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RELAÇÕES PAIS E FILHOS
E A LÓGICA DO CONSUMO

Questões contemporâneas
atravessando a clinica
psicoterapêutica com crianças e
adolescentes
A prática clinica com crianças e suas
respectivas famílias, têm revelado um número
crescente de dificuldades que emergem no seio
das relações familiares e que, sob nosso ponto de
vista, parecem ter como elementos decisivos
questões típicas do que o sociólogo Zygmunt
Bauman denomina de “mundo liquido”, onde a
preocupação exclusiva com a sobrevivência e a
satisfação, não deixa espaço para indagações
sobre qualquer outra coisa senão ao que pode
ser consumido e degustado instantaneamente e
rapidamente descartado e substituído por outra
coisa.
Segundo o mesmo
autor, a “vida liquida” é
uma vida de consumo.
Projeta o mundo e tudo
que nele existe como
objetos de consumo,
que como tais, perdem
a utilidade, o viço, a
atração, o poder de
sedução e o valor
durante o período em
que são usados.
Numa sociedade assim, qualquer busca
existencial, e principalmente a busca da autoestima, da felicidade e da satisfação nas
relações, exige a mediação do mercado.
É um mundo feito de mercadorias –
objetos julgados, apreciados ou rejeitados de
acordo com a satisfação que trazem aos
consumidores.
É esperado que sejam fáceis de usar,
que provoquem satisfação instantânea e
que sejam amigáveis ao usuário, exigindo
pouco ou nenhum esforço da parte deste.
Se
deixarem
de
cumprir
essa
promessa, se a satisfação não for atingida
ou for menor que a esperada, voltarão à
loja com a expectativa de receber o dinheiro
de volta ou de conseguir um substituto
conveniente.
O objeto que provocou desagrado é
geralmente descartado. Os atos de
consumo têm fins claros, durando apenas
até se concretizar e nem um minuto a mais,
porém o mesmo não pode ser dito das
interações humanas, já que cada encontro
deixa para trás um sedimento de vínculo
humano, e esse sedimento se torna mais
espesso com o tempo, à medida que se
enriquece com as memórias do convívio.
Cada encontro é simultaneamente um momento
de conclusão e um recomeço – a interação não tem
um “fim natural”. O fim só pode ser obtido
artificialmente, e está longe se ser obvio quem deve
decidir que o fim chegou, já que numa interação
humana, ambos os lados são ao mesmo tempo
consumidores e objetos de consumo.
É nesse mundo e sob essa lógica que
as crianças nascem; é nesse mundo que
elas crescem e é esse o mundo
apresentado pelos adultos que as cercam.
Uma vez que entendemos ser este o cenário
de nossa vida contemporânea nas grandes
cidades, constatamos em uma série de
experiências vividas em nosso cotidiano, que
adultos mergulhados numa lógica consumista,
apresentarão o mundo para seus filhos dentro
dessa lógica e tenderão a tratá-los também a
partir da mesma lógica, “liquidificando” as
relações, transformando a troca relacional em
troca material e substituindo laços de afeto,
doação, compromisso e cuidado por ofertas de
bens de consumo que trazem satisfação imediata
e podem ser indefinidamente descartados e
substituídos por outros.
Inúmeras vezes por dia, as crianças
são bombardeadas por sugestões de
que precisam deste ou daquele
produto, e nas duas ultimas décadas, o
mercado
infantil
se
expandiu
enormemente, tanto em termos de
gastos diretos quando de sua influência
nas compras feitas pelos pais.
Em nossa experiência
clinica, constatamos que
as crianças realmente são
vistas pelos pais como
“selecionadores
conscientes”, donas de
um conhecimento de que
eles carecem, qual seja o
conhecimento do que é
atualmente in e do que
é out em termos de
moda.
Por essa razão, as crianças são cada vez
mais consultadas quando os pais têm de
tomar uma decisão a respeito de compras,
uma vez que estes não confiam mais em seu
próprio julgamento sobre “o que é bom para o
meu filho” e, assim, em suas próprias
escolhas.
Perguntamo-nos
a
respeito
das
possíveis implicações dessa inversão de
autoridade e já deparamo-nos na clinica
com crianças com algumas implicações
significativas desta modalidade relacional
no desenvolvimento saudável das crianças.
Para ajustar as crianças a essa nova
ordem, a sociedade dos consumidores
focaliza seu “reprocessamento da infância”
no gerenciamento de espíritos. Segundo o
mesmo autor, a infância se transforma
numa “preparação para a venda do ser”, a
medida que as crianças são treinadas “para
ver todos os relacionamentos em termos de
mercado” e encarar os outros seres
humanos, incluindo os amigos e membros
da família, pelo prisma das percepções e
avaliações geradas pelo mercado.
Seguir tais exigências torna-se
fundamental para ser o tipo “certo” de
pessoa,
para
serem
amadas,
valorizadas ou para pertencerem a um
determinado grupo, sob pena de
sentirem-se inadequadas, deficientes
e abaixo do padrão se não puderem
atender prontamente a expectativa.
Uma outra questão que podemos
levantar, diz respeito às pressões
financeiras do um mercado de consumo,
que tornaram um único salário insuficiente
para sustentar uma família com filhos e, por
isso, um grande número de crianças são
criadas em família com dupla renda, onde
ambos os pais trabalham em tempo
integral, passando a maior parte do tempo
em que não estão na escola sozinhos ou na
companhia de outras crianças, ou ainda na
companhia
de
adultos
“cuidadores”,
submetidos também a lógica do mercado.
Com isso, percebemos que os vínculos
familiares se afrouxam e são ainda mais
minados e enfraquecidos pela inversão da
autoridade e da estrutura de comando
resultante do fato de as crianças terem se
tornado especialista em matéria de
compras e assumido o direito de tomar
decisões a esse respeito, além de que
comprar parece ser uma atividade
mediadora do contato estabelecido por
inúmeras famílias.
As necessidades infantis são atreladas às
“grandes marcas” e a substituição dos vínculos
humanos pela lealdade a “marca”, nos parece ter um
importante papel na moldagem das expectativas e
habilidades existenciais das crianças e suas famílias.
A partir dessas observações, nos
perguntamos
acerca
das
possíveis
implicações da lógica do consumo no
estabelecimento de relações de caráter
dialógico
no
seio
das
famílias
contemporâneas, particularmente no que
diz respeito aos vínculos estabelecidos
entre pais e filhos.

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Relações pais e filhos

  • 1. RELAÇÕES PAIS E FILHOS E A LÓGICA DO CONSUMO Questões contemporâneas atravessando a clinica psicoterapêutica com crianças e adolescentes
  • 2. A prática clinica com crianças e suas respectivas famílias, têm revelado um número crescente de dificuldades que emergem no seio das relações familiares e que, sob nosso ponto de vista, parecem ter como elementos decisivos questões típicas do que o sociólogo Zygmunt Bauman denomina de “mundo liquido”, onde a preocupação exclusiva com a sobrevivência e a satisfação, não deixa espaço para indagações sobre qualquer outra coisa senão ao que pode ser consumido e degustado instantaneamente e rapidamente descartado e substituído por outra coisa.
  • 3. Segundo o mesmo autor, a “vida liquida” é uma vida de consumo. Projeta o mundo e tudo que nele existe como objetos de consumo, que como tais, perdem a utilidade, o viço, a atração, o poder de sedução e o valor durante o período em que são usados.
  • 4. Numa sociedade assim, qualquer busca existencial, e principalmente a busca da autoestima, da felicidade e da satisfação nas relações, exige a mediação do mercado. É um mundo feito de mercadorias – objetos julgados, apreciados ou rejeitados de acordo com a satisfação que trazem aos consumidores.
  • 5. É esperado que sejam fáceis de usar, que provoquem satisfação instantânea e que sejam amigáveis ao usuário, exigindo pouco ou nenhum esforço da parte deste. Se deixarem de cumprir essa promessa, se a satisfação não for atingida ou for menor que a esperada, voltarão à loja com a expectativa de receber o dinheiro de volta ou de conseguir um substituto conveniente.
  • 6. O objeto que provocou desagrado é geralmente descartado. Os atos de consumo têm fins claros, durando apenas até se concretizar e nem um minuto a mais, porém o mesmo não pode ser dito das interações humanas, já que cada encontro deixa para trás um sedimento de vínculo humano, e esse sedimento se torna mais espesso com o tempo, à medida que se enriquece com as memórias do convívio.
  • 7. Cada encontro é simultaneamente um momento de conclusão e um recomeço – a interação não tem um “fim natural”. O fim só pode ser obtido artificialmente, e está longe se ser obvio quem deve decidir que o fim chegou, já que numa interação humana, ambos os lados são ao mesmo tempo consumidores e objetos de consumo.
  • 8. É nesse mundo e sob essa lógica que as crianças nascem; é nesse mundo que elas crescem e é esse o mundo apresentado pelos adultos que as cercam.
  • 9. Uma vez que entendemos ser este o cenário de nossa vida contemporânea nas grandes cidades, constatamos em uma série de experiências vividas em nosso cotidiano, que adultos mergulhados numa lógica consumista, apresentarão o mundo para seus filhos dentro dessa lógica e tenderão a tratá-los também a partir da mesma lógica, “liquidificando” as relações, transformando a troca relacional em troca material e substituindo laços de afeto, doação, compromisso e cuidado por ofertas de bens de consumo que trazem satisfação imediata e podem ser indefinidamente descartados e substituídos por outros.
  • 10. Inúmeras vezes por dia, as crianças são bombardeadas por sugestões de que precisam deste ou daquele produto, e nas duas ultimas décadas, o mercado infantil se expandiu enormemente, tanto em termos de gastos diretos quando de sua influência nas compras feitas pelos pais.
  • 11. Em nossa experiência clinica, constatamos que as crianças realmente são vistas pelos pais como “selecionadores conscientes”, donas de um conhecimento de que eles carecem, qual seja o conhecimento do que é atualmente in e do que é out em termos de moda.
  • 12. Por essa razão, as crianças são cada vez mais consultadas quando os pais têm de tomar uma decisão a respeito de compras, uma vez que estes não confiam mais em seu próprio julgamento sobre “o que é bom para o meu filho” e, assim, em suas próprias escolhas.
  • 13. Perguntamo-nos a respeito das possíveis implicações dessa inversão de autoridade e já deparamo-nos na clinica com crianças com algumas implicações significativas desta modalidade relacional no desenvolvimento saudável das crianças.
  • 14. Para ajustar as crianças a essa nova ordem, a sociedade dos consumidores focaliza seu “reprocessamento da infância” no gerenciamento de espíritos. Segundo o mesmo autor, a infância se transforma numa “preparação para a venda do ser”, a medida que as crianças são treinadas “para ver todos os relacionamentos em termos de mercado” e encarar os outros seres humanos, incluindo os amigos e membros da família, pelo prisma das percepções e avaliações geradas pelo mercado.
  • 15. Seguir tais exigências torna-se fundamental para ser o tipo “certo” de pessoa, para serem amadas, valorizadas ou para pertencerem a um determinado grupo, sob pena de sentirem-se inadequadas, deficientes e abaixo do padrão se não puderem atender prontamente a expectativa.
  • 16. Uma outra questão que podemos levantar, diz respeito às pressões financeiras do um mercado de consumo, que tornaram um único salário insuficiente para sustentar uma família com filhos e, por isso, um grande número de crianças são criadas em família com dupla renda, onde ambos os pais trabalham em tempo integral, passando a maior parte do tempo em que não estão na escola sozinhos ou na companhia de outras crianças, ou ainda na companhia de adultos “cuidadores”, submetidos também a lógica do mercado.
  • 17. Com isso, percebemos que os vínculos familiares se afrouxam e são ainda mais minados e enfraquecidos pela inversão da autoridade e da estrutura de comando resultante do fato de as crianças terem se tornado especialista em matéria de compras e assumido o direito de tomar decisões a esse respeito, além de que comprar parece ser uma atividade mediadora do contato estabelecido por inúmeras famílias.
  • 18. As necessidades infantis são atreladas às “grandes marcas” e a substituição dos vínculos humanos pela lealdade a “marca”, nos parece ter um importante papel na moldagem das expectativas e habilidades existenciais das crianças e suas famílias.
  • 19. A partir dessas observações, nos perguntamos acerca das possíveis implicações da lógica do consumo no estabelecimento de relações de caráter dialógico no seio das famílias contemporâneas, particularmente no que diz respeito aos vínculos estabelecidos entre pais e filhos.