SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
KITSCH: CONCEITO E PERSPECTIVAS
Kitsch é um termo de origem alemã de significado e aplicação
controversos. Usualmente é empregado nos estudos de estética para
designar uma categoria de objetos vulgares, baratos, de mau gosto,
sentimentais, que copiam referências da cultura erudita sem critério e sem
atingirem o nível de qualidade de seus modelos, e que se destinam ao
consumo de massa. Embora o kitsch apresente a si mesmo como
"profundo", "artístico", "importante" ou "emocionante", raramente estes
qualificativos são adquiridos por características intrínsecas ao objeto, antes
derivam de associações externas que seu público estabelece. É uma
expressão essencialmente figurativa, sendo difícil detectá-lo nas artes
abstratas, pois depende de um conteúdo narrativo para exercer seu efeito.
É um produto da industrialização e da cultura de massa, sendo
considerado típico da classe média com pretensões de ascensão social, mas
nos círculos ilustrados emprega-se o termo frequentemente com intenção
pejorativa e como reprovação moral. Entretanto, o kitsch é um fenômeno de
largo alcance, movimenta uma indústria milionária e para grande número de
pessoas constitui, mais do que uma simples questão de gosto, todo um
modo de vida, tendo para este público todos os atributos da legitimidade.
Apareceu de forma importante também na produção de muitos artistas
influentes do "grande circuito", e quase toda a arte, arquitetura e design pós-
modernos apresentam características que podem ser classificadas como
kitsch.
Sem descartar outros elementos do conceito, como a imposição de
efeitos pré-fabricados, Umberto Eco ressalta, no Kitsch, o fato de se
constituir em "meio de afirmação cultural fácil, por um público que se ilude,
julgando consumir uma representação original do mundo enquanto, na
verdade, goza apenas de uma imitação secundária da força primária das
imagens" (ECO, 1993, p. 69). O Kitsch, prossegue o semiólogo italiano,
"tende continuamente a sugerir a ideia de que, gozando destes efeitos
[fáceis], o leitor esteja aprimorando uma experiência estética privilegiada".
(ECO, 1993, p. 71)
Estabelecer-lhe uma definição não é fácil, pois, baseando-se
geralmente em juízos de valor, padece das inconsistências comuns a todos
os tipos de valorações, que variam segundo os tempos, os grupos sociais, as
preferências individuais e as geografias, mas geralmente é tido, em suma,
como sinônimo de algo banal, barato e de mau gosto. Muitas vezes é
considerado uma oposição completa ao conceito de arte, enquanto outras
vezes ele é aceito como arte, mas de má qualidade.
Sua influência se torna tão penetrante também porque ele anda
paralelo ao processo moderno de educação das massas, estando presente
em escolas e na propaganda oficial na forma de simbologias e iconografias
estereotipadas a respeito da pátria, da família, da moralidade, dos costumes
e valores, que tendem a criar uma consciência coletiva complacente e
alienada da realidade, sendo notórios os casos extremos de Hitler, Stalin e
Franco, entre outros, que usaram sua estética programaticamente para
alcançar objetivos totalitários e formar um gosto nacional.
REFERÊNCIAS
ECO, Umberto. 1993 [1964]. Apocalittici e integrati: comunicazioni di massa e teorie della
cultura di massa. Milano: Bompiani.
BENJAMIN, Andrew & RICE, Charles. Walter Benjamin and the Architecture of Modernity.
Re.Press, 2009.

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a KITSCH - TEXTO INTRODUTÓRIO.pdf

Conceito de cultura
Conceito de culturaConceito de cultura
Conceito de culturalicasoler
 
Fund. filosóficos e sociológicos da arte nota 10,0
Fund. filosóficos e sociológicos da arte   nota 10,0Fund. filosóficos e sociológicos da arte   nota 10,0
Fund. filosóficos e sociológicos da arte nota 10,0HENRIQUE GOMES DE LIMA
 
A ideia de cultura, de Terry Eagleton.pptx
A ideia de cultura, de Terry Eagleton.pptxA ideia de cultura, de Terry Eagleton.pptx
A ideia de cultura, de Terry Eagleton.pptxMarília Vieira
 
Revista_Poiesis_TradAntropologia.pdf
Revista_Poiesis_TradAntropologia.pdfRevista_Poiesis_TradAntropologia.pdf
Revista_Poiesis_TradAntropologia.pdfRicardoReis819162
 
Cultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaCultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaHENRIQUE GOMES DE LIMA
 
Cultura e Humanização
Cultura e HumanizaçãoCultura e Humanização
Cultura e HumanizaçãoWendell Santos
 
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educaçãoReflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educaçãoProfessor Gilson Nunes
 
Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chave
Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chaveAula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chave
Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chaveaulasgege
 
Módulo 9 arte
Módulo 9   arteMódulo 9   arte
Módulo 9 artecattonia
 
Entrevistas e Depoimentos, de Guido Bilharinho - Parte 2
Entrevistas e Depoimentos, de Guido Bilharinho - Parte 2Entrevistas e Depoimentos, de Guido Bilharinho - Parte 2
Entrevistas e Depoimentos, de Guido Bilharinho - Parte 2Gabriela Rezende Freire
 
O que é arte. (Jorge Coli)
O que é arte. (Jorge Coli)O que é arte. (Jorge Coli)
O que é arte. (Jorge Coli)Nerize Portela
 
Alta cultura, cultura popular, cultura de massa
Alta cultura, cultura popular, cultura de massaAlta cultura, cultura popular, cultura de massa
Alta cultura, cultura popular, cultura de massaAline Corso
 
Dicionário crítico de política cultural (teixeira coelho)
Dicionário crítico de política cultural (teixeira coelho)Dicionário crítico de política cultural (teixeira coelho)
Dicionário crítico de política cultural (teixeira coelho)Jana Oliveira
 

Semelhante a KITSCH - TEXTO INTRODUTÓRIO.pdf (20)

CCM e TC pós modernidade 2
CCM e TC pós modernidade 2CCM e TC pós modernidade 2
CCM e TC pós modernidade 2
 
Conceito de cultura
Conceito de culturaConceito de cultura
Conceito de cultura
 
O que é arte
O que é arteO que é arte
O que é arte
 
Fund. filosóficos e sociológicos da arte nota 10,0
Fund. filosóficos e sociológicos da arte   nota 10,0Fund. filosóficos e sociológicos da arte   nota 10,0
Fund. filosóficos e sociológicos da arte nota 10,0
 
A ideia de cultura, de Terry Eagleton.pptx
A ideia de cultura, de Terry Eagleton.pptxA ideia de cultura, de Terry Eagleton.pptx
A ideia de cultura, de Terry Eagleton.pptx
 
arte conceitual.pptx
arte conceitual.pptxarte conceitual.pptx
arte conceitual.pptx
 
Estética - FILOSOFIA
Estética - FILOSOFIAEstética - FILOSOFIA
Estética - FILOSOFIA
 
Revista_Poiesis_TradAntropologia.pdf
Revista_Poiesis_TradAntropologia.pdfRevista_Poiesis_TradAntropologia.pdf
Revista_Poiesis_TradAntropologia.pdf
 
Cultura
CulturaCultura
Cultura
 
Cultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaCultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessária
 
Cultura e Humanização
Cultura e HumanizaçãoCultura e Humanização
Cultura e Humanização
 
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educaçãoReflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
 
Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chave
Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chaveAula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chave
Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chave
 
Módulo 9 arte
Módulo 9   arteMódulo 9   arte
Módulo 9 arte
 
Entrevistas e Depoimentos, de Guido Bilharinho - Parte 2
Entrevistas e Depoimentos, de Guido Bilharinho - Parte 2Entrevistas e Depoimentos, de Guido Bilharinho - Parte 2
Entrevistas e Depoimentos, de Guido Bilharinho - Parte 2
 
O que é arte. (Jorge Coli)
O que é arte. (Jorge Coli)O que é arte. (Jorge Coli)
O que é arte. (Jorge Coli)
 
Alta cultura, cultura popular, cultura de massa
Alta cultura, cultura popular, cultura de massaAlta cultura, cultura popular, cultura de massa
Alta cultura, cultura popular, cultura de massa
 
A crise da cultura-Arendt
A crise da cultura-ArendtA crise da cultura-Arendt
A crise da cultura-Arendt
 
Arte
ArteArte
Arte
 
Dicionário crítico de política cultural (teixeira coelho)
Dicionário crítico de política cultural (teixeira coelho)Dicionário crítico de política cultural (teixeira coelho)
Dicionário crítico de política cultural (teixeira coelho)
 

KITSCH - TEXTO INTRODUTÓRIO.pdf

  • 1. KITSCH: CONCEITO E PERSPECTIVAS Kitsch é um termo de origem alemã de significado e aplicação controversos. Usualmente é empregado nos estudos de estética para designar uma categoria de objetos vulgares, baratos, de mau gosto, sentimentais, que copiam referências da cultura erudita sem critério e sem atingirem o nível de qualidade de seus modelos, e que se destinam ao consumo de massa. Embora o kitsch apresente a si mesmo como "profundo", "artístico", "importante" ou "emocionante", raramente estes qualificativos são adquiridos por características intrínsecas ao objeto, antes derivam de associações externas que seu público estabelece. É uma expressão essencialmente figurativa, sendo difícil detectá-lo nas artes abstratas, pois depende de um conteúdo narrativo para exercer seu efeito. É um produto da industrialização e da cultura de massa, sendo considerado típico da classe média com pretensões de ascensão social, mas nos círculos ilustrados emprega-se o termo frequentemente com intenção pejorativa e como reprovação moral. Entretanto, o kitsch é um fenômeno de largo alcance, movimenta uma indústria milionária e para grande número de pessoas constitui, mais do que uma simples questão de gosto, todo um modo de vida, tendo para este público todos os atributos da legitimidade. Apareceu de forma importante também na produção de muitos artistas influentes do "grande circuito", e quase toda a arte, arquitetura e design pós- modernos apresentam características que podem ser classificadas como kitsch. Sem descartar outros elementos do conceito, como a imposição de efeitos pré-fabricados, Umberto Eco ressalta, no Kitsch, o fato de se constituir em "meio de afirmação cultural fácil, por um público que se ilude, julgando consumir uma representação original do mundo enquanto, na verdade, goza apenas de uma imitação secundária da força primária das
  • 2. imagens" (ECO, 1993, p. 69). O Kitsch, prossegue o semiólogo italiano, "tende continuamente a sugerir a ideia de que, gozando destes efeitos [fáceis], o leitor esteja aprimorando uma experiência estética privilegiada". (ECO, 1993, p. 71) Estabelecer-lhe uma definição não é fácil, pois, baseando-se geralmente em juízos de valor, padece das inconsistências comuns a todos os tipos de valorações, que variam segundo os tempos, os grupos sociais, as preferências individuais e as geografias, mas geralmente é tido, em suma, como sinônimo de algo banal, barato e de mau gosto. Muitas vezes é considerado uma oposição completa ao conceito de arte, enquanto outras vezes ele é aceito como arte, mas de má qualidade. Sua influência se torna tão penetrante também porque ele anda paralelo ao processo moderno de educação das massas, estando presente em escolas e na propaganda oficial na forma de simbologias e iconografias estereotipadas a respeito da pátria, da família, da moralidade, dos costumes e valores, que tendem a criar uma consciência coletiva complacente e alienada da realidade, sendo notórios os casos extremos de Hitler, Stalin e Franco, entre outros, que usaram sua estética programaticamente para alcançar objetivos totalitários e formar um gosto nacional. REFERÊNCIAS ECO, Umberto. 1993 [1964]. Apocalittici e integrati: comunicazioni di massa e teorie della cultura di massa. Milano: Bompiani. BENJAMIN, Andrew & RICE, Charles. Walter Benjamin and the Architecture of Modernity. Re.Press, 2009.