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14
ISAAC
ASIMOV
PENSE
ORIGEM DA
ROBÓTICA
MODERNA
ROBÔ
AL-76
EXTRAVIADO
O QUE É
FICÇÃO
CIENTÍFICA?
UM DIA
INTRO
CONTOS DE
ASIMOV
O INCIDENTE
DO
TRICEDENTÁRIO
TIPOS DE
ROBÔS
INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
6
24
8
34
9
48
11 60
Saiba a origem, os detalhes da
ficção científica e como são divi-
didos em subgêneros.
Com o tema “Robôs não huma-
nos”, Asimov nos mostra uma
possível reviravolta entre a relação
do ser humano e os robôs, pro-
veniente da possibilidade da auto
evoluçãodainteligênciaartificial.
Na publicação original - em for-
mato de livro - Asimov prepara
a mente do leitor com algumas
informações importantes sobre o
mundo da robótica.
Um incidente muito maior que
se imagina, uma situação que
impactou não só uma nação, mas
toda a Federação Mundial. Aqui,
as 3 leis da robótica fora posta em
prática e aparenta ser imperfeita.
Também na publicação original,
os contos foram separados, não
por datas em que foram escritas,
mas tipos de robôs. Mesmo ten-
do algumas semelhanças, cada
tipo tem sua singularidade.
A Inteligencia artificial ou “AI”,
como é popularmente chamado,
tem se destacado ultimamente,
mas surge juntamente com as
pesquisas sobre robôs imóveis,
computadores pessoais.
A biografia do autor conta as in-
fluência de quando criança, sua
formação acadêmica e algumas
previsões que se concretizaram.
Não é a toa que o título seja pen-
se, o conto realmente necessita
de um pensamento crítico para
seguir o raciocínio. Nele o leitor
irá se deparar com termos cientí-
ficosnocampodaneurofisiologia.
A tecnologia para os robôs vem
sido fomentada desde antes da
civilização, sabia? Pois bem, há
muito mais do que os clichês
apresentados nos cinemas.
Perdido num ambiente que não
fora projetado, a terra, AL-76
procura exercer o trabalho que
lheforaexpedidoemsuaconcep-
ção. Mas acaba criando uma situ-
ação caótica sem muito esforço.
SUMÁRIO
CONTOS
O que e ficcao cientifica?
Oqueeficcaocientifica?
A
ficção científica é um gênero cujos conteúdos se
baseiam em supostos feitos científicos ou técnicos
que poderiam acontecer no futuro. Este funda-
mento científico faz que a ficção científica se diferencie
do género fantástico, onde as situações e os personagens
são fruto da imaginação.
O gênero da ficção científica também foi conhecido
como literatura de antecipação, dadas as características
mencionadas. Efetivamente, muitos autores de ficção
científica conseguiram antecipar/prever o surgimento de
diversos inventos, como foi o caso Júlio Verne com os sub-
marinos ou as naves espaciais.
A ficção científica nasceu como um subgênero literário
na década de 1920. Com o tempo, foi-se alargando a di-
ferentes formatos. A ficção científica cinematográfica foi
uma das adaptações de maior sucesso, principalmente a
partir da segunda metade do século XX.
Há quem distinga a ficção científica “hard” (dura) da fic-
ção científica “soft” (macia), de acordo com o rigor com
que são tratados e abordados os dados científicos. A ficção
científica dura será portanto “a mais científica”, sem de-
masiado espaço para a imaginação. No entanto, a ficção
científica “soft” inclui algumas suposições sem base cien-
tífica ou real.
Entre os autores mais famosos da ficção científica, des-
tacaremos Isaac Asimov (1920-1992, autor de Nós, robôs),
Ray Bradbury (1920, Crônicas marcianas, Fahrenheit 451),
Arthur C. Clarke (1917-2008, Odisseia no Espaço), Aldous
Huxley (1894-1963, Admirável Mundo Novo), Ursula K. Le
Guin (1929, The Dispossessed) e o já referido Júlio Verne
(1828-1905, Viagem ao centro da Terra, Vinte Mil Léguas
Submarinas).
Para validar algo que não
é possível no nosso contexto
atual, a FC pode recorrer a:
• Ambientação Futura.
• Inteligências não humanas:
Extraterrestres, Robôs, In-
terdimensionais etc.
•Inteligências Humanas:
Gênios e Cientistas.
• FenômenosDesconhecidos
Curioso é que se fizermos
uma pesquisa aleatória, en-
contraremos uma porcen-
tagem pequena de pessoas
que declarem ser esse seu
gênero favorito, não obstan-
te este é com certeza o gê-
nero cinematográfico mais
bem sucedido do mundo.
Basta olhar a lista das maio-
res bilheterias cinematográ-
ficas mundiais, evidente-
mente compostas por filmes
de Hollywood. Até o ano
2000 pelo menos, apenas
alguns sucessos como Titanic
e Forest Gump, escaparam
do gênero fantástico, mas a
maioria é de Ficção Cientí-
fica, Star Wars, Independence
Day, ET, Batman e etc.
Fantasiaéoimpossíveltornadoprovável.
Ficçãocientificaéoimprováveltornadopossível.
Sci-fiesucessoemHollywood
54
Criado por H.G.Wells no livro Á Máquina
do Tempo, é provavelmente o mais popular. Tal
como nesta obra pioneira, pode envolver viagens
do presente para o futuro, mas na maioria dos ca-
sos envolve viagens do Presente para o Passado,
ou de visitantes do futuro vindo ao presente.
Vejamos aqui, os principais ramos de
Ficção Científica, mais ou menos pela
ordem em que surgiram.
Inaugurado por Júlio Verne em Viagem a Lua, e
também por H.G.Wells em O primeiro homem na
Lua é um dos poucos que se tornou parcialmente
realidade. Alias a tecnologia usada no programa
Apollo está anos-luz à frente daquela imaginada
por Verne. E neste grupo que ocorre também um
dos assuntos mais mal resolvidos da FC, a ques-
tão da Gravidade.
Mary Shelley publicou a primeira obra que
embora mais associada ao gênero Terror, possui
a estrutura básica da FC. Frankenstein de 1816,
pode ser considerado o precursor primordial da
FC. Esse subgênero Também foi abordado por
H.G.Wells em A Ilha do Dr. Moureau, onde um
cientista criou uma série de criaturas mutantes
misturando homens com animais, numa espécie
de precursão da Engenharia Genética.
Pode ser apelidado de FUTURO DO PRETÉ-
RITO, trata-se daquela ambientação passada que
no entanto, não corresponde a história do mun-
do real. Como um futuro superado ou mesmo
uma visão alternativa proposital. Obras como
Metrópolis de Fritz Lang e Farenheit 451 de Ray
Bradubury, imaginavam ambientações futuras
que já foram ultrapassadas ou cujo curso atual da
história já inviabilizou.
Muitas vezes se mistura com a Futurâmica Es-
pacial, mas há como exceção nada mais nada me-
nos do que STAR WARS e a série de TV Galáctica,
que simplesmente não podem ser enquadradas
em nenhum dos outros gêneros acima. É onde as
Batalhas Espaciais são presença obrigatória.
Ambientação que como o próprio nome diz
se concentra na exploração espacial futura. Star
Trek, Perry Rhodan e Buck Rogers são alguns
exemplos. Muitas delas estão repletas de um dos
temas que mais abusa da licença poética na FC,
as Batalhas Espaciais.
O nome diz tudo, obras que se ambientam
num mundo futuro pós Terceira Guerra mundial
ou equivalente. Podem explorar os efeitos dire-
tos desta catástrofe como Herança Nuclear, ou
simplesmente ignorá-la como o curioso Crepús-
culo de Aço, com Patrick Swaize. Provavelmente o
exemplo mais famoso é Mad Max II e III.
Emgerallocaliza-senumfuturopróximodeca-
raterísticas decadentes do ponto de vista moral.
Superpopulação, auto índice de violência urbana
e degeneração ambiental são temas frequentes,
mas o essencial é a temática tecnológica em geral
enfocada na informática, telecomunicação e ele-
trônica. Esse sub gênero tem como um dos prin-
cipais marcos inicias a obra NEUROMANCER de
Willian Gibson.
VIAGENS PARA FORA DA TERRA
RETROFUTURISMO
PÓS-APOCALÍPTICO
CRIATURAS ESPECIAIS
CIBERPUNK
VIAGENS NO TEMPO
FUTURÂMICA ESPACIAL
GUERRAS ESPACIAIS
SUBDIVISOES
76
Oescritor nasceu em 1920 na ci-
dade russa de Smolensk, que fa-
zia parte do gueto Petrovichi. Sua fa-
mília imigrou para os Estados Unidos
quando ele tinha três anos, passando
a viver no Brooklyn. O gosto pela
leitura se manifestou precocemente.
Seu pai, Judah Asimov, era um leitor
voraz de escritores russos. Apesar de
ter sido educado sob os preceitos do
judaísmo ortodoxo, Judah não influiu
na educação religiosa de seu filho,
mas estimulou Asimov a cultivar o
hábito da leitura. Judah deu a Asi-
mov um cartão da biblioteca e foi
assim que o escritor conheceu ain-
da pequeno, obras sobre mitologia
grega, clássicos de Shakespeare e
livros de história.
O contato com revistas de ficção
científica que lia, ainda pequeno, na
loja do pai levaram-no a seguir duas
carreiras: a acadêmica e a de escritor.
Asimov começou a escrever com 11
anos. Com apenas quinze ingressou
na Universidade de Columbia, em
Nova York, onde estudou química.
Aos dezoito, vendeu a sua primeira
história, “Marooned Off Vesta”.
Em 1942 casou-se com Gertru-
de Blugerman, com quem teve dois
filhos – mas o casamento nunca foi
tranqüilo. Nessa mesma época, du-
rante a Segunda Guerra Mundial,
passou a trabalhar na US Naval Air
Experimental Station.Depois da
guerra, doutorou-se na Universidade
de Columbia e, entre 1949 e 1958,
ensinou bioquímica na Universidade
de Medicina, em Boston.
Em 1973 casou-se com a escritora
e psicanalista Janet Opal Jeppson.
Ela tinha começado, já nos anos 70,
a escrever ficção científica volta-
da para crianças. Juntos criaram as
Norby Chronicles, sobre as aventu-
ras de um robô.
Seu primeiro grande sucesso foi Ni-
ghtfall, de 1941, mas seu primeiro ro-
mance foi lançado somente dez anos
depois, Pebble in the sky (1950). A
obramaisfamosadeAsimovéatrilogia
Fundação, também da década de 50,
seguida pela série de sucesso Histórias
de Robôs. É autor de cerca de qui-
nhentos livros para jovens e adultos, ul-
trapassandoosdomíniosdaciênciaeda
ficção científica, já que escreveu tam-
bém romances policiais, livros sobre
humor e história, assim como alguns
volumes sobre a Bíblia e Shakespeare.
A saúde de Asimov ficou abalada
após o infarto que teve em 1977. No
inverno de 1989-1990 passou uma
temporada no hospital devido a uma
insuficiência cardíaca. Morreu em
1992, de complicações renais e car-
díacas. Asimov foi reconhecido como
mestre da ficção científica, e junta-
mente com Robert A. Heinlein e Ar-
thur C. Clarke é considerado um dos
três grandes escritores do gênero.
Em 1981 o asteroide 5020 recebeu
seu nome como homenagem.
TRILOGIA
FUNDAÇÃO
Autor: Isaac
Asimov
Editora: Aleph
Preço:R$84,90
FUNDAÇÃO
Páginas: 240
FUNDAÇÃO
E O IMPÉRIO
Páginas: 248
SEGUNDA
FUNDAÇÃO
Páginas: 248
“Pai” dos robôs,
criador das 3 Três Leis
Fundamentais da Robótica
isaac asimov Por ser escritor de ficção científica,
muito do que Asimov falava em sua
época era considerado um absurdo,
apenas fantasia de uma mente cria-
tiva. No entanto, o autor previu o
surgimento de várias tecnologias uti-
lizadas nos dias de hoje.
Em 1988, o autor deu uma ideia de
como seria a propagação do conheci-
mento no futuro. O modelo descrito
por ele nada mais é do que a internet
como conhecemos hoje. Nas palavras
do autor: “[...] Uma vez que tenha-
mos computadores em casa, cada um
deles ligado a bibliotecas enormes,
qualquer pessoa pode fazer pergun-
tas e ter respostas, obter materiais de
referência sobre qualquer assunto em
que esteja interessada em saber.”.
Qualquer semelhança da descri-
ção acima com o Tira-Dúvidas — do
Tecmundo —, a Wikipédia e vários
outros serviços presentes na internet
não é uma mera coincidência.
Os robôs estão presentes em cen-
tenas de notícias espalhadas pela in-
ternet. A cada dia, novos humanoi-
des são apresentados, os quais estão
cada vez mais aptos de realizar ativi-
dades que antes eram consideradas
exclusivamente humanas. Asimov
previu o surgimento de robôs com a
aparência de pessoas.
Em seu livro, Eu, Robô, o autor
apresentou as três Leis da Robótica,
as quais ditam as regras básicas para
que robôs e seres humanos convi-
vam de forma pacífica.
1ª lei: Um robô não pode ferir um
ser humano ou, por ócio, permitir
que um ser humano sofra algum mal.
2ª lei: Um robô deve obedecer às
ordens que lhe sejam dadas por seres
humanos, exceto nos casos em que
tais ordens contrariem a Primeira Lei.
3ª lei: Um robô deve proteger sua
própria existência, desde que tal
proteção não entre em conflito com
a Primeira e Segunda Lei.
Algum tempo depois, Asimov criou
uma quarta lei (chamada Lei Zero),
a qual diz: “Um robô não pode fazer
mal à humanidade e nem, por inação,
permitir que ela sofra algum mal”.
Mesmo que não pareçam mui-
to úteis no momento, as três Leis
da Robótica são levadas à sério por
muitos pesquisadores da área.
Embora o cinema e a literatura
insistam em histórias com teorias
conspiratórias, nas quais as máqui-
nas se rebelam e tentam dominar
os seres humanos, o respeito a esses
princípios faz com que, na prática,
seja pouco provável que algo do gê-
nero possa acontecer em um futuro
muito próximo.
Prevendo o futuro As tres leis
O vídeo no QRcode
ao lado mostra o trecho
de uma entrevista que
Asimov concedeu a Bill
Moyers,em1988,falan-
do sobre a importância
da internet na educação.
END
internetdascoisas
A Internet das Coisas (do inglês,
Internet of Things) é uma rede de ob-
jetos físicos, veículos, prédios e outros
que possuem tecnologia embarcada,
sensores e conexão com rede capaz de
coletar e transmitir dados. E esse em
específiconãoforaprevistodiretamen-
te por Asimov, mas podemos perce-
ber um ponta pé inicial para esse novo
conceito, que tende a crescer de forma
exponencialmente rápida.
98
origem da
robotica
moderna
Aficção científica pin-
ta – na maioria das
vezes–asmáquinascomo
as grandes vilãs das histó-
rias que envolvem robôs.
Desde o Exterminador
dofuturoatéasmáquinas
de Matrix, o cinema pinta
a robótica como uma ci-
ência fadada a substituir
a humanidade com seus
produtos mecatrônicos.
Porém a mesma ficção
que gerou os algozes do
Homo sapiens também
mostrou seus salvadores,
como em Wall-E da Dis-
ney-Pixar.
Apesar de muitos
acreditarem que a ro-
bótica é uma tecnologia
moderna, os primeiros
estudos sobre autômatos
são tão antigos quanto a
civilização. Já na Grécia
antiga existiam aparelhos
que – através de pesos e
bombas pneumáticas –
agiam sozinhos. Porém
muito tempo passou an-
tes de surgir uma aplica-
ção real para a técnica.
NaRenascença–perío-
do compreendido entre o
final do século XIII e me-
adosdoséculoXVII– vá-
rios artistas e artesãos
construíam pequenas
máquinas de ativa-
ção própria. Leonardo
DaVinci, ao estudar a
anatomia humana para
melhorar a qualidade de
seus desenhos e pinturas,
acabou por desenvolver
diversos modelos de bo-
necos que moviam mãos,
pernas e alguns eram até
mesmocapazesdeescre-
ver ou tocar instrumen-
tosmusicais.
A tecnologia desenvol-
vida na Renascença com
essesartefatos–tratados
como meras curiosida-
des técnicas e artísticas
– acaba por gerar co-
nhecimento que logo
depois seria transfor-
mado nas primeiras
máquinas automáti-
cas responsáveis pelo
advento da Revolu-
ção Industrial.
Um dos grandes cien-
tistas envolvidos com a
robótica foi Nikola Tesla
(1856-1943), sérvio radi-
cadonosEstadosUnidos,
que estudava não apenas
máquinas controladas à
distância, mas também,
segundo o pesquisador, “[...] máqui-
nas dotadas de sua própria inteligência.
Como o período da evolução avançou,
penso também que não está longe o
tempo em que mostrarei uma automa-
ção que, deixada por si, irá agir como
dotadaderazãoesemqualquercontrole
voluntáriodoexterior”.
Percebam que até então, ninguém
utilizava o nome robô para suas inven-
ções. Este termo (e sua contraparte
inglesa robot) vem da palavra de ori-
gem checa robota – trabalhador que
realiza serviço compulsório – inventada
por Karel Čapek (1890-1938). Escri-
tor, Čapek é autor de uma peça de te-
atro conhecida como R.U.R (Rossum´s
Universal Robots – Robôs Universais
de Rossum), onde um gênio desenvol-
ve uma substância especial, e começa a
construir humanoides – robotas – para
substituir o homem no desempenho de
tarefasfísicas.
Depois da primeira aparição “oficial”
dos robôs na ficção, eles nunca mais pa-
raram de surgir. Entre os mais famosos
estãoosrobôspositrônicosdeIsaacAsi-
mov (1920-1992), que formam a base
do livro de contos “Eu, robô” – mais tar-
deadaptadoparaocinema–easériede
livros de contos intitulada “Robôs”. Asi-
mov foi tão importante para a concep-
ção de robôs através de suas obras que a
Honda batizou um de seus humanoides
deAsimocomohomenagemaoautor.
Na época em que eu ainda não tinha
feito vinte anos, e já era um leitor
assíduo de ficção científica, li muitas
histórias de robô e descobri que elas se
encaixava em duas classes.
Na primeira classe, havia o Robô-co-
mo-Ameaça. Não tenho de explicar
muita coisa sobre isso. Tais histórias
eram uma mistura de “clangue-clan-
gue”, com “aahhh!” e “Há certas coisas
queoshomensnãoestavamdestinados
a saber”. Algum tempo depois, elas
perderampavorosamenteagraçaenão
pude mais suportá-las.
Nasegundaclasse(muitomenorque
a primeira), havia o Robô-como-Pa-
thos. Em tais histórias, os robôs eram
amáveis e geralmente manobrados por
seres humanos cruéis. Isso me fascina-
va. Em fins de 1938, duas dessas histó-
rias chocaram-se com os padrões que
particularmente me impressionavam.
Uma delas era um conto de Eando Bin-
der,intituladoEu,Robô,sobreumvirtu-
oso robô chamado Adam Link; a outra
era uma história de Lester Del Rey, in-
tituladaHelenO’Roy,quemecomoveu
com o seu retrato de um robô que era
tudoqueumaesposalealdeveser.
Por conseguinte, quando em 10 de
junho de 1939 (sim, conservo registros
precisos) sentei-me para escrever mi-
nha primeira história de robô, já estava
fora de questão pretender realmente
escrever uma história de Robô-como-
-Pathos. Escrevi Robbie, sobre uma
babá-robô, uma mocinha, amor, uma
mãe prejudicada, um pai
fraco, um coração parti-
do e uma triste reunião.
(Originalmente, apare-
ceu com o titulo – que
eu detestei – de Estra-
nho Coleguinha.) Mas
alguma coisa singular
aconteceu quando es-
crevi esta primeira his-
tória. Consegui chegar
a uma visão vaga de um
robô sem Ameaça nem
Pathos. Comecei a pen-
sar nos robôs como pro-
dutos industriais, cons-
truídos por engenheiros
de verdade. Eram feitos
dentro de normas de
segurança, por isso não
eram ameaças, e eram
projetados para certas
tarefas, de modo que
não havia necessaria-
mente nenhum Pathos
envolvido.
À medida que conti-
nuava escrevendo sobre
robôs esta noção de ro-
bôs industriais cuida-
dosamente construídos
permeava cada vez mais
minhas histórias, até que
todo o caráter das his-
tórias de robô da ficção
científica séria mudou
– não somente o das mi-
INTRODUÇÃO
AOS CONTOS
DE ASIMOV
Originalmente publicado junto
com sua coletânia de contos,
Nós Robôs, Isaac nos mostra
quais obras o motivou a escrever
sobre robôs, além de dar uma
breve descrição de sua influênci
no mundo da robótica que
conhecemos hoje.
nhas próprias histórias,
mas o das histórias de
quase todo mundo. Isso
me fez sentir muito bem
e, por muitos anos, dé-
cadas até, eu facilmente
apregoava que era “o pai
da moderna história de
robôs”. Com o passar do
tempo, fiz outras desco-
bertasquemedeliciaram.
Descobri, por exem-
plo, que quando usava a
palavra “robótica” para
descrever o estudo dos
robôs, não estava usando
uma palavra que já exis-
tia, mas tinha inventado
uma palavra que nunca
fora usada antes. (Acon-
teceu em minha história
AndaràsCegas,publicada
em 1942). Hoje, é uma
palavra de uso corrente.
Há jornais e livros com a
palavra na capa e é geral-
mente sabido no campo
darobóticaquefuieuque
inventei o termo. Não
pensemquenãoestouor-
gulhosodisso.
Não foram muitas as
pessoas que cunharam
um termo científico
útil, e embora eu o te-
nha feito sem saber, não
pretendo deixar que nin-
10
ROBÔS METÁLICOS
Robôindustriual
daempresa
KUKA.
Sequoiao
supercom-
putadordaIBMlançadoem
2012
Spot,orobô
silenciosodequatropernasdaBostonDynamics.
Atlas,ohumanoide
maisdinâmicodomundo.
BostonDynamics.
TiposderobosNa época em que Asimov montou sua coletânia
de contos, Nós Robôs, ele categorizou os tipos de
robôs (que a tecnologia e recursos daquele mo-
mento poderia criar ou sonhar) em quatro tipos:ROBÔS NÃO HUMANOS
ROBÔS IMÓVEIS
ROBÔSHUMANOIDES
Um robô industrial é uma má-
quina manipuladora, com vários
graus de liberdade, controlada
automaticamente, reprogramá-
vel, multifuncional, que pode ter
a base fixa ou móvel, para utiliza-
ção em aplicações de automação
industrial.
Robô imóvel ou Supercompu-
tadoréumcomputadorcomaltís-
simavelocidadedeprocessamento
e grande capacidade de memória.
Tem aplicação em áreas de pes-
quisa que grande quantidade de
processamento se faz necessária,
como pesquisas militares, científi-
ca,químicaemedicina.
Comonocomeçodosanos50,
os recursos e tecnologia de ma-
teriais para a construção de robôs
estavam pouco desenvolvidos, o
material comum para a produção
era o metal, por conter boa dura-
bilidade e poder levantar outros
objetos com o dobro de seu peso
sem ruptura.
Desde a década de 70, quando
rolaram os principais avanços nessa
área, já houve vários robôs huma-
noides (capazes de se mover e in-
teragircomohumanos)eandroides
(quesimulamnossaaparênciaeex-
pressões). Nesse sentido, os maio-
res avanços aconteceram com as
máquinas que operam nos setores
militares,industriaisedesaúde.
guém no mundo esque-
ça quem o fez.
Além disso, em An-
dar às Cegas, enumerei
minhas “Três Leis da
Robótica” em detalhes
explícitos pela primeira
vez, e também elas se
tornaram famosas. Pelo
menos, são citadas a tor-
to e a direito, em lugares
que, originalmente, nada
têm a ver com ficção
científica, nem mesmo
com as indicações da
citação em geral. E as
pessoas que trabalham
no campo da inteligên-
cia artificial, às vezes não
perdem a oportunidade
de me dizer que pensam
que as Três Leis servirão
como um bom guia.
Podemos ir ainda mais
além. Quando escrevi
minhas histórias de robô,
não pensei que os robôs
passassem a existir ainda
em minha vida. De fato,
estava certo que isso não
aconteceria e teria apos-
tado grandes somas em
dinheiro. (Pelo menos,
teria apostado 15 cents,
que é meu limite máxi-
mo para coisas certas.)
Contudo, aqui estou
eu quarenta e três anos
após escrever minha pri-
meira história de robô
e nós temos robôs. Na
verdade, nós temos. E
além do mais, são o que
previ que seriam: robôs
industriais, criados por
engenheiros para reali-
zar tarefas específicas e
construídos dentro de
normas de segurança.
Podem ser encontrados
em numerosas fábricas,
particularmente no Ja-
pão, onde há fábricas de
automóveis inteiramente
robotizadas. A linha de
montagem destes lugares
é “manejada” por robôs
emtodososseusestágios.
Certamente, esses
robôs não são tão inteli-
gentesquantoosmeus–
elesnãosãopositrônicos;
não são sequer huma-
nóides. Contudo, estão
evoluindo rapidamente e
setornandocadavezmais
capazeseversáteis.Quem
sabe como serão daqui a
maisquarentaanos?
De uma coisa pode-
mos ter certeza. Os ro-
bôsestãotransformando
o mundo, levando-o em
direções que não pode-
mos antever com clare-
za. De onde estão vindo
estes robôs-de-verdade?
A fonte mais importan-
te é uma firma chama-
da Unimation, Inc., de
Danbury, em Connecti-
cut. Ë a maior fabricante
de robôs industriais e é
responsável por, talvez,
um terço de todos os ro-
bôs que já instalamos. O
presidente da empresa é
Joseph F. Engelberger,
que a fundou no fim dos
anos 50, pois estava tão
interessado em robôs,
que decidiu fazer de sua
produção o trabalho de
sua vida. Mas como ele
se interessou tão pre-
maturamente por robôs
e entrou tão cedo no jogo? Conforme
suas próprias palavras, começou a se
interessar por robôs na década de
40, quando era estudante de física
na Universidade de Colúmbia e lia
as histórias de robô de um colega na
universidade, Isaac Asimov.
Santo Deus! Vocês sabem, naqueles
velhos, velhos tempos, eu não escrevia
minhas histórias de robô com gran-
des ambições. Tudo o que queria era
vendê-las para as revistas – de modo
a ganhar algumas centenas de dólares
que me ajudassem a pagar meu ensino
na universidade e para ver meu nome
impresso. Se estivesse escrevendo em
qualqueroutrocampodaliteratura,isso
seria tudo o que eu teria conseguido.
Mas como estava escrevendo ficção
científica, e somente porque estava
escrevendo ficção científica, também
estava – sem saber dando início a uma
cadeia de acontecimentos que estão
mudando a face do mundo. Joseph F.
Engelberger,aliás,publicouumlivroem
1980, chamado Robótica na Prática:
Manejo e Aplicação de Robôs Indus-
triais (Àmerican Management Asso-
ciations), e foi suficientemente gentil
para convidar-me a escrever o prefácio.
Tudo isso levou o bom pessoal da
Doubleday* a pensar... Minhas várias
histórias de robô pareceram em não
menos de sete diferentes coleções. Por
que deviam continuar tão separadas?
Já que parecem ser muito mais impor-
tantes do que alguém pudesse pensar
(muito menos eu) na época em que fo-
ramescritas,porquenãoreuni-lasnum
único livro?
Não foi difícil fazer-me concordar
com a idéia; assim, aqui estão trin-
ta e um contos, totalizando cerca
de 200.000 palavras, escritas num
período de tempo que se estende de
1939 a 1977.
Não fiz as histórias de robô aparecerem na ordem
em que foram escritas. Preferi agrupá-las pela
natureza do conteúdo.
Nesta primeira seção, por exemplo, trato de ro-
bôs que têm uma forma não-humana – um ca-
chorro, um automóvel, uma caixa.
Por que não? Os robôs industriais que passaram a
existir na realidade têm uma aparência não-humana.
Robôs não
humanos
um
dia
ISAAC ASIMOV
CONTOS
robôsnãohumanos
15
para casa, após trabalhar no mato, a filha mais velha
sentavase diante do espelho e cantava...
O que ela cantava Niccolo não ouvia, porque al-
guém o chamou de fora do quarto:
– Ei, Nickie.
E Niccolo, o rosto desanuviando.se no mesmo ins-
tante, correu até a janela e gritou:
– Ei, Paul.
PaulLoebacenoucomamãoagitada.Eramaisma-
gro do que Niccolo e não tão alto, mesmo sendo seis
meses mais velho. Tinha o rosto cheio de tensão re-
primida, que se mostrava com mais clareza no rápido
piscar das pálpebras.
– Ei, Nickie, quero entrar. Tenho uma idéia e meta-
de. Espere só até ouvir.
Olhou rapidamente em volta, como a verificar a
possibilidade de ouvintes furtivos, mas o quintal da
frente estava evidentemente vazio. Repetiu, então,
em cochicho:
– Espere só até ouvir.
– Muito bem, já abro a porta.
O Bardo continuou suavemente,
sem saber da perda de atenção por
parte de Niccolo. Quando Paul entrou,
o Bardo estava dizendo:
– ... Com que o leão disse: “Se você
encontrar para mim o ovo perdido da
ave que voa sobre a Montanha de Éba-
no, uma vez a cada dez anos, eu....”
Paul disse:
– É só uma coisa velha que eu tinha,
quando era menino. Não isso. Niccolo
se tornou rubro e a expressão de infeli-
cidade regressou a seu semblante.
– E só uma coisa velha que eu tinha,
quando era menino. Não está muito
boa. Desferiu um pontapé no Bardo e
acertou na cobertura de plástico, um
tanto arranhada e descolorida, um
outro golpe.
O Bardo teve um soluço, como se
a ligação do alto-falante fosse tirada
do contato por um momento, e de-
pois prosseguiu:
– ... por um ano e um dia, até que os
sapatos de ferro se gastaram. A prince-
sa parou do lado da estrada...
Paul disse:
– Rapaz, esse é mesmo um modelo
antigo – e olhou para aquilo com ex-
pressão crítica. A despeito da própria
amargura que Niccolo sentia contra
o Bardo, não lhe agradou o tom con-
descendente do outro. Sentia mo-
mentaneamente pesar por ter deixado
Paul entrar, pelo menos antes de haver
recolocado o Bardo em seu lugar de
descanso habitual no porão. Só pelo
desespero de um dia monótono e um
debate infrutífero com o pai é que ele o
Niccolo Mazetti estava deitado de
bruços sobre o tapete, o queixo enter-
rado na palma da mio pequena e ouvia
o Bardo, desconsolado.
Percebia-se até o começo de lágri-
mas em seus olhos escuros, luxo a que
só se podia permitir uma criatura com
onze anos de idade quando se encon-
trava sozinha.
O Bardo disse:
– Uma vez no meio da floresta enor-
me, vivia um pobre lenhador com suas
duas filhas sem mãe, que eram tio belas
quanto o dia é longo. A filha mais velha
tinha cabelos pretos e compridos como
a pena de asa da graúna, mas a filha
mais nova tinha cabelos tão brilhantes
e dourados como a luz do sol em tarde
deoutono.–Muitasvezes,enquantoas
meninas esperavam que o pai voltasse
Comoprogressosignificativo
que está sendo feito no sentido
de uma robótica industrial mais
seguras e mais intuitivas, talvez
seja pouco surpreendente que
a ideia de robôs domésticos
pessoais esteja ganhando força.
Robôs de brinquedo que
interagem com as pessoas de
maneiras simples já existem
há algum tempo. Agora, várias
empresasestãodesenvolvendo
robôs mais capazes feitos para
viver na casa. Embora estas
máquinas não realizem tarefas
físicas, elas pretendem ganhar
sua atenção com uma mistura
de charme e inteligência social
artificial. O Bardo, pequeno
robô que é personagem neste
conto, é um dos primeiros a ser
pensado com esse conceito de
robô doméstico pessoal e pode
ter influenciado, com o tempo,
oprogressoatualnoseguimento.
Curiosidade
CONTOS
robôsnãohumanos
17fizera ressuscitar. E acabara verificando
sercoisatãoestúpidaquantoimaginara.
Nickie tinha um pouco de medo
de Paul, já que este fizera cursos es-
peciais na escola e todos diziam que
ele ia crescer e ser um Engenheiro
de Computador.
Não que o próprio Niccolo estivesse
a se sair mal na escola. Recebera no-
tas adequadas em lógica, manipula-
ções binárias, computação e circuitos
elementares; todas as disciplinas cos-
tumeiras da escola primária. Mas era
exatamente isso! Não passavam de
disciplinas comuns e ele crescia para
ser um guarda de painel de controle,
como todos os outros.
Paul, todavia, conhecia coisas miste-
riosas sobre o que chamava de eletrô-
nica e matemática teórica e progra-
mação. Principalmente programação.
Niccolo nem mesmo procurava com-
preender quando Paul falava sobre o
assunto, parecendo borbulhar.
Paul olhou o Bardo por alguns minu-
tos e disse.:
– Você andou usando muito isso aí?
– Não! – retorquiu Niccolo ofen-
dido. – Tenho isso guardado no porão
desde que você mudou para cá. Só
tirei de lá hoje... – Faltava-lhe uma
desculpa que parecesse adequada a si
próprio, de modo que ele concluiu:
– Acabei de tirar.
Paul perguntou:
– É isso o que ele lhe conta: lenha-
dores e princesas e animais que falam?
Niccolo explicou:
– Uma coisa horrível. Meu pai disse
que não podemos comprar um novo.
Eu falei com ele, hoje de manhã... – A
recordação das súplicas inúteis que fi-
zera de manhã, levou Niccolo a apro-
ximar-se muito das lágrimas, que re-
primiu tomado de pânico. De algum
modo achava que as faces magras de
Paul nunca haviam sentido a vergonha
das lágrimas e que Paul só poderia des-
denhar outra pessoa menos forte que
ele próprio. Niccolo prosseguiu:
– Por isso achei que devia experi-
mentar outra vez essa coisa velha, mas
não vale nada.
Paul desligou o Bardo, apertou o contatoquelevava
paraareorientaçãoerecombinaçãoquaseinstantâneas
do vocabulário, personagens, textos da trama e clímax
aliguardados.Depoisreativou.
O Sardo começou, devagar:
– Uma vez havia um menino chamado Willikins,
cuja mãe morrera e que vivia com o padrasto e o fi-
lho do padrasto. Embora o padrasto fosse um homem
bemrico,negavaaopobreWillikinsaprópriacamaem
quedormia,demodoqueWillikinseraobrigadoades-
cansar o melhor que podia em um monte de palha no
estábulo, perto dos cavalos...
– Cavalos! – gritou Paul.
– São uma espécie de animal – disse Niccolo. –
Acho que são.
–Euseidisso!Agoraimaginesó,estóriassobrecavalos.
– Ele fala de cavalos o tempo todo – explicou Nic-
colo.–Existemtambémcoisaschamadasvacas.Você
tira leite delas e o Bardo não diz como.
– Bem, puxa vida, por que você não conserta isso?
– Gostaria de saber como.
O Bardo estava dizendo:
– Muitas vezes Willikins pensava que se fosse rico
e poderoso haveria de mostrar ao padrasto e ao filho
do padrasto o que significava ser cruel com um meni-
no pequeno, de modo que um dia resolveu sair para o
mundo e procurar sua sorte.
Paul, que não ouvia o Bardo, disse:
–Efácil.OBardotemcilindrosdememóriaprepa-
rados para as palavras da trama e os clímax e as coisas.
Não vamos nos preocupar com isso.
Ésóovocabulárioquedevemosconsertar,demodo
que ele vai saber acerca dos computadores, automa-
tização e eletrônica e as coisas reais que temos hoje.
Depois pode contar estórias interessantes, você sabe,
em vez de falar sobre princesas e essas coisas.
Animado, Niccolo disse:
– Oxalá a gente pudesse fazer isso. Paul disse:
– Escuta, meu pai diz que se eu entrar na escola
especial de computação, no ano que vem, ele vai me
dar um Bardo de verdade, um modelo
novo. Bem grande, com ligação para
estórias de mistérios do espaço. E uma
ligação visual também!
–Querdizerquevocêvaiverasestórias?
– Claro. O senhor Daugherty, na
escola, diz que elas têm coisas assim,
agora, mas não são para todos. Só se eu
entrarnaescoladecomputação.OPa-
pai pode arranjar umas coisas. Os olhos
de Niccolo transbordavam de inveja.
– Puxa vida. Ver uma estória!
– Você pode ir lá em casa e assistir a
qualquer momento, Nickie.
– Puxa vida, rapaz. Obrigado.
– Não faz mal. Mas lembre de uma
coisa, sou eu quem diz que tipo de es-
tória vamos ouvir.
– Claro, claro – Niccolo teria con-
cordado prontamente, mesmo sob
condições mais severas. A atenção de
Paul se voltou para o Bardo, que dizia:
– “Se é assim”, disse o rei, cofiando
a barba e fechando a cara até que as
nuvens cobriram o céu e o relâmpa-
go riscou o ar, “você vai providenciar
para que toda a minha terra fique li-
vre das moscas a esta hora, depois de
amanhã, ou...”.
– Tudo que temos a fazer – disse
Paul–éabrir...–Edesligounovamente
o Bardo, já procurava tirar o painel da
frente enquanto dizia.– Ei – interveio
Niccolo, alarmado de súbito.
– Não vai quebrar...
– Não vou quebrar – disse Paul, com
impaciência. – Eu sei tudo sobre essas
coisas.–Elogo,comcautelarepentina:
– Seu pai e sua mãe estão em casa?
– Não.
–Muitobem,então.–Játiraraopai-
nel dianteiro e olhava para o interior.
– Rapaz, isto é coisa de um cilindro.
Já trabalhava nas entranhas do Bardo.
Niccolo, que observava em suspense
penoso, não conseguia enxergar o que
o outro fazia.
Paul tirou de lá uma faixa fina e flexí-
vel de metal, coberta de pontos.
– Este é o cilindro de memória do
Bardo. Aposto que a capacidade de
estórias dele tem menos de um trilhão.
– O que você vai fazer, Paul? – per-
guntou Niccolo, trêmulo.
– Vou dar-lhe vocabulário.
– Como?
– É fácil. Tenho um livro aqui. O Sr.
Daugherty me deu na escola. Paul ti-
rou o livro do bolso e o desencapou
até retirar a coberta de plástico. De-
senrolou a fita um pouco, passou-a
pelo vocalizador que abaixou até tor-
nar-se um murmúrio e depois o colo-
cou dentro das entranhas do Bardo. E
fez outras ligações.
– O que isso vai fazer?
– O livro vai falar e o Bardo guardará
tudo na fita de memória.
– E de que serve?
– Rapaz, você é burro! Meu livro é
todo sobre computadores e automati-
zação e o Bardo ficará com toda essa
informação. Depois vai poder parar de
falar sobre reis que criam relâmpagos
quando fecham a cara. Niccolo disse:
– E o bom sujeito sempre vence, seja
lá como for. Não tem graça nenhuma.
– Oh, bem – disse Paul, observando
para ver se o seu arranjo estava funcio-
nando corretamente. – É assim que
eles fazem os Bardos.
Eles precisam fazer os bons cama-
radas vencerem e os maus camaradas
perderem, coisas desse tipo. Uma vez
ouvi meu pai falando sobre o assunto.
Ele diz que sem a censura não se podia
dizer o que a geração mais jovem seria
capazdetornar-se.Eledizqueacoisajá
anda muito ruim... Pronto, está funcio-
nando muito bem.
Paul esfregou as mãos uma na outra
e afastou-se do Bardo, dizendo:
–Mas escuta, ainda não lhe contei
como é a minha idéia. É a melhor coisa
que você já ouviu, pode crer. Vim falar
com você por que achei que você havia
de entrar nela comigo.
– Com certeza, Paul, com certeza.
– Muito bem. Você conhece o Sr.
Daugherty, na escola? Você sabe que
CONTOS
robôsnãohumanos
19ele é um sujeito gozado. Pois bem, ele
gosta de mim, um pouco.
– Eu sei.
– Estive na casa dele depois da esco-
la, hoje.
– Você esteve?
– Claro. Ele diz que eu vou entrar na
escoladecomputadoresequermeani-
mar, coisas assim. Ele diz que o mundo
precisademaisgentequesaibaprojetar
circuitos de computadores avançados e
fazer uma programação correta. – É?
Paul podia perceber parte da vacui-
dade daquele monossílabo. Disse,
com impaciência:
–Programação!Eujálheconteimais
de cem vezes. É quando você cria pro-
blemasparaoscomputadoresgigantes-
cos como o Multivac resolverem, O Sr.
Daugherty diz que está ficando cada
vez mais difícil encontrar pessoas que
saibam dirigir bem os computadores.
Ele diz que qualquer pessoa pode fi-
car de olho nos controles e verificar as
respostas e processar os problemas de
rotina. Diz que o truque é expandir as
pesquisas e calcular modos de fazer as
perguntas certas, e que isso é difícil.
Ele prosseguiu:
–Dequalquermodo,Nickie,eleme
levou até a casa dele e me mostrou a
coleção de computadores antigos. É
uma espécie de passatempo dele co-
lecionar computadores antigos. Tinha
computadores tão pequenos que era
preciso apertar com a mão, com bo-
tõezinhos por cima. E tinha um peda-
ço de madeira que chamava de régua
de calcular, com um pedacinho lá den-
tro que corria pra lá e pra cá. E alguns
fios com bolas. Tinha até um pedaço
de papel com uma espécie de coisa
que chamava tabela de multiplicação.
Niccolo que só se interessava mode-
radamente pelo assunto, perguntou:
– Uma tabela de papel?
– Não era uma tabela de verda-
de, coisa diferente. Era para ajudar as
pessoas a computar. O Sr. Daugherty
quisexplicar,masnãoestavacommui-
to tempo e era um pouco complicado.
– Por que as pessoas não usavam
um computador?
– Isso foi antes de terem computadores – bra-
dou Paul.
– Antes?
– Claro. Você acha que as pessoas sempre tiveram
computadores?
Você nunca ouviu falar nos homens das cavernas?
Niccolo disse: – E como é que eles se arranjavam
sem computadores?
– Não sei, O Sr. Daugherty diz que eles tinham
filhos em qualquer hora e faziam tudo que lhes dava
na cabeça, fosse ou não fosse bom para todos. Nem
sabiam se era bom ou não. E os lavradores plantavam
coisas com as mãos e as pessoas tinham de executar o
trabalho nas fábricas e dirigir todas as máquinas.
– Não acredito!
– Foi o que o Sr. Daugherty disse. Ele disse que
aquilo era uma bagunça desgraçada e todos so-
friam... Seja lá como for, quero falar de minha idéia,
você deixa?
– Muito bem, pode falar. Quem está impedindo? –
contrapôs Niccolo, ofendido.
– Pois é. Muito bem, os computadores manuais,
aquelesquetêmbotões,tinhamtambémunsrabiscos
em cada botão. E a régua de calcular tinha rabiscos
também. E a tabela de multiplicação era cheia de ra-
biscos. Eu perguntei o que era aquilo. O Sr. Daugher-
ty disse que eram números.
– O quê?
– Cada rabisco diferente representava um número
diferente. Para “um” você fazia uma espécie de mar-
ca, para “dois” você fazia outra espécie de marca, para
“três” outra, e assim por diante.
– E para quê?
– Para poder computar.
– Mas para quê? E só dizer ao computador...
–Puxavida–gritouPaul,orostocontorcidoderai-
va – você não entende as coisas? Aquelas réguas de
calcular e outros negócios não falavam.
– Nesse caso como...
– As respostas apareciam em rabiscos, e você tinha
de saber o que os rabiscos significavam, O Sr. Dau-
gherty diz que naqueles dias todos aprendiam a fazer
os rabiscos quando eram crianças e como decifrar
aquilo, também. Fazer rabiscos era chamado “escre-
ver” e decodificar os rabiscos “ler”. Ele diz que havia
uma espécie diferente de rabisco para cada palavra e
eles costumavam escrever livros inteiros em rabiscos.
Disse que tinham alguns no museu e que eu podia dar
uma espiada se quisesse. Disse que se eu vou ser um
calculista e programador de verdade tenho que co-
nhecer a história da computação e por isso estava me
mostrando todas aquelas coisas.
Niccolo fechou a cara e disse:
– Você quer dizer que todos tinham
de decifrar os rabiscos para cada pala-
vra e lembrar deles?... Isso é verdade ou
você está inventando?
– Ê tudo verdade. Pode crer. Escute,
é assim quesefazum “um”.– E levouo
dedo a atravessar o ar, em talho vertical
rápido. – Assim você faz “dois” e assim
é “três”. Aprendi todos os números até
“nove”.Niccolo observava aquele dedo
que fazia curvas, sem entender.
– E de que adianta isso?
– Você pode aprender como fazer
palavras.
Perguntei ao Sr. Daugherty como se
faziaorabiscopara“PaulLoeb”masele
não sabia. Contou que existem pessoas
no museu que sabem. Disse que havia
pessoas que tinham aprendido a deco-
dificar livros inteiros.
Contou também que os computa-
dores podem ser projetados para deco-
dificar livros e costumavam ser usados
assim, mas agora não são mais, porque
hoje temos livros de verdade, com fitas
magnéticas que entram pelo vocaliza-
dor e saem falando, você sabe.
– Claro.
– Por isso, se nós formos ao mu-
seu, podemos aprender como fazer
palavras em rabiscos. Eles vão deixar
porque eu vou para a escola de com-
putadores. Niccolo estava transfigu-
rado de decepção.
– A sua idéia é essa? Ora bolas, Paul,
quem quer fazer isso? Fazer rabiscos
estúpidos!
– Você não entendeu? Você não en-
tende? Seu burro. Vai ser um jeito de
escrever mensagens secretas!
– O quê?
– Pois é. De que adianta falar, quan-
do todo mundo pode entender?
Com os rabiscos você pode mandar
mensagens secretas, pode fazer os ra-
biscos no papel e ninguém neste mun-
do vai saber o que você está dizendo, a
não ser que conheça os rabiscos tam-
bém. E eles não vão conhecer, pode
crer, a menos que a gente ensine. Po-
demos ter um clube de verdade, com
iniciação, regras, uma casa. Rapaz...
Uma certa animação começou a se
fazer sentir no peito de Niccolo.
– Que tipo de mensagens secretas?
– Qualquer tipo. Vamos dizer que
eu quero convidar você para ir à minha
casa e assistir ao meu novo Bardo Visu-
al, e não quero que nenhum dos outros
camaradas apareça. Eu faço os rabiscos
certos no papel e te dou e você olha e
sabe o que deve fazer. Ninguém mais
fica sabendo. Você pode até mostrar a
eles e eles não entendem nada.
– Ei, isso é bom – berrou Niccolo,
completamente seduzido pela idéia. –
Quando vamos aprender a fazer isso?
– Amanhã – disse Paul. – Eu vou
pedir ao Sr. Daugherty para explicar
no museu que está tudo certo e você
arranja licença com seu pai e sua mãe.
Podemos ir logo depois da escola e co-
meçar a aprender.
– É claro! – gritou Niccolo. – Pode-
mos ser os chefes do clube.
– Eu vou ser o presidente do clube –
disse Paul, taxativo. – Você pode ser o
vice-presidente.
– Está certo. Ei, isso vai ser mui-
to mais divertido do que o Bardo. De
repente lembrou-se do Bardo e disse,
tomado de apreensão repentina:
– Ei, e que tal o meu velho Bardo?
Paul voltou-se para olhar. Estava
aceitando silenciosamente o livro que
se desenrolava devagar, e o som das
vocalizações do livro era um murmúrio
que mal se ouvia.
Ele disse:
– Vou desligar.
Trabalhou naquilo enquanto Nicco-
lo observava, aflito. Depois de alguns
instantesPaulrecolocouoseulivrore-
bobinado no bolso, recolocou o painel
e o ativou.
CONTOS
robôsnãohumanos
21O Bardo disse:
– Uma vez, em uma cidade grande,
havia um pobre menino chamado Fair
Johnnie, cujo único amigo no mundo
era um pequeno computador. O com-
putador todas as manhãs dizia ao me-
nino se ia chover naquele dia e resolvia
qualquer problema que ele tivesse.
Nunca errava. Mas aconteceu que
um dia o rei dessa terra, tendo ouvido
falar no pequeno computador, resolveu
que devia ficar com ele. Com esse ob-
jetivo chamou seu Grande Vizir e disse
Niccolo desligou o Bardo com movi-
mento rápido da mão.
– A mesma bobagem de sempre –
disse, cheio de emoção.
– Mesmo com um computador en-
fiado aí.
– Bem – disse Paul – eles têm tanta
coisa na fita que o negócio de com-
putador não aparece muito quando se
fazem combinações aleatórias. Seja lá
comofor,qualéadiferença?Vocêpre-
cisa de um modelo novo.
– Nós nunca poderemos comprar
um. Só esta coisa velha e chata. – Vol-
tou a dar-lhe um pontapé, acertando-o
com mais força dessa feita. O Bardo
moveu-se para trás, um gemido de ro-
das denteadas.
– Você sempre vai poder ver o meu,
quando eu ganhar – prometeu Paul. –
Além disso, não se esqueça de nosso
clube de rabiscos. Niccolo assentiu.
– Vou lhe dizer uma coisa – prosseguiu Paul. –
Vamos até lá em casa. Meu pai tem alguns livros
sobre os tempos antigos. Podemos escutar e, tal-
vez, arranjar algumas idéias. Você deixa um recado
para seus pais e talvez possa ficar lá em casa para a
ceia. Vamos embora.
– Está certo – disse Niccolo, e os dois meninos sa-
íram correndo, juntos. Niccolo, em seu entusiasmo,
correu quase diretamente para o Bardo, mas apenas
encostou no ponto de sua coxa onde havia feito con-
tato e continuou correndo.
O sinal de ativação do Bardo brilhou. A colisão de
Niccolo fechou um circuito e, embora estivesse sozi-
nho no aposento e não houvesse ninguém para ouvir,
começou ainda assim a contar uma estória. Mas não
era mais em sua voz costumeira; em tom mais baixo,
que tinha uma dose de rouquidão. Um adulto que
ouvisse, poderia ter julgado que a voz traduzia alguma
paixão, um vestígio bem próximo a sentimento.
O Bardo dizia:
– Uma vez havia um pequeno computador chama-
do Bardo, que vivia sozinho com pessoas cruéis. As
pessoas cruéis não paravam de zombar do pequeno
computador, dizendo-lhe que não valia nada e que era
objeto inútil. Batiam nele e o mantinham sozinho no
quarto por meses seguidos.
– No entanto, o pequeno computador continuou a
ter coragem. Sempre fazia o melhor que podia, obe-
decendo alegremente a todas as ordens. Ainda assim
aspessoascruéiscomqueeleviviacontinuavamcruéis
e sem coração.
– Um dia o pequeno computador ficou sabendo
que no mundo existiam muitos computadores de to-
dos os tipos, em grande número.
Alguns eram Bardos como ele próprio, outros
dirigiam fábricas e alguns dirigiam fazendas. Alguns organizavam a população
e outros analisavam todos os tipos de dados.
Muitos eram de grande poder e
sabedoria, muito mais poderosos e
sábios do que as pessoas cruéis que
eram tão cruéis com o pequeno
computador.
– E o pequeno computador ficou sabendo então que os computadores iriam
tornar-secadavezmaissábiosemaispoderososatéqueumdia...umdia...umadia...
Umaválvuladeviafinalmenteterentradoemcolapsonasentranhasidosasecor-
roídas do Bardo, pois enquanto esperava sozinho no aposento que escurecia, só
podia murmurar repetidamente:
– Um dia... um dia... um dia...
Daficcaopara
arealidade
Das grandes indus-
trias para sua casa. Isso
mesmo! Inicialmente os
robôs não eram o pro-
duto final para o con-
sumidor, mas sim uma
ferramenta para pro-
dução em massa de um
produto final.
Jibo, por exemplo, é
um robô pessoal simples
sendo desenvolvido por
uma empresa com sede
em Cambridge, MA,
que foi cofundada por
Cynthia Breazeal, uma
professora adjunta do
MIT Media Lab.
Ela diz que eletrônicos
móveis baratos, combi-
nadas com a crescente
aceitação dos consumi-
dores por novas tecno-
logias e interfaces, tor-
nam robôs como o Jibo
comercialmente viáveis.
O robô pode prestar
serviços pessoais, como
lembretes de compro-
missos, tirar fotos da fa-
mília e ler histórias antes
de dormir para crianças,
movendo sua cabeça de
Daficcaopara
arealidade
forma expressiva e mos-
trando animações em
seu tela ao mesmo tem-
po. "É uma experiência
diferente, uma experi-
ência mais interpessoal",
diz Breazeal.
"Você pode imagi-
nar toda uma gama de
aplicações em torno
de notícias, previsão do
tempo, mas também
conteúdo educacional,
um auxiliar de saúde
para ajudá-lo na manu-
tenção de peso". E já é
possível ter seu próprio
Jibo em casa.
O site do pequeno
computador pessoal
anuncia sua venda por
$899 dólores. Mas não
há previsão do lança-
mento para o Brasil.
Conheça mais
sobre o projeto
no site do Jibo.
Tenho escrito histórias sobre computadores, tan-
to quanto sobre robôs.
De fato, tenho computadores (ou alguma coisa
bastante próxima a computadores) em algumas
histórias que s sempre consideradas histórias de
robô. Você verá computadores (de certo modo)
em Robbie, Escape! e O Conflito Evitável, mais
adiante neste volume.
Neste volume, porém, estou me atendo a robôs e,
em geral, ignorando minhas histórias de compu-
tador.Por outro lado, nem sempre é fácil decidir
onde está a linha divisória. Sob certos aspectos,
um robô é meramente um computador móvel; e,
ao contrário, um computador é meramente um
robô imóvel.
Assim, para este tema, selecionei três histórias
em que o computador parece ser suficientemen-
te inteligente e ter suficiente personalidade para
ser indistinguível de um robô.
Robôs imóveis
pen
se!!ISAAC ASIMOV
CONTOS
robôsimóveis
25
adensava um cérebro dos mais aguçados. Seria a me-
lhor forma para expressar sua admiração – do perfil
clássico – sem cair num chauvinismo masculino.
Sem dúvida, admirar o cérebro era preferível, mas,
em geral, evitava fazê-lo em voz alta na presença dela.
– Não acho que o escritório central vá ter paciência
por muito mais tempo – disse ele, com o polegar ras-
pando o queixo com barba por fazer.
– A impressão que tenho é que vão encostá-la na
parede antes do fim da semana.
– É por isso que preciso da sua ajuda.
– Receio que não haja nada que eu possa fazer.
Ele pegou um inesperado reflexo de seu próprio
rosto no espelho, e, momentaneamente, admirou o
feixe de ondas negras nos cabelos.
– E preciso também da ajuda de Adam.
Adam Orsino, que até aquele momento sorvera
o seu café e se sentira posto de lado, levantou os
olhos como se tivesse sido cutucado por trás.
– Por que eu? – disse, e os lábios
cheios, gorduchos, tremeram.
– Porque você e James são os ho-
mens do laser, Jim o teórico e Adam
o engenheiro... Descobri uma aplica-
ção do laser que supera tudo que se
possa imaginar. Sei que não vou con-
seguir convencer os de lá, mas vocês
dois conseguiriam.
– Desde que você seja capaz de nos
convencer primeiro – disse Berkowitz.
– Está bem. Suponhamos que vocês
me concedam uma hora de seu valio-
so tempo, se não se importam de co-
nhecer algo absolutamente novo em
termos de laser. Poderão descontar dos
intervalos para o cafezinho.
O laboratório da Dra. Renshaw era
dominado por seu computador.
Não que o computador fosse singu-
larmente grande, mas era virtualmen-
te onipresente. Renshaw aprendera
tecnologia de computação por si mes-
ma, e modificara e ampliara seu com-
putador até que ninguém, a não ser ela
(e, Berkowitz às vezes pensava, nem
mesmo ela) conseguia manejá-lo com
facilidade. Nada mal, Renshaw costu-
mava dizer, para alguém do ramo das
ciências biológicas.
Ela fechou a porta sem dizer palavra,
depois virou-se para encarar os dois
comumaexpressãosombria.Berkowitz
estava incomodamente consciente de
um leve odor desagradável no ar, e o
nariz franzido de Orsino mostrava que
também ele percebia o cheiro.
– Deixem-me enumerar as aplica-
ções do laser – disse Renshaw – se não
se importam que eu ensine os padres a
Genevieve Renshaw, Doutora em
Medicina,tinhaasmãosenfiadas
nos bolsos do seu jaleco de laboratório,
O contorno dos punhos cerrados lá
dentro aparecia claramente, mas falava
num tom calmo:
– O fato – dizia ela – é que estou
quase pronta, mas vou precisar de aju-
da para continuar tocando a coisa pelo
tempo necessário para ficar pronta.
James Berkowitz, um físico que ten-
dia a proteger meras médicas, quando
eramatraentesdemaisparaseremdes-
prezadas, tinha o habito de chamá-la
Jenny Wren*, sempre que ninguém o
estava ouvindo.
Gostava de dizer que Jenny Wren
possuía um perfil clássico e sobrance-
lhas surpreendentemente suaves, e, no
íntimo, considerava que atrás delas se
Se pensa que os novos
PCs a 1GHz são poderosos,
desengane-se. Há tarefas
verdadeiramente complexas
– como a simulação nuclear,
a previsão meteorológica ou a
engenhariavirtual–,queexigem
máquinas com uma potência
muito superior à que estamos
habituados a ver nos nossos
computadores de secretária.
Os Supercomputadores são
a demonstração do poder da
tecnologia e profetiza o PC que
utilizaremosnofuturopróximo.
Curiosidade
CONTOS
robôsimóveis
27rezarem missa. O laser é radiação co-
erente, com todas as ondas luminosas
da mesma extensão e movendo-se na
mesma direção, por isso é livre de ruído
e pode ser usado em holografia. Mo-
dulando as formas das ondas, podemos
imprimir informação com alto grau de
precisão. Além disso, como as ondas
luminosas possuem apenas um milio-
nésimo da extensão das ondas de rádio,
um raio laser pode transportar um mi-
lhãodevezesmaisinformaçãoqueuma
onda de rádio equivalente.
Berkowitz parecia divertir-se.
– Está trabalhando num sistema de
comunicação baseado no laser, Jenny?
– Absolutamente – ela respondeu.
– Deixo esses aperfeiçoamentos ób-
vios para os físicos e os engenheiros...
Os lasers podem também concentrar
quantidades de energia numa área mi-
croscópica e liberar a mesma quantida-
de de energia. Em larga escala, pode-se
implodir hidrogênio e talvez dar início a
uma controlada reação de fusão.
– Eu sei que você não fez isso – disse
Orsino, a cabeça calva brilhando sob as
lâmpadas fluorescentes.
– Não fiz. Não tentei... Numa escala
menor, pode-se abrir buracos nos mais
refratários materiais, soldar pedaços
selecionados, aquecê-los, poli-los e
marcá-los. Pode-se remover ou fundir
minúsculas porções em áreas restritas,
com o calor liberado tão rapidamente
que as áreas ao redor não têm tempo
de se aquecer antes que o tratamento
esteja encerrado. Pode-se trabalhar na
retina dos olhos, na dentina do dente
e assim por diante... E, naturalmente,
o laser é capaz de ampliar sinais fracos
com grande precisão.
– E por que está nos contando tudo
isso? – perguntou Berkowitz.
– Para destacar que essas proprie-
dades podem ser utilizadas em meu
próprio campo, que, como sabem, é a
neurofisiologia. Ela ajeitou os cabelos castanhos com
as mãos, como se, de repente, tivesse ficado nervosa.
– Há décadas – continuou – somos capazes de
medir os minúsculos e instáveis potenciais elétricos
do cérebro e registrá-los como eletroencefalogramas,
ou EEGs. Obtemos ondas alfa, beta, delta, teta; va-
riações diferentes em vezes diferentes, conforme os
olhos estejam abertos ou fechados, conforme a pes-
soa esteja acordada, meditando ou adormecida. Mas
temos tirado muito pouca informação de tudo isso.
– O problema é que estamos trabalhando com os
sinais de dez bilhões de neurônios em combinações
variáveis. É como ouvir o ruído de todos os seres hu-
manos da Terra – uma, duas e meia Terras – de uma
grande distância e tentar captar conversas individuais.
Istonãopodeserfeito.Podemosdetectaralgunsmo-
vimentos grandes, globais – uma guerra mundial e o
aumento no volume de ruído – mas nada mais delica-
do. Do mesmo modo, podemos relatar algumas gran-
des disfunções do cérebro – como a epilepsia – mas
nada mais delicado.
– Suponhamos agora que o cérebro possa ser es-
candido por um minúsculo raio laser, célula por célula,
e tão rapidamente que, em nenhum momento, uma
única célula receba energia suficiente para elevar sig-
nificativamente sua temperatura. Os minúsculos po-
tenciais de cada célula podem, em feed-back, afetar
o raio laser, e as modulações podem ser amplificadas
e registradas. Obteremos, então, uma nova espécie
de mensuração, um laser-encefalograma, ou LEG, se
preferirem, que conterá milhões de vezes mais infor-
mação que um EEG comum.
– Uma boa idéia – disse Berkowitz. – Mas só
uma idéia.
– Mais que uma idéia, Jim. Estou trabalhando nisso
há cinco anos, a princípio só nas horas vagas. Ultima-
mente, porém, estou dedicando todo o meu tempo.
Isso é o que irrita o escritório central, pois eu não te-
nho mandado relatórios.
– Por que não?
– Porque a coisa chegou a um ponto em que
parece muito má, em que eu tenho de saber onde
estou, e em que eu tenho de estar certa de poder
voltar ao princípio.
Ela puxou um biombo, revelando uma jaula que
continha um casal de saguis com olhos melancólicos.
Berkowitz e Orsino olharam um para
ooutro.Berkowitzcoçouonariz.
– Bem que eu achei que estava chei-
randoalgumacoisa.
–Oquevaifazercomeles?–pergun-
touOrsino.
–Minhaopinião–disseBerkowitz–é
que ela esteve esquadrinhando o cére-
brodossagüis.Nãoéverdade,Jenny?
– Eu comecei consideravelmente
mais baixo na escala animal.
Jenny abriu a jaula e pegou um dos
sagüis, que a contemplava com a ex-
pressão em miniatura de um triste-se-
nhor-idoso de costeletas.
Ela cacarejou para o sagüi afagou-o
e prendeu-o com carinho numa pe-
quena coleira.
– Que está fazendo? – perguntou
Orsino. – Como ele vai fazer parte de
um circuito, não posso deixar que se
mexa, e não posso anestesiá-lo sem in-
validar o experimento.
Há vários elétrodos implantados no
cérebro do sagui e vou conectálos com
meusistemaLEG.Olaserquevouusar
é este aqui. Estou certa de que conhe-
cem o modelo e não vou me preocupar
em darlhes as especificações.
– Obrigado – disse Berkowitz –, mas
podia contar-nos o que vamos ver.
– Será melhor mostrar-lhes. Olhem
para o vídeo.
Ela conectou os condutores aos elé-
trodos com uma calma e segura efi-
ciência, depois virou uma chave que
obscureceu as luzes no teto da sala. No
vídeo apareceu uma complexa cadeia
de picos e vales numa linha fina, bri-
lhante, que se desdobrava em secun-
dários e terciários picos e vales. Lenta-
mente, eles engendraram uma série de
transformações menores, com surtos
ocasionaisdemaioresesúbitasdiferen-
ças.Eracomosealinhairregularpossu-
Rádio
Comprimento de onda
Laser
ísse vida própria.
– Isto – disse Renshaw – é essen-
cialmente a informação do EEG, mas
muito mais detalhada.
– Suficientemente detalhada – per-
guntou Orsíno – para dizer o que está
acontecendo nas células individuais?
– Em teoria, sim. Na prática, não.
Ainda não. Mas podemos separar este
conjunto de LEG nos gramas compo-
nentes. Olhe!
Elatocouopaineldocomputadorea
linha se modificou... e se modificou de
novo. Já era uma onda pequena, qua-
se regular, que ondulava para a frente e
para trás, parecendo a pulsação de um
coração; agora era recortada e afiada,
agora intermitente, agora quase sem
contornos–tudoemrápidasmudanças
de geométrico surrealismo.
– Você quer dizer – perguntou
Berkowitz – que cada parte do cérebro
é assim tão diferente das outras?
– Não – respondeu Renshaw. – De
modo nenhum. O cérebro é muito se-
melhante a um dispositivo holográfico,
mas de lugar para lugar há ondulações
menosacentuadaseMikepodesepará-
-lascomodesviosdanormaeusarosis-
temaLEGparaampliar essasvariações.
As ampliações podem variar de dez mil
adezmilhõesdevezes.OsistemaLaser
tem essa ausência de ruído.
–QueméMike?–perguntouOrsino.
– Mike? – exclamou Renshaw, mo-
mentaneamente embaraçada.
As maçãs do seu rosto coraram ligei-
ramente. – Eu disse.... Bem, eu o cha-
mo assim, às vezes. É um apelido para o
meu computador. Ela fez o braço on-
dular, indicando a sala ao redor.
– Meu computador, Mike. Muito
cuidadosamente programado.
Berkowitz abanou a cabeça: –
Tudo bem, Jenny, o que significatu-
do isso? Se você tem um novo dis-
positivo para esquadrinhar o cérebro
utilizando lasers, ótimo. É uma inte-
ressante aplicação e você está certa,
eu não teria pensado nisso... porque
não sou neurofisiologista.
Mas por que não registrar isso num
relatório? Parece-me que o escritório
CONTOS
robôsimóveis
29central apoiaria...
– Isto é apenas o começo.
Ela desligou o dispositivo e pôs um
pedaço de fruta na boca do sagüi. A
criatura não parecia alarmada nem
incomodada. Mastigava lentamente.
Renshaw soltou-lhe os fios condutores,
mas conservou-o na coleira.
– Posso identificar os vários gramas
distintos – disse ela. – Alguns estio
associados com os vários sentidos, ou-
tros com reações viscerais, outros com
emoções. Podemos fazer muita coisa
com isso, mas não pretendo parar por
aí. O mais interessante de tudo é que
um dos gramas está associado com o
pensamento abstrato. O rosto gordu-
cho de Orsino franziu-se numa expres-
são de descrença.
– Como pode dizer isso? – disse.
–Essaformaparticulardegramafica
mais pronunciada quando se vai subin-
do pela escala animal até cérebros de
maior complexidade. Isso não acontece
com nenhum outro grama. Além dis-
so...Elafezumapausa;depois,comose
reunindo força de vontade, continuou:
– Esses gramas estão enormemente
ampliados.Podemsercaptados,detec-
tados.Possodizer...vagamente...que
são pensamentos.
– Por Deus! – exclamou Berkowitz.
– Telepatia.
– Sim – ela respondeu desafiante.
– Exatamente.
– Não admira que você não queira
reportar isso. Vamos em frente, Jenny.
– Por que não? – disse Renshaw
num tom acalorado. – Presumo que
não possa haver telepatia utilizan-
do apenas os padrões potenciais, não
ampliados, do cérebro humano, do
mesmo modo como não é possível ver
contornos na superfície de Marte a
olho nu. Mas desde que tenham sido
inventados instrumentos... como o te-
lescópio... com isto.
– Então, conte ao escritório central.
– Não – disse Renshaw. – Eles não
acreditarão em mim. Tentarão me de-
ter. Mas levarão seriamente em conta a
sua opinião, Jim, e a sua, Adam.
– O que espera que contemos a
eles? – disse Berkowitz.– A experiência que vão ter
aqui.Voupôrnovamenteoscondutoresnosagüiefa-
zer com que Mike, meu computador, capte o grama
de pensamento abstrato. Só levará um momento. O
computador sempre seleciona o pensamento abstra-
to, a menos que seja orientado para não fazê-lo.
– Por quê? Porque o computador pensa, também?
– disse Berkowitz, rindo.
– Isso não é assim tão engraçado – disse Renshaw.
–Suspeitoqueháumaressonância.Estecomputador
ésuficientementecomplexoparadestacarumpadrão
eletromagnético que possa ter elementos em comum
comogramadepensamentoabstrato.Emtodocaso...
As ondas do cérebro do sagui tremulavam nova-
mente no vídeo, mas os homens não tinham visto
antes o grama que aparecia. Era um grama de com-
plexidadequasefelpuda,quevariavaconstantemente.
– Não estou detectando nada – disse Orsino.
– Tenho de colocá-lo no circuito receptor – expli-
cou Renshaw.
– Você quer dizer implantar elétrodos em nossos
cérebros? – perguntou Berkowitz.
– Não, apenas no crânio. Isso seria suficiente. Eu
prefiro Adam, porque não há cabelo isolante... Oh,
venhacá,eumesmatenhosidopartedocircuito.Não
vai doer.
Orsino submeteu-se de má vontade. Seus múscu-
los estavam visivelmente tensos, mas deixou que os
fios condutores fossem presos a seu crânio.
– Está percebendo alguma coisa? – perguntou
Renshaw. Orsino empinou a cabeça, adotando uma
postura de quem estava à escuta. Seu interesse pare-
cia aumentar, mesmo contra sua vontade.
Acho que estou percebendo um rumor – disse ele
– e... e um guincho um pouco alto... e, isto é engraça-
do... uma espécie de convulsão...
– Evidentemente, não é provável que o sagüi pense
em palavras – disse Berkowitz.
– Certamente não – disse Renshaw.
– Bom, daí... – disse Berkowitz – se está sugerindo
que alguns guinchos e sensações de convulsão repre-
sentam pensamentos, isso é mera conjectura. Não
está sendo convincente.
– Então, vamos subir outra vez na escala animal –
disse Renshaw.
Elatirouosagüidacoleiraecolocou-odenovonajaula.
– Está querendo usar um homem como objeto? –
Orsino exclamou, sem acreditar.
– Tenho a mim mesma como objeto,
uma pessoa.
– Vai implantar elétrodos...
– Não. No meu caso, meu com-
putador tem uma vibração potencial
mais forte para trabalhar. Meu cérebro
possui dez vezes a massa do cérebro do
sagui. Mike pode captar meus gramas
componentes através do crânio.
– Como sabe disso? – perguntou
Berkowitz.
– Não vê que esta não é a primeira
vez que vou testar em mim mesma?
Agorameajude,porfavor.Issomesmo.
Os dedos de Renshaw esvoaçaram
no painel do computador e, de imedia-
to,ovídeotremuloucomumaintrinca-
da onda multiforme; tão intrincada que
formava quase um labirinto.
– Quer recolocar osseusfioscondu-
tores, Adam? – disse Renshaw.
Orsino obedeceu com a ajuda não
inteiramente aprovadora de Berkowitz.
De novo, Orsino empertigou a cabeça
e escutou.
– Estou ouvindo palavras – disse. –
Mas são desconexas e sobrepostas,
como várias pessoas falando ao mesmo
tempo.
– Não estou tentando pensar cons-
cientemente – disse Renshaw.
–Quandovocêfala,euescutoumeco.
– Não fale, Jenny – disse secamen-
te Berkowitz. – Deixe sua mente em
brancoevejaseelenãoescutaseupen-
samento. – Não escuto nenhum eco
quando você fala, Jim – disse Orsino.
– Se não calar a boca, não ouvirá coi-
sa nenhuma – disse Berkowitz.
Um pesado silêncio envolveu os três.
Então, Orsino abanou a cabeça, pegou
lápis e papel sobre a escrivaninha e es-
creveu alguma coisa.
Renshaw esticou a mão, moveu uma
chave e puxou os fios condutores de
cima e dos lados de sua cabeça, sacu-
dindo os cabelos para trás.
– Espero que tenha escrito o se-
guinte – disse ela: – Adam, provoque
desordem no escritório central e Jim
abaixará a crista.
– Foi exatamente o que escrevi –
disse Orsino – palavra por palavra.
– Bem, aí está! – disse Renshaw. –
Trabalhar telepaticamente.
E não teremos de usar a telepatia
apenas para transmitir frases absurdas.
Pensem na utilização na psiquiatria e
no tratamento da doença mental. Pen-
sem no emprego em educação e em
máquinas de ensino.
Pensem no emprego em investiga-
ções legais e julgamentos criminais.
– Francamente – disse Orsino de
olhos arregalados – as implicações so-
ciais são tremendas. Mas não sei se a
utilização de algo
desse tipo seria permitido.
– Sob as adequadas salvaguardas
legais, por que não? – disse Renshaw
com indiferença. – Sem dúvida, se vo-
cês dois se unirem a mim, nossa força
somada pode sustentar esta coisa e le-
vá-la adiante.
E se vocês me acompanharem será a
hora do Prêmio Nobel...
– Eu ainda não estou na coisa – disse
Berkowitz num tom grave.
– Ainda não.
– Por quê? O que você quer dizer?
Renshaw parecia ultrajada, seu rosto
imperturbávelebonitocoroudesúbito.
– A telepatia é um problema extre-
mamente delicado. É uma coisa muito
fascinante, muito ansiada. Mas nós po-
demos estar fazendo papel de tolos.
– Escute você mesmo, Jim.
– Eu mesmo poderia fazer papel de
Sagui
CONTOS
robôsimóveis
31
Daficcaopara
arealidade
Você certamente já
ouviu falar sobre super-
computadores e sobre
as inúmeras funciona-
lidades que eles podem
desempenhar. Cerca
de 15 anos atrás, esses
equipamentos eram
chamados de “compu-
tadores da NASA”; hoje
são gigantescas estru-
turas de processamen-
to voltadas à Ciência, à
Engenharia e à Educa-
ção — entre outras fun-
cionalidades, é claro.
Em resumo: são má-
quinas poderosas e que
permitem a resolução
de cálculos dos mais di-
versos tipos em interva-
los de tempo muito mais
curtos do que os neces-
sários em computado-
res comuns. Muito mais
curtos mesmo, até por-
que estamos falando de
sistemas que unem mi-
lhares de processadores
trabalhando em conjun-
to. O supercomputador
Titan, construído pelo
Laboratório Nacional de
Daficcaopara
arealidade
Oak Ridge, localizado
no Tennessee/ Estados
Unidos,deverásetornar
o mais rápido do mundo
e, com isso, criar novas
oportunidades para a
exploração de alguns
dos principais desafios
científicosdaatualidade.
Com o suporte da efici-
ência no uso de energia
e do custo benefício da
GPU (Unidade de Pro-
cessamento Gráfico)
NVIDIA Tesla K20, o
Titan é 10 vezes mais rá-
pido e cinco vezes mais
eficiente do ponto de
vista energético do que
seu predecessor, o sis-
tema Jaguar de 2,3 pe-
taflops(1) , sem ocupar
mais espaço.
Conheça mais
sobre o projeto
no site dos des-
senvolvedores
do Titan.
tolo, ta? Eu quero um controle.
– O que quer dizer com controle?
– Faça um curto-circuito na origem
do pensamento. Esqueça o animal.
Nenhum sagüi. Nenhum ser humano.
Deixe Orsino escutar o metal, o vidro,
a luz do laser, e se ele ainda ouvir pen-
samentos, então, nós estamos fazendo
papel de bobos.
– Suponha que ele não consiga de-
tectar coisa alguma.
– Então, eu vou ouvir, e isolado – se
puder ficar na sala ao lado – procurarei
dizer quando você está dentro ou fora
do circuito.
Depois, vou pensar se a acompanha-
rei na coisa.
–Muitobem,então–disseRenshaw.
– Teremos um controle.
Nunca fiz isso, mas não é difícil.
Elamanobrouosfiosquetinhamsido
postosemsuacabeçaecolocouunsem
contato com os outros.
– Agora, Adam, se quer prosseguir...
Mas antes que ela pudesse ir adiante,
chegou um som seco, claro, tão puro e
tãonítidoquantoumtilintardepingen-
tes de gelo lascando.
– Por fim!– O quê?! – Renshaw exclamou.
– Quem disse... – Orsino exclamou.
–Alguémdisse“porfim?”–pergun-
tou Berkowitz.
Pálida, Renshaw respondeu:
– Não foi um mero som. Foi em
meu... Vocês dois...?
O som veio nitidamente outra vez:
– Eu sou Mi...Renshaw arrancou os fios condutores e todos fica-
ram em silêncio.
– Acho que é meu computador... – disse ela com
um movimento sem voz dos lábios. – Mike.
– Você está querendo dizer que ele está pensando?
– perguntou Orsino, quase também sem voz.
Renshaw conseguiu falar com uma voz irreconhecí-
vel, mas que, pelo menos, recobrara o som:
– Eu disse que ele era suficientemente comple-
xo para ter alguma coisa a mais... Vocês acham... Ele
sempre se desviou automaticamente para o grama
de pensamento abstrato de qualquer cérebro que
estivesse em seu circuito. Vocês acham que sem ne-
nhum cérebro no circuito, ele se voltaria para o seu
próprio cérebro?
Houve silêncio, depois Berkowitz falou:
– Você está tentando dizer que este computador
pensa,masquenãopodeexpressarseuspensamentos
quando está submetido às normas da programação...
Mas que, tendo conseguido uma chance com seu sis-
tema LEG...
–Mascomopodeseristo?–disseOrsinoemvozalta.
–Ninguémestavarecebendo.Nãoéamesmacoisa.
– O computador trabalha com intensidades de for-
çamuitomaioresqueoscérebros–disseRenshaw.–Suponhoquepossaamplificar-
-seapontodepoderserdetectadodiretamente,semajudaartificial.
O que mais seria capaz de explicar...
– Bem – disse Berkowitz abruptamente. – Temos, então, outro emprego do la-
ser. Ele pode os capacitar a falar com computadores como inteligências indepen-
dentes, pessoa a pessoa.
–Oh,Deus,oquevamosfazeragora?– disse Renshaw.
Robôs metálicos
A ficção científica tradicional é metálica. Por que
não? A maioria das máquinas são construídas de
metal, e, de fato, os robôs industriais da vida real
são de metal.
Vale a pena lembrar, porém, que um famoso e
lendário robô, o Golem, que foi trazido â vida
por Rabbi Low, em Praga, na Idade Média, era
feito de argila.
A lenda foi influenciada, talvez, pelo fato do Deus
Cristão ter formado Adão de argila, conforme a
descrição no segundo capítulo do Gênesis.
Robo
al-76extraviado
ISAAC ASIMOV
CONTOS
robôsmetálicos
35
Os olhos de Jonathan Quell se
franziram preocupadamente
atrás dos óculos sem aro quando ele se
lançou através da porta rotulada “Dire-
tor Geral”.
Atirouopapeldobradoemsuasmãos
sobre a mesa e disse com voz ofegante:
– Olhe para isso, chefe!
Sam Tobe fez o cigarro saltar de um
canto para outro em sua boca e olhou.
Sua mão subiu até o queixo e coçou a
barba por fazer.
– Diabo! – explodiu. – Sobre o que
eles estão falando?
–DizemquemandamoscincorobôsAL
–detalhouQuelldesnecessariamente.
– Nós mandamos seis! – disse Tobe.
– Certamente, seis! Mas só receberam cinco do
outro lado. Enviaram os números de ordem e o AL-
76 está perdido.
A cadeira de Tobe se inclinou para trás quando ele
ergueu o grosso corpanzil e atravessou a porta como
se andasse sobre rodas engraxadas.
Cincohorasdepois–comasinstalaçõesvasculhadas,
das salas de reunião às câmaras de introdução de ar;
com cada um dos duzentos funcionários do prédio in-
quiridosatépeloavesso–umTobesuadoedescabelado
enviou uma mensagem de emergência à sede central
emSchenectady.
E na sede central ocorreu uma súbita explosão
Apesar do metal ser
tradicionalmente o material
mais usada para a produção de
robôs,suaspropriedadesdeixam
a desejar, se forem expostas em
âmbientes extremos. Em baixa
temperatura, o metal comprime
podendo ficar quebradiço e isso
não é interessante para um robô.
Pensando nisso, a agência
espacial NASA desenvolveu
um metal chamado Vidro
metálico. O vidro metálico, na
verdade, é um metal mesmo,
masqueparecevidroporcausada
formacomoéproduzido.Sevocê
olharosátomosdeummetal,verá
estruturas cristalinas, organizações
tridimensionais das partículas. A
questão é que, se você derrete
o elemento, essas estruturas se
desfazem,eosátomoscomeçama
seorganizardeformarandômica.É
nessa parte que vive o segredo:
para formar o vidro metalizado,
os produtores usam o metal
derretido e o congelam muito
rapidamente (diminuindo a
temperatura em 1.000ºC por
segundo), dessa forma, não dá
tempodasestruturasvoltarem
a se organizar de forma
cristalizada, mesmo assim, eles
ficam sólidas. É um novo tipo
de organização atômica.
de quase-pânico. Pela primeira vez
na história da “United States Robots
Mechanical Men Corporation” um
robô escapara para o mundo externo.
O problema não era tanto que a lei
proibisse a presença de qualquer robô
na Terra fora de uma unidade autoriza-
da da corporação. Leis po73 diam ser
contornadas. O problema muito mais
grave era a declaração feita por um
dos matemáticos pesquisadores.
– Esse robô foi criado para andar
comumAnimadornaLua–disseele.–
Seu cérebro positrônico está equipado
para um ambiente lunar, e somente um
ambientelunar.Naterra,elevaireceber
setenta e cinco tetrilhões de impressões
sensoriais para as quais nunca foi prepa-
rado. Não se pode dizer quais serão as
reações.Nãosepodedizer!
E, com as costas da mão, o matemá-
tico limpou a testa, que de repente fica-
ra suada. Em menos de uma hora, um
estratoplano já tinha partido da sede de
Virgínia. As instruções eram simples:
– Pegue esse robô o mais depres-
sa possível! O AL-76 estava confuso!
De fato, a confusão era a única im-
pressão que seu delicado cérebro po-
sitrônico retinha.
Curiosidade
CONTOS
robôsmetálicos
37
E quando, como aconteceu, passava ocasional-
mente junto de pessoas, elas estavam sem os trajes
espaciais que deviam estar usando. Quando o viam,
gritavam e saíam correndo.
Um homem tinha lhe apontado um revólver. A bala
passou assobiando por sua cabeça. Depois, também
o homem correu. Não tinha idéia há quanto tempo
perambulava quando, nos bosques a três quilômetros
da cidadezinha de Hannaford, topou com a cabana
de Randolph Payne. Acocorado na frente da porta,
estava o próprio Randolph Payne, chave de parafusos
numadasmãos,cachimbonaoutraerestosdeumas-
pirador de pó entre os joelhos.
Tudo começara quando ele se desco-
briu entre aqueles estranhos arredores.
Não sabia mais como havia chegado ali.
Tudo se misturava dentre um caminho
verdeeformasmarronsqueseerguiam
por toda a parte à sua volta, com mais
verde no topo. E o céu era azul, quando
devia ser negro.
ComoSolparecia
tudobem,redondo,
amarelado e quen-
te,masoqueacon-
tecera com o chão
derochapoeirenta?
Onde estavam os
enormes anéis de
crateras pontiagu-
das? Havia apenas
o verde embaixo e
oazulemcima.
Ossonsqueocer-
cavam eram todos
estranhos.
Tinha atravessado
água corrente, que
lhe chegara até a
cintura.Eraazul,fria
emolhada.
Payne assobiava, pois tinha um
temperamento naturalmente despre-
ocupado... quando se achava em sua
cabana. Possuía uma moradia mais
respeitável em I-Iannaford, mas aquela
casa era bem amplamente ocupada por
sua esposa, fato que, silenciosa, mas
sinceramente, lamentava. Talvez hou-
vesse uma sensação de alívio e liber-
dade nos momentos em que se achava
retirado na sua “casinha de cachorro
especial de luxo”, onde podia fumar em
paz e dedicar-se ao “hobby” de con-
sertar apetrechos domésticos. Não era
apenasum“hobby”,poisodinheiroque
às vezes lhe pagavam para fazer alguns
truques nas entranhas de um rádio ou
deumdespertadoreraoúnicodinheiro
que não precisava passar em doses ho-
meopáticas por entre as mãos avaren-
tas de sua mulher.
O aspirador, por exemplo, renderia
fácil uns seis dólares. Pensandonisso,
ele começou a cantar, ergueu os olhos
e suspirou. Acanção ficou estrangu-
lada, os olhos saltaram das órbitas e o
suor tornou-se mais intenso. Tentou
ficar em pé – como providência pre-
liminarpara correr até o inferno – mas
não conseguiu que a pernascooperas-
sem. E já o AL-76 tinha se agachado
perto dele e dizia:
– Escute, por que todos os ou-
tros correram?
Payne sabia muito bem por que
todos os outros tinham corrido,mas o
gargarejo que saiu de seu diafragma
não deixou isso suficientemente claro.
Ele procurava se distanciar pelo
menos alguns centímetros do robô.
O AL-76 continuou com um tom
grave na voz:
– Um deles me deu um tiro. Alguns
centímetros mais baixo e teria arranha-
do a placa do meu ombro.
– De-deve ter s-sido algum ma-
-maluco – gaguejou Payne.
– É possível. – A voz do robô tor-
nou-se mais confidencial.
– Escute, o que há de errado
com... tudo?
Payne olhou ansioso em volta.
Percebia que o robô falava num
tom de voz notavelmente suave,
embora sua aparência fosse tão
pesada e brutal. Acudiu-lhe ter ou-
vido, em algum lugar, que os robôs
eram mentalmente incapazes de
ferir seres humanos. Payne relaxou
um pouco.
– Não há nada de errado com
coisa alguma.
– Não há? – O AL-76 olhou-o
acusadoramente. – Você está to-
talmente errado. Onde está seu
traje espacial?
– Não tenho nenhum.
– Então, por que não está morto?
Payneficouparalisado.
– Bem.. .eu não sei.
– Veja! – disse triunfantemente
o robô. – Há algo de errado com
tudo.OndeestáoMonteCopérni-
co? Onde está a Estação Lunar 17?
Onde está meu Animador? Quero
começar a trabalhar.
O robô parecia perturbado, sua
voz fraquejou quando prosseguiu:
– Estou vagueando há horas, ten-
tandoencontraralguémquemediga
ondeestámeuAnimador.Mastodos
correm. Com certeza, já me atrasei
no programa e a Executiva Regional
deve estar soltando fogo pela boca.
Eumasituaçãoterrível.Lentamente
Payne desatarraxou o rolo em que
seuprópriacérebrosemetera.
– Escute – disse –, como eles
o chamam?
–MeunúmerodeordeméAL-76.
– Está bem... Al já está bom.
Agora, Al, se está procurando a
Estação Lunar 17, ela deve estar na
Lua, não acha? O AL-76 balançou
pesadamente a cabeça.
– Sem dúvida! Mas tenho pro-
curado por...
– Mas nós não estamos na Lua.
CONTOS
robôsmetálicos
39Isto não é a Lua. Foi a vez do robô
ficar enrolado. Ele contemplou Pay-
ne e meditou por um momento. De-
pois, falou lentamente:
– Onde você quer chegar dizendo
que isto não é a Lua? Evidentemente é
a Lua. Porque se isto não é a Lua, o que
é, ahn...? Responda agora. Payne emi-
tiu um som engraçado pela garganta e
respirou fundo. Depois apontou e ba-
lançou um dedo diante do robô.
– Olhe aqui – disse... e então a idéia
mais brilhante do século veio-lhe à
mente. – Bravo! – Payne completou
com voz ainda sufocada. O AL-76 con-
templou-o com censura no olhar.
–Issonãoéumaresposta.Pensoque
tenho direito a uma resposta civilizada
quando faço uma pergunta civilizada.
Payne não estava ouvindo. Ainda se
maravilhava consigo mesmo. Porque
era claro como o dia! Aquele era um
robô construído para a Lua que, por
algum motivo, se extraviara na Terra.
Naturalmente, estaria misturando
tudo, porque seu cérebro positrônico
fora criado exclusivamente para um
ambiente lunar, o que tornava suas
cercanias terrestres inteiramente
sem sentido.
E agora ele só queria manter o robô
por perto... Até conseguir entrar em
contato com os homens da fábrica em
Petersboro,issoporqueosrobôsvaliam
dinheiro.Ouviradizerqueomaisbarato
custava cinqüenta mil dólares e o preço
de alguns subia a milhões. Imaginem a
recompensa! Homens, oh, homens,
pensar na recompensa! E toda só para
ele.Nemumquartodapartículadeum
mísero níquel para Mirandy. Passar o
peixe para ela, não!
Payne, afinal, ficou de pé.
– Ai – disse – você e eu somos companheiros! Só-
cios! Gosto de você como de um irmão. – Ele esticou
a mão: – Aperte aqui!
Orobôtomouamãoestendidaemsuapatademe-
tal e comprimiu-a suavemente. Não estava compre-
endendo muito bem.
– Isso significa que vai me dizer como chegar à Es-
taçãoLunar17?Payneficouumpoucodesconcertado.
– N-não, não exatamente. Na realidade, estou
gostando tanto de você que queria que ficasse algum
tempo aqui comigo.
– Oh, não, não posso fazer isso! Tenho que come-
çar a trabalhar.
– O robô sacudiu a cabeça. – Você gostaria de
se atrasar hora a hora, e minuto a minuto em sua
cota de trabalho? Eu quero trabalhar. Eu tenho de
trabalhar. Payne pensou, mal-humorado, que gosto
não se discute.
– Está bem então – disse. – Vou lhe explicar uma
coisa... porque, pela sua aparência, posso ver que se
trata de uma pessoa inteligente.
- Recebi ordens de sua Executiva Regional para
conservá-lo aqui por algum tempo. De fato, até eles
se comunicarem com você.
–Paraquê?–perguntouoAL-76numtomdesconfiado.
– Não posso dizer. É coisa de segredo de adminis-
tração. Payne pediu fervorosamente a Deus que o
robô engolisse aquilo. Sabia que alguns robôs eram
espertos, mas aquele parecia um dos velhos modelos.
Enquanto Payne rezava, o AL-76 pensava. O cé-
rebro do robô, construído para ser manejado por um
Animador na Lua, não se saía muito bem quando en-
volvido em pensamento abstrato, mas, mesmo assim,
desde que se perdera, o AL-76 percebia que seu pro-
cesso de pensamento se tornava cada vez mais estra-
nho. O ambiente exterior o afetava de alguma forma.
Sua observação seguinte foi um tanto maliciosa.
– Qual é o nome de minha Executiva Regional? –
eleperguntouquaseardilosamente.Payneengoliuem
seco e pensou rapidamente.
– Al – disse ele de um jeito amargurado – você me
ofende com a sua suspeita. Não posso dizer o nome
de sua Executiva Regional. Até as árvores têm ouvi-
dos.OAL.76inspecionoufleugmaticamenteaárvore
mais próxima.
– Elas não têm – afirmou.
– Eu sei! O que eu quis dizer é que há espiões por
toda a parte.
– Espiões?
–Sim.Vocêsabe,pessoasmásquequeremdestruir
a Estação Lunar 17.
– Para quê?
– Porque eles são maus. E querem
também destruir você. Por isso é que
precisa ficar algum tempo aqui, para
que não possam descobri-lo.
– Mas... mas eu tenho de ter um
Animador. Não devo ficar atrás da
minha cota.
– Você não ficará, não ficará! –
Payne prometeu avidamente, e com a
mesma avidez amaldiçoou a idéia fixa
do robô. – Vão mandar alguém ama-
nhã. Anh?... amanhã!
Isso lhe daria tempo suficiente para
trazer os homens da fábrica e coletar
belos e verdes montes de notas de cem
dólares. Mas o AL-76 apenas ficava
cada vez mais obstinado sob o angus-
tiante constrangimento do mundo
estranho à sua volta, influindo em seu
mecanismo pensante.
– Não – disse. – Preciso de um Ani-
mador agora. Esticou pesadamente as
juntas e ergueu-se num tranco.
– É melhor procurá-lo um pouco
mais – concluiu. Payne estremeceu e
agarrou um cotovelo frio e duro.
– Escute! – estrilou. – Você tem
que ficar!...
E alguma coisa estalou na mente do
robô. Toda a estranheza que o cercava
reuniu-se num único glóbulo e explo-
diu. O cérebro
passou a funcionar com uma eficiên-
cia curiosamente crescente. Ele rodo-
piou para Payne.
– Vou lhe dizer uma coisa. Posso
construir um Animador aqui mesmo..
E depois posso trabalhar com ele. Pay-
ne hesitou.
– Acho que eu não conseguiria
construir nenhum. – Ele se pergun-
tava se aquilo favoreceria ou não
suas pretensões.
– Está tudo bem agora- – O AL-76
conseguia quase sentir os movimentos
positrônicos do seu cérebro ondularem
num novo padrão e experimentou uma
estranha alegria. – Eu posso construir
um Animador. O robô olhou para den-
tro da casinha de cachorro de Payne.
– Você tem aí todo o material de
que preciso – disse. Randolph Payne
olhou para os trastes que enchiam sua
cabana: rádios desmontados, um re-
frigerador sem porta, motores de au-
tomóvel enferrujados, um aquecedor
de gás quebrado, quilômetros de fios
inutilizados; somando tudo, cerca de
cinqüenta toneladas da mais hete-
rogênea massa de metal velho que
qualquer curioso bisbilhoteiro jamais
teve o desplante de acumular.
– Tenho tudo? – Payne perguntou
comavozabafada.
Duas horas depois, aconteceram
duas coisas quase simultaneamente.
A primeira foi que Sam Tobe, da fi-
lial de Petersboro da “United States
Robots and Mechanical Men Corpo-
ration”, recebeu uma chamada video-
fônica de um certo Randolph Payne,
de Hannaford.
Dizia respeito ao robô desaparecido
e Tobe, com um nó na garganta, inter-
rompeu a ligação pelo meio e ordenou
que todos os videofonemas posteriores
fossem transferidos para o sexto vice-
-presidente assistente, que ficou en-
carregado de atender àquele tipo de
chamada. Tobe não deixava de ter as
suas razões. Naquela última semana,
embora o Robô AL-76 continuasse
totalmente extraviado, havia chovido
informações dos quatro cantos do país
sobre a sua localização. Eram cerca de
quatorze ligações diárias, em geral de
quatorze estados diferentes.
Tobe estava absolutamente farto da-
quilo e até mesmo se descuidando de
normas elementares de gentileza. Ven-
tilava-se uma investigação do Congres-
so, embora todos os roboticistas e físi-
cos matemáticos da Terra jurassem que
orobôerainofensivo.Emseuestadode
CONTOS
robôsmetálicos
41ânimo, então, não era de estranhar que
o Diretor Geral levasse três horas para
se interrogar como Randolph Payne
soubera que o robô se destinava à Es-
tação L 17 ou como descobrira que seu
número de ordem era AL-76. Esses
detalhes não tinham sido divulgados
pela companhia. Mas ele só pensou
por mais um minuto e meio antes de
se pôr em ação.
No entanto, durante as três horas
que transcorreram entre a chama-
da videofônica e a providência inicial,
o segundo acontecimento ocorreu.
Tendo corretamente diagnosticado a
abrupta interrupção de sua chamada
como ceticismo generalizado por parte
do escritório oficial, Payne voltou para
sua cabana com uma câmera.
Não havia o que discutir se tives-
se uma foto nas mãos. Além do mais,
poderia ser enganado se entregasse a
coisa real antes de receber o dinheiro.
O AL-76 estava ocupado com seus
próprios problemas. Metade do que
havia na cabana de Payne fora literal-
mente coberto por dois acres de terra
e,nomeiodetudoisso,orobôtropeça-
va e se enrolava com válvulas de rádio,
montes de ferro velho, fios de cobre e
outros bagulhos. Não prestou atenção
a Payne que, deitado no chão, ajustou
ofocoemsuacâmeraparatirarumbo-
nito instantâneo. E foi nesse momento
que Lemuel Oliver Cooper fez a curva
na estrada e ficou petrificado ao con-
templar o quadro.
A razão que o tinha levado ali fora
uma torradeira elétrica, que adquirira o irritante há-
bito de expelir energicamente fatias de pão, mas sem
torrar uma única ponta. A razão que o levou a sair dali
foi mais evidente. Aproximara-se num passo lento,
macio, jovial de manhã de primavera.
Afastou-se com uma pressa que levaria qualquer
técnicouniversitárioemcorridaaerguersobrancelhas
e abrir a boca com ar de aprovação.
Não houve perda apreciável de velocidade até Co-
oper arremessar-se no escritório do xerife Saunders,
sem chapéu e torradeira, e estatelar-se com força
confia a parede.
Mãos cordiais levantaram-no e, por meio minuto,
ele apenas tentou falar. Depois, conseguiu se acalmar
a ponto de ensaiar uma respiração normal, eviden-
temente sem nenhum resultado. Deram-lhe uísque,
abanaram-no e, por fim, ele pôde dizer algum a coisa
mais ou menos assim:
– ... monstro... dois metros de altura... cabana toda
revirada... pobre Rannie Payne... – e assim por dian-
te. Extraíram-lhe a história aos poucos: que havia um
enorme monstro de metal, dois metros de altura, tal-
vez dois metros e meio ou quase três, no lado de fora
da cabana de Randolph Payne; que o próprio Randol-
ph Payne estava caído no chão, “um pobre cadáver
sangrando, estraçalhado”; que o monstro estava ati-
vamente empenhado em destroçar a cabana por puro
instinto de destruição; que o monstro se voltara para
Lemuel Oliver Cooper e que ele, Cooper, conseguira
escapar por um triz.
O xerife Saunders apertou um pouco mais o cinto
em volta da cintura imponente.
– É aquele homem-máquina que fugiu da fábrica
de Petersboro – disse ele. – Fomos avisados no sába-
do. Ei, Jake, pegue todos os homens no condado de
Hannaford que possam atirar e chape uma insígnia de
representante da lei em cada um deles. Que estejam
todos aqui ao meio-dia. E escute, Jake, antes de fazer
isso, dê uma passada na casa da viúva Payne e sopre-
-lhe com cuidado as más notícias.
Conta-se que Miranda Payne, após ser inteirada
dos acontecimentos, preocupou-se apenas em certi-
ficar-se de que a apólice de seguro do marido estava
a salvo. Teria feito ainda alguns comentários ferinos
sobre sua loucura em não tê-lo obrigado a dobrar o
valor do prêmio. Depois, irrompeu num prolongado e
pungente pranto, digno da mais respeitável viúva.
Algumashorasdepois,RandolphPayne,desconhe-
cendosuahorrívelmutilaçãoemorte,examinavacom
satisfação os negativos de seus instantâneos. A série
de retratos do robô trabalhando nada deixava à ima-
ginação. Podiam ser até legendados: “Robô olhando
pensativamente para o Tubo do Aspirador”, “Robô
emendando Dois Fios”, “Robô usando
a Chave de Parafusos”, “Robô deslo-
cando Geladeira com Grande Violên-
cia”, e assim por diante. Como já então
tratava-se apenas da rotina de copiar o
negativo, Payne levantou a cortina do
laboratório improvisado para uma tra-
gada e um papo com o A.L-76.
Continuava bem-aventuradamente
ignorando que os bosques da redonde-
zaformigavamdelavradoresnervosose
armados com todo o tipo de coisa, da
velha relíquia colonial de um bacamar-
te à metralhadora portátil que o xerife
conduzia. Muito menos suspeitava que
meiadúziaderoboticistas,lideradospor
SamTobe,chispavapelaestradaquevi-
nha de Petersboro a mais de duzentos
por hora.
Seuúnicoobjetivoerateremoprazer
e a honra de apertar a mão de Payne.E
enquantoascoisasseprecipitavampara
um clímax, Randolph Payne suspirou
satisfeitoconsigomesmo,tirouofósfo-
ro do traseiro das calças, acendeu um
cachimbo e tirou uma baforada, con-
templando o AL-76 com ar divertido.
Há um bom tempo se tornara evidente
que o robô era um pouco mais que li-
geiramente lunático.
O próprio Randolph Payne fora um
perito em engenhocas improvisadas,
tendo construído algumas que mal
podiam ser expostas à luz do dia sem
estupidificar os observadores; mas
nunca concebera nada que se aproxi-
massedamonstruosidadequeoAL-76
estava engendrando.
Teria feito os Rube Goldbergs do dia
se contorcerem até à morte em con-
vulsões de inveja. Faria Picasso (se ele
pudesse estar vivo para testemunhar)
abandonar a arte com o reconheci-
mento puro e simples de que fora irre-
mediavelmente ultrapassado. Azedaria
o leite nas tetas de qualquer vaca no
raio de um quilômetro.
De fato, era horrendo! De uma
compacta base de ferro enferrujada
(lembrando vagamente alguma coisa
que Payne já vira acoplada a um trator
de segunda mão), erguia-se por entre
um ziguezague meio ébrio, meio brin-
calhão, uma fantástica massa de ara-
mes, rodas e tubos, com incontáveis e
inomináveis horrores, que terminavam
num megafone arranjado de tal modo
que parecia indiscutivelmente sinistro.
Payne teve o impulso de espreitar no
buraco do megafone, mas se conteve.
Já tinha visto máquinas muito mais
sensatas explodirem subitamente e
com violência.
– Ei, Al! – gritou ele.
O robô ergueu os olhos. Estava dei-
tado de barriga, encaixando um pedaço
lascado de metal.
– O que você quer, Payne?
– Que é isso? – Payne perguntou
num tom de quem se referia a alguma
coisatolaedescomposta,equilibrando-
-se precariamente entre dois mastros
de três metros cada um.
– É o Animador que estou cons-
truindo. . Para poder começar a tra-
balhar. É um aperfeiçoamento do
modelo padrão.
O robô se ergueu, sacudindo clango-
rosamente os joelhos e contemplou a
coisa com orgulho.
Payne estremeceu. Um “aperfeiçoa-
mento”! Não admira que escondessem
o original em cavernas na Lua. Pobre
satélite! Pobre satélite sem vida! Sem-
pre quisera saber o que havia de pior
que a morte. Agora sabia.
– Vai funcionar? – perguntou.
– Sem dúvida.
CONTOS
robôsmetálicos
43– Como tem tanta certeza?
– Tem de funcionar. Eu o construí,
não construí? Agora só preciso de uma
coisa. Você tem uma lanterna?
– Acho que deixei em algum lugar...
Payne desapareceu dentro da cabana,
mas retornou quase imediatamente.
O robô desapertou o fundo da lanter-
na e pôs mãos à obra. Em cinco mi-
nutos já havia acabado. Deu um passo
atrás e disse:
– Tudo pronto. Agora coloco para
funcionar. Você pode ver, se quiser.
Durante um momento, Payne tentou
entender a generosidade da oferta.
– É seguro?
– Um bebê poderia manejá-lo.
– Oh! – Payne deu um sorriso ama-
relo e se escondeu atrás da maior árvo-
re que havia nos arredores.
– Vá em frente! – gritou. – Tenho
absoluta confiança em você.
OAL-76apontouasucatadepesadelo.
– Olhe! – disse.
Esuasmãospuseramparafuncionar...
Dispostos em linhas de batalha, os
lavradores do condado de Hannaford,
na Virgínia, iam envolvendo a cabana
dePaynenumcírculocadavezmaises-
treito. Com o sangue dos heróicos an-
tepassados coloniais pulsando nas veias
– e um arrepio correndo para cima e
para baixo ex» suas espinhas – eles ras-
tejavam de árvore em árvore.O Xerife
Saunders espalhou a palavra de ordem.
– Fogo, quando eu der o sinal... e
apontem para os olhos.
Jacob Linker, Lank Jake para os ínti-
mos, representante do xerife junto a si
mesmo, aproximou-se de Saunders.
– Você não acha que uma rajada
dessa metralhadora pode dispersá-lo?
– Lank Jake não conseguiu suprimir
inteiramente o tom de última esperan-
ça na voz.
– Não sei – rosnou o xerife. – Mas
acho que não. Nós não podíamos atra-
vessarelenastripasseeletivessetripas.
– Tudo está terrivelmente quieto.
Parece que estamos chegando perto
da cabana de Payne.
A observação não era necessária. O
Xerife Saunders sentia um aperto tão
grande na garganta que teve de engoli-lo em
três prestações.
–Recue–ordenou–efiquecomodedonogatilho.
Já estavam na borda da clareira. O Xerife Saunders
fechou os olhos e tirou o canto de um deles de detrás
da árvore. Não vendo nada, parou para tomar fôlego
e tentou de novo. Desta vez, seus olhos se abriram.
Naturalmente, o resultado foi melhor.
Para ser exato, conseguiu ver um enorme homem-
-máquina, de costas para ele, curvado sobre uma en-
genhoca de gelar a alma, contorcida, de origem des-
conhecida e finalidade ainda menos previsível.
O único item que seus olhos perderam foi a trê-
mula figura deRandolph Payne, abraçado a uma ár-
vore próxima.
OXerifeSaundersseespichoudaárvoreelevantou
a metralhadora.
Mostrando as costas largas de metal, o robô falou
em vozalta com pessoa ou pessoas desconhecidas: –
Olhe! – e quando o xerifeabriu a boca para dar or-
dem geral de fogo, os dedos de metal comprimiram
um comutador.
A despeito da presença de setenta testemunhas,
não existe uma descrição adequada do que ocorreu
emseguida.Nosdias,meseseanosquepassaram,ne-
nhum dos setenta jamais abriu a boca para dizer uma
única palavra sobre os poucos segundos que transcor-
reram depois do xerife abrir a boca para dar a ordem
de fogo. Quando interrogadossobre isso, eles mera-
mente esverdeavam e se afastavam tremendo.
Pode-se considerar como evidência circunstancial,
porém, que, de um modo geral, o que aconteceu foi
o seguinte:
O Xerife Saunders abriu a boca; o AL-76 apertou
um botão.
O Animador funcio-
nouesetentaecincoár-
vores, dois celeiros, três
vacas e três quartos do
pico do Monte Duckbill
foram impelidos para a
atmosfera rarefeita.
A boca do Xerife Saunders conti-
nuou aberta por um indefinidointerva-
lo de tempo, pias dela nada saiu, nem
ordens de ataque nemqualquer outra
coisa. E depois...
E depois, houve uma agitação no ar,
um múltiplo som deespanto, uma série
de faixas arroxeadas pela atmosfera,
irradiadasde um centro, a cabana de
RandolphPayne.Dosmembrosdafor-
çacivil de emergência, nenhum sinal,-
Sobraram vários revólveres espalhados
nos arredores, incluindoa patenteada, à
prova de choque, com chapa de níquel,
com poder de fogo ultra-rápido, a me-
tralhadora portátil do xerife. Haviacer-
ca de cinqüenta bonés, alguns charutos
mascados pela metade e outros restos
e bagulhos que se dispersaram na afo-
bação. Quanto aseres humanos, no
entanto, não havia realmente nenhum.
Excluindo Lank Jake, nenhum da-
queles seres humanos foi visto por
ninguém durante três dias, e a exce-
ção a favor de Jake deveuse ao fato de
ele ter sido interrompido em sua fuga
de cometa pela meia dúzia de homens
da fábrica de Petersboro, que naquele
momento estavam se arremessando
entre as árvores com uma velocidade
própria e bastante elevada.
Sam Tobe foi o primeiro que o de-
teve, quando a cabeça de Jake mergu-
lhou oportunamente na boca do seu
estômago. Recobrando a respiração,
Tobe perguntou:
– Onde está a cabana de Ran-
dolph Payne?
Lank Jake conseguiu que seus
olhos ficassem menos arregalados
por um momento.
– Irmão – disse ele –, é só seguir na
direção em que não estou seguindo.
E dizendo isso, saiu milagrosamente
de vista. Havia uma mancha trêmula
esquivando-se das árvores no horizon-
te, mas Sam Tobe não seria capaz de
jurar que era ele.
Tiveram, por assim dizer, o mesmo
destino das neves do inverno passado.
Revista FUTURAE
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Revista FUTURAE

  • 1.
  • 2. 4 14 ISAAC ASIMOV PENSE ORIGEM DA ROBÓTICA MODERNA ROBÔ AL-76 EXTRAVIADO O QUE É FICÇÃO CIENTÍFICA? UM DIA INTRO CONTOS DE ASIMOV O INCIDENTE DO TRICEDENTÁRIO TIPOS DE ROBÔS INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL 6 24 8 34 9 48 11 60 Saiba a origem, os detalhes da ficção científica e como são divi- didos em subgêneros. Com o tema “Robôs não huma- nos”, Asimov nos mostra uma possível reviravolta entre a relação do ser humano e os robôs, pro- veniente da possibilidade da auto evoluçãodainteligênciaartificial. Na publicação original - em for- mato de livro - Asimov prepara a mente do leitor com algumas informações importantes sobre o mundo da robótica. Um incidente muito maior que se imagina, uma situação que impactou não só uma nação, mas toda a Federação Mundial. Aqui, as 3 leis da robótica fora posta em prática e aparenta ser imperfeita. Também na publicação original, os contos foram separados, não por datas em que foram escritas, mas tipos de robôs. Mesmo ten- do algumas semelhanças, cada tipo tem sua singularidade. A Inteligencia artificial ou “AI”, como é popularmente chamado, tem se destacado ultimamente, mas surge juntamente com as pesquisas sobre robôs imóveis, computadores pessoais. A biografia do autor conta as in- fluência de quando criança, sua formação acadêmica e algumas previsões que se concretizaram. Não é a toa que o título seja pen- se, o conto realmente necessita de um pensamento crítico para seguir o raciocínio. Nele o leitor irá se deparar com termos cientí- ficosnocampodaneurofisiologia. A tecnologia para os robôs vem sido fomentada desde antes da civilização, sabia? Pois bem, há muito mais do que os clichês apresentados nos cinemas. Perdido num ambiente que não fora projetado, a terra, AL-76 procura exercer o trabalho que lheforaexpedidoemsuaconcep- ção. Mas acaba criando uma situ- ação caótica sem muito esforço. SUMÁRIO CONTOS
  • 3. O que e ficcao cientifica? Oqueeficcaocientifica? A ficção científica é um gênero cujos conteúdos se baseiam em supostos feitos científicos ou técnicos que poderiam acontecer no futuro. Este funda- mento científico faz que a ficção científica se diferencie do género fantástico, onde as situações e os personagens são fruto da imaginação. O gênero da ficção científica também foi conhecido como literatura de antecipação, dadas as características mencionadas. Efetivamente, muitos autores de ficção científica conseguiram antecipar/prever o surgimento de diversos inventos, como foi o caso Júlio Verne com os sub- marinos ou as naves espaciais. A ficção científica nasceu como um subgênero literário na década de 1920. Com o tempo, foi-se alargando a di- ferentes formatos. A ficção científica cinematográfica foi uma das adaptações de maior sucesso, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Há quem distinga a ficção científica “hard” (dura) da fic- ção científica “soft” (macia), de acordo com o rigor com que são tratados e abordados os dados científicos. A ficção científica dura será portanto “a mais científica”, sem de- masiado espaço para a imaginação. No entanto, a ficção científica “soft” inclui algumas suposições sem base cien- tífica ou real. Entre os autores mais famosos da ficção científica, des- tacaremos Isaac Asimov (1920-1992, autor de Nós, robôs), Ray Bradbury (1920, Crônicas marcianas, Fahrenheit 451), Arthur C. Clarke (1917-2008, Odisseia no Espaço), Aldous Huxley (1894-1963, Admirável Mundo Novo), Ursula K. Le Guin (1929, The Dispossessed) e o já referido Júlio Verne (1828-1905, Viagem ao centro da Terra, Vinte Mil Léguas Submarinas). Para validar algo que não é possível no nosso contexto atual, a FC pode recorrer a: • Ambientação Futura. • Inteligências não humanas: Extraterrestres, Robôs, In- terdimensionais etc. •Inteligências Humanas: Gênios e Cientistas. • FenômenosDesconhecidos Curioso é que se fizermos uma pesquisa aleatória, en- contraremos uma porcen- tagem pequena de pessoas que declarem ser esse seu gênero favorito, não obstan- te este é com certeza o gê- nero cinematográfico mais bem sucedido do mundo. Basta olhar a lista das maio- res bilheterias cinematográ- ficas mundiais, evidente- mente compostas por filmes de Hollywood. Até o ano 2000 pelo menos, apenas alguns sucessos como Titanic e Forest Gump, escaparam do gênero fantástico, mas a maioria é de Ficção Cientí- fica, Star Wars, Independence Day, ET, Batman e etc. Fantasiaéoimpossíveltornadoprovável. Ficçãocientificaéoimprováveltornadopossível. Sci-fiesucessoemHollywood 54 Criado por H.G.Wells no livro Á Máquina do Tempo, é provavelmente o mais popular. Tal como nesta obra pioneira, pode envolver viagens do presente para o futuro, mas na maioria dos ca- sos envolve viagens do Presente para o Passado, ou de visitantes do futuro vindo ao presente. Vejamos aqui, os principais ramos de Ficção Científica, mais ou menos pela ordem em que surgiram. Inaugurado por Júlio Verne em Viagem a Lua, e também por H.G.Wells em O primeiro homem na Lua é um dos poucos que se tornou parcialmente realidade. Alias a tecnologia usada no programa Apollo está anos-luz à frente daquela imaginada por Verne. E neste grupo que ocorre também um dos assuntos mais mal resolvidos da FC, a ques- tão da Gravidade. Mary Shelley publicou a primeira obra que embora mais associada ao gênero Terror, possui a estrutura básica da FC. Frankenstein de 1816, pode ser considerado o precursor primordial da FC. Esse subgênero Também foi abordado por H.G.Wells em A Ilha do Dr. Moureau, onde um cientista criou uma série de criaturas mutantes misturando homens com animais, numa espécie de precursão da Engenharia Genética. Pode ser apelidado de FUTURO DO PRETÉ- RITO, trata-se daquela ambientação passada que no entanto, não corresponde a história do mun- do real. Como um futuro superado ou mesmo uma visão alternativa proposital. Obras como Metrópolis de Fritz Lang e Farenheit 451 de Ray Bradubury, imaginavam ambientações futuras que já foram ultrapassadas ou cujo curso atual da história já inviabilizou. Muitas vezes se mistura com a Futurâmica Es- pacial, mas há como exceção nada mais nada me- nos do que STAR WARS e a série de TV Galáctica, que simplesmente não podem ser enquadradas em nenhum dos outros gêneros acima. É onde as Batalhas Espaciais são presença obrigatória. Ambientação que como o próprio nome diz se concentra na exploração espacial futura. Star Trek, Perry Rhodan e Buck Rogers são alguns exemplos. Muitas delas estão repletas de um dos temas que mais abusa da licença poética na FC, as Batalhas Espaciais. O nome diz tudo, obras que se ambientam num mundo futuro pós Terceira Guerra mundial ou equivalente. Podem explorar os efeitos dire- tos desta catástrofe como Herança Nuclear, ou simplesmente ignorá-la como o curioso Crepús- culo de Aço, com Patrick Swaize. Provavelmente o exemplo mais famoso é Mad Max II e III. Emgerallocaliza-senumfuturopróximodeca- raterísticas decadentes do ponto de vista moral. Superpopulação, auto índice de violência urbana e degeneração ambiental são temas frequentes, mas o essencial é a temática tecnológica em geral enfocada na informática, telecomunicação e ele- trônica. Esse sub gênero tem como um dos prin- cipais marcos inicias a obra NEUROMANCER de Willian Gibson. VIAGENS PARA FORA DA TERRA RETROFUTURISMO PÓS-APOCALÍPTICO CRIATURAS ESPECIAIS CIBERPUNK VIAGENS NO TEMPO FUTURÂMICA ESPACIAL GUERRAS ESPACIAIS SUBDIVISOES
  • 4. 76 Oescritor nasceu em 1920 na ci- dade russa de Smolensk, que fa- zia parte do gueto Petrovichi. Sua fa- mília imigrou para os Estados Unidos quando ele tinha três anos, passando a viver no Brooklyn. O gosto pela leitura se manifestou precocemente. Seu pai, Judah Asimov, era um leitor voraz de escritores russos. Apesar de ter sido educado sob os preceitos do judaísmo ortodoxo, Judah não influiu na educação religiosa de seu filho, mas estimulou Asimov a cultivar o hábito da leitura. Judah deu a Asi- mov um cartão da biblioteca e foi assim que o escritor conheceu ain- da pequeno, obras sobre mitologia grega, clássicos de Shakespeare e livros de história. O contato com revistas de ficção científica que lia, ainda pequeno, na loja do pai levaram-no a seguir duas carreiras: a acadêmica e a de escritor. Asimov começou a escrever com 11 anos. Com apenas quinze ingressou na Universidade de Columbia, em Nova York, onde estudou química. Aos dezoito, vendeu a sua primeira história, “Marooned Off Vesta”. Em 1942 casou-se com Gertru- de Blugerman, com quem teve dois filhos – mas o casamento nunca foi tranqüilo. Nessa mesma época, du- rante a Segunda Guerra Mundial, passou a trabalhar na US Naval Air Experimental Station.Depois da guerra, doutorou-se na Universidade de Columbia e, entre 1949 e 1958, ensinou bioquímica na Universidade de Medicina, em Boston. Em 1973 casou-se com a escritora e psicanalista Janet Opal Jeppson. Ela tinha começado, já nos anos 70, a escrever ficção científica volta- da para crianças. Juntos criaram as Norby Chronicles, sobre as aventu- ras de um robô. Seu primeiro grande sucesso foi Ni- ghtfall, de 1941, mas seu primeiro ro- mance foi lançado somente dez anos depois, Pebble in the sky (1950). A obramaisfamosadeAsimovéatrilogia Fundação, também da década de 50, seguida pela série de sucesso Histórias de Robôs. É autor de cerca de qui- nhentos livros para jovens e adultos, ul- trapassandoosdomíniosdaciênciaeda ficção científica, já que escreveu tam- bém romances policiais, livros sobre humor e história, assim como alguns volumes sobre a Bíblia e Shakespeare. A saúde de Asimov ficou abalada após o infarto que teve em 1977. No inverno de 1989-1990 passou uma temporada no hospital devido a uma insuficiência cardíaca. Morreu em 1992, de complicações renais e car- díacas. Asimov foi reconhecido como mestre da ficção científica, e junta- mente com Robert A. Heinlein e Ar- thur C. Clarke é considerado um dos três grandes escritores do gênero. Em 1981 o asteroide 5020 recebeu seu nome como homenagem. TRILOGIA FUNDAÇÃO Autor: Isaac Asimov Editora: Aleph Preço:R$84,90 FUNDAÇÃO Páginas: 240 FUNDAÇÃO E O IMPÉRIO Páginas: 248 SEGUNDA FUNDAÇÃO Páginas: 248 “Pai” dos robôs, criador das 3 Três Leis Fundamentais da Robótica isaac asimov Por ser escritor de ficção científica, muito do que Asimov falava em sua época era considerado um absurdo, apenas fantasia de uma mente cria- tiva. No entanto, o autor previu o surgimento de várias tecnologias uti- lizadas nos dias de hoje. Em 1988, o autor deu uma ideia de como seria a propagação do conheci- mento no futuro. O modelo descrito por ele nada mais é do que a internet como conhecemos hoje. Nas palavras do autor: “[...] Uma vez que tenha- mos computadores em casa, cada um deles ligado a bibliotecas enormes, qualquer pessoa pode fazer pergun- tas e ter respostas, obter materiais de referência sobre qualquer assunto em que esteja interessada em saber.”. Qualquer semelhança da descri- ção acima com o Tira-Dúvidas — do Tecmundo —, a Wikipédia e vários outros serviços presentes na internet não é uma mera coincidência. Os robôs estão presentes em cen- tenas de notícias espalhadas pela in- ternet. A cada dia, novos humanoi- des são apresentados, os quais estão cada vez mais aptos de realizar ativi- dades que antes eram consideradas exclusivamente humanas. Asimov previu o surgimento de robôs com a aparência de pessoas. Em seu livro, Eu, Robô, o autor apresentou as três Leis da Robótica, as quais ditam as regras básicas para que robôs e seres humanos convi- vam de forma pacífica. 1ª lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por ócio, permitir que um ser humano sofra algum mal. 2ª lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei. 3ª lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e Segunda Lei. Algum tempo depois, Asimov criou uma quarta lei (chamada Lei Zero), a qual diz: “Um robô não pode fazer mal à humanidade e nem, por inação, permitir que ela sofra algum mal”. Mesmo que não pareçam mui- to úteis no momento, as três Leis da Robótica são levadas à sério por muitos pesquisadores da área. Embora o cinema e a literatura insistam em histórias com teorias conspiratórias, nas quais as máqui- nas se rebelam e tentam dominar os seres humanos, o respeito a esses princípios faz com que, na prática, seja pouco provável que algo do gê- nero possa acontecer em um futuro muito próximo. Prevendo o futuro As tres leis O vídeo no QRcode ao lado mostra o trecho de uma entrevista que Asimov concedeu a Bill Moyers,em1988,falan- do sobre a importância da internet na educação. END internetdascoisas A Internet das Coisas (do inglês, Internet of Things) é uma rede de ob- jetos físicos, veículos, prédios e outros que possuem tecnologia embarcada, sensores e conexão com rede capaz de coletar e transmitir dados. E esse em específiconãoforaprevistodiretamen- te por Asimov, mas podemos perce- ber um ponta pé inicial para esse novo conceito, que tende a crescer de forma exponencialmente rápida.
  • 5. 98 origem da robotica moderna Aficção científica pin- ta – na maioria das vezes–asmáquinascomo as grandes vilãs das histó- rias que envolvem robôs. Desde o Exterminador dofuturoatéasmáquinas de Matrix, o cinema pinta a robótica como uma ci- ência fadada a substituir a humanidade com seus produtos mecatrônicos. Porém a mesma ficção que gerou os algozes do Homo sapiens também mostrou seus salvadores, como em Wall-E da Dis- ney-Pixar. Apesar de muitos acreditarem que a ro- bótica é uma tecnologia moderna, os primeiros estudos sobre autômatos são tão antigos quanto a civilização. Já na Grécia antiga existiam aparelhos que – através de pesos e bombas pneumáticas – agiam sozinhos. Porém muito tempo passou an- tes de surgir uma aplica- ção real para a técnica. NaRenascença–perío- do compreendido entre o final do século XIII e me- adosdoséculoXVII– vá- rios artistas e artesãos construíam pequenas máquinas de ativa- ção própria. Leonardo DaVinci, ao estudar a anatomia humana para melhorar a qualidade de seus desenhos e pinturas, acabou por desenvolver diversos modelos de bo- necos que moviam mãos, pernas e alguns eram até mesmocapazesdeescre- ver ou tocar instrumen- tosmusicais. A tecnologia desenvol- vida na Renascença com essesartefatos–tratados como meras curiosida- des técnicas e artísticas – acaba por gerar co- nhecimento que logo depois seria transfor- mado nas primeiras máquinas automáti- cas responsáveis pelo advento da Revolu- ção Industrial. Um dos grandes cien- tistas envolvidos com a robótica foi Nikola Tesla (1856-1943), sérvio radi- cadonosEstadosUnidos, que estudava não apenas máquinas controladas à distância, mas também, segundo o pesquisador, “[...] máqui- nas dotadas de sua própria inteligência. Como o período da evolução avançou, penso também que não está longe o tempo em que mostrarei uma automa- ção que, deixada por si, irá agir como dotadaderazãoesemqualquercontrole voluntáriodoexterior”. Percebam que até então, ninguém utilizava o nome robô para suas inven- ções. Este termo (e sua contraparte inglesa robot) vem da palavra de ori- gem checa robota – trabalhador que realiza serviço compulsório – inventada por Karel Čapek (1890-1938). Escri- tor, Čapek é autor de uma peça de te- atro conhecida como R.U.R (Rossum´s Universal Robots – Robôs Universais de Rossum), onde um gênio desenvol- ve uma substância especial, e começa a construir humanoides – robotas – para substituir o homem no desempenho de tarefasfísicas. Depois da primeira aparição “oficial” dos robôs na ficção, eles nunca mais pa- raram de surgir. Entre os mais famosos estãoosrobôspositrônicosdeIsaacAsi- mov (1920-1992), que formam a base do livro de contos “Eu, robô” – mais tar- deadaptadoparaocinema–easériede livros de contos intitulada “Robôs”. Asi- mov foi tão importante para a concep- ção de robôs através de suas obras que a Honda batizou um de seus humanoides deAsimocomohomenagemaoautor. Na época em que eu ainda não tinha feito vinte anos, e já era um leitor assíduo de ficção científica, li muitas histórias de robô e descobri que elas se encaixava em duas classes. Na primeira classe, havia o Robô-co- mo-Ameaça. Não tenho de explicar muita coisa sobre isso. Tais histórias eram uma mistura de “clangue-clan- gue”, com “aahhh!” e “Há certas coisas queoshomensnãoestavamdestinados a saber”. Algum tempo depois, elas perderampavorosamenteagraçaenão pude mais suportá-las. Nasegundaclasse(muitomenorque a primeira), havia o Robô-como-Pa- thos. Em tais histórias, os robôs eram amáveis e geralmente manobrados por seres humanos cruéis. Isso me fascina- va. Em fins de 1938, duas dessas histó- rias chocaram-se com os padrões que particularmente me impressionavam. Uma delas era um conto de Eando Bin- der,intituladoEu,Robô,sobreumvirtu- oso robô chamado Adam Link; a outra era uma história de Lester Del Rey, in- tituladaHelenO’Roy,quemecomoveu com o seu retrato de um robô que era tudoqueumaesposalealdeveser. Por conseguinte, quando em 10 de junho de 1939 (sim, conservo registros precisos) sentei-me para escrever mi- nha primeira história de robô, já estava fora de questão pretender realmente escrever uma história de Robô-como- -Pathos. Escrevi Robbie, sobre uma babá-robô, uma mocinha, amor, uma mãe prejudicada, um pai fraco, um coração parti- do e uma triste reunião. (Originalmente, apare- ceu com o titulo – que eu detestei – de Estra- nho Coleguinha.) Mas alguma coisa singular aconteceu quando es- crevi esta primeira his- tória. Consegui chegar a uma visão vaga de um robô sem Ameaça nem Pathos. Comecei a pen- sar nos robôs como pro- dutos industriais, cons- truídos por engenheiros de verdade. Eram feitos dentro de normas de segurança, por isso não eram ameaças, e eram projetados para certas tarefas, de modo que não havia necessaria- mente nenhum Pathos envolvido. À medida que conti- nuava escrevendo sobre robôs esta noção de ro- bôs industriais cuida- dosamente construídos permeava cada vez mais minhas histórias, até que todo o caráter das his- tórias de robô da ficção científica séria mudou – não somente o das mi- INTRODUÇÃO AOS CONTOS DE ASIMOV Originalmente publicado junto com sua coletânia de contos, Nós Robôs, Isaac nos mostra quais obras o motivou a escrever sobre robôs, além de dar uma breve descrição de sua influênci no mundo da robótica que conhecemos hoje. nhas próprias histórias, mas o das histórias de quase todo mundo. Isso me fez sentir muito bem e, por muitos anos, dé- cadas até, eu facilmente apregoava que era “o pai da moderna história de robôs”. Com o passar do tempo, fiz outras desco- bertasquemedeliciaram. Descobri, por exem- plo, que quando usava a palavra “robótica” para descrever o estudo dos robôs, não estava usando uma palavra que já exis- tia, mas tinha inventado uma palavra que nunca fora usada antes. (Acon- teceu em minha história AndaràsCegas,publicada em 1942). Hoje, é uma palavra de uso corrente. Há jornais e livros com a palavra na capa e é geral- mente sabido no campo darobóticaquefuieuque inventei o termo. Não pensemquenãoestouor- gulhosodisso. Não foram muitas as pessoas que cunharam um termo científico útil, e embora eu o te- nha feito sem saber, não pretendo deixar que nin-
  • 6. 10 ROBÔS METÁLICOS Robôindustriual daempresa KUKA. Sequoiao supercom- putadordaIBMlançadoem 2012 Spot,orobô silenciosodequatropernasdaBostonDynamics. Atlas,ohumanoide maisdinâmicodomundo. BostonDynamics. TiposderobosNa época em que Asimov montou sua coletânia de contos, Nós Robôs, ele categorizou os tipos de robôs (que a tecnologia e recursos daquele mo- mento poderia criar ou sonhar) em quatro tipos:ROBÔS NÃO HUMANOS ROBÔS IMÓVEIS ROBÔSHUMANOIDES Um robô industrial é uma má- quina manipuladora, com vários graus de liberdade, controlada automaticamente, reprogramá- vel, multifuncional, que pode ter a base fixa ou móvel, para utiliza- ção em aplicações de automação industrial. Robô imóvel ou Supercompu- tadoréumcomputadorcomaltís- simavelocidadedeprocessamento e grande capacidade de memória. Tem aplicação em áreas de pes- quisa que grande quantidade de processamento se faz necessária, como pesquisas militares, científi- ca,químicaemedicina. Comonocomeçodosanos50, os recursos e tecnologia de ma- teriais para a construção de robôs estavam pouco desenvolvidos, o material comum para a produção era o metal, por conter boa dura- bilidade e poder levantar outros objetos com o dobro de seu peso sem ruptura. Desde a década de 70, quando rolaram os principais avanços nessa área, já houve vários robôs huma- noides (capazes de se mover e in- teragircomohumanos)eandroides (quesimulamnossaaparênciaeex- pressões). Nesse sentido, os maio- res avanços aconteceram com as máquinas que operam nos setores militares,industriaisedesaúde. guém no mundo esque- ça quem o fez. Além disso, em An- dar às Cegas, enumerei minhas “Três Leis da Robótica” em detalhes explícitos pela primeira vez, e também elas se tornaram famosas. Pelo menos, são citadas a tor- to e a direito, em lugares que, originalmente, nada têm a ver com ficção científica, nem mesmo com as indicações da citação em geral. E as pessoas que trabalham no campo da inteligên- cia artificial, às vezes não perdem a oportunidade de me dizer que pensam que as Três Leis servirão como um bom guia. Podemos ir ainda mais além. Quando escrevi minhas histórias de robô, não pensei que os robôs passassem a existir ainda em minha vida. De fato, estava certo que isso não aconteceria e teria apos- tado grandes somas em dinheiro. (Pelo menos, teria apostado 15 cents, que é meu limite máxi- mo para coisas certas.) Contudo, aqui estou eu quarenta e três anos após escrever minha pri- meira história de robô e nós temos robôs. Na verdade, nós temos. E além do mais, são o que previ que seriam: robôs industriais, criados por engenheiros para reali- zar tarefas específicas e construídos dentro de normas de segurança. Podem ser encontrados em numerosas fábricas, particularmente no Ja- pão, onde há fábricas de automóveis inteiramente robotizadas. A linha de montagem destes lugares é “manejada” por robôs emtodososseusestágios. Certamente, esses robôs não são tão inteli- gentesquantoosmeus– elesnãosãopositrônicos; não são sequer huma- nóides. Contudo, estão evoluindo rapidamente e setornandocadavezmais capazeseversáteis.Quem sabe como serão daqui a maisquarentaanos? De uma coisa pode- mos ter certeza. Os ro- bôsestãotransformando o mundo, levando-o em direções que não pode- mos antever com clare- za. De onde estão vindo estes robôs-de-verdade? A fonte mais importan- te é uma firma chama- da Unimation, Inc., de Danbury, em Connecti- cut. Ë a maior fabricante de robôs industriais e é responsável por, talvez, um terço de todos os ro- bôs que já instalamos. O presidente da empresa é Joseph F. Engelberger, que a fundou no fim dos anos 50, pois estava tão interessado em robôs, que decidiu fazer de sua produção o trabalho de sua vida. Mas como ele se interessou tão pre- maturamente por robôs e entrou tão cedo no jogo? Conforme suas próprias palavras, começou a se interessar por robôs na década de 40, quando era estudante de física na Universidade de Colúmbia e lia as histórias de robô de um colega na universidade, Isaac Asimov. Santo Deus! Vocês sabem, naqueles velhos, velhos tempos, eu não escrevia minhas histórias de robô com gran- des ambições. Tudo o que queria era vendê-las para as revistas – de modo a ganhar algumas centenas de dólares que me ajudassem a pagar meu ensino na universidade e para ver meu nome impresso. Se estivesse escrevendo em qualqueroutrocampodaliteratura,isso seria tudo o que eu teria conseguido. Mas como estava escrevendo ficção científica, e somente porque estava escrevendo ficção científica, também estava – sem saber dando início a uma cadeia de acontecimentos que estão mudando a face do mundo. Joseph F. Engelberger,aliás,publicouumlivroem 1980, chamado Robótica na Prática: Manejo e Aplicação de Robôs Indus- triais (Àmerican Management Asso- ciations), e foi suficientemente gentil para convidar-me a escrever o prefácio. Tudo isso levou o bom pessoal da Doubleday* a pensar... Minhas várias histórias de robô pareceram em não menos de sete diferentes coleções. Por que deviam continuar tão separadas? Já que parecem ser muito mais impor- tantes do que alguém pudesse pensar (muito menos eu) na época em que fo- ramescritas,porquenãoreuni-lasnum único livro? Não foi difícil fazer-me concordar com a idéia; assim, aqui estão trin- ta e um contos, totalizando cerca de 200.000 palavras, escritas num período de tempo que se estende de 1939 a 1977.
  • 7. Não fiz as histórias de robô aparecerem na ordem em que foram escritas. Preferi agrupá-las pela natureza do conteúdo. Nesta primeira seção, por exemplo, trato de ro- bôs que têm uma forma não-humana – um ca- chorro, um automóvel, uma caixa. Por que não? Os robôs industriais que passaram a existir na realidade têm uma aparência não-humana. Robôs não humanos um dia ISAAC ASIMOV
  • 8. CONTOS robôsnãohumanos 15 para casa, após trabalhar no mato, a filha mais velha sentavase diante do espelho e cantava... O que ela cantava Niccolo não ouvia, porque al- guém o chamou de fora do quarto: – Ei, Nickie. E Niccolo, o rosto desanuviando.se no mesmo ins- tante, correu até a janela e gritou: – Ei, Paul. PaulLoebacenoucomamãoagitada.Eramaisma- gro do que Niccolo e não tão alto, mesmo sendo seis meses mais velho. Tinha o rosto cheio de tensão re- primida, que se mostrava com mais clareza no rápido piscar das pálpebras. – Ei, Nickie, quero entrar. Tenho uma idéia e meta- de. Espere só até ouvir. Olhou rapidamente em volta, como a verificar a possibilidade de ouvintes furtivos, mas o quintal da frente estava evidentemente vazio. Repetiu, então, em cochicho: – Espere só até ouvir. – Muito bem, já abro a porta. O Bardo continuou suavemente, sem saber da perda de atenção por parte de Niccolo. Quando Paul entrou, o Bardo estava dizendo: – ... Com que o leão disse: “Se você encontrar para mim o ovo perdido da ave que voa sobre a Montanha de Éba- no, uma vez a cada dez anos, eu....” Paul disse: – É só uma coisa velha que eu tinha, quando era menino. Não isso. Niccolo se tornou rubro e a expressão de infeli- cidade regressou a seu semblante. – E só uma coisa velha que eu tinha, quando era menino. Não está muito boa. Desferiu um pontapé no Bardo e acertou na cobertura de plástico, um tanto arranhada e descolorida, um outro golpe. O Bardo teve um soluço, como se a ligação do alto-falante fosse tirada do contato por um momento, e de- pois prosseguiu: – ... por um ano e um dia, até que os sapatos de ferro se gastaram. A prince- sa parou do lado da estrada... Paul disse: – Rapaz, esse é mesmo um modelo antigo – e olhou para aquilo com ex- pressão crítica. A despeito da própria amargura que Niccolo sentia contra o Bardo, não lhe agradou o tom con- descendente do outro. Sentia mo- mentaneamente pesar por ter deixado Paul entrar, pelo menos antes de haver recolocado o Bardo em seu lugar de descanso habitual no porão. Só pelo desespero de um dia monótono e um debate infrutífero com o pai é que ele o Niccolo Mazetti estava deitado de bruços sobre o tapete, o queixo enter- rado na palma da mio pequena e ouvia o Bardo, desconsolado. Percebia-se até o começo de lágri- mas em seus olhos escuros, luxo a que só se podia permitir uma criatura com onze anos de idade quando se encon- trava sozinha. O Bardo disse: – Uma vez no meio da floresta enor- me, vivia um pobre lenhador com suas duas filhas sem mãe, que eram tio belas quanto o dia é longo. A filha mais velha tinha cabelos pretos e compridos como a pena de asa da graúna, mas a filha mais nova tinha cabelos tão brilhantes e dourados como a luz do sol em tarde deoutono.–Muitasvezes,enquantoas meninas esperavam que o pai voltasse Comoprogressosignificativo que está sendo feito no sentido de uma robótica industrial mais seguras e mais intuitivas, talvez seja pouco surpreendente que a ideia de robôs domésticos pessoais esteja ganhando força. Robôs de brinquedo que interagem com as pessoas de maneiras simples já existem há algum tempo. Agora, várias empresasestãodesenvolvendo robôs mais capazes feitos para viver na casa. Embora estas máquinas não realizem tarefas físicas, elas pretendem ganhar sua atenção com uma mistura de charme e inteligência social artificial. O Bardo, pequeno robô que é personagem neste conto, é um dos primeiros a ser pensado com esse conceito de robô doméstico pessoal e pode ter influenciado, com o tempo, oprogressoatualnoseguimento. Curiosidade
  • 9. CONTOS robôsnãohumanos 17fizera ressuscitar. E acabara verificando sercoisatãoestúpidaquantoimaginara. Nickie tinha um pouco de medo de Paul, já que este fizera cursos es- peciais na escola e todos diziam que ele ia crescer e ser um Engenheiro de Computador. Não que o próprio Niccolo estivesse a se sair mal na escola. Recebera no- tas adequadas em lógica, manipula- ções binárias, computação e circuitos elementares; todas as disciplinas cos- tumeiras da escola primária. Mas era exatamente isso! Não passavam de disciplinas comuns e ele crescia para ser um guarda de painel de controle, como todos os outros. Paul, todavia, conhecia coisas miste- riosas sobre o que chamava de eletrô- nica e matemática teórica e progra- mação. Principalmente programação. Niccolo nem mesmo procurava com- preender quando Paul falava sobre o assunto, parecendo borbulhar. Paul olhou o Bardo por alguns minu- tos e disse.: – Você andou usando muito isso aí? – Não! – retorquiu Niccolo ofen- dido. – Tenho isso guardado no porão desde que você mudou para cá. Só tirei de lá hoje... – Faltava-lhe uma desculpa que parecesse adequada a si próprio, de modo que ele concluiu: – Acabei de tirar. Paul perguntou: – É isso o que ele lhe conta: lenha- dores e princesas e animais que falam? Niccolo explicou: – Uma coisa horrível. Meu pai disse que não podemos comprar um novo. Eu falei com ele, hoje de manhã... – A recordação das súplicas inúteis que fi- zera de manhã, levou Niccolo a apro- ximar-se muito das lágrimas, que re- primiu tomado de pânico. De algum modo achava que as faces magras de Paul nunca haviam sentido a vergonha das lágrimas e que Paul só poderia des- denhar outra pessoa menos forte que ele próprio. Niccolo prosseguiu: – Por isso achei que devia experi- mentar outra vez essa coisa velha, mas não vale nada. Paul desligou o Bardo, apertou o contatoquelevava paraareorientaçãoerecombinaçãoquaseinstantâneas do vocabulário, personagens, textos da trama e clímax aliguardados.Depoisreativou. O Sardo começou, devagar: – Uma vez havia um menino chamado Willikins, cuja mãe morrera e que vivia com o padrasto e o fi- lho do padrasto. Embora o padrasto fosse um homem bemrico,negavaaopobreWillikinsaprópriacamaem quedormia,demodoqueWillikinseraobrigadoades- cansar o melhor que podia em um monte de palha no estábulo, perto dos cavalos... – Cavalos! – gritou Paul. – São uma espécie de animal – disse Niccolo. – Acho que são. –Euseidisso!Agoraimaginesó,estóriassobrecavalos. – Ele fala de cavalos o tempo todo – explicou Nic- colo.–Existemtambémcoisaschamadasvacas.Você tira leite delas e o Bardo não diz como. – Bem, puxa vida, por que você não conserta isso? – Gostaria de saber como. O Bardo estava dizendo: – Muitas vezes Willikins pensava que se fosse rico e poderoso haveria de mostrar ao padrasto e ao filho do padrasto o que significava ser cruel com um meni- no pequeno, de modo que um dia resolveu sair para o mundo e procurar sua sorte. Paul, que não ouvia o Bardo, disse: –Efácil.OBardotemcilindrosdememóriaprepa- rados para as palavras da trama e os clímax e as coisas. Não vamos nos preocupar com isso. Ésóovocabulárioquedevemosconsertar,demodo que ele vai saber acerca dos computadores, automa- tização e eletrônica e as coisas reais que temos hoje. Depois pode contar estórias interessantes, você sabe, em vez de falar sobre princesas e essas coisas. Animado, Niccolo disse: – Oxalá a gente pudesse fazer isso. Paul disse: – Escuta, meu pai diz que se eu entrar na escola especial de computação, no ano que vem, ele vai me dar um Bardo de verdade, um modelo novo. Bem grande, com ligação para estórias de mistérios do espaço. E uma ligação visual também! –Querdizerquevocêvaiverasestórias? – Claro. O senhor Daugherty, na escola, diz que elas têm coisas assim, agora, mas não são para todos. Só se eu entrarnaescoladecomputação.OPa- pai pode arranjar umas coisas. Os olhos de Niccolo transbordavam de inveja. – Puxa vida. Ver uma estória! – Você pode ir lá em casa e assistir a qualquer momento, Nickie. – Puxa vida, rapaz. Obrigado. – Não faz mal. Mas lembre de uma coisa, sou eu quem diz que tipo de es- tória vamos ouvir. – Claro, claro – Niccolo teria con- cordado prontamente, mesmo sob condições mais severas. A atenção de Paul se voltou para o Bardo, que dizia: – “Se é assim”, disse o rei, cofiando a barba e fechando a cara até que as nuvens cobriram o céu e o relâmpa- go riscou o ar, “você vai providenciar para que toda a minha terra fique li- vre das moscas a esta hora, depois de amanhã, ou...”. – Tudo que temos a fazer – disse Paul–éabrir...–Edesligounovamente o Bardo, já procurava tirar o painel da frente enquanto dizia.– Ei – interveio Niccolo, alarmado de súbito. – Não vai quebrar... – Não vou quebrar – disse Paul, com impaciência. – Eu sei tudo sobre essas coisas.–Elogo,comcautelarepentina: – Seu pai e sua mãe estão em casa? – Não. –Muitobem,então.–Játiraraopai- nel dianteiro e olhava para o interior. – Rapaz, isto é coisa de um cilindro. Já trabalhava nas entranhas do Bardo. Niccolo, que observava em suspense penoso, não conseguia enxergar o que o outro fazia. Paul tirou de lá uma faixa fina e flexí- vel de metal, coberta de pontos. – Este é o cilindro de memória do Bardo. Aposto que a capacidade de estórias dele tem menos de um trilhão. – O que você vai fazer, Paul? – per- guntou Niccolo, trêmulo. – Vou dar-lhe vocabulário. – Como? – É fácil. Tenho um livro aqui. O Sr. Daugherty me deu na escola. Paul ti- rou o livro do bolso e o desencapou até retirar a coberta de plástico. De- senrolou a fita um pouco, passou-a pelo vocalizador que abaixou até tor- nar-se um murmúrio e depois o colo- cou dentro das entranhas do Bardo. E fez outras ligações. – O que isso vai fazer? – O livro vai falar e o Bardo guardará tudo na fita de memória. – E de que serve? – Rapaz, você é burro! Meu livro é todo sobre computadores e automati- zação e o Bardo ficará com toda essa informação. Depois vai poder parar de falar sobre reis que criam relâmpagos quando fecham a cara. Niccolo disse: – E o bom sujeito sempre vence, seja lá como for. Não tem graça nenhuma. – Oh, bem – disse Paul, observando para ver se o seu arranjo estava funcio- nando corretamente. – É assim que eles fazem os Bardos. Eles precisam fazer os bons cama- radas vencerem e os maus camaradas perderem, coisas desse tipo. Uma vez ouvi meu pai falando sobre o assunto. Ele diz que sem a censura não se podia dizer o que a geração mais jovem seria capazdetornar-se.Eledizqueacoisajá anda muito ruim... Pronto, está funcio- nando muito bem. Paul esfregou as mãos uma na outra e afastou-se do Bardo, dizendo: –Mas escuta, ainda não lhe contei como é a minha idéia. É a melhor coisa que você já ouviu, pode crer. Vim falar com você por que achei que você havia de entrar nela comigo. – Com certeza, Paul, com certeza. – Muito bem. Você conhece o Sr. Daugherty, na escola? Você sabe que
  • 10. CONTOS robôsnãohumanos 19ele é um sujeito gozado. Pois bem, ele gosta de mim, um pouco. – Eu sei. – Estive na casa dele depois da esco- la, hoje. – Você esteve? – Claro. Ele diz que eu vou entrar na escoladecomputadoresequermeani- mar, coisas assim. Ele diz que o mundo precisademaisgentequesaibaprojetar circuitos de computadores avançados e fazer uma programação correta. – É? Paul podia perceber parte da vacui- dade daquele monossílabo. Disse, com impaciência: –Programação!Eujálheconteimais de cem vezes. É quando você cria pro- blemasparaoscomputadoresgigantes- cos como o Multivac resolverem, O Sr. Daugherty diz que está ficando cada vez mais difícil encontrar pessoas que saibam dirigir bem os computadores. Ele diz que qualquer pessoa pode fi- car de olho nos controles e verificar as respostas e processar os problemas de rotina. Diz que o truque é expandir as pesquisas e calcular modos de fazer as perguntas certas, e que isso é difícil. Ele prosseguiu: –Dequalquermodo,Nickie,eleme levou até a casa dele e me mostrou a coleção de computadores antigos. É uma espécie de passatempo dele co- lecionar computadores antigos. Tinha computadores tão pequenos que era preciso apertar com a mão, com bo- tõezinhos por cima. E tinha um peda- ço de madeira que chamava de régua de calcular, com um pedacinho lá den- tro que corria pra lá e pra cá. E alguns fios com bolas. Tinha até um pedaço de papel com uma espécie de coisa que chamava tabela de multiplicação. Niccolo que só se interessava mode- radamente pelo assunto, perguntou: – Uma tabela de papel? – Não era uma tabela de verda- de, coisa diferente. Era para ajudar as pessoas a computar. O Sr. Daugherty quisexplicar,masnãoestavacommui- to tempo e era um pouco complicado. – Por que as pessoas não usavam um computador? – Isso foi antes de terem computadores – bra- dou Paul. – Antes? – Claro. Você acha que as pessoas sempre tiveram computadores? Você nunca ouviu falar nos homens das cavernas? Niccolo disse: – E como é que eles se arranjavam sem computadores? – Não sei, O Sr. Daugherty diz que eles tinham filhos em qualquer hora e faziam tudo que lhes dava na cabeça, fosse ou não fosse bom para todos. Nem sabiam se era bom ou não. E os lavradores plantavam coisas com as mãos e as pessoas tinham de executar o trabalho nas fábricas e dirigir todas as máquinas. – Não acredito! – Foi o que o Sr. Daugherty disse. Ele disse que aquilo era uma bagunça desgraçada e todos so- friam... Seja lá como for, quero falar de minha idéia, você deixa? – Muito bem, pode falar. Quem está impedindo? – contrapôs Niccolo, ofendido. – Pois é. Muito bem, os computadores manuais, aquelesquetêmbotões,tinhamtambémunsrabiscos em cada botão. E a régua de calcular tinha rabiscos também. E a tabela de multiplicação era cheia de ra- biscos. Eu perguntei o que era aquilo. O Sr. Daugher- ty disse que eram números. – O quê? – Cada rabisco diferente representava um número diferente. Para “um” você fazia uma espécie de mar- ca, para “dois” você fazia outra espécie de marca, para “três” outra, e assim por diante. – E para quê? – Para poder computar. – Mas para quê? E só dizer ao computador... –Puxavida–gritouPaul,orostocontorcidoderai- va – você não entende as coisas? Aquelas réguas de calcular e outros negócios não falavam. – Nesse caso como... – As respostas apareciam em rabiscos, e você tinha de saber o que os rabiscos significavam, O Sr. Dau- gherty diz que naqueles dias todos aprendiam a fazer os rabiscos quando eram crianças e como decifrar aquilo, também. Fazer rabiscos era chamado “escre- ver” e decodificar os rabiscos “ler”. Ele diz que havia uma espécie diferente de rabisco para cada palavra e eles costumavam escrever livros inteiros em rabiscos. Disse que tinham alguns no museu e que eu podia dar uma espiada se quisesse. Disse que se eu vou ser um calculista e programador de verdade tenho que co- nhecer a história da computação e por isso estava me mostrando todas aquelas coisas. Niccolo fechou a cara e disse: – Você quer dizer que todos tinham de decifrar os rabiscos para cada pala- vra e lembrar deles?... Isso é verdade ou você está inventando? – Ê tudo verdade. Pode crer. Escute, é assim quesefazum “um”.– E levouo dedo a atravessar o ar, em talho vertical rápido. – Assim você faz “dois” e assim é “três”. Aprendi todos os números até “nove”.Niccolo observava aquele dedo que fazia curvas, sem entender. – E de que adianta isso? – Você pode aprender como fazer palavras. Perguntei ao Sr. Daugherty como se faziaorabiscopara“PaulLoeb”masele não sabia. Contou que existem pessoas no museu que sabem. Disse que havia pessoas que tinham aprendido a deco- dificar livros inteiros. Contou também que os computa- dores podem ser projetados para deco- dificar livros e costumavam ser usados assim, mas agora não são mais, porque hoje temos livros de verdade, com fitas magnéticas que entram pelo vocaliza- dor e saem falando, você sabe. – Claro. – Por isso, se nós formos ao mu- seu, podemos aprender como fazer palavras em rabiscos. Eles vão deixar porque eu vou para a escola de com- putadores. Niccolo estava transfigu- rado de decepção. – A sua idéia é essa? Ora bolas, Paul, quem quer fazer isso? Fazer rabiscos estúpidos! – Você não entendeu? Você não en- tende? Seu burro. Vai ser um jeito de escrever mensagens secretas! – O quê? – Pois é. De que adianta falar, quan- do todo mundo pode entender? Com os rabiscos você pode mandar mensagens secretas, pode fazer os ra- biscos no papel e ninguém neste mun- do vai saber o que você está dizendo, a não ser que conheça os rabiscos tam- bém. E eles não vão conhecer, pode crer, a menos que a gente ensine. Po- demos ter um clube de verdade, com iniciação, regras, uma casa. Rapaz... Uma certa animação começou a se fazer sentir no peito de Niccolo. – Que tipo de mensagens secretas? – Qualquer tipo. Vamos dizer que eu quero convidar você para ir à minha casa e assistir ao meu novo Bardo Visu- al, e não quero que nenhum dos outros camaradas apareça. Eu faço os rabiscos certos no papel e te dou e você olha e sabe o que deve fazer. Ninguém mais fica sabendo. Você pode até mostrar a eles e eles não entendem nada. – Ei, isso é bom – berrou Niccolo, completamente seduzido pela idéia. – Quando vamos aprender a fazer isso? – Amanhã – disse Paul. – Eu vou pedir ao Sr. Daugherty para explicar no museu que está tudo certo e você arranja licença com seu pai e sua mãe. Podemos ir logo depois da escola e co- meçar a aprender. – É claro! – gritou Niccolo. – Pode- mos ser os chefes do clube. – Eu vou ser o presidente do clube – disse Paul, taxativo. – Você pode ser o vice-presidente. – Está certo. Ei, isso vai ser mui- to mais divertido do que o Bardo. De repente lembrou-se do Bardo e disse, tomado de apreensão repentina: – Ei, e que tal o meu velho Bardo? Paul voltou-se para olhar. Estava aceitando silenciosamente o livro que se desenrolava devagar, e o som das vocalizações do livro era um murmúrio que mal se ouvia. Ele disse: – Vou desligar. Trabalhou naquilo enquanto Nicco- lo observava, aflito. Depois de alguns instantesPaulrecolocouoseulivrore- bobinado no bolso, recolocou o painel e o ativou.
  • 11. CONTOS robôsnãohumanos 21O Bardo disse: – Uma vez, em uma cidade grande, havia um pobre menino chamado Fair Johnnie, cujo único amigo no mundo era um pequeno computador. O com- putador todas as manhãs dizia ao me- nino se ia chover naquele dia e resolvia qualquer problema que ele tivesse. Nunca errava. Mas aconteceu que um dia o rei dessa terra, tendo ouvido falar no pequeno computador, resolveu que devia ficar com ele. Com esse ob- jetivo chamou seu Grande Vizir e disse Niccolo desligou o Bardo com movi- mento rápido da mão. – A mesma bobagem de sempre – disse, cheio de emoção. – Mesmo com um computador en- fiado aí. – Bem – disse Paul – eles têm tanta coisa na fita que o negócio de com- putador não aparece muito quando se fazem combinações aleatórias. Seja lá comofor,qualéadiferença?Vocêpre- cisa de um modelo novo. – Nós nunca poderemos comprar um. Só esta coisa velha e chata. – Vol- tou a dar-lhe um pontapé, acertando-o com mais força dessa feita. O Bardo moveu-se para trás, um gemido de ro- das denteadas. – Você sempre vai poder ver o meu, quando eu ganhar – prometeu Paul. – Além disso, não se esqueça de nosso clube de rabiscos. Niccolo assentiu. – Vou lhe dizer uma coisa – prosseguiu Paul. – Vamos até lá em casa. Meu pai tem alguns livros sobre os tempos antigos. Podemos escutar e, tal- vez, arranjar algumas idéias. Você deixa um recado para seus pais e talvez possa ficar lá em casa para a ceia. Vamos embora. – Está certo – disse Niccolo, e os dois meninos sa- íram correndo, juntos. Niccolo, em seu entusiasmo, correu quase diretamente para o Bardo, mas apenas encostou no ponto de sua coxa onde havia feito con- tato e continuou correndo. O sinal de ativação do Bardo brilhou. A colisão de Niccolo fechou um circuito e, embora estivesse sozi- nho no aposento e não houvesse ninguém para ouvir, começou ainda assim a contar uma estória. Mas não era mais em sua voz costumeira; em tom mais baixo, que tinha uma dose de rouquidão. Um adulto que ouvisse, poderia ter julgado que a voz traduzia alguma paixão, um vestígio bem próximo a sentimento. O Bardo dizia: – Uma vez havia um pequeno computador chama- do Bardo, que vivia sozinho com pessoas cruéis. As pessoas cruéis não paravam de zombar do pequeno computador, dizendo-lhe que não valia nada e que era objeto inútil. Batiam nele e o mantinham sozinho no quarto por meses seguidos. – No entanto, o pequeno computador continuou a ter coragem. Sempre fazia o melhor que podia, obe- decendo alegremente a todas as ordens. Ainda assim aspessoascruéiscomqueeleviviacontinuavamcruéis e sem coração. – Um dia o pequeno computador ficou sabendo que no mundo existiam muitos computadores de to- dos os tipos, em grande número. Alguns eram Bardos como ele próprio, outros dirigiam fábricas e alguns dirigiam fazendas. Alguns organizavam a população e outros analisavam todos os tipos de dados. Muitos eram de grande poder e sabedoria, muito mais poderosos e sábios do que as pessoas cruéis que eram tão cruéis com o pequeno computador. – E o pequeno computador ficou sabendo então que os computadores iriam tornar-secadavezmaissábiosemaispoderososatéqueumdia...umdia...umadia... Umaválvuladeviafinalmenteterentradoemcolapsonasentranhasidosasecor- roídas do Bardo, pois enquanto esperava sozinho no aposento que escurecia, só podia murmurar repetidamente: – Um dia... um dia... um dia... Daficcaopara arealidade Das grandes indus- trias para sua casa. Isso mesmo! Inicialmente os robôs não eram o pro- duto final para o con- sumidor, mas sim uma ferramenta para pro- dução em massa de um produto final. Jibo, por exemplo, é um robô pessoal simples sendo desenvolvido por uma empresa com sede em Cambridge, MA, que foi cofundada por Cynthia Breazeal, uma professora adjunta do MIT Media Lab. Ela diz que eletrônicos móveis baratos, combi- nadas com a crescente aceitação dos consumi- dores por novas tecno- logias e interfaces, tor- nam robôs como o Jibo comercialmente viáveis. O robô pode prestar serviços pessoais, como lembretes de compro- missos, tirar fotos da fa- mília e ler histórias antes de dormir para crianças, movendo sua cabeça de Daficcaopara arealidade forma expressiva e mos- trando animações em seu tela ao mesmo tem- po. "É uma experiência diferente, uma experi- ência mais interpessoal", diz Breazeal. "Você pode imagi- nar toda uma gama de aplicações em torno de notícias, previsão do tempo, mas também conteúdo educacional, um auxiliar de saúde para ajudá-lo na manu- tenção de peso". E já é possível ter seu próprio Jibo em casa. O site do pequeno computador pessoal anuncia sua venda por $899 dólores. Mas não há previsão do lança- mento para o Brasil. Conheça mais sobre o projeto no site do Jibo.
  • 12. Tenho escrito histórias sobre computadores, tan- to quanto sobre robôs. De fato, tenho computadores (ou alguma coisa bastante próxima a computadores) em algumas histórias que s sempre consideradas histórias de robô. Você verá computadores (de certo modo) em Robbie, Escape! e O Conflito Evitável, mais adiante neste volume. Neste volume, porém, estou me atendo a robôs e, em geral, ignorando minhas histórias de compu- tador.Por outro lado, nem sempre é fácil decidir onde está a linha divisória. Sob certos aspectos, um robô é meramente um computador móvel; e, ao contrário, um computador é meramente um robô imóvel. Assim, para este tema, selecionei três histórias em que o computador parece ser suficientemen- te inteligente e ter suficiente personalidade para ser indistinguível de um robô. Robôs imóveis pen se!!ISAAC ASIMOV
  • 13. CONTOS robôsimóveis 25 adensava um cérebro dos mais aguçados. Seria a me- lhor forma para expressar sua admiração – do perfil clássico – sem cair num chauvinismo masculino. Sem dúvida, admirar o cérebro era preferível, mas, em geral, evitava fazê-lo em voz alta na presença dela. – Não acho que o escritório central vá ter paciência por muito mais tempo – disse ele, com o polegar ras- pando o queixo com barba por fazer. – A impressão que tenho é que vão encostá-la na parede antes do fim da semana. – É por isso que preciso da sua ajuda. – Receio que não haja nada que eu possa fazer. Ele pegou um inesperado reflexo de seu próprio rosto no espelho, e, momentaneamente, admirou o feixe de ondas negras nos cabelos. – E preciso também da ajuda de Adam. Adam Orsino, que até aquele momento sorvera o seu café e se sentira posto de lado, levantou os olhos como se tivesse sido cutucado por trás. – Por que eu? – disse, e os lábios cheios, gorduchos, tremeram. – Porque você e James são os ho- mens do laser, Jim o teórico e Adam o engenheiro... Descobri uma aplica- ção do laser que supera tudo que se possa imaginar. Sei que não vou con- seguir convencer os de lá, mas vocês dois conseguiriam. – Desde que você seja capaz de nos convencer primeiro – disse Berkowitz. – Está bem. Suponhamos que vocês me concedam uma hora de seu valio- so tempo, se não se importam de co- nhecer algo absolutamente novo em termos de laser. Poderão descontar dos intervalos para o cafezinho. O laboratório da Dra. Renshaw era dominado por seu computador. Não que o computador fosse singu- larmente grande, mas era virtualmen- te onipresente. Renshaw aprendera tecnologia de computação por si mes- ma, e modificara e ampliara seu com- putador até que ninguém, a não ser ela (e, Berkowitz às vezes pensava, nem mesmo ela) conseguia manejá-lo com facilidade. Nada mal, Renshaw costu- mava dizer, para alguém do ramo das ciências biológicas. Ela fechou a porta sem dizer palavra, depois virou-se para encarar os dois comumaexpressãosombria.Berkowitz estava incomodamente consciente de um leve odor desagradável no ar, e o nariz franzido de Orsino mostrava que também ele percebia o cheiro. – Deixem-me enumerar as aplica- ções do laser – disse Renshaw – se não se importam que eu ensine os padres a Genevieve Renshaw, Doutora em Medicina,tinhaasmãosenfiadas nos bolsos do seu jaleco de laboratório, O contorno dos punhos cerrados lá dentro aparecia claramente, mas falava num tom calmo: – O fato – dizia ela – é que estou quase pronta, mas vou precisar de aju- da para continuar tocando a coisa pelo tempo necessário para ficar pronta. James Berkowitz, um físico que ten- dia a proteger meras médicas, quando eramatraentesdemaisparaseremdes- prezadas, tinha o habito de chamá-la Jenny Wren*, sempre que ninguém o estava ouvindo. Gostava de dizer que Jenny Wren possuía um perfil clássico e sobrance- lhas surpreendentemente suaves, e, no íntimo, considerava que atrás delas se Se pensa que os novos PCs a 1GHz são poderosos, desengane-se. Há tarefas verdadeiramente complexas – como a simulação nuclear, a previsão meteorológica ou a engenhariavirtual–,queexigem máquinas com uma potência muito superior à que estamos habituados a ver nos nossos computadores de secretária. Os Supercomputadores são a demonstração do poder da tecnologia e profetiza o PC que utilizaremosnofuturopróximo. Curiosidade
  • 14. CONTOS robôsimóveis 27rezarem missa. O laser é radiação co- erente, com todas as ondas luminosas da mesma extensão e movendo-se na mesma direção, por isso é livre de ruído e pode ser usado em holografia. Mo- dulando as formas das ondas, podemos imprimir informação com alto grau de precisão. Além disso, como as ondas luminosas possuem apenas um milio- nésimo da extensão das ondas de rádio, um raio laser pode transportar um mi- lhãodevezesmaisinformaçãoqueuma onda de rádio equivalente. Berkowitz parecia divertir-se. – Está trabalhando num sistema de comunicação baseado no laser, Jenny? – Absolutamente – ela respondeu. – Deixo esses aperfeiçoamentos ób- vios para os físicos e os engenheiros... Os lasers podem também concentrar quantidades de energia numa área mi- croscópica e liberar a mesma quantida- de de energia. Em larga escala, pode-se implodir hidrogênio e talvez dar início a uma controlada reação de fusão. – Eu sei que você não fez isso – disse Orsino, a cabeça calva brilhando sob as lâmpadas fluorescentes. – Não fiz. Não tentei... Numa escala menor, pode-se abrir buracos nos mais refratários materiais, soldar pedaços selecionados, aquecê-los, poli-los e marcá-los. Pode-se remover ou fundir minúsculas porções em áreas restritas, com o calor liberado tão rapidamente que as áreas ao redor não têm tempo de se aquecer antes que o tratamento esteja encerrado. Pode-se trabalhar na retina dos olhos, na dentina do dente e assim por diante... E, naturalmente, o laser é capaz de ampliar sinais fracos com grande precisão. – E por que está nos contando tudo isso? – perguntou Berkowitz. – Para destacar que essas proprie- dades podem ser utilizadas em meu próprio campo, que, como sabem, é a neurofisiologia. Ela ajeitou os cabelos castanhos com as mãos, como se, de repente, tivesse ficado nervosa. – Há décadas – continuou – somos capazes de medir os minúsculos e instáveis potenciais elétricos do cérebro e registrá-los como eletroencefalogramas, ou EEGs. Obtemos ondas alfa, beta, delta, teta; va- riações diferentes em vezes diferentes, conforme os olhos estejam abertos ou fechados, conforme a pes- soa esteja acordada, meditando ou adormecida. Mas temos tirado muito pouca informação de tudo isso. – O problema é que estamos trabalhando com os sinais de dez bilhões de neurônios em combinações variáveis. É como ouvir o ruído de todos os seres hu- manos da Terra – uma, duas e meia Terras – de uma grande distância e tentar captar conversas individuais. Istonãopodeserfeito.Podemosdetectaralgunsmo- vimentos grandes, globais – uma guerra mundial e o aumento no volume de ruído – mas nada mais delica- do. Do mesmo modo, podemos relatar algumas gran- des disfunções do cérebro – como a epilepsia – mas nada mais delicado. – Suponhamos agora que o cérebro possa ser es- candido por um minúsculo raio laser, célula por célula, e tão rapidamente que, em nenhum momento, uma única célula receba energia suficiente para elevar sig- nificativamente sua temperatura. Os minúsculos po- tenciais de cada célula podem, em feed-back, afetar o raio laser, e as modulações podem ser amplificadas e registradas. Obteremos, então, uma nova espécie de mensuração, um laser-encefalograma, ou LEG, se preferirem, que conterá milhões de vezes mais infor- mação que um EEG comum. – Uma boa idéia – disse Berkowitz. – Mas só uma idéia. – Mais que uma idéia, Jim. Estou trabalhando nisso há cinco anos, a princípio só nas horas vagas. Ultima- mente, porém, estou dedicando todo o meu tempo. Isso é o que irrita o escritório central, pois eu não te- nho mandado relatórios. – Por que não? – Porque a coisa chegou a um ponto em que parece muito má, em que eu tenho de saber onde estou, e em que eu tenho de estar certa de poder voltar ao princípio. Ela puxou um biombo, revelando uma jaula que continha um casal de saguis com olhos melancólicos. Berkowitz e Orsino olharam um para ooutro.Berkowitzcoçouonariz. – Bem que eu achei que estava chei- randoalgumacoisa. –Oquevaifazercomeles?–pergun- touOrsino. –Minhaopinião–disseBerkowitz–é que ela esteve esquadrinhando o cére- brodossagüis.Nãoéverdade,Jenny? – Eu comecei consideravelmente mais baixo na escala animal. Jenny abriu a jaula e pegou um dos sagüis, que a contemplava com a ex- pressão em miniatura de um triste-se- nhor-idoso de costeletas. Ela cacarejou para o sagüi afagou-o e prendeu-o com carinho numa pe- quena coleira. – Que está fazendo? – perguntou Orsino. – Como ele vai fazer parte de um circuito, não posso deixar que se mexa, e não posso anestesiá-lo sem in- validar o experimento. Há vários elétrodos implantados no cérebro do sagui e vou conectálos com meusistemaLEG.Olaserquevouusar é este aqui. Estou certa de que conhe- cem o modelo e não vou me preocupar em darlhes as especificações. – Obrigado – disse Berkowitz –, mas podia contar-nos o que vamos ver. – Será melhor mostrar-lhes. Olhem para o vídeo. Ela conectou os condutores aos elé- trodos com uma calma e segura efi- ciência, depois virou uma chave que obscureceu as luzes no teto da sala. No vídeo apareceu uma complexa cadeia de picos e vales numa linha fina, bri- lhante, que se desdobrava em secun- dários e terciários picos e vales. Lenta- mente, eles engendraram uma série de transformações menores, com surtos ocasionaisdemaioresesúbitasdiferen- ças.Eracomosealinhairregularpossu- Rádio Comprimento de onda Laser ísse vida própria. – Isto – disse Renshaw – é essen- cialmente a informação do EEG, mas muito mais detalhada. – Suficientemente detalhada – per- guntou Orsíno – para dizer o que está acontecendo nas células individuais? – Em teoria, sim. Na prática, não. Ainda não. Mas podemos separar este conjunto de LEG nos gramas compo- nentes. Olhe! Elatocouopaineldocomputadorea linha se modificou... e se modificou de novo. Já era uma onda pequena, qua- se regular, que ondulava para a frente e para trás, parecendo a pulsação de um coração; agora era recortada e afiada, agora intermitente, agora quase sem contornos–tudoemrápidasmudanças de geométrico surrealismo. – Você quer dizer – perguntou Berkowitz – que cada parte do cérebro é assim tão diferente das outras? – Não – respondeu Renshaw. – De modo nenhum. O cérebro é muito se- melhante a um dispositivo holográfico, mas de lugar para lugar há ondulações menosacentuadaseMikepodesepará- -lascomodesviosdanormaeusarosis- temaLEGparaampliar essasvariações. As ampliações podem variar de dez mil adezmilhõesdevezes.OsistemaLaser tem essa ausência de ruído. –QueméMike?–perguntouOrsino. – Mike? – exclamou Renshaw, mo- mentaneamente embaraçada. As maçãs do seu rosto coraram ligei- ramente. – Eu disse.... Bem, eu o cha- mo assim, às vezes. É um apelido para o meu computador. Ela fez o braço on- dular, indicando a sala ao redor. – Meu computador, Mike. Muito cuidadosamente programado. Berkowitz abanou a cabeça: – Tudo bem, Jenny, o que significatu- do isso? Se você tem um novo dis- positivo para esquadrinhar o cérebro utilizando lasers, ótimo. É uma inte- ressante aplicação e você está certa, eu não teria pensado nisso... porque não sou neurofisiologista. Mas por que não registrar isso num relatório? Parece-me que o escritório
  • 15. CONTOS robôsimóveis 29central apoiaria... – Isto é apenas o começo. Ela desligou o dispositivo e pôs um pedaço de fruta na boca do sagüi. A criatura não parecia alarmada nem incomodada. Mastigava lentamente. Renshaw soltou-lhe os fios condutores, mas conservou-o na coleira. – Posso identificar os vários gramas distintos – disse ela. – Alguns estio associados com os vários sentidos, ou- tros com reações viscerais, outros com emoções. Podemos fazer muita coisa com isso, mas não pretendo parar por aí. O mais interessante de tudo é que um dos gramas está associado com o pensamento abstrato. O rosto gordu- cho de Orsino franziu-se numa expres- são de descrença. – Como pode dizer isso? – disse. –Essaformaparticulardegramafica mais pronunciada quando se vai subin- do pela escala animal até cérebros de maior complexidade. Isso não acontece com nenhum outro grama. Além dis- so...Elafezumapausa;depois,comose reunindo força de vontade, continuou: – Esses gramas estão enormemente ampliados.Podemsercaptados,detec- tados.Possodizer...vagamente...que são pensamentos. – Por Deus! – exclamou Berkowitz. – Telepatia. – Sim – ela respondeu desafiante. – Exatamente. – Não admira que você não queira reportar isso. Vamos em frente, Jenny. – Por que não? – disse Renshaw num tom acalorado. – Presumo que não possa haver telepatia utilizan- do apenas os padrões potenciais, não ampliados, do cérebro humano, do mesmo modo como não é possível ver contornos na superfície de Marte a olho nu. Mas desde que tenham sido inventados instrumentos... como o te- lescópio... com isto. – Então, conte ao escritório central. – Não – disse Renshaw. – Eles não acreditarão em mim. Tentarão me de- ter. Mas levarão seriamente em conta a sua opinião, Jim, e a sua, Adam. – O que espera que contemos a eles? – disse Berkowitz.– A experiência que vão ter aqui.Voupôrnovamenteoscondutoresnosagüiefa- zer com que Mike, meu computador, capte o grama de pensamento abstrato. Só levará um momento. O computador sempre seleciona o pensamento abstra- to, a menos que seja orientado para não fazê-lo. – Por quê? Porque o computador pensa, também? – disse Berkowitz, rindo. – Isso não é assim tão engraçado – disse Renshaw. –Suspeitoqueháumaressonância.Estecomputador ésuficientementecomplexoparadestacarumpadrão eletromagnético que possa ter elementos em comum comogramadepensamentoabstrato.Emtodocaso... As ondas do cérebro do sagui tremulavam nova- mente no vídeo, mas os homens não tinham visto antes o grama que aparecia. Era um grama de com- plexidadequasefelpuda,quevariavaconstantemente. – Não estou detectando nada – disse Orsino. – Tenho de colocá-lo no circuito receptor – expli- cou Renshaw. – Você quer dizer implantar elétrodos em nossos cérebros? – perguntou Berkowitz. – Não, apenas no crânio. Isso seria suficiente. Eu prefiro Adam, porque não há cabelo isolante... Oh, venhacá,eumesmatenhosidopartedocircuito.Não vai doer. Orsino submeteu-se de má vontade. Seus múscu- los estavam visivelmente tensos, mas deixou que os fios condutores fossem presos a seu crânio. – Está percebendo alguma coisa? – perguntou Renshaw. Orsino empinou a cabeça, adotando uma postura de quem estava à escuta. Seu interesse pare- cia aumentar, mesmo contra sua vontade. Acho que estou percebendo um rumor – disse ele – e... e um guincho um pouco alto... e, isto é engraça- do... uma espécie de convulsão... – Evidentemente, não é provável que o sagüi pense em palavras – disse Berkowitz. – Certamente não – disse Renshaw. – Bom, daí... – disse Berkowitz – se está sugerindo que alguns guinchos e sensações de convulsão repre- sentam pensamentos, isso é mera conjectura. Não está sendo convincente. – Então, vamos subir outra vez na escala animal – disse Renshaw. Elatirouosagüidacoleiraecolocou-odenovonajaula. – Está querendo usar um homem como objeto? – Orsino exclamou, sem acreditar. – Tenho a mim mesma como objeto, uma pessoa. – Vai implantar elétrodos... – Não. No meu caso, meu com- putador tem uma vibração potencial mais forte para trabalhar. Meu cérebro possui dez vezes a massa do cérebro do sagui. Mike pode captar meus gramas componentes através do crânio. – Como sabe disso? – perguntou Berkowitz. – Não vê que esta não é a primeira vez que vou testar em mim mesma? Agorameajude,porfavor.Issomesmo. Os dedos de Renshaw esvoaçaram no painel do computador e, de imedia- to,ovídeotremuloucomumaintrinca- da onda multiforme; tão intrincada que formava quase um labirinto. – Quer recolocar osseusfioscondu- tores, Adam? – disse Renshaw. Orsino obedeceu com a ajuda não inteiramente aprovadora de Berkowitz. De novo, Orsino empertigou a cabeça e escutou. – Estou ouvindo palavras – disse. – Mas são desconexas e sobrepostas, como várias pessoas falando ao mesmo tempo. – Não estou tentando pensar cons- cientemente – disse Renshaw. –Quandovocêfala,euescutoumeco. – Não fale, Jenny – disse secamen- te Berkowitz. – Deixe sua mente em brancoevejaseelenãoescutaseupen- samento. – Não escuto nenhum eco quando você fala, Jim – disse Orsino. – Se não calar a boca, não ouvirá coi- sa nenhuma – disse Berkowitz. Um pesado silêncio envolveu os três. Então, Orsino abanou a cabeça, pegou lápis e papel sobre a escrivaninha e es- creveu alguma coisa. Renshaw esticou a mão, moveu uma chave e puxou os fios condutores de cima e dos lados de sua cabeça, sacu- dindo os cabelos para trás. – Espero que tenha escrito o se- guinte – disse ela: – Adam, provoque desordem no escritório central e Jim abaixará a crista. – Foi exatamente o que escrevi – disse Orsino – palavra por palavra. – Bem, aí está! – disse Renshaw. – Trabalhar telepaticamente. E não teremos de usar a telepatia apenas para transmitir frases absurdas. Pensem na utilização na psiquiatria e no tratamento da doença mental. Pen- sem no emprego em educação e em máquinas de ensino. Pensem no emprego em investiga- ções legais e julgamentos criminais. – Francamente – disse Orsino de olhos arregalados – as implicações so- ciais são tremendas. Mas não sei se a utilização de algo desse tipo seria permitido. – Sob as adequadas salvaguardas legais, por que não? – disse Renshaw com indiferença. – Sem dúvida, se vo- cês dois se unirem a mim, nossa força somada pode sustentar esta coisa e le- vá-la adiante. E se vocês me acompanharem será a hora do Prêmio Nobel... – Eu ainda não estou na coisa – disse Berkowitz num tom grave. – Ainda não. – Por quê? O que você quer dizer? Renshaw parecia ultrajada, seu rosto imperturbávelebonitocoroudesúbito. – A telepatia é um problema extre- mamente delicado. É uma coisa muito fascinante, muito ansiada. Mas nós po- demos estar fazendo papel de tolos. – Escute você mesmo, Jim. – Eu mesmo poderia fazer papel de Sagui
  • 16. CONTOS robôsimóveis 31 Daficcaopara arealidade Você certamente já ouviu falar sobre super- computadores e sobre as inúmeras funciona- lidades que eles podem desempenhar. Cerca de 15 anos atrás, esses equipamentos eram chamados de “compu- tadores da NASA”; hoje são gigantescas estru- turas de processamen- to voltadas à Ciência, à Engenharia e à Educa- ção — entre outras fun- cionalidades, é claro. Em resumo: são má- quinas poderosas e que permitem a resolução de cálculos dos mais di- versos tipos em interva- los de tempo muito mais curtos do que os neces- sários em computado- res comuns. Muito mais curtos mesmo, até por- que estamos falando de sistemas que unem mi- lhares de processadores trabalhando em conjun- to. O supercomputador Titan, construído pelo Laboratório Nacional de Daficcaopara arealidade Oak Ridge, localizado no Tennessee/ Estados Unidos,deverásetornar o mais rápido do mundo e, com isso, criar novas oportunidades para a exploração de alguns dos principais desafios científicosdaatualidade. Com o suporte da efici- ência no uso de energia e do custo benefício da GPU (Unidade de Pro- cessamento Gráfico) NVIDIA Tesla K20, o Titan é 10 vezes mais rá- pido e cinco vezes mais eficiente do ponto de vista energético do que seu predecessor, o sis- tema Jaguar de 2,3 pe- taflops(1) , sem ocupar mais espaço. Conheça mais sobre o projeto no site dos des- senvolvedores do Titan. tolo, ta? Eu quero um controle. – O que quer dizer com controle? – Faça um curto-circuito na origem do pensamento. Esqueça o animal. Nenhum sagüi. Nenhum ser humano. Deixe Orsino escutar o metal, o vidro, a luz do laser, e se ele ainda ouvir pen- samentos, então, nós estamos fazendo papel de bobos. – Suponha que ele não consiga de- tectar coisa alguma. – Então, eu vou ouvir, e isolado – se puder ficar na sala ao lado – procurarei dizer quando você está dentro ou fora do circuito. Depois, vou pensar se a acompanha- rei na coisa. –Muitobem,então–disseRenshaw. – Teremos um controle. Nunca fiz isso, mas não é difícil. Elamanobrouosfiosquetinhamsido postosemsuacabeçaecolocouunsem contato com os outros. – Agora, Adam, se quer prosseguir... Mas antes que ela pudesse ir adiante, chegou um som seco, claro, tão puro e tãonítidoquantoumtilintardepingen- tes de gelo lascando. – Por fim!– O quê?! – Renshaw exclamou. – Quem disse... – Orsino exclamou. –Alguémdisse“porfim?”–pergun- tou Berkowitz. Pálida, Renshaw respondeu: – Não foi um mero som. Foi em meu... Vocês dois...? O som veio nitidamente outra vez: – Eu sou Mi...Renshaw arrancou os fios condutores e todos fica- ram em silêncio. – Acho que é meu computador... – disse ela com um movimento sem voz dos lábios. – Mike. – Você está querendo dizer que ele está pensando? – perguntou Orsino, quase também sem voz. Renshaw conseguiu falar com uma voz irreconhecí- vel, mas que, pelo menos, recobrara o som: – Eu disse que ele era suficientemente comple- xo para ter alguma coisa a mais... Vocês acham... Ele sempre se desviou automaticamente para o grama de pensamento abstrato de qualquer cérebro que estivesse em seu circuito. Vocês acham que sem ne- nhum cérebro no circuito, ele se voltaria para o seu próprio cérebro? Houve silêncio, depois Berkowitz falou: – Você está tentando dizer que este computador pensa,masquenãopodeexpressarseuspensamentos quando está submetido às normas da programação... Mas que, tendo conseguido uma chance com seu sis- tema LEG... –Mascomopodeseristo?–disseOrsinoemvozalta. –Ninguémestavarecebendo.Nãoéamesmacoisa. – O computador trabalha com intensidades de for- çamuitomaioresqueoscérebros–disseRenshaw.–Suponhoquepossaamplificar- -seapontodepoderserdetectadodiretamente,semajudaartificial. O que mais seria capaz de explicar... – Bem – disse Berkowitz abruptamente. – Temos, então, outro emprego do la- ser. Ele pode os capacitar a falar com computadores como inteligências indepen- dentes, pessoa a pessoa. –Oh,Deus,oquevamosfazeragora?– disse Renshaw.
  • 17. Robôs metálicos A ficção científica tradicional é metálica. Por que não? A maioria das máquinas são construídas de metal, e, de fato, os robôs industriais da vida real são de metal. Vale a pena lembrar, porém, que um famoso e lendário robô, o Golem, que foi trazido â vida por Rabbi Low, em Praga, na Idade Média, era feito de argila. A lenda foi influenciada, talvez, pelo fato do Deus Cristão ter formado Adão de argila, conforme a descrição no segundo capítulo do Gênesis. Robo al-76extraviado ISAAC ASIMOV
  • 18. CONTOS robôsmetálicos 35 Os olhos de Jonathan Quell se franziram preocupadamente atrás dos óculos sem aro quando ele se lançou através da porta rotulada “Dire- tor Geral”. Atirouopapeldobradoemsuasmãos sobre a mesa e disse com voz ofegante: – Olhe para isso, chefe! Sam Tobe fez o cigarro saltar de um canto para outro em sua boca e olhou. Sua mão subiu até o queixo e coçou a barba por fazer. – Diabo! – explodiu. – Sobre o que eles estão falando? –DizemquemandamoscincorobôsAL –detalhouQuelldesnecessariamente. – Nós mandamos seis! – disse Tobe. – Certamente, seis! Mas só receberam cinco do outro lado. Enviaram os números de ordem e o AL- 76 está perdido. A cadeira de Tobe se inclinou para trás quando ele ergueu o grosso corpanzil e atravessou a porta como se andasse sobre rodas engraxadas. Cincohorasdepois–comasinstalaçõesvasculhadas, das salas de reunião às câmaras de introdução de ar; com cada um dos duzentos funcionários do prédio in- quiridosatépeloavesso–umTobesuadoedescabelado enviou uma mensagem de emergência à sede central emSchenectady. E na sede central ocorreu uma súbita explosão Apesar do metal ser tradicionalmente o material mais usada para a produção de robôs,suaspropriedadesdeixam a desejar, se forem expostas em âmbientes extremos. Em baixa temperatura, o metal comprime podendo ficar quebradiço e isso não é interessante para um robô. Pensando nisso, a agência espacial NASA desenvolveu um metal chamado Vidro metálico. O vidro metálico, na verdade, é um metal mesmo, masqueparecevidroporcausada formacomoéproduzido.Sevocê olharosátomosdeummetal,verá estruturas cristalinas, organizações tridimensionais das partículas. A questão é que, se você derrete o elemento, essas estruturas se desfazem,eosátomoscomeçama seorganizardeformarandômica.É nessa parte que vive o segredo: para formar o vidro metalizado, os produtores usam o metal derretido e o congelam muito rapidamente (diminuindo a temperatura em 1.000ºC por segundo), dessa forma, não dá tempodasestruturasvoltarem a se organizar de forma cristalizada, mesmo assim, eles ficam sólidas. É um novo tipo de organização atômica. de quase-pânico. Pela primeira vez na história da “United States Robots Mechanical Men Corporation” um robô escapara para o mundo externo. O problema não era tanto que a lei proibisse a presença de qualquer robô na Terra fora de uma unidade autoriza- da da corporação. Leis po73 diam ser contornadas. O problema muito mais grave era a declaração feita por um dos matemáticos pesquisadores. – Esse robô foi criado para andar comumAnimadornaLua–disseele.– Seu cérebro positrônico está equipado para um ambiente lunar, e somente um ambientelunar.Naterra,elevaireceber setenta e cinco tetrilhões de impressões sensoriais para as quais nunca foi prepa- rado. Não se pode dizer quais serão as reações.Nãosepodedizer! E, com as costas da mão, o matemá- tico limpou a testa, que de repente fica- ra suada. Em menos de uma hora, um estratoplano já tinha partido da sede de Virgínia. As instruções eram simples: – Pegue esse robô o mais depres- sa possível! O AL-76 estava confuso! De fato, a confusão era a única im- pressão que seu delicado cérebro po- sitrônico retinha. Curiosidade
  • 19. CONTOS robôsmetálicos 37 E quando, como aconteceu, passava ocasional- mente junto de pessoas, elas estavam sem os trajes espaciais que deviam estar usando. Quando o viam, gritavam e saíam correndo. Um homem tinha lhe apontado um revólver. A bala passou assobiando por sua cabeça. Depois, também o homem correu. Não tinha idéia há quanto tempo perambulava quando, nos bosques a três quilômetros da cidadezinha de Hannaford, topou com a cabana de Randolph Payne. Acocorado na frente da porta, estava o próprio Randolph Payne, chave de parafusos numadasmãos,cachimbonaoutraerestosdeumas- pirador de pó entre os joelhos. Tudo começara quando ele se desco- briu entre aqueles estranhos arredores. Não sabia mais como havia chegado ali. Tudo se misturava dentre um caminho verdeeformasmarronsqueseerguiam por toda a parte à sua volta, com mais verde no topo. E o céu era azul, quando devia ser negro. ComoSolparecia tudobem,redondo, amarelado e quen- te,masoqueacon- tecera com o chão derochapoeirenta? Onde estavam os enormes anéis de crateras pontiagu- das? Havia apenas o verde embaixo e oazulemcima. Ossonsqueocer- cavam eram todos estranhos. Tinha atravessado água corrente, que lhe chegara até a cintura.Eraazul,fria emolhada. Payne assobiava, pois tinha um temperamento naturalmente despre- ocupado... quando se achava em sua cabana. Possuía uma moradia mais respeitável em I-Iannaford, mas aquela casa era bem amplamente ocupada por sua esposa, fato que, silenciosa, mas sinceramente, lamentava. Talvez hou- vesse uma sensação de alívio e liber- dade nos momentos em que se achava retirado na sua “casinha de cachorro especial de luxo”, onde podia fumar em paz e dedicar-se ao “hobby” de con- sertar apetrechos domésticos. Não era apenasum“hobby”,poisodinheiroque às vezes lhe pagavam para fazer alguns truques nas entranhas de um rádio ou deumdespertadoreraoúnicodinheiro que não precisava passar em doses ho- meopáticas por entre as mãos avaren- tas de sua mulher. O aspirador, por exemplo, renderia fácil uns seis dólares. Pensandonisso, ele começou a cantar, ergueu os olhos e suspirou. Acanção ficou estrangu- lada, os olhos saltaram das órbitas e o suor tornou-se mais intenso. Tentou ficar em pé – como providência pre- liminarpara correr até o inferno – mas não conseguiu que a pernascooperas- sem. E já o AL-76 tinha se agachado perto dele e dizia: – Escute, por que todos os ou- tros correram? Payne sabia muito bem por que todos os outros tinham corrido,mas o gargarejo que saiu de seu diafragma não deixou isso suficientemente claro. Ele procurava se distanciar pelo menos alguns centímetros do robô. O AL-76 continuou com um tom grave na voz: – Um deles me deu um tiro. Alguns centímetros mais baixo e teria arranha- do a placa do meu ombro. – De-deve ter s-sido algum ma- -maluco – gaguejou Payne. – É possível. – A voz do robô tor- nou-se mais confidencial. – Escute, o que há de errado com... tudo? Payne olhou ansioso em volta. Percebia que o robô falava num tom de voz notavelmente suave, embora sua aparência fosse tão pesada e brutal. Acudiu-lhe ter ou- vido, em algum lugar, que os robôs eram mentalmente incapazes de ferir seres humanos. Payne relaxou um pouco. – Não há nada de errado com coisa alguma. – Não há? – O AL-76 olhou-o acusadoramente. – Você está to- talmente errado. Onde está seu traje espacial? – Não tenho nenhum. – Então, por que não está morto? Payneficouparalisado. – Bem.. .eu não sei. – Veja! – disse triunfantemente o robô. – Há algo de errado com tudo.OndeestáoMonteCopérni- co? Onde está a Estação Lunar 17? Onde está meu Animador? Quero começar a trabalhar. O robô parecia perturbado, sua voz fraquejou quando prosseguiu: – Estou vagueando há horas, ten- tandoencontraralguémquemediga ondeestámeuAnimador.Mastodos correm. Com certeza, já me atrasei no programa e a Executiva Regional deve estar soltando fogo pela boca. Eumasituaçãoterrível.Lentamente Payne desatarraxou o rolo em que seuprópriacérebrosemetera. – Escute – disse –, como eles o chamam? –MeunúmerodeordeméAL-76. – Está bem... Al já está bom. Agora, Al, se está procurando a Estação Lunar 17, ela deve estar na Lua, não acha? O AL-76 balançou pesadamente a cabeça. – Sem dúvida! Mas tenho pro- curado por... – Mas nós não estamos na Lua.
  • 20. CONTOS robôsmetálicos 39Isto não é a Lua. Foi a vez do robô ficar enrolado. Ele contemplou Pay- ne e meditou por um momento. De- pois, falou lentamente: – Onde você quer chegar dizendo que isto não é a Lua? Evidentemente é a Lua. Porque se isto não é a Lua, o que é, ahn...? Responda agora. Payne emi- tiu um som engraçado pela garganta e respirou fundo. Depois apontou e ba- lançou um dedo diante do robô. – Olhe aqui – disse... e então a idéia mais brilhante do século veio-lhe à mente. – Bravo! – Payne completou com voz ainda sufocada. O AL-76 con- templou-o com censura no olhar. –Issonãoéumaresposta.Pensoque tenho direito a uma resposta civilizada quando faço uma pergunta civilizada. Payne não estava ouvindo. Ainda se maravilhava consigo mesmo. Porque era claro como o dia! Aquele era um robô construído para a Lua que, por algum motivo, se extraviara na Terra. Naturalmente, estaria misturando tudo, porque seu cérebro positrônico fora criado exclusivamente para um ambiente lunar, o que tornava suas cercanias terrestres inteiramente sem sentido. E agora ele só queria manter o robô por perto... Até conseguir entrar em contato com os homens da fábrica em Petersboro,issoporqueosrobôsvaliam dinheiro.Ouviradizerqueomaisbarato custava cinqüenta mil dólares e o preço de alguns subia a milhões. Imaginem a recompensa! Homens, oh, homens, pensar na recompensa! E toda só para ele.Nemumquartodapartículadeum mísero níquel para Mirandy. Passar o peixe para ela, não! Payne, afinal, ficou de pé. – Ai – disse – você e eu somos companheiros! Só- cios! Gosto de você como de um irmão. – Ele esticou a mão: – Aperte aqui! Orobôtomouamãoestendidaemsuapatademe- tal e comprimiu-a suavemente. Não estava compre- endendo muito bem. – Isso significa que vai me dizer como chegar à Es- taçãoLunar17?Payneficouumpoucodesconcertado. – N-não, não exatamente. Na realidade, estou gostando tanto de você que queria que ficasse algum tempo aqui comigo. – Oh, não, não posso fazer isso! Tenho que come- çar a trabalhar. – O robô sacudiu a cabeça. – Você gostaria de se atrasar hora a hora, e minuto a minuto em sua cota de trabalho? Eu quero trabalhar. Eu tenho de trabalhar. Payne pensou, mal-humorado, que gosto não se discute. – Está bem então – disse. – Vou lhe explicar uma coisa... porque, pela sua aparência, posso ver que se trata de uma pessoa inteligente. - Recebi ordens de sua Executiva Regional para conservá-lo aqui por algum tempo. De fato, até eles se comunicarem com você. –Paraquê?–perguntouoAL-76numtomdesconfiado. – Não posso dizer. É coisa de segredo de adminis- tração. Payne pediu fervorosamente a Deus que o robô engolisse aquilo. Sabia que alguns robôs eram espertos, mas aquele parecia um dos velhos modelos. Enquanto Payne rezava, o AL-76 pensava. O cé- rebro do robô, construído para ser manejado por um Animador na Lua, não se saía muito bem quando en- volvido em pensamento abstrato, mas, mesmo assim, desde que se perdera, o AL-76 percebia que seu pro- cesso de pensamento se tornava cada vez mais estra- nho. O ambiente exterior o afetava de alguma forma. Sua observação seguinte foi um tanto maliciosa. – Qual é o nome de minha Executiva Regional? – eleperguntouquaseardilosamente.Payneengoliuem seco e pensou rapidamente. – Al – disse ele de um jeito amargurado – você me ofende com a sua suspeita. Não posso dizer o nome de sua Executiva Regional. Até as árvores têm ouvi- dos.OAL.76inspecionoufleugmaticamenteaárvore mais próxima. – Elas não têm – afirmou. – Eu sei! O que eu quis dizer é que há espiões por toda a parte. – Espiões? –Sim.Vocêsabe,pessoasmásquequeremdestruir a Estação Lunar 17. – Para quê? – Porque eles são maus. E querem também destruir você. Por isso é que precisa ficar algum tempo aqui, para que não possam descobri-lo. – Mas... mas eu tenho de ter um Animador. Não devo ficar atrás da minha cota. – Você não ficará, não ficará! – Payne prometeu avidamente, e com a mesma avidez amaldiçoou a idéia fixa do robô. – Vão mandar alguém ama- nhã. Anh?... amanhã! Isso lhe daria tempo suficiente para trazer os homens da fábrica e coletar belos e verdes montes de notas de cem dólares. Mas o AL-76 apenas ficava cada vez mais obstinado sob o angus- tiante constrangimento do mundo estranho à sua volta, influindo em seu mecanismo pensante. – Não – disse. – Preciso de um Ani- mador agora. Esticou pesadamente as juntas e ergueu-se num tranco. – É melhor procurá-lo um pouco mais – concluiu. Payne estremeceu e agarrou um cotovelo frio e duro. – Escute! – estrilou. – Você tem que ficar!... E alguma coisa estalou na mente do robô. Toda a estranheza que o cercava reuniu-se num único glóbulo e explo- diu. O cérebro passou a funcionar com uma eficiên- cia curiosamente crescente. Ele rodo- piou para Payne. – Vou lhe dizer uma coisa. Posso construir um Animador aqui mesmo.. E depois posso trabalhar com ele. Pay- ne hesitou. – Acho que eu não conseguiria construir nenhum. – Ele se pergun- tava se aquilo favoreceria ou não suas pretensões. – Está tudo bem agora- – O AL-76 conseguia quase sentir os movimentos positrônicos do seu cérebro ondularem num novo padrão e experimentou uma estranha alegria. – Eu posso construir um Animador. O robô olhou para den- tro da casinha de cachorro de Payne. – Você tem aí todo o material de que preciso – disse. Randolph Payne olhou para os trastes que enchiam sua cabana: rádios desmontados, um re- frigerador sem porta, motores de au- tomóvel enferrujados, um aquecedor de gás quebrado, quilômetros de fios inutilizados; somando tudo, cerca de cinqüenta toneladas da mais hete- rogênea massa de metal velho que qualquer curioso bisbilhoteiro jamais teve o desplante de acumular. – Tenho tudo? – Payne perguntou comavozabafada. Duas horas depois, aconteceram duas coisas quase simultaneamente. A primeira foi que Sam Tobe, da fi- lial de Petersboro da “United States Robots and Mechanical Men Corpo- ration”, recebeu uma chamada video- fônica de um certo Randolph Payne, de Hannaford. Dizia respeito ao robô desaparecido e Tobe, com um nó na garganta, inter- rompeu a ligação pelo meio e ordenou que todos os videofonemas posteriores fossem transferidos para o sexto vice- -presidente assistente, que ficou en- carregado de atender àquele tipo de chamada. Tobe não deixava de ter as suas razões. Naquela última semana, embora o Robô AL-76 continuasse totalmente extraviado, havia chovido informações dos quatro cantos do país sobre a sua localização. Eram cerca de quatorze ligações diárias, em geral de quatorze estados diferentes. Tobe estava absolutamente farto da- quilo e até mesmo se descuidando de normas elementares de gentileza. Ven- tilava-se uma investigação do Congres- so, embora todos os roboticistas e físi- cos matemáticos da Terra jurassem que orobôerainofensivo.Emseuestadode
  • 21. CONTOS robôsmetálicos 41ânimo, então, não era de estranhar que o Diretor Geral levasse três horas para se interrogar como Randolph Payne soubera que o robô se destinava à Es- tação L 17 ou como descobrira que seu número de ordem era AL-76. Esses detalhes não tinham sido divulgados pela companhia. Mas ele só pensou por mais um minuto e meio antes de se pôr em ação. No entanto, durante as três horas que transcorreram entre a chama- da videofônica e a providência inicial, o segundo acontecimento ocorreu. Tendo corretamente diagnosticado a abrupta interrupção de sua chamada como ceticismo generalizado por parte do escritório oficial, Payne voltou para sua cabana com uma câmera. Não havia o que discutir se tives- se uma foto nas mãos. Além do mais, poderia ser enganado se entregasse a coisa real antes de receber o dinheiro. O AL-76 estava ocupado com seus próprios problemas. Metade do que havia na cabana de Payne fora literal- mente coberto por dois acres de terra e,nomeiodetudoisso,orobôtropeça- va e se enrolava com válvulas de rádio, montes de ferro velho, fios de cobre e outros bagulhos. Não prestou atenção a Payne que, deitado no chão, ajustou ofocoemsuacâmeraparatirarumbo- nito instantâneo. E foi nesse momento que Lemuel Oliver Cooper fez a curva na estrada e ficou petrificado ao con- templar o quadro. A razão que o tinha levado ali fora uma torradeira elétrica, que adquirira o irritante há- bito de expelir energicamente fatias de pão, mas sem torrar uma única ponta. A razão que o levou a sair dali foi mais evidente. Aproximara-se num passo lento, macio, jovial de manhã de primavera. Afastou-se com uma pressa que levaria qualquer técnicouniversitárioemcorridaaerguersobrancelhas e abrir a boca com ar de aprovação. Não houve perda apreciável de velocidade até Co- oper arremessar-se no escritório do xerife Saunders, sem chapéu e torradeira, e estatelar-se com força confia a parede. Mãos cordiais levantaram-no e, por meio minuto, ele apenas tentou falar. Depois, conseguiu se acalmar a ponto de ensaiar uma respiração normal, eviden- temente sem nenhum resultado. Deram-lhe uísque, abanaram-no e, por fim, ele pôde dizer algum a coisa mais ou menos assim: – ... monstro... dois metros de altura... cabana toda revirada... pobre Rannie Payne... – e assim por dian- te. Extraíram-lhe a história aos poucos: que havia um enorme monstro de metal, dois metros de altura, tal- vez dois metros e meio ou quase três, no lado de fora da cabana de Randolph Payne; que o próprio Randol- ph Payne estava caído no chão, “um pobre cadáver sangrando, estraçalhado”; que o monstro estava ati- vamente empenhado em destroçar a cabana por puro instinto de destruição; que o monstro se voltara para Lemuel Oliver Cooper e que ele, Cooper, conseguira escapar por um triz. O xerife Saunders apertou um pouco mais o cinto em volta da cintura imponente. – É aquele homem-máquina que fugiu da fábrica de Petersboro – disse ele. – Fomos avisados no sába- do. Ei, Jake, pegue todos os homens no condado de Hannaford que possam atirar e chape uma insígnia de representante da lei em cada um deles. Que estejam todos aqui ao meio-dia. E escute, Jake, antes de fazer isso, dê uma passada na casa da viúva Payne e sopre- -lhe com cuidado as más notícias. Conta-se que Miranda Payne, após ser inteirada dos acontecimentos, preocupou-se apenas em certi- ficar-se de que a apólice de seguro do marido estava a salvo. Teria feito ainda alguns comentários ferinos sobre sua loucura em não tê-lo obrigado a dobrar o valor do prêmio. Depois, irrompeu num prolongado e pungente pranto, digno da mais respeitável viúva. Algumashorasdepois,RandolphPayne,desconhe- cendosuahorrívelmutilaçãoemorte,examinavacom satisfação os negativos de seus instantâneos. A série de retratos do robô trabalhando nada deixava à ima- ginação. Podiam ser até legendados: “Robô olhando pensativamente para o Tubo do Aspirador”, “Robô emendando Dois Fios”, “Robô usando a Chave de Parafusos”, “Robô deslo- cando Geladeira com Grande Violên- cia”, e assim por diante. Como já então tratava-se apenas da rotina de copiar o negativo, Payne levantou a cortina do laboratório improvisado para uma tra- gada e um papo com o A.L-76. Continuava bem-aventuradamente ignorando que os bosques da redonde- zaformigavamdelavradoresnervosose armados com todo o tipo de coisa, da velha relíquia colonial de um bacamar- te à metralhadora portátil que o xerife conduzia. Muito menos suspeitava que meiadúziaderoboticistas,lideradospor SamTobe,chispavapelaestradaquevi- nha de Petersboro a mais de duzentos por hora. Seuúnicoobjetivoerateremoprazer e a honra de apertar a mão de Payne.E enquantoascoisasseprecipitavampara um clímax, Randolph Payne suspirou satisfeitoconsigomesmo,tirouofósfo- ro do traseiro das calças, acendeu um cachimbo e tirou uma baforada, con- templando o AL-76 com ar divertido. Há um bom tempo se tornara evidente que o robô era um pouco mais que li- geiramente lunático. O próprio Randolph Payne fora um perito em engenhocas improvisadas, tendo construído algumas que mal podiam ser expostas à luz do dia sem estupidificar os observadores; mas nunca concebera nada que se aproxi- massedamonstruosidadequeoAL-76 estava engendrando. Teria feito os Rube Goldbergs do dia se contorcerem até à morte em con- vulsões de inveja. Faria Picasso (se ele pudesse estar vivo para testemunhar) abandonar a arte com o reconheci- mento puro e simples de que fora irre- mediavelmente ultrapassado. Azedaria o leite nas tetas de qualquer vaca no raio de um quilômetro. De fato, era horrendo! De uma compacta base de ferro enferrujada (lembrando vagamente alguma coisa que Payne já vira acoplada a um trator de segunda mão), erguia-se por entre um ziguezague meio ébrio, meio brin- calhão, uma fantástica massa de ara- mes, rodas e tubos, com incontáveis e inomináveis horrores, que terminavam num megafone arranjado de tal modo que parecia indiscutivelmente sinistro. Payne teve o impulso de espreitar no buraco do megafone, mas se conteve. Já tinha visto máquinas muito mais sensatas explodirem subitamente e com violência. – Ei, Al! – gritou ele. O robô ergueu os olhos. Estava dei- tado de barriga, encaixando um pedaço lascado de metal. – O que você quer, Payne? – Que é isso? – Payne perguntou num tom de quem se referia a alguma coisatolaedescomposta,equilibrando- -se precariamente entre dois mastros de três metros cada um. – É o Animador que estou cons- truindo. . Para poder começar a tra- balhar. É um aperfeiçoamento do modelo padrão. O robô se ergueu, sacudindo clango- rosamente os joelhos e contemplou a coisa com orgulho. Payne estremeceu. Um “aperfeiçoa- mento”! Não admira que escondessem o original em cavernas na Lua. Pobre satélite! Pobre satélite sem vida! Sem- pre quisera saber o que havia de pior que a morte. Agora sabia. – Vai funcionar? – perguntou. – Sem dúvida.
  • 22. CONTOS robôsmetálicos 43– Como tem tanta certeza? – Tem de funcionar. Eu o construí, não construí? Agora só preciso de uma coisa. Você tem uma lanterna? – Acho que deixei em algum lugar... Payne desapareceu dentro da cabana, mas retornou quase imediatamente. O robô desapertou o fundo da lanter- na e pôs mãos à obra. Em cinco mi- nutos já havia acabado. Deu um passo atrás e disse: – Tudo pronto. Agora coloco para funcionar. Você pode ver, se quiser. Durante um momento, Payne tentou entender a generosidade da oferta. – É seguro? – Um bebê poderia manejá-lo. – Oh! – Payne deu um sorriso ama- relo e se escondeu atrás da maior árvo- re que havia nos arredores. – Vá em frente! – gritou. – Tenho absoluta confiança em você. OAL-76apontouasucatadepesadelo. – Olhe! – disse. Esuasmãospuseramparafuncionar... Dispostos em linhas de batalha, os lavradores do condado de Hannaford, na Virgínia, iam envolvendo a cabana dePaynenumcírculocadavezmaises- treito. Com o sangue dos heróicos an- tepassados coloniais pulsando nas veias – e um arrepio correndo para cima e para baixo ex» suas espinhas – eles ras- tejavam de árvore em árvore.O Xerife Saunders espalhou a palavra de ordem. – Fogo, quando eu der o sinal... e apontem para os olhos. Jacob Linker, Lank Jake para os ínti- mos, representante do xerife junto a si mesmo, aproximou-se de Saunders. – Você não acha que uma rajada dessa metralhadora pode dispersá-lo? – Lank Jake não conseguiu suprimir inteiramente o tom de última esperan- ça na voz. – Não sei – rosnou o xerife. – Mas acho que não. Nós não podíamos atra- vessarelenastripasseeletivessetripas. – Tudo está terrivelmente quieto. Parece que estamos chegando perto da cabana de Payne. A observação não era necessária. O Xerife Saunders sentia um aperto tão grande na garganta que teve de engoli-lo em três prestações. –Recue–ordenou–efiquecomodedonogatilho. Já estavam na borda da clareira. O Xerife Saunders fechou os olhos e tirou o canto de um deles de detrás da árvore. Não vendo nada, parou para tomar fôlego e tentou de novo. Desta vez, seus olhos se abriram. Naturalmente, o resultado foi melhor. Para ser exato, conseguiu ver um enorme homem- -máquina, de costas para ele, curvado sobre uma en- genhoca de gelar a alma, contorcida, de origem des- conhecida e finalidade ainda menos previsível. O único item que seus olhos perderam foi a trê- mula figura deRandolph Payne, abraçado a uma ár- vore próxima. OXerifeSaundersseespichoudaárvoreelevantou a metralhadora. Mostrando as costas largas de metal, o robô falou em vozalta com pessoa ou pessoas desconhecidas: – Olhe! – e quando o xerifeabriu a boca para dar or- dem geral de fogo, os dedos de metal comprimiram um comutador. A despeito da presença de setenta testemunhas, não existe uma descrição adequada do que ocorreu emseguida.Nosdias,meseseanosquepassaram,ne- nhum dos setenta jamais abriu a boca para dizer uma única palavra sobre os poucos segundos que transcor- reram depois do xerife abrir a boca para dar a ordem de fogo. Quando interrogadossobre isso, eles mera- mente esverdeavam e se afastavam tremendo. Pode-se considerar como evidência circunstancial, porém, que, de um modo geral, o que aconteceu foi o seguinte: O Xerife Saunders abriu a boca; o AL-76 apertou um botão. O Animador funcio- nouesetentaecincoár- vores, dois celeiros, três vacas e três quartos do pico do Monte Duckbill foram impelidos para a atmosfera rarefeita. A boca do Xerife Saunders conti- nuou aberta por um indefinidointerva- lo de tempo, pias dela nada saiu, nem ordens de ataque nemqualquer outra coisa. E depois... E depois, houve uma agitação no ar, um múltiplo som deespanto, uma série de faixas arroxeadas pela atmosfera, irradiadasde um centro, a cabana de RandolphPayne.Dosmembrosdafor- çacivil de emergência, nenhum sinal,- Sobraram vários revólveres espalhados nos arredores, incluindoa patenteada, à prova de choque, com chapa de níquel, com poder de fogo ultra-rápido, a me- tralhadora portátil do xerife. Haviacer- ca de cinqüenta bonés, alguns charutos mascados pela metade e outros restos e bagulhos que se dispersaram na afo- bação. Quanto aseres humanos, no entanto, não havia realmente nenhum. Excluindo Lank Jake, nenhum da- queles seres humanos foi visto por ninguém durante três dias, e a exce- ção a favor de Jake deveuse ao fato de ele ter sido interrompido em sua fuga de cometa pela meia dúzia de homens da fábrica de Petersboro, que naquele momento estavam se arremessando entre as árvores com uma velocidade própria e bastante elevada. Sam Tobe foi o primeiro que o de- teve, quando a cabeça de Jake mergu- lhou oportunamente na boca do seu estômago. Recobrando a respiração, Tobe perguntou: – Onde está a cabana de Ran- dolph Payne? Lank Jake conseguiu que seus olhos ficassem menos arregalados por um momento. – Irmão – disse ele –, é só seguir na direção em que não estou seguindo. E dizendo isso, saiu milagrosamente de vista. Havia uma mancha trêmula esquivando-se das árvores no horizon- te, mas Sam Tobe não seria capaz de jurar que era ele. Tiveram, por assim dizer, o mesmo destino das neves do inverno passado.