SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 32
DELIRIUM
AVANÇOS NO ENTENDIMENTO DA FISIOPATOLOGIA,
MANEJO E DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Gustavo Moreira Ribeiro de Oliveira
R1 de Geriatria
RELATO DE CASO
Dona Maria*, 93 anos, do lar.
Internada há 3 dias devido a celulite em face anterior e lateral
da perna direita. Quadro com 6 dias de evolução. Sem relato de
febre ou prostração.
Hipertensa, ICFeR, DRC, doença de Alzheimer não-classificada
(possível CDR2). Faz uso de polifarmácia incluindo donepezila
10mg MID e sertralina 50mg MID.
Desde a internação mantinha bom estado geral, sem alterações
neuropsiquiátricas agudas, boa evolução clínica.
RELATO DE CASO
Acionado plantão noturno devido a paciente apresentar quadro de
agitação psicomotora, alucinações visuais e delírios de início
momentos antes.
Ao exame: Paciente acompanhada de cuidadora, agitada, referindo
que tem 3 pessoas no quarto puxando a coberta dela e querendo feri-
la. Desatenta e com dificuldade de manter discurso coerente. Retirou
AVP e está com sangramento discreto no local.
Referindo também dor intensa no membro doente.
Não aceitou ser examinada na primeira abordagem, porém
aparentemente sem déficits focais.
Hipóteses diagnósticas?
INTRODUÇÃO
➢ O termo “delírio” é derivado da palavra latina delirare, que
significa “sair do sulco”, isto é, desviar-se de uma linha reta, ser
perturbado.
CONCEITO
➢ Delirium é uma síndrome caracterizada por uma mudança
aguda na atenção, consciência e/ou cognição.
➢ É causada por uma condição médica que não pode ser
melhor explicada por um transtorno neurocognitivo pré-
existente.
EPIDEMIOLOGIA
➢ 30% dos pacientes mais idosos experimentam delirium em algum
momento durante a hospitalização.
➢ Entre os pacientes cirúrgicos idosos, o risco de delirium varia de 10% a
mais de 50%
➢ Os números mais altos estão associados a pacientes frágeis ou a
procedimentos complexos, como cirurgia cardíaca.
➢ Altas taxas de delirium foram demonstradas em unidades de terapia
intensiva (UTIs; 70%), Departamentos de emergência (10%), Unidades
de cuidados paliativos (42%).
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
1) Início agudo e curso flutuante
"Existe evidência de uma mudança aguda no estado mental da linha de base do paciente?"
"O comportamento anormal flutuou durante o dia, ou seja, tendeu a ir e vir, ou aumentar e diminuir em gravidade?"
1) Desatenção
"O paciente teve dificuldade em focar a atenção, por exemplo, ser facilmente distraído ou ter dificuldade em
acompanhar o que estava sendo dito?"
1) Pensamento desorganizado
"O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, como conversas desconexas ou irrelevantes, fluxo de
ideias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto para assunto?"
1) Nível alterado de consciência
Normal = alerta
Hiperalerta = vigilante
Sonolento, facilmente despertado = letárgico
Difícil de despertar = estupor
Não despertável = coma
Ferramenta CAM (Confusion assessment Method). Diagnóstico requer os itens 1 e 2 MAIS critério 3 OU 4.
Sensibilidade de 94 a 100 por cento e especificidade de 90 a 95 por cento
TESTES DE ATENÇÃO
➢ Teste de números: Peça ao paciente para ouvir atentamente e repetir uma série de números
aleatórios. Comece com uma sequência de 2 dígitos e depois aumente. Leia cada número em
um tom de voz normal a uma taxa de 1 dígito por segundo, tomando cuidado para não agrupar
dígitos em pares ou sequências que possam ajudar na repetição; por exemplo, 3 - 52 / 8 - 18 - 4
/ 9 - 36 - 3 - 8 / 5 - 15 - 7 - 2 - 9 / 4 - 68 - 1 - 9 - 2 - 7 Incapacidade de repetir uma sequência de
pelo menos 5 dígitos indica déficit provável.
➢ Teste de vigilância da letra "A": Leia uma lista de 60 letras, entre as quais a letra "A" aparece
com frequência maior que aleatória. O paciente é orientado a indicar (por exemplo, batendo na
mesa) sempre que a letra alvo é falada pelo examinador. A lista de letras é lida em tom normal a
uma taxa de 1 letra por segundo; por exemplo, L T P E A O A I C T D A L A A N I A B F S A M R
A E O Z D P A K A L U C J T A E O. Mais de 2 erros é considerado anormal.
➢ Peça para o paciente ordenar os meses do ano de trás para frente e dizer o dia da semana
(método de rastreio últra-rápido)
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
➢ “Sundowning”
➢ Estado de mal epiléptico não convulsivo
➢ Demências
➢ Síndromes focais
➢ Doenças psiquiátricas primárias
Delirium
PATOGÊNESE
➢ Neuroinflamação
➢ Disfunção vascular cerebral
➢ Alteração no metabolismo cerebral
➢ Desequilíbrio de neurotransmissores
➢ Conectividade da rede neuronal prejudicada
PREVENÇÃO
➢ Reconhecimento precoce de fatores de alto risco (idade >65 anos, demência,
cirurgia de quadril entre outros)
➢ Triagem diária para delírio
➢ Orientação ambiental (sensorial, auditiva, dentadura, tempo, eventos, visitas
familiares e música)
➢ Manter a hidratação normal
➢ Regulação da função urinária e intestinal
➢ Estabelecimento precoce da dieta normal
➢ Correção de distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos
➢ Otimização cardiorrespiratória (com fornecimento de oxigênio, se apropriado)
➢ Identificação precoce de infecção
PREVENÇÃO
➢ Tratamento eficaz da dor
➢ Mobilização diária
➢ Evitar drogas antipsicóticas
➢ Evitar benzodiazepínicos
➢ Reduzir ruídos a noite para promover o sono
➢ Remoção precoce de dispositivos invasivos (dispositivos intravasculares e de
vias aéreas)
➢ Evitar restrições físicas
➢ Promoção do sono (máscara para os olhos e tampões para os ouvidos)
PREVENÇÃO
➢ Antipsicóticos:
○ Revisão sistemática de 2019 examinou 14 ensaios clínicos randomizados ou estudos
observacionais prospectivos comparando medicamentos antipsicóticos com placebo
ou com outros medicamentos antipsicóticos, concluindo que as evidências não
suportam o uso de haloperidol ou antipsicóticos de segunda geração para a
prevenção do delirium.
➢ Os estudos avaliando a melatonina têm sido em sua maioria pequenos, com considerável
heterogeneidade metodológica, e mostraram efeitos mistos na prevenção do delirium.
➢ Uma revisão Cochrane publicada em 2016 não encontrou evidências de que os inibidores
da colinesterase, antipsicóticos ou melatonina fossem eficazes na prevenção do delirium
em pacientes fora da UTI.
TRATAMENTO
➢ Resolver a causa base (infecção, dor, dispositivos invasivos,
hidratação, retirar medicações com potencial de causar delirium e
etc).
➢ Medidas comportamentais.
TRATAMENTO
➢ Medicações:
○ Antipsicóticos de 1° e 2° geração
○ Benzodiazepínicos
○ Dexmedetomidina (Precedex)
○ Clonidina, cetamina e
outros sedativos
○ Inibidores da colinesterase?
Evidências?
TRATAMENTO
➢ MIND-USA, testou a eficácia dos antipsicóticos haloperidol e ziprasidona
comparada com placebo para o tratamento de delirium em pacientes críticos.
Não houve associação significativa entre os medicamentos do estudo e tempo
sem delirium.
➢ Devlin et al, 2010: 36 pacientes de UTI com delirium que estavam recebendo
haloperidol foram aleatoriamente designados para tratamento com quetiapina ou
placebo.
Resultado: Menor tempo de delirium com quetiapina comparada com placebo.
TRATAMENTO
➢ Revisão Cochrane com 9 estudos e 727 pacientes, constatou que,
em comparação com o tratamento com outras medicações, os
antipsicóticos não reduziram a gravidade do delirium, não tiveram
efeito na resolução dos sintomas de delirium e não alteraram a
mortalidade. Além disso, não houve diferença na resposta entre
antipsicóticos típicos e atípicos.
TRATAMENTO
➢ Dois estudos comparando benzodiazepínicos versus agentes
antipsicóticos: um estudo não encontrou nenhuma vantagem, o outro
encontrou diminuição da eficácia dos benzodiazepínicos em
comparação com os antipsicóticos.
TRATAMENTO
➢ Dexmedetomidina: Três estudos randomizados multicêntricos
compostos por pacientes em unidade de terapia intensiva (UTI)
sedados com midazolam ou profofol vs dexmedetomidina.
Resultado: Melhora mais precoce do delirium com uso de
Dexmedetomidina comparado a midazolam e propofol.
TRATAMENTO
➢ Ensaio clínico randomizado comparou rivastigmina com placebo em
104 pacientes internados em terapia intensiva com delirium que
também receberam haloperidol.
Resultado: O estudo foi interrompido precocemente devido à maior
mortalidade no grupo da rivastigmina (22 versus 8%) . A duração
mediana do delirium também foi maior no grupo da rivastigmina (5
versus 3 dias, p = 0,06).
TRATAMENTO
➢ Agentes antipsicóticos ou outras drogas como benzodiazepínicos não
são recomendados como parte rotineira do tratamento específico
para delirium, mas podem ser considerados se houver sofrimento
intratável para o qual outras abordagens não obtiveram sucesso.
DESFECHOS
➢ Efeitos de curto prazo, como quedas, pneumonia por aspiração, angústia e
outros eventos que ocorrem durante o delirium ou nos dias após.
➢ Aumento da mortalidade em curto prazo.
➢ Aumento da mortalidade e incapacidade funcional e cognitiva em 1 ano.
➢ Fator de risco para desenvolvimento ou agravamento de quadro
demencial.
DESFECHOS
➢ Um estudo de acompanhamento de longo prazo descobriu que, após dois anos, apenas um terço dos
pacientes que sofreram delirium ainda viviam independentemente na comunidade.
➢ Outro estudo prospectivo de 225 pacientes após cirurgia cardíaca encontrou que aqueles que
experimentaram delirium eram mais propensos a ter uma queda persistente nos escores do Mini-Exame
do Estado Mental em seis meses em comparação com aqueles que não sofreram delirium (40 versus 24
por cento); aos 12 meses as diferenças não foram estatisticamente significativas (31 versus 20 por
cento, p = 0,055).
➢ Em um estudo de 821 pacientes internados em terapia intensiva médica ou cirúrgica, a duração do
delirium foi associada a pior função cognitiva em 3 e 12 meses. Enquanto apenas 6% apresentavam
comprometimento cognitivo no início do estudo, aos 12 meses, 34% apresentavam déficits semelhantes
aos pacientes com lesão cerebral traumática moderada.
➢ Outros estudos descobriram que pacientes com delirium são mais propensos a ter problemas cognitivos
de longo prazo do que pacientes que não sofreram de delirium.
DESFECHOS
➢ Efeitos de curto prazo, como quedas, pneumonia por aspiração,
angústia e outros eventos que ocorrem durante o delirium ou nos
dias após o delirium.
➢ Aumento da mortalidade em curto prazo.
➢ Aumento da mortalidade e incapacidade em 1 ano.
CONCLUSÃO
➢ Assim, embora o delirium seja considerado potencialmente
reversível, as deficiências podem ser prolongadas e talvez
permanentes, particularmente em pacientes frágeis e idosos.
E a dona Maria?
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
� https://www.uptodate.com/contents/delirium-and-acute-confusional-states-prevention-treatment-and-
prognosis?search=delirium&source=search_result&selectedTitle=2~150&usage_type=default&display_rank=2#H180416
873 Acesso em 08/08/2022
� https://www.nature.com/articles/s41572-020-00223-4#Sec16 Acesso em 08/08/2022
� Yu, A. et al. Cholinesterase inhibitors for the treatment of delirium in non-ICU settings. Cochrane Database Syst. Rev. 6,
CD012494 (2018).
� Hov, K. R. et al. The Oslo study of clonidine in elderly patients with delirium; LUCID: a randomised placebo-controlled
trial. Int. J. Geriatr. Psychiatry 34, 974–981 (2019).
� Carrasco, G. et al. Dexmedetomidine for the treatment of hyperactive delirium refractory to haloperidol in nonintubated
ICU patients: a nonrandomized controlled trial. Crit. Care Med. 44, 1295–1306 (2016)
� https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18073360/ Acesso em 08/08/2022
� https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19188334/ Acesso em 08/08/2022
� https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31112380/ Acesso em 08/08/2022
� https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30346242/ Acesso em 08/08/2022
� https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19237884/ Acesso em 08/08/2022
� https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20095068/ Acesso em 08/08/2022

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Delirium: avanços no entendimento

Formação Cuidados de Fim de Vida.pptx
Formação Cuidados de Fim de Vida.pptxFormação Cuidados de Fim de Vida.pptx
Formação Cuidados de Fim de Vida.pptxginaasgf
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveJanine Magalhaes
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveJanine Magalhaes
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveJanine Magalhaes
 
Cópia de sedation and delirium in the intensive
Cópia de sedation and delirium in the intensiveCópia de sedation and delirium in the intensive
Cópia de sedation and delirium in the intensiveJanine Magalhaes
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveJanine Magalhaes
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveJanine Magalhaes
 
Avaliação Pré operatória em Geriatria
Avaliação Pré operatória em GeriatriaAvaliação Pré operatória em Geriatria
Avaliação Pré operatória em Geriatriauhgeri
 
Atendimento na parada cardiorrespiratória em adultos pela equipe multidiscipl...
Atendimento na parada cardiorrespiratória em adultos pela equipe multidiscipl...Atendimento na parada cardiorrespiratória em adultos pela equipe multidiscipl...
Atendimento na parada cardiorrespiratória em adultos pela equipe multidiscipl...Aroldo Gavioli
 
Dor abdominal na infância: abordagem e diagnóstico diferencial
Dor abdominal na infância: abordagem e diagnóstico diferencialDor abdominal na infância: abordagem e diagnóstico diferencial
Dor abdominal na infância: abordagem e diagnóstico diferencialLaped Ufrn
 

Semelhante a Delirium: avanços no entendimento (20)

Radio pronto
Radio prontoRadio pronto
Radio pronto
 
Demências
DemênciasDemências
Demências
 
Hpn dx demencias.completo.st
Hpn dx demencias.completo.stHpn dx demencias.completo.st
Hpn dx demencias.completo.st
 
Caso NEJM
Caso NEJMCaso NEJM
Caso NEJM
 
ENFERMAGEM
ENFERMAGEM ENFERMAGEM
ENFERMAGEM
 
Formação Cuidados de Fim de Vida.pptx
Formação Cuidados de Fim de Vida.pptxFormação Cuidados de Fim de Vida.pptx
Formação Cuidados de Fim de Vida.pptx
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensive
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensive
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensive
 
Aula31 07 2014
Aula31 07 2014Aula31 07 2014
Aula31 07 2014
 
Cópia de sedation and delirium in the intensive
Cópia de sedation and delirium in the intensiveCópia de sedation and delirium in the intensive
Cópia de sedation and delirium in the intensive
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensive
 
Sedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensiveSedation and delirium in the intensive
Sedation and delirium in the intensive
 
Avaliação Pré operatória em Geriatria
Avaliação Pré operatória em GeriatriaAvaliação Pré operatória em Geriatria
Avaliação Pré operatória em Geriatria
 
Atendimento na parada cardiorrespiratória em adultos pela equipe multidiscipl...
Atendimento na parada cardiorrespiratória em adultos pela equipe multidiscipl...Atendimento na parada cardiorrespiratória em adultos pela equipe multidiscipl...
Atendimento na parada cardiorrespiratória em adultos pela equipe multidiscipl...
 
Dor abdominal na infância: abordagem e diagnóstico diferencial
Dor abdominal na infância: abordagem e diagnóstico diferencialDor abdominal na infância: abordagem e diagnóstico diferencial
Dor abdominal na infância: abordagem e diagnóstico diferencial
 
DRC E CÂNCER
DRC E CÂNCERDRC E CÂNCER
DRC E CÂNCER
 
Trombose Venosa cerebral
Trombose Venosa cerebralTrombose Venosa cerebral
Trombose Venosa cerebral
 
Raciocínio clínico
Raciocínio clínicoRaciocínio clínico
Raciocínio clínico
 
Raciocínio clínico
Raciocínio clínicoRaciocínio clínico
Raciocínio clínico
 

Delirium: avanços no entendimento

  • 1. DELIRIUM AVANÇOS NO ENTENDIMENTO DA FISIOPATOLOGIA, MANEJO E DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Gustavo Moreira Ribeiro de Oliveira R1 de Geriatria
  • 2. RELATO DE CASO Dona Maria*, 93 anos, do lar. Internada há 3 dias devido a celulite em face anterior e lateral da perna direita. Quadro com 6 dias de evolução. Sem relato de febre ou prostração. Hipertensa, ICFeR, DRC, doença de Alzheimer não-classificada (possível CDR2). Faz uso de polifarmácia incluindo donepezila 10mg MID e sertralina 50mg MID. Desde a internação mantinha bom estado geral, sem alterações neuropsiquiátricas agudas, boa evolução clínica.
  • 3. RELATO DE CASO Acionado plantão noturno devido a paciente apresentar quadro de agitação psicomotora, alucinações visuais e delírios de início momentos antes. Ao exame: Paciente acompanhada de cuidadora, agitada, referindo que tem 3 pessoas no quarto puxando a coberta dela e querendo feri- la. Desatenta e com dificuldade de manter discurso coerente. Retirou AVP e está com sangramento discreto no local. Referindo também dor intensa no membro doente. Não aceitou ser examinada na primeira abordagem, porém aparentemente sem déficits focais.
  • 5. INTRODUÇÃO ➢ O termo “delírio” é derivado da palavra latina delirare, que significa “sair do sulco”, isto é, desviar-se de uma linha reta, ser perturbado.
  • 6. CONCEITO ➢ Delirium é uma síndrome caracterizada por uma mudança aguda na atenção, consciência e/ou cognição. ➢ É causada por uma condição médica que não pode ser melhor explicada por um transtorno neurocognitivo pré- existente.
  • 7. EPIDEMIOLOGIA ➢ 30% dos pacientes mais idosos experimentam delirium em algum momento durante a hospitalização. ➢ Entre os pacientes cirúrgicos idosos, o risco de delirium varia de 10% a mais de 50% ➢ Os números mais altos estão associados a pacientes frágeis ou a procedimentos complexos, como cirurgia cardíaca. ➢ Altas taxas de delirium foram demonstradas em unidades de terapia intensiva (UTIs; 70%), Departamentos de emergência (10%), Unidades de cuidados paliativos (42%).
  • 8. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 1) Início agudo e curso flutuante "Existe evidência de uma mudança aguda no estado mental da linha de base do paciente?" "O comportamento anormal flutuou durante o dia, ou seja, tendeu a ir e vir, ou aumentar e diminuir em gravidade?" 1) Desatenção "O paciente teve dificuldade em focar a atenção, por exemplo, ser facilmente distraído ou ter dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito?" 1) Pensamento desorganizado "O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, como conversas desconexas ou irrelevantes, fluxo de ideias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto para assunto?" 1) Nível alterado de consciência Normal = alerta Hiperalerta = vigilante Sonolento, facilmente despertado = letárgico Difícil de despertar = estupor Não despertável = coma Ferramenta CAM (Confusion assessment Method). Diagnóstico requer os itens 1 e 2 MAIS critério 3 OU 4. Sensibilidade de 94 a 100 por cento e especificidade de 90 a 95 por cento
  • 9. TESTES DE ATENÇÃO ➢ Teste de números: Peça ao paciente para ouvir atentamente e repetir uma série de números aleatórios. Comece com uma sequência de 2 dígitos e depois aumente. Leia cada número em um tom de voz normal a uma taxa de 1 dígito por segundo, tomando cuidado para não agrupar dígitos em pares ou sequências que possam ajudar na repetição; por exemplo, 3 - 52 / 8 - 18 - 4 / 9 - 36 - 3 - 8 / 5 - 15 - 7 - 2 - 9 / 4 - 68 - 1 - 9 - 2 - 7 Incapacidade de repetir uma sequência de pelo menos 5 dígitos indica déficit provável. ➢ Teste de vigilância da letra "A": Leia uma lista de 60 letras, entre as quais a letra "A" aparece com frequência maior que aleatória. O paciente é orientado a indicar (por exemplo, batendo na mesa) sempre que a letra alvo é falada pelo examinador. A lista de letras é lida em tom normal a uma taxa de 1 letra por segundo; por exemplo, L T P E A O A I C T D A L A A N I A B F S A M R A E O Z D P A K A L U C J T A E O. Mais de 2 erros é considerado anormal. ➢ Peça para o paciente ordenar os meses do ano de trás para frente e dizer o dia da semana (método de rastreio últra-rápido)
  • 10. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS ➢ “Sundowning” ➢ Estado de mal epiléptico não convulsivo ➢ Demências ➢ Síndromes focais ➢ Doenças psiquiátricas primárias
  • 12. PATOGÊNESE ➢ Neuroinflamação ➢ Disfunção vascular cerebral ➢ Alteração no metabolismo cerebral ➢ Desequilíbrio de neurotransmissores ➢ Conectividade da rede neuronal prejudicada
  • 13.
  • 14.
  • 15.
  • 16. PREVENÇÃO ➢ Reconhecimento precoce de fatores de alto risco (idade >65 anos, demência, cirurgia de quadril entre outros) ➢ Triagem diária para delírio ➢ Orientação ambiental (sensorial, auditiva, dentadura, tempo, eventos, visitas familiares e música) ➢ Manter a hidratação normal ➢ Regulação da função urinária e intestinal ➢ Estabelecimento precoce da dieta normal ➢ Correção de distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos ➢ Otimização cardiorrespiratória (com fornecimento de oxigênio, se apropriado) ➢ Identificação precoce de infecção
  • 17. PREVENÇÃO ➢ Tratamento eficaz da dor ➢ Mobilização diária ➢ Evitar drogas antipsicóticas ➢ Evitar benzodiazepínicos ➢ Reduzir ruídos a noite para promover o sono ➢ Remoção precoce de dispositivos invasivos (dispositivos intravasculares e de vias aéreas) ➢ Evitar restrições físicas ➢ Promoção do sono (máscara para os olhos e tampões para os ouvidos)
  • 18. PREVENÇÃO ➢ Antipsicóticos: ○ Revisão sistemática de 2019 examinou 14 ensaios clínicos randomizados ou estudos observacionais prospectivos comparando medicamentos antipsicóticos com placebo ou com outros medicamentos antipsicóticos, concluindo que as evidências não suportam o uso de haloperidol ou antipsicóticos de segunda geração para a prevenção do delirium. ➢ Os estudos avaliando a melatonina têm sido em sua maioria pequenos, com considerável heterogeneidade metodológica, e mostraram efeitos mistos na prevenção do delirium. ➢ Uma revisão Cochrane publicada em 2016 não encontrou evidências de que os inibidores da colinesterase, antipsicóticos ou melatonina fossem eficazes na prevenção do delirium em pacientes fora da UTI.
  • 19. TRATAMENTO ➢ Resolver a causa base (infecção, dor, dispositivos invasivos, hidratação, retirar medicações com potencial de causar delirium e etc). ➢ Medidas comportamentais.
  • 20. TRATAMENTO ➢ Medicações: ○ Antipsicóticos de 1° e 2° geração ○ Benzodiazepínicos ○ Dexmedetomidina (Precedex) ○ Clonidina, cetamina e outros sedativos ○ Inibidores da colinesterase? Evidências?
  • 21. TRATAMENTO ➢ MIND-USA, testou a eficácia dos antipsicóticos haloperidol e ziprasidona comparada com placebo para o tratamento de delirium em pacientes críticos. Não houve associação significativa entre os medicamentos do estudo e tempo sem delirium. ➢ Devlin et al, 2010: 36 pacientes de UTI com delirium que estavam recebendo haloperidol foram aleatoriamente designados para tratamento com quetiapina ou placebo. Resultado: Menor tempo de delirium com quetiapina comparada com placebo.
  • 22. TRATAMENTO ➢ Revisão Cochrane com 9 estudos e 727 pacientes, constatou que, em comparação com o tratamento com outras medicações, os antipsicóticos não reduziram a gravidade do delirium, não tiveram efeito na resolução dos sintomas de delirium e não alteraram a mortalidade. Além disso, não houve diferença na resposta entre antipsicóticos típicos e atípicos.
  • 23. TRATAMENTO ➢ Dois estudos comparando benzodiazepínicos versus agentes antipsicóticos: um estudo não encontrou nenhuma vantagem, o outro encontrou diminuição da eficácia dos benzodiazepínicos em comparação com os antipsicóticos.
  • 24. TRATAMENTO ➢ Dexmedetomidina: Três estudos randomizados multicêntricos compostos por pacientes em unidade de terapia intensiva (UTI) sedados com midazolam ou profofol vs dexmedetomidina. Resultado: Melhora mais precoce do delirium com uso de Dexmedetomidina comparado a midazolam e propofol.
  • 25. TRATAMENTO ➢ Ensaio clínico randomizado comparou rivastigmina com placebo em 104 pacientes internados em terapia intensiva com delirium que também receberam haloperidol. Resultado: O estudo foi interrompido precocemente devido à maior mortalidade no grupo da rivastigmina (22 versus 8%) . A duração mediana do delirium também foi maior no grupo da rivastigmina (5 versus 3 dias, p = 0,06).
  • 26. TRATAMENTO ➢ Agentes antipsicóticos ou outras drogas como benzodiazepínicos não são recomendados como parte rotineira do tratamento específico para delirium, mas podem ser considerados se houver sofrimento intratável para o qual outras abordagens não obtiveram sucesso.
  • 27. DESFECHOS ➢ Efeitos de curto prazo, como quedas, pneumonia por aspiração, angústia e outros eventos que ocorrem durante o delirium ou nos dias após. ➢ Aumento da mortalidade em curto prazo. ➢ Aumento da mortalidade e incapacidade funcional e cognitiva em 1 ano. ➢ Fator de risco para desenvolvimento ou agravamento de quadro demencial.
  • 28. DESFECHOS ➢ Um estudo de acompanhamento de longo prazo descobriu que, após dois anos, apenas um terço dos pacientes que sofreram delirium ainda viviam independentemente na comunidade. ➢ Outro estudo prospectivo de 225 pacientes após cirurgia cardíaca encontrou que aqueles que experimentaram delirium eram mais propensos a ter uma queda persistente nos escores do Mini-Exame do Estado Mental em seis meses em comparação com aqueles que não sofreram delirium (40 versus 24 por cento); aos 12 meses as diferenças não foram estatisticamente significativas (31 versus 20 por cento, p = 0,055). ➢ Em um estudo de 821 pacientes internados em terapia intensiva médica ou cirúrgica, a duração do delirium foi associada a pior função cognitiva em 3 e 12 meses. Enquanto apenas 6% apresentavam comprometimento cognitivo no início do estudo, aos 12 meses, 34% apresentavam déficits semelhantes aos pacientes com lesão cerebral traumática moderada. ➢ Outros estudos descobriram que pacientes com delirium são mais propensos a ter problemas cognitivos de longo prazo do que pacientes que não sofreram de delirium.
  • 29. DESFECHOS ➢ Efeitos de curto prazo, como quedas, pneumonia por aspiração, angústia e outros eventos que ocorrem durante o delirium ou nos dias após o delirium. ➢ Aumento da mortalidade em curto prazo. ➢ Aumento da mortalidade e incapacidade em 1 ano.
  • 30. CONCLUSÃO ➢ Assim, embora o delirium seja considerado potencialmente reversível, as deficiências podem ser prolongadas e talvez permanentes, particularmente em pacientes frágeis e idosos.
  • 31. E a dona Maria?
  • 32. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS � https://www.uptodate.com/contents/delirium-and-acute-confusional-states-prevention-treatment-and- prognosis?search=delirium&source=search_result&selectedTitle=2~150&usage_type=default&display_rank=2#H180416 873 Acesso em 08/08/2022 � https://www.nature.com/articles/s41572-020-00223-4#Sec16 Acesso em 08/08/2022 � Yu, A. et al. Cholinesterase inhibitors for the treatment of delirium in non-ICU settings. Cochrane Database Syst. Rev. 6, CD012494 (2018). � Hov, K. R. et al. The Oslo study of clonidine in elderly patients with delirium; LUCID: a randomised placebo-controlled trial. Int. J. Geriatr. Psychiatry 34, 974–981 (2019). � Carrasco, G. et al. Dexmedetomidine for the treatment of hyperactive delirium refractory to haloperidol in nonintubated ICU patients: a nonrandomized controlled trial. Crit. Care Med. 44, 1295–1306 (2016) � https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18073360/ Acesso em 08/08/2022 � https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19188334/ Acesso em 08/08/2022 � https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31112380/ Acesso em 08/08/2022 � https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30346242/ Acesso em 08/08/2022 � https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19237884/ Acesso em 08/08/2022 � https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20095068/ Acesso em 08/08/2022