Dona Maria, uma idosa de 93 anos, foi internada devido a uma celulite na perna e apresentou um episódio agudo de delírio, alucinações e desorganização do pensamento. O delírio em idosos é comum e tem diversas causas fisiopatológicas. O tratamento envolve resolver a causa subjacente, medidas comportamentais e pode incluir medicamentos em alguns casos, mas estes não são recomendados rotineiramente. Os desfechos do delírio podem ser graves, incluindo aumento da mortalidade e défices cogn
1. DELIRIUM
AVANÇOS NO ENTENDIMENTO DA FISIOPATOLOGIA,
MANEJO E DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Gustavo Moreira Ribeiro de Oliveira
R1 de Geriatria
2. RELATO DE CASO
Dona Maria*, 93 anos, do lar.
Internada há 3 dias devido a celulite em face anterior e lateral
da perna direita. Quadro com 6 dias de evolução. Sem relato de
febre ou prostração.
Hipertensa, ICFeR, DRC, doença de Alzheimer não-classificada
(possível CDR2). Faz uso de polifarmácia incluindo donepezila
10mg MID e sertralina 50mg MID.
Desde a internação mantinha bom estado geral, sem alterações
neuropsiquiátricas agudas, boa evolução clínica.
3. RELATO DE CASO
Acionado plantão noturno devido a paciente apresentar quadro de
agitação psicomotora, alucinações visuais e delírios de início
momentos antes.
Ao exame: Paciente acompanhada de cuidadora, agitada, referindo
que tem 3 pessoas no quarto puxando a coberta dela e querendo feri-
la. Desatenta e com dificuldade de manter discurso coerente. Retirou
AVP e está com sangramento discreto no local.
Referindo também dor intensa no membro doente.
Não aceitou ser examinada na primeira abordagem, porém
aparentemente sem déficits focais.
5. INTRODUÇÃO
➢ O termo “delírio” é derivado da palavra latina delirare, que
significa “sair do sulco”, isto é, desviar-se de uma linha reta, ser
perturbado.
6. CONCEITO
➢ Delirium é uma síndrome caracterizada por uma mudança
aguda na atenção, consciência e/ou cognição.
➢ É causada por uma condição médica que não pode ser
melhor explicada por um transtorno neurocognitivo pré-
existente.
7. EPIDEMIOLOGIA
➢ 30% dos pacientes mais idosos experimentam delirium em algum
momento durante a hospitalização.
➢ Entre os pacientes cirúrgicos idosos, o risco de delirium varia de 10% a
mais de 50%
➢ Os números mais altos estão associados a pacientes frágeis ou a
procedimentos complexos, como cirurgia cardíaca.
➢ Altas taxas de delirium foram demonstradas em unidades de terapia
intensiva (UTIs; 70%), Departamentos de emergência (10%), Unidades
de cuidados paliativos (42%).
8. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
1) Início agudo e curso flutuante
"Existe evidência de uma mudança aguda no estado mental da linha de base do paciente?"
"O comportamento anormal flutuou durante o dia, ou seja, tendeu a ir e vir, ou aumentar e diminuir em gravidade?"
1) Desatenção
"O paciente teve dificuldade em focar a atenção, por exemplo, ser facilmente distraído ou ter dificuldade em
acompanhar o que estava sendo dito?"
1) Pensamento desorganizado
"O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, como conversas desconexas ou irrelevantes, fluxo de
ideias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto para assunto?"
1) Nível alterado de consciência
Normal = alerta
Hiperalerta = vigilante
Sonolento, facilmente despertado = letárgico
Difícil de despertar = estupor
Não despertável = coma
Ferramenta CAM (Confusion assessment Method). Diagnóstico requer os itens 1 e 2 MAIS critério 3 OU 4.
Sensibilidade de 94 a 100 por cento e especificidade de 90 a 95 por cento
9. TESTES DE ATENÇÃO
➢ Teste de números: Peça ao paciente para ouvir atentamente e repetir uma série de números
aleatórios. Comece com uma sequência de 2 dígitos e depois aumente. Leia cada número em
um tom de voz normal a uma taxa de 1 dígito por segundo, tomando cuidado para não agrupar
dígitos em pares ou sequências que possam ajudar na repetição; por exemplo, 3 - 52 / 8 - 18 - 4
/ 9 - 36 - 3 - 8 / 5 - 15 - 7 - 2 - 9 / 4 - 68 - 1 - 9 - 2 - 7 Incapacidade de repetir uma sequência de
pelo menos 5 dígitos indica déficit provável.
➢ Teste de vigilância da letra "A": Leia uma lista de 60 letras, entre as quais a letra "A" aparece
com frequência maior que aleatória. O paciente é orientado a indicar (por exemplo, batendo na
mesa) sempre que a letra alvo é falada pelo examinador. A lista de letras é lida em tom normal a
uma taxa de 1 letra por segundo; por exemplo, L T P E A O A I C T D A L A A N I A B F S A M R
A E O Z D P A K A L U C J T A E O. Mais de 2 erros é considerado anormal.
➢ Peça para o paciente ordenar os meses do ano de trás para frente e dizer o dia da semana
(método de rastreio últra-rápido)
12. PATOGÊNESE
➢ Neuroinflamação
➢ Disfunção vascular cerebral
➢ Alteração no metabolismo cerebral
➢ Desequilíbrio de neurotransmissores
➢ Conectividade da rede neuronal prejudicada
13.
14.
15.
16. PREVENÇÃO
➢ Reconhecimento precoce de fatores de alto risco (idade >65 anos, demência,
cirurgia de quadril entre outros)
➢ Triagem diária para delírio
➢ Orientação ambiental (sensorial, auditiva, dentadura, tempo, eventos, visitas
familiares e música)
➢ Manter a hidratação normal
➢ Regulação da função urinária e intestinal
➢ Estabelecimento precoce da dieta normal
➢ Correção de distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos
➢ Otimização cardiorrespiratória (com fornecimento de oxigênio, se apropriado)
➢ Identificação precoce de infecção
17. PREVENÇÃO
➢ Tratamento eficaz da dor
➢ Mobilização diária
➢ Evitar drogas antipsicóticas
➢ Evitar benzodiazepínicos
➢ Reduzir ruídos a noite para promover o sono
➢ Remoção precoce de dispositivos invasivos (dispositivos intravasculares e de
vias aéreas)
➢ Evitar restrições físicas
➢ Promoção do sono (máscara para os olhos e tampões para os ouvidos)
18. PREVENÇÃO
➢ Antipsicóticos:
○ Revisão sistemática de 2019 examinou 14 ensaios clínicos randomizados ou estudos
observacionais prospectivos comparando medicamentos antipsicóticos com placebo
ou com outros medicamentos antipsicóticos, concluindo que as evidências não
suportam o uso de haloperidol ou antipsicóticos de segunda geração para a
prevenção do delirium.
➢ Os estudos avaliando a melatonina têm sido em sua maioria pequenos, com considerável
heterogeneidade metodológica, e mostraram efeitos mistos na prevenção do delirium.
➢ Uma revisão Cochrane publicada em 2016 não encontrou evidências de que os inibidores
da colinesterase, antipsicóticos ou melatonina fossem eficazes na prevenção do delirium
em pacientes fora da UTI.
19. TRATAMENTO
➢ Resolver a causa base (infecção, dor, dispositivos invasivos,
hidratação, retirar medicações com potencial de causar delirium e
etc).
➢ Medidas comportamentais.
20. TRATAMENTO
➢ Medicações:
○ Antipsicóticos de 1° e 2° geração
○ Benzodiazepínicos
○ Dexmedetomidina (Precedex)
○ Clonidina, cetamina e
outros sedativos
○ Inibidores da colinesterase?
Evidências?
21. TRATAMENTO
➢ MIND-USA, testou a eficácia dos antipsicóticos haloperidol e ziprasidona
comparada com placebo para o tratamento de delirium em pacientes críticos.
Não houve associação significativa entre os medicamentos do estudo e tempo
sem delirium.
➢ Devlin et al, 2010: 36 pacientes de UTI com delirium que estavam recebendo
haloperidol foram aleatoriamente designados para tratamento com quetiapina ou
placebo.
Resultado: Menor tempo de delirium com quetiapina comparada com placebo.
22. TRATAMENTO
➢ Revisão Cochrane com 9 estudos e 727 pacientes, constatou que,
em comparação com o tratamento com outras medicações, os
antipsicóticos não reduziram a gravidade do delirium, não tiveram
efeito na resolução dos sintomas de delirium e não alteraram a
mortalidade. Além disso, não houve diferença na resposta entre
antipsicóticos típicos e atípicos.
23. TRATAMENTO
➢ Dois estudos comparando benzodiazepínicos versus agentes
antipsicóticos: um estudo não encontrou nenhuma vantagem, o outro
encontrou diminuição da eficácia dos benzodiazepínicos em
comparação com os antipsicóticos.
24. TRATAMENTO
➢ Dexmedetomidina: Três estudos randomizados multicêntricos
compostos por pacientes em unidade de terapia intensiva (UTI)
sedados com midazolam ou profofol vs dexmedetomidina.
Resultado: Melhora mais precoce do delirium com uso de
Dexmedetomidina comparado a midazolam e propofol.
25. TRATAMENTO
➢ Ensaio clínico randomizado comparou rivastigmina com placebo em
104 pacientes internados em terapia intensiva com delirium que
também receberam haloperidol.
Resultado: O estudo foi interrompido precocemente devido à maior
mortalidade no grupo da rivastigmina (22 versus 8%) . A duração
mediana do delirium também foi maior no grupo da rivastigmina (5
versus 3 dias, p = 0,06).
26. TRATAMENTO
➢ Agentes antipsicóticos ou outras drogas como benzodiazepínicos não
são recomendados como parte rotineira do tratamento específico
para delirium, mas podem ser considerados se houver sofrimento
intratável para o qual outras abordagens não obtiveram sucesso.
27. DESFECHOS
➢ Efeitos de curto prazo, como quedas, pneumonia por aspiração, angústia e
outros eventos que ocorrem durante o delirium ou nos dias após.
➢ Aumento da mortalidade em curto prazo.
➢ Aumento da mortalidade e incapacidade funcional e cognitiva em 1 ano.
➢ Fator de risco para desenvolvimento ou agravamento de quadro
demencial.
28. DESFECHOS
➢ Um estudo de acompanhamento de longo prazo descobriu que, após dois anos, apenas um terço dos
pacientes que sofreram delirium ainda viviam independentemente na comunidade.
➢ Outro estudo prospectivo de 225 pacientes após cirurgia cardíaca encontrou que aqueles que
experimentaram delirium eram mais propensos a ter uma queda persistente nos escores do Mini-Exame
do Estado Mental em seis meses em comparação com aqueles que não sofreram delirium (40 versus 24
por cento); aos 12 meses as diferenças não foram estatisticamente significativas (31 versus 20 por
cento, p = 0,055).
➢ Em um estudo de 821 pacientes internados em terapia intensiva médica ou cirúrgica, a duração do
delirium foi associada a pior função cognitiva em 3 e 12 meses. Enquanto apenas 6% apresentavam
comprometimento cognitivo no início do estudo, aos 12 meses, 34% apresentavam déficits semelhantes
aos pacientes com lesão cerebral traumática moderada.
➢ Outros estudos descobriram que pacientes com delirium são mais propensos a ter problemas cognitivos
de longo prazo do que pacientes que não sofreram de delirium.
29. DESFECHOS
➢ Efeitos de curto prazo, como quedas, pneumonia por aspiração,
angústia e outros eventos que ocorrem durante o delirium ou nos
dias após o delirium.
➢ Aumento da mortalidade em curto prazo.
➢ Aumento da mortalidade e incapacidade em 1 ano.
30. CONCLUSÃO
➢ Assim, embora o delirium seja considerado potencialmente
reversível, as deficiências podem ser prolongadas e talvez
permanentes, particularmente em pacientes frágeis e idosos.
32. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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� https://www.nature.com/articles/s41572-020-00223-4#Sec16 Acesso em 08/08/2022
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CD012494 (2018).
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trial. Int. J. Geriatr. Psychiatry 34, 974–981 (2019).
� Carrasco, G. et al. Dexmedetomidine for the treatment of hyperactive delirium refractory to haloperidol in nonintubated
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