relacionamentos familiares e à gama de problemas aí envolvidos 132 . Ainda, o Conselho Federal de Serviço Social emitiu uma resolução, não reconhecendo a técnica de inquirição de criança e adolescente como função dos profissionais de serviço social. _______________ 130 CEZAR, José Antônio Daltoé. Projeto depoimento sem dano: direito ao desenvolvimento saudável. 2006. Disponível em: <http://www.amb.com.br/docs/noticias/2008/projeto_DSD.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2016. 131 BORGIANNI, Elisabete. Escuta Especial (Depoimento Sem Dano): subsídios aos que não querem dela participar. 2015. Disponível em: <http://www.aasptjsp.org.br/noticia/escuta-especial- depoimento-sem-dano-subsídios-aos-que-não-querem-dela-participar>. Acesso em: 31 jul. 2016. 132 Ibidem.
  • 47. 46 EMENTA: Dispõe sobre o não reconhecimento da inquirição das vítimas crianças e adolescentes no processo judicial, sob a Metodologia do Depoimento Sem Dano/DSD, como sendo atribuição ou competência do profissional assistente social 133 . Já o Conselho Federal de Psicologia emitiu a Resolução n. 10/2010, regulamentando o processo de inquirição de criança e adolescente por psicólogos. Assim dispõe a ementa da Resolução: “Institui a regulamentação da Escuta Psicológica de Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência, na Rede de Proteção”134 . Dessa forma, assim dispõe a referida Resolução do CFP: A escuta de crianças e de adolescentes deve ser – em qualquer contexto – fundamentada no princípio da proteção integral, na legislação específica da profissão e nos marcos teóricos, técnicos e metodológicos da Psicologia como ciência e profissão. A escuta deve ter como princípio a intersetorialidade e a interdisciplinaridade, respeitndo a autonomia da atuação do psicólogo, sem confundir o diálogo entre as disciplinas com a submissão de demandas produzidas nos diferentes campos de trabalho e do conhecimento. Diferencia-se, portanto, da inquirição judicial, do diálogo informal, da investigação policial, entre outros 135 . Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. OITIVA DA VÍTIMA MEDIANTE "DEPOIMENTO SEM DANO". CONCORDÂNCIA DA DEFESA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. Esta Corte tem entendido justificada, nos crimes sexuais contra criança e adolescente, a inquirição da vítima na modalidade do "depoimento sem dano", em respeito à sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, procedimento admitido, inclusive, antes da deflagração da persecução penal, mediante prova antecipada (HC 226.179/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 16/10/2013). 2. A oitiva da vítima do crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), em audiência de instrução, sem a presença do réu e de seu defensor não inquina de nulidade o ato, por cerceamento ao direito de defesa, se o advogado do acusado aquiesceu àquela forma de inquirição, dela não se insurgindo, nem naquela oportunidade, nem ao oferecer alegações finais. 3. Além da inércia da defesa, que acarreta preclusão de eventual vício processual, não restou demonstrado prejuízo concreto ao réu, incidindo, na espécie, o disposto no _______________ 133 Resolução do Conselho Federal de Serviço Social - CFESS n. 554 de 15 de setembro de 2009. Disponível em: < http://www.cfess.org.br/arquivos/Resolucao_CFESS_554-2009.pdf> Acesso em: 31 jul. 2016 134 Resolução do Conselho Federal de Psicologia – CFP n. 10 de 29 de julho de 2010. Disponível em <http://www.crpmg.org.br/CRP2/File/resolucao010%20de%202010.pdf> Acesso em: 31 jul. 2016. 135 Regulamentação da escuta psicológica de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência, na rede de proteção. Disponível em <http://www.crpmg.org.br/CRP2/File/resolucao010%20de%202010.pdf> Acesso em: 31 jul. 2016. p. 3.
  • 48. 47 art. 563 do Código de Processo Penal, que acolheu o princípio pas de nullité sans grief. Precedentes. 4. A palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual, que geralmente são praticados na clandestinidade, assume relevantíssimo valor probatório, mormente se corroborada por outros elementos (AgRg no AREsp 608.342/PI, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 09/02/2015). 5. No caso, além do depoimento da vítima, o magistrado sentenciante, no decreto condenatório, considerou o teor dos testemunhos colhidos em juízo e o relatório de avaliação da menor realizado pelo Conselho Municipal para formar seu convencimento. 6. Recurso ordinário desprovido. (STJ - RHC: 45589 MT 2014/0041101-2, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 24/02/2015, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/03/2015) 136 . (grifo não original) Outro ponto que merece destaque é que a criança tem alta vulnerabilidade, assim é comum que o primeiro relato prestado pela criança será o mais harmônico com a veracidade dos fatos. Todavia, o depoimento prestado na fase do inquérito policial não passa pelo crivo do contraditório, dessa forma a criança terá que ser inquirida novamente em juízo137 . O preparo dos profissionais também é um ponto importante debatido, tanto os profissionais do direito, quanto os demais profissionais que realizam a oitiva da criança e do adolescente138 . [...] a necessidade de preparo dos profissionais tanto do direito (delegados, promotores, juízes, advogados e defensores) quanto das demais áreas (psicologia, psiquiatria e serviço social). Esse configura o primeiro e talvez o principal passo para a redução da vulnerabilidade do depoimento infantil. De nada adianta existirem pesquisas e estudos sobre o tema e os profissionais continuarem desabilitados para tanto. Importante ressaltar que as questões de sugestionabilidade e falsificação de memórias já são antigas para as áreas psicológicas e psiquiátricas, entretanto parecem ser praticamente desconhecidas para o âmbito jurídico 139 . Demais disso, alguns profissionais, como assistentes sociais e psicólogos, criticam a técnica por ser uma violação ao devido processo legal, pois quem faz a inquirição da criança é normalmente é um terceiro. Ainda, o Depoimento sem Dano _______________ 136 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário nº 45589. Relator: Ministro Gurgel de Faria. Diário da Justiça. Brasília, 3 mar. 2015. 137 STEFANELLO, Sarah Eidt. Váriaveis de influência no depoimento de crianças vítimas de violência sexual. 2010. 32 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_2/sarah_stefanell o.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2016. p. 22. 138 Ibidem. 139 Ibidem.