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O "esporte na escola"
e o "esporte da escola":
da negação radical para uma relaçãode tensão permanente
Um diálogo com Valter Bracht
Tarcísio Mauro Vago*
A idéia central
que apresento
para este diálo-
go é a de que a
escola, como
instituição
social, pode
produzir uma
cultura escolar
de esporte que,
ao invés de
reproduzir as
práticas de
esporte
hegemônicas na
sociedade, como
escreveu Bracht,
estabeleça com
elas uma relação
de tensão per-
manente, num
movimento
propositivo de
intervenção na
história cultural
da sociedade.
Este artigo discute as relações da es-
cola com as práticas culturais de es-
porte, estabelecendo um diálogo com o
livro de Valter Bracht (1992) e trazendo
para essa discussão as contribuições de
alguns estudiosos da história das
disciplinas escolares (Nóvoa, Forquin e
Chervel). A idéia central defendida é a
de que a escola pode produzir uma
cultura escolar de esporte que, ao invés
de reproduzir as práticas de esporte
hegemônicas na sociedade, como
escreveu Bracht, estabeleça com elas
uma relação de tensão permanente,
intervindo na história cultural da
sociedade.
As práticas culturais de esporte vêm
sendo escolarizadas ao longo deste século,
como um dos temas de ensino da Educação
Física. Então, quais as relações possíveis da
escola (e do seu ensino de Educação Física)
com as práticas culturais de esporte?
Tentando refletir acerca das possíveis
respostas a essa pergunta, tomei como
referência o livro de Valter Bracht (1992)',
Educação Física e aprendizagem social, o
que se justifica por ser esse autor um dos
mais lidos pelos professores de Educação
Física, no Brasil (Oliveira, 1994). A intenção
é a de estabelecer com esse estudioso um
diálogo para discutir um
dos muitos pontos trazidos à reflexão pelo
autor, justamente aquele que trata do ensino
do esporte na escola, por intermédio da
Educação Física.
A idéia central que apresento para
este diálogo é a de que a escola, como
instituição social, pode produzir uma cultura
escolar de esporte que, ao invés de
reproduzir as práticas de esporte hege-
mônicas na sociedade, como escreveu
Bracht, estabeleça com elas uma relação de
tensão permanente, num movimento
propositivo de intervenção na história cul-
tural da sociedade.
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
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EM TORNO DA AUTONOMIA E DA LEGI-
TIMIDADE PEDAGÓGICA DA ESCOLA E
DO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
Um olhar para a escola como lugar de
''transmissão do saber acumulado"
Depois de conceituar, no Capítulo 1, o ter-
mo Educação Física como aquele que abrange
as atividades pedagógicas, tendo como tema o
movimento corporal e que toma lugar na insti-
tuição educacional (p.15), Bracht considera que
a Educação Física, em se realizando na insti-
tuição educacional, presume-se, assume o es-
tatuto de atividade pedagógica e, como tal,
incorpora-se aos códigos e funções da própria
escola, (p.17)
Há duas idéias impor
tantes contidas nessa
consideração. A primeira é a de que Bracht,
aqui, defende que a escola tem seus próprios
"códigos e funções", admitindo então que
ela possua uma certa autonomia como
instituição social. A segunda idéia decorre
imediatamente desta: a Educação Física (e
os temas que ela vai ensinar, entre os quais o
esporte), sendo constituinte da escola, assu-
me e incorpora em seu ensino esses "códigos
e funções" da escola.
Bracht prossegue demonstrando o fato
de a Educação Física ter recebido, em sua his-
tória no Brasil, a influência de duas institui-
ções: a instituição militar e a instituição es-
porte. O que o autor discute, então, é o grau de
autonomia pedagógica (ou a "identidade da
Educação Física", segundo ele) alcançada pela
Educação Física nas suas relações com essas
instituições.
Para definir o que seja essa autonomia,
Bracht cita o sociólogo alemão Niklas Luhmann:
A autonomia pressupõe uma determinada in-
terdependência, e expressa o grau de liberdade
com o qual as relações entre o sistema e o meio
ambiente podem, através dos critérios seletivos
do sistema, ser por ele próprio reguladas
(Luhmann, citado por Bracht, 1992. p.18).
Com base na definição de auto-
nomia de que ele se utiliza, percebe-se que
Bracht, ainda aqui, reforça aquela primeira
idéia de que a escola, sendo um "sistema",
teria sim um "grau de liberdade" para
estabelecer relações com o meio ambiente
por meio de seus "critérios seletivos"
regulados por ela própria. Logo, se o esporte
está no meio ambiente, a escola poderá
relacionar-se com ele por meio dos seus
próprios critérios e, ainda, regular essa
relação.
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
5
primeira idéia é a
de que Bracht
defende que a
escola tem seus
próprios
"códigos e
funções", admi-
tindo então que
ela possua uma
certa autonomia
como instituição
social. A segunda
idéia decorre
imediatamente
desta: a Educa-
ção Física (e os
temas que ela vai
ensinar, entre os
quais o esporte),
sendo constituin-
te da escola,
assume e incor-
pora em seu
ensino esses
"códigos e
funções" da
escola.
Bracht não sustenta seus argumentos
apenas na teoria dos sistemas. Ele procura
complementá-la com base no materialismo
histórico para dizer que
os sistemas sociais não podem ser simplesmente
colocados lado a lado, e sim, para superar o
caráter meramente descritivo da análise, preci-
samos, através da análise histórica, identificar a
gênese dos sistemas, as suas determinações, ou
seja, através da categoria antropológica do
trabalho, introduzir a questão do poder nas re-
lações intersistemas. Isto significa perguntar, por
exemplo, em que medida um sistema não tem
sua identidade ou o sentido norteador das ações,
determinados por outros sistemas (que
constituem o seu meio ambiente) mais 'pode-
rosos'? É preciso analisar o desenvolvimento em
função de sua posição na hierarquia global
(p.19).
Bracht entende que um dos critérios que
identificam a diferenciação de um sistema diz
respeito à diferenciação dos papéis. Isto é, em
que medida os diferentes papéis que preci-
sam ser cumpridos no interior de um sistema,
não se confundem com outros de outros siste-
mas. Ou seja, um "sistema" — como a escola
— poderia estar cumprindo papéis determina-
dos por outros sistemas "mais poderosos".
Percebe-se, aqui, que Bracht abandona aquela
primeira idéia, registrada anteriormente, de
uma possível autonomia da Escola para esta-
belecer seus próprios "códigos e funções", seus
"critérios seletivos" para se relacionar com o
meio ambiente e regular esta relação.
Ao abandoná-la, Bracht expressa um
outro entendimento sobre a escola:
A instituição educacional é produto de um
processo de complexificação da sociedade —
produzido fundamentalmente pelo desenvolvi-
mento das forças produtivas — que determinou
uma diferenciação de sistemas, os quais
cumprem, no conjunto das relações sociais,
determinadas funções: a transmissão do saber
social acumulado exigiu o surgimento de uma
instituição para cumprir tal tarefa — o sistema
educacional (p.19).
Percebe-se, então, que Bracht agora se
refere à escola como um lugar unicamente da
"transmissão do saber social acumulado", sen-
do essa a tarefa que o sistema educacional
deve cumprir. Ou seja, a escola é entendida
como um lugar de transmissão de um conhe-
cimento produzido sempre fora dela, por um
outro sistema "mais poderoso", para usar a sua
expressão. Por aí, Bracht apresenta a escola
como um "sistema" sem poder, posicionada
na hierarquia social como reprodutora de a-
ções determinadas por outros sistemas e, por-
tanto, submissa a eles. Seus "códigos e fun-
ções" ou seus "critérios seletivos" perdem for-
ça. Ora, esse é somente um dos muitos olha-
res que se pode lançar sobre a escola e um dos
pontos centrais deste diálogo com o texto de
Bracht.
Um outro olhar para a escola: um lugar de
produção de cultura
Torna-se fundamental, aqui, trazer a
crítica de Antônio Nóvoa àquele olhar sobre
a escola como lugar de transmissão de
conhecimento:
Historicamente a escola foi vista como um 'lugar
de cultura': primeiro numa acepção idealizada de
aquisição de conhecimentos e das normas
'universais', mais tarde numa perspectiva crítica
de inculcação ideológica e de reprodução social.
Num e noutro caso, ignorou-se o trabalho
interno de produção de uma cultura escolar, em
relação com o conjunto das culturas em conflito
numa dada sociedade, mas com especificidades
próprias que não podem ser olhadas apenas pelo
prisma das sobredeter-minações do mundo
exterior. (Nóvoa, 1994. p.15)
E também a crítica de André Chervel
(1990):
A concepção de escola como puro e simples
agente de transmissão de saberes elaborados
fora dela está na origem da idéia, muito ampla-
mente partilhada no mundo das ciências huma-
nas e entre o grande público, segundo a qual ela
é, por excelência, o lugar do conservadorismo,
da inércia, da rotina (p.182).
Especialmente no Capítulo 1 (mas
também nos outros três), Bracht parece pró-
ximo das visões históricas sobre a escola
criticadas por Nóvoa e por Chervel. Bracht
parece ainda não reconhecer o trabalho in-
terno de produção de uma cultura escolar. E
isso terá repercussões em sua discussão sobre
o esporte na escola, como se verá adiante.
O entendimento de Bracht não é im-
procedente: a escola pode, sim, de um lado,
estar cumprindo também aquela tarefa por
ele exposta. Mas, de outro lado, a escola
pode não se reduzir a ela, como
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
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se fosse uma "correia de transmissão" de
uma cultura produzida por outros "sistemas",
sem intervir nela. Um outro olhar então se
pode lançar à escola, reconhe-cendo-a como
uma instituição que possui a capacidade de
produção de uma cultura escolar. Isto é, uma
escola que possua certa autonomia para
produzir a sua cultura, com seus próprios
códigos e critérios — como o próprio Bracht
havia presumido existir — e, assim,
estabelecer relação com o conjunto das
culturas em conflito numa dada sociedade,
como escreve Nóvoa. A diferença
fundamental, aqui, é que se defende que a
escola tem um movimento propositivo de
intervenção cultural na sociedade. Esse outro
olhar para a escola é fundamental para a
discussão que segue e, por isso, estará
sempre presente.
O "esporte na escola" e a negação radical
do "esporte da escola"
É aqui, então, que irei privilegiar as re-
lações da escola com o esporte, dialogando
com Bracht.
Sempre aproveitando o próprio texto de
Bracht, nele se encontra uma breve síntese do
desenvolvimento do esporte no mundo e que aqui
será citada para contextualizar a discussão:
O esporte sofre no período do pós-guerra um
grande desenvolvimento quantitativo. Afirma-
se paulatinamente em todos os países sob a
influência da cultura européia, como o elemento
hegemônico da cultura de movimento. No
Brasil as condições para o desenvolvimento do
esporte, quais sejam, o desenvolvimento indus-
trial, com a conseqüente urbanização da
população e dos meios de comunicação de
massa, estavam agora, mais do que antes,
presentes (p.22).
É exatamente a partir do grande de-
senvolvimento do esporte pelo mundo que, para
Bracht, irá dar-se o fato mais marcante na
história da Educação Física, na escola, a partir da
Segunda Guerra Mundial — a sua subordinação
ao esporte de rendimento:
É importante citar que o desenvolvimento da
instituição esportiva não se dá indepen-
dentemente do da Educação Física: condicio-
nam-se mutuamente. A esta é colocada a tarefa
de fornecer "a base" para o esporte de rendi-
mento. A escola é a base da pirâmide esporti-
va. É o local onde o talento vai ser descoberto.
Esta relação, portanto, não é simétrica (p. 22).
Parece haver uma certa ambigüidade
nessa afirmação. Bracht inicialmente escreve
que o esporte e a Educação Física "condi-
cionam-se mutuamente". Isso dá a entender
que o esporte estaria influenciando (ou con-
dicionando, ou determinando) o ensino da
Educação Física, na escola, na exata medida
do seu contrário, isto é, que a Educação
Física também estaria influenciando o es-
porte. Contudo, ao final, depois de dizer que
a Educação Física é a "base da pirâmide es-
portiva", Bracht afirma que a relação entre
ambos "não é simétrica". Ou seja, se há um
pólo subordinado nesta relação, este é o da
Educação Física, na escola.
Nesse quadro, Bracht apresenta uma
idéia que se tornou muito conhecida e aceita
quando de sua publicação (e aqui me in-
cluo):
... a Educação Física assume os códigos de uma
outra instituição[a instituição esporte], e de tal
forma que temos então não o esporte da escola
e sim o esporte na escola, o que indica a sua
subordinação aos códigos/sentidos da insti-
tuição esportiva. O esporte na escola é um
prolongamento da própria instituição esportiva.
Os códigos da instituição esportiva podem ser
resumidos em: princípio do rendimento
atlético-desportivo, competição, comparação de
rendimentos e recordes, regulamentação rígida,
sucesso esportivo e sinônimo de vitória,
racionalização de meios e técnicas. O que pode
ser observado é a transplantação reflexa destes
códigos do esporte para a Educação Física.
Utilizando uma linguagem sistêmica, poder-se-
ia dizer que a influência do meio ambiente
(esporte) não foi/é selecionada (filtrada) por um
código próprio da Educação Física, o que
demonstra sua falta de autonomia na deter-
minação do sentido das ações em seu interior.
(Bracht, 1992, p.22; grifo meu)
Note-se que é aqui que Bracht vai
abandonar aquela segunda idéia registrada
anteriormente — a de que a Educação Físi-
ca, realizando-se no interior do sistema edu-
cacional, poderia assumir o estatuto de ati-
vidade pedagógica, incorporando-se aos
códigos e às funções da própria escola. Ago-
ra, o autor afirma taxativamente que a Edu-
cação Física "assume os códigos de uma
outra instituição", mais poderosa: a institui-
O entendimento
de Bracht não é
improcedente: a
escola pode, sim,
de um lado, estar
cumprindo
também aquela
tarefa por ele
exposta. Mas, de
outro lado, a
escola pode não
se reduzir a ela,
como se fosse
uma "correia de
transmissão" de
uma cultura
produzida por
outros "siste-
mas", sem
intervir nela.
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O esporte é
legitimado pela
sociedade e é
exatamente isso
que garantiria
legitimidade para
o ensino de
Educação Física
na escola: ensi-
nar esporte. Mas,
paradoxalmente,
parece que a
Educação Física
somente seria
legitimada na
escola na
medida em que
transmitisse
(ensinasse) esse
elemento da
cultura tal como
ele se realiza nas
sociedades
modernas, com
os códigos
citados.
ção esportiva. E disso resulta sua falta de au-
tonomia pedagógica — têm-se então o espor-
te na escola, mas não o esporte da escola, se-
gundo o autor. Como escreve Nóvoa, Bracht
parece olhar a escola apenas pelo "prisma das
sobredeterminações do mundo exterior".
Um paradoxo: a perda da autonomia e a
conquista da legitimidade pedagógica pela
Educação Física no ensino do esporte
Se no Capítulo 1 Bracht afirma a
inexistência de "autonomia pedagógica" por
parte da Educação Física e da escola, já no
Capítulo 2 o autor traz à reflexão a discussão
sobre a legitimidade pedagógica do ensino da
Educação Física. A partir de citação de J.
Habermas, para quem legitimidade significa
que há bons motivos para que um ordenamento
político seja reconhecido como justo e equâ-
nime (p.37), Bracht pondera que legitimar a
Educação Física significa, então, apresentar
argumentos plausíveis para a sua permanên-
cia ou inclusão no currículo escolar (p.37).
Mais adiante, Bracht sugere a hipótese, entre
outras, de que o fenômeno esportivo é uma
das versões recentes para legitimar o ensino
da Educação Física na Escola:
[A legitimidade da Educação Física na Escola]
tem a ver com a dimensão que assumiu o fenô-
meno esportivo em nossa sociedade. A dimen-
são quantitativa do esporte parece ser razão
suficiente para que a escola assuma a tarefa de
transmitir este elemento da cultura. Define-se
nesta perspectiva a tarefa da Educação Física
como a de desenvolver a capacidade de ação no
desporto (p.46).
O esporte é legitimado pela sociedade
e é exatamente isso que garantiria legitimida-
de para o ensino de Educação Física na esco-
la: ensinar esporte. Mas, paradoxalmente, pa-
rece que a Educação Física somente seria le-
gitimada na escola na medida em que trans-
mitisse (ensinasse) esse elemento da cultura
tal como ele se realiza nas sociedades moder-
nas, com os códigos citados. Nessas socieda-
des, o esporte alcança, segundo Bracht, uma
"unanimidade", assim resumida por ele:
Ser esportivo, aparentar boa forma física, já
quase não é uma opção, mas sim uma imposição
social. Ligada a este boom do corpo ou das
práticas corporais, temos o boom da indústria do
lazer e dos materiais esportivos, (p.46)
E completa:
Embora os pedagogos resistam em utilizar esta
nova dimensão do cotidiano de boa parte da
população como elemento de legitimação da
Educação Física na Escola, é bem provável que
a Escola, concretamente, já esteja, através das
aulas de Educação Física, servindo a esta nova
indústria, e a Educação Física esteja recebendo o
reconhecimento a partir do reconhecimento
tácito [que em nota de rodapé Bracht traduz por
consumo] destas práticas corporais na sociedade
como um todo (p. 46).
É aí que localizo o referido paradoxo
da Educação Física quando ensina o esporte
na escola: a Educação Física conquista a sua
legitimidade pedagógica na medida em que
perde a sua autonomia pedagógica. Servir à
indústria do esporte, transmitindo os seus có-
digos e valores: eis a legitimidade, eis a perda
de autonomia. Não haverá saída para esse pa-
radoxo?
A ESCOLA, A EDUCAÇÃO FÍSICA E A
PRÁTICA CULTURAL DE ESPORTE:
CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DE
TENSÃO PERMANENTE
Não se questiona aqui o fato de o espor-
te ter se desenvolvido mundialmente ao ponto
de se ter transformado em elemento hegemô-
nico da cultura de movimento. Esse é mes-
mo um fato histórico. Que o esporte tenha
influenciado a Educação Física e se transfor-
mado no seu principal (ou até o único) con-
teúdo de seu ensino na escola nos últimos 50
anos, disso também não se discorda.
As questões que coloco para este diá-
logo são estas: a Educação Física, na escola,
tem sido mesmo apenas e tão somente um
veículo de transmissão/reprodução do
esporte, com os códigos do esporte de ren-
dimento citados por Bracht? Ela apenas está
"servindo à indústria do esporte"? Ou, de
outra forma: a escola não possui e nem se-
quer desenvolveu nenhum "grau de autono-
mia" para, por intermédio da Educação Fí-
sica (mas também de outros tempos e espa-
ços educativos), ensinar o esporte por seus
próprios códigos, normas ou critérios? Ela se
resume a realizar uma "transplantação
reflexa" do esporte produzido "totalmente
fora dela"? Ela não tem ou nem pode cons-
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truir uma forma própria de cultivar e ensinar
o esporte?
Como prática cultural, o esporte incor-
pora valores sociais, culturais, econômicos e
estéticos de uma dada sociedade historicamen-
te organizada, sendo realizado em diferentes
espaços sociais e culturalmente apropriado de
múltiplas formas — inclusive as não-autori-
zadas. A escola é um desses espaços de reali-
zação e de apropriação da prática cultural de
esporte, e é o tratamento que ela dá a ele, na
Educação Física, que interessa aqui.!
Assim, de um lado, pergunta-se: é impos-
sível a escolarização do esporte, isto é, a produ-
ção de um "esporte da escola", que seja uma prá-
tica da cultura escolar, com seus códigos própri-
os? E, de outro lado, também pergunta-se: como
seria isso sem o "esporte na escola"?
Creio que o problema central está aqui:
ao afirmar que "temos não o esporte da escola
e sim o esporte na escola", Bracht estabelece
uma negação radical da possibilidade de se
ter o "esporte da escola", negação que se dá
com a presença do "esporte na escola". Ou
seja, a existência deste impõe-se de tal forma
na escola (e à escola), que inibe, inviabiliza,
opõe-se, enfim, nega a existência daquele.
Então, é a instituição esportiva, como um
"sistema mais poderoso", que determina as ações
que uma outra instituição mais fraca, a escola (e,
nela, a Educação Física) deve realizar. Em decor-
rência, a ação da Educação Física na escola se
limitaria a ser a "base da pirâmide esportiva", a
fonte dos talentos para o esporte de rendimento.
É a configuração da relação assimétrica a que se
referiu o autor. No limite, isso elimina a possibili-
dade de o esporte ser escolarizado, de a cultura
escolar ter o seu esporte. É a perda da autonomia
pedagógica, ainda que com a conquista da legiti-
midade pedagógica.
Sim, pode-se admitir que essa é uma das
possíveis manifestações do esporte na escola.
Mas seria essa negação radical a única possi-
bilidade de relação entre o esporte e a escola?
O esporte entra em "campo" na escola
Como prática cultural, o esporte ocupa
um importante lugar nas relações sociais. As-
sim é que a história do esporte, no Brasil, evi-
dencia a sua origem aristocrática, mas tam-
bém um movimento de popularização crescen-
te de algumas de suas manifestações (o maior
exemplo é o futebol). O uso do esporte para
fins políticos e ideológicos também é um fato
(a era Vargas e a era da ditadura militar são
ilustrativas; Linhales, 1996).
Por um lado, numa sociedade estru-
turada em moldes capitalistas de produção,
como é a brasileira, o esporte não ficou imu-
ne a um processo de mercantilização que pa-
rece sem fronteiras. O esporte incorpora (ou
já é mesmo criado com) os valores estimula-
dos por este modelo: a competição, a classifi-
cação, a seleção, a comparação, a performan-
ce, a vitória... enfim, aqueles mesmos códigos
indicados por Bracht. A paulatina constituição
do esporte com a propriedade de ser "de ren-
dimento" indica uma das suas possíveis for-
mas de manifestação numa sociedade de mol-
des capitalistas. O processo de mercantilização
referido pode ser exemplificado na venda de
espaços para publicidade nos lugares da práti-
ca esportiva (estádios e ginásios, por exem-
plo) e nos uniformes dos atletas; na compra,
na venda ou na troca dos próprios atletas (tal-
vez ainda a maior e mais rentável das merca-
dorias esportivas, com sua expressão legal na
lei do passe), no gerenciamento empresarial
dos clubes, num imenso mercado gerado em
torno do esporte (produtos de beleza, cigar-
ros, bebidas, roupas, calçados, uma infinidade
de material esportivo, carros, bicicletas, mo-
tocicletas... tudo pode ser melhor vendido
quando associado ao esporte, à idéia de que
ele é um bem acima de qualquer suspeita). Os
exemplos poderiam continuar, garimpados de
praticamente todos os campos da atividade
humana. (Castellani F°, 1989; Ghiraldelli,
1989; Kunz 1991; Bracht, 1992; Linhales,
1996). Mas essa forma de existência não ficou
restrita às fronteiras capitalistas: paradoxalmen-
te, os países ditos socialistas também desenvol-
veram e usaram o esporte com esses mesmos
códigos, para fins políticos e ideológicos.
Por outro lado, no entanto, o percurso
histórico do esporte, no Brasil, também pode
ser investigado a partir das tentativas de apro-
priação de suas várias manifestações, das for-
mas de resistência ao seu controle político,
econômico e cultural e, ainda, da produção
de outras formas de praticá-lo, por parte dos
setores populares da sociedade — esse é um
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
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Assim, diferente-
mente de uma
negação radical
do "esporte da
escola" pelo
"esporte na
escola", conside-
ro ser frutífero
para a Educação
Física avançar no
sentido de
construir uma
relação de
tensão perma-
nente entre eles.
Uma relação de
tensão perma-
nente que se
estabeleça entre
uma prática de
esporte produzi-
da e acumulada
historicamente e
uma prática
escolar de
esporte (a
cultura escolar
de esporte).
tema de investigação ainda pouco explorado
por pesquisadores da Educação Física.
Não aceitando ser meros coadjuvantes
da história, os setores populares também bus-
caram (e buscam) apropriar-se das práticas
culturais de esporte. O futebol, como citado,
talvez seja o melhor exemplo disso: de espor-
te aristocrático transformou-se num dos maio-
res fenômenos de massa, sendo praticado em
condições diversas. Fundamental é que ele tam-
bém foi apropriado pelos setores populares."
Há então muitas imbricações a serem
consideradas pelos estudiosos da Educação
Física no percurso histórico do esporte no Bra-
sil, para que se possa ampliar a compreensão
das múltiplas formas de apropriação desta prá-
tica cultural — principalmente das apropria-
ções não-autorizadas das práticas culturais de
esporte, por parte dos setores populares.
Pois bem, essas breves considerações
históricas, aliadas àquelas citadas de Bracht,
têm a intenção de perguntar: poderia a escola
ficar indiferente ou alheia a essa história?
Os estudos sobre a história da Educa-
ção Física e do esporte já demonstraram que
não. Especificamente sobre as relações entre
o esporte e a Educação Física na escola, tais
estudos — e os de Bracht são muito importan-
tes para isso — apontam a predominância de
uma relação histórica onde a submissão e a
dependência da Educação Física ao esporte de
rendimento aparecem com muita força
(Castellani P, 1988; Ghiraldelli, 1989; Kunz,
1991; Bracht, 1992; Linhales, 1996).
Nos anos 1980, essa relação de submis-
são começa a ser problematizada por estudio-
sos/as da Educação Física. Entre eles, os es-
critos de Bracht parecem indicar a existência
da referida negação radical, ao afirmar que se
tem "o esporte na escola, mas não o esporte da
escola".
Realmente, por suas relações com a to-
talidade social, da qual é uma manifestação, a
escola não poderia ficar alheia a todo esse pro-
cesso histórico de consolidação do esporte
como prática cultural da sociedade moderna.
Ele penetra por seus portões, é praticado em
seus espaços e em seus tempos, consolida-se
como conteúdo de ensino da Educação Física
(o espaço e o tempo oficiais para o seu ensi-
no). É eleito (ou imposto?) como algo digno
de ser ensinado. Em suma, é por esse proces-
so histórico que se tem o "esporte na esco-
la": o esporte entrou no "campo" da escola.
No entanto, há que se investigar tam-
bém se a escola não foi (ou é) um "campo"
apropriado pelos alunos oriundos dos setores
populares para o acesso à prática de esportes.
E não me refiro aqui somente às aulas curri-
culares de Educação Física. Refiro-me tam-
bém, e principalmente, às estratégias usadas
para ocupação dos espaços e dos tempos es-
colares, ainda que contra a (ou apesar da) pró-
pria escola, para a prática das modalidades
esportivas, e com códigos que não necessaria-
mente reproduzem os do esporte de rendimen-
to, mas com a construção de regras, de tem-
pos e de espaços próprios. Como assinalei, as
apropriações e as práticas não autorizadas de
esporte por alunos e professores se constitu-
em num interessante tema para pesquisas em
Educação Física.
Assim, diferentemente de uma nega-
ção radical do "esporte da escola" pelo "es-
porte na escola", considero ser frutífero para
a Educação Física avançar no sentido de
construir uma relação de tensão permanente
entre eles. Uma relação de tensão perma-
nente que se estabeleça entre uma prática de
esporte produzida e acumulada historicamen-
te e uma prática escolar de esporte (a cultura
escolar de esporte).
Da negação radical à tensão permanente:
os/as professores/as de Educação Física
como produtores/as de cultura na escola
É certo que se pode questionar os limi-
tes políticos e culturais que possui a escola para
criar uma cultura escolar de esporte, com es-
pecificidades e organização próprias para, com
ela, confrontar-se com o chamado esporte de
rendimento, produzido no interior de uma so-
ciedade predominantemente capitalista e por-
tadora dos valores desta. Consciente desses
limites, creio também que é aí que se localiza
a principal tarefa do/da professor/a: ser um/
uma produtor/a de cultura. Aliás, uma tarefa
ao mesmo tempo desafiadora e, por isso mes-
mo, estimulante.
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
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Então, a partir dessa relação de tensão
permanente, pode-se discutir as possibilidades
que se abrem para o ensino de Educação Físi-
ca ao tratar da prática cultural de esporte como
um de seus temas, e aí, provocando a constru-
ção de sua cultura escolar do tema esporte.
O esporte que penetra o espaço escolar
é o esporte criado e praticado culturalmente
na sociedade, com interesses diversos e
conflituosos, certamente. Esse esporte é
escolarizado e incorporado à cultura escolar.
Como uma prática sociocultural da so-
ciedade moderna, o esporte está "na escola",
sim, e tudo indica a sua permanência nela. E
por que o esporte não estaria na escola? A pro-
pósito, Forquin (1992), por intermédio de
Denis Lawton, chama a atenção para o fato
de que
certos aspectos de nosso modo de vida, certos
tipos de conhecimento, certas atitudes e certos
valores são considerados, na verdade, como
tendo suficiente importância para que sua trans-
missão à geração seguinte não seja deixada ao
acaso em nossa sociedade, mas seja confiada a
profissionais especialmente formados (os do-
centes) no contexto de instituições complexas e
custosas (as escolas), (p.31)
Creio que isso se aplica às práticas cul-
turais de esporte. E, por isso, estranho mesmo
seria ele não estar lá "na escola". A questão
central passa a ser, então, o tratamento, a rela-
ção da escola com essas práticas culturais no
seu processo de ensino, tanto na Educação Fí-
sica quanto em outros espaços e tempos
educativos. Veja-se que Forquin, como Bracht,
também se refere somente à "transmissão" de
certos tipos de conhecimento. Mas ambos não
avançam para a idéia de que haja a produção
de uma cultura escolar, no caso, cultura esco-
lar de esporte. Ambos não consideram um
movimento propositivo da escola na produção
dessa sua cultura própria de esporte.
A esse respeito, há uma importante dis-
cussão a ser aprofundada (e que se deve esten-
der muito além deste artigo, obviamente).
Bracht defende em seu texto que a Edu-
cação Física deve realizar uma "filtragem crí-
tica" das atividades corporais, ao ensiná-las,
na escola, o que seria fundamental para o de-
senvolvimento de sua identidade pedagógica
(p.24). Isso se oporia àquela "transplantação
reflexa" dos códigos do esporte para a escola
(e de outras práticas), que ele menciona (p.22).
Com esta mesma preocupação, Kunz (1994)
se refere a uma "transformação didática do
esporte" a ser realizada pela escola. A
"filtragem crítica" proposta por Bracht e a
"transformação didática do esporte", de Kunz,
aproximam-se da idéia de Forquin (1992) so-
bre a tarefa de "transposição didática" que a
escola pode realizar:
A educação escolar não se limita a fazer uma
seleção entre os saberes e os materiais culturais
disponíveis num momento dado da sociedade.
Ela deve também, a fim de os tornar
efetivamente transmissíveis, efetivamente
assimiláveis para as jovens gerações, se entregar
a um imenso trabalho de reorganização, de
reestruturação, de "transposição didática". (p.32)
Forquin se apóia em Michel Verret para
escrever que toda prática de ensino de um
objeto pressupõe a transformação prévia deste
objeto em objeto de ensino.
Aplicando tal idéia ao esporte, têm-se
que a transposição didática do esporte, isto é,
a passagem de sua condição de saber erudito
para a condição de saber ensinado na escola,
pressupõe, então, a sua transformação em um
objeto de ensino.
Se isso é fundamental, no entanto, não
é suficiente, pois, ainda assim, continua-se no
entendimento de que cabe à escola apenas o
papel de transmitir saberes produzidos fora
dela, ainda que ela possa transformar esse sa-
ber. Até aqui, não se atingiu, ainda, o entendi-
mento de que a escola pode produzir a sua
cultura escolar.
É em André Chervel (1990) que se pode
encontrar um avanço necessário a esse enten-
dimento:
A história das disciplinas escolares expõe à
plena luz a liberdade de manobra que tem a
escola na escolha de sua pedagogia. Ela depõe
contra a longa tradição que, não querendo ver
nas disciplinas ensinadas senão as finalidades
que são efetivamente a regra imposta, faz da
escola o santuário não somente da rotina mas da
sujeição, e do mestre, o agente impotente de
uma didática que lhe é imposta do exterior. (P-
193)
Com isso, prossegue Chervel, permane-
cendo totalmente no interior desse quadro ri-
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
11
gido (...) se fechou toda possibilidade de ver o
movimento surgir do interior [da escola].
Note-se que Chervel se aproxima aqui daque-
la crítica de Antônio Nóvoa a uma visão
reducionista de escola.
Ora, se, como afirmou Nóvoa, não se
pode ignorar "o trabalho interno de produção
de uma cultura escolar", e agora, como regis-
tra Chervel, é preciso perceber "o movimento
surgir do interior da escola", pode-se, então,
admitir que a escola — com a sua cultura e o
seu movimento interior — tem condições de
estabelecer uma relação de tensão entre o sa-
ber erudito e o saber escolar, não se limitan-
do apenas a realizar uma "transposição didáti-
ca", ou uma "filtragem crítica".
Concordo, então, com a idéia de Chervel
de que a escola possui sim autonomia didática
e organizacional (portanto, autonomia pedagó-
gica, como quer Bracht) para transmitir a cul-
tura escolar gerada em seu próprio interior, da-
das as suas especificidades como instituição.
Afirma-se e defende-se aqui, portanto,
a escola como um lugar de produção de cul-
tura. Cabe-lhe, então, ao tratar do esporte, pro-
duzir outras possibilidades de se apropriar dele
— é o processo de escolarização do esporte
— e, com isso, influenciar a sociedade para
conhecer e usufruir de outras possibilidades
de se apropriar do esporte. Buscar uma tensão
permanente entre o espaço social da escola e
o espaço social mais amplo. E isso que carac-
teriza um movimento propositivo da escola em
suas relações com outras práticas culturais da
sociedade.
A escola pode, por exemplo, problema-
tizar o esporte como fenômeno sociocultural,
construindo um ensino que se confronte com
aqueles valores e códigos que o tornaram
excludente e seletivo, para dotá-lo de valores
e códigos que privilegiam a participação, o
respeito à corporeidade, o coletivo e o lúdico,
por exemplo. Agindo assim, ela produz uma
outra forma de apropriação do esporte, pro-
duz um outro conhecimento acerca do espor-
te. Enfim, produz uma outra prática cultural
de esporte. Com ela, a escola vai tensionar
com os códigos dominantes da sociedade agre-
gados ao esporte (principalmente com a ex-
clusão da prática cultural de esporte a que a
ampla maioria dos alunos é submetida e com
a idéia de rendimento e performance que pre-
dominantemente orientam o seu ensino na es-
cola). E essa tensão é possível porque o ensi-
no produzido e realizado na escola não se en-
cerra nele mesmo:
As disciplinas escolares intervém igualmente na
história cultural da sociedade. Seu aspecto
funcional é o de preparar a aculturação dos alu-
nos em conformidade com certas finalidades: é
isso que explica sua gênese e constitui sua razão
social. Mas se se as consideram em si mesmas,
tornam-se entidades culturais como outras, que
transpõem os muros da escola, penetram na
sociedade, e se inscrevem então na dinâmica de
uma outra natureza. (Chervel, 1990, p.220)
Daí se avança para a compreensão de
que o "esporte da escola" pode "intervir na
história cultural da sociedade". Ora, com essa
compreensão, recusa-se aquela idéia de que o
"esporte na escola", com os códigos produzi-
dos por "sistemas mais poderosos", vai ser a
negação radical do "esporte da escola", ini-
bindo e inviabilizando a sua existência. E su-
pera-se também a idéia de que a escola não
pode produzir uma prática de esporte com seus
códigos próprios, ou que isso seria algo ina-
tingível e mesmo derrotado de uma vez por
todas. Aceita-se, então, a idéia de que não só é
possível à escola produzir a sua própria cultu-
ra escolar de esporte, como também a idéia de
que é com essa cultura que a escola vai inter-
vir na história cultural da sociedade. E exata-
mente aí que está o lugar da tensão permanente
a que me referi. Implícito está que, nesse
caso, o professor e a professora de Educação
Física, e a escola como instituição, são enten-
didos como produtores de uma dada cultura.
A propósito, é preciso que se afirme ra-
dicalmente essa capacidade de intervenção da
escola na sociedade, pois o que de pior pode-
ria acontecer à idéia de se construir um espor-
te como prática cultural portadora de valores
que privilegiam, por exemplo, o coletivo e o
lúdico, é o enclausuramento dessa idéia na
escola, como se ela fosse possível e desejada
somente em seu interior. Aprisionar essa idéia
na escola é antecipar a sua morte. É o que
pode ocorrer, paradoxalmente, se aceitarmos
que o esporte "da escola", só possa ser prati-
cado no interior de seus muros. Aceitar isso
seria negar a gênese social da escola e a sua
permanente inserção na totalidade social, ne-
gar que ela possa oferecer à sociedade outras
possibilidades de fruição do esporte. Ora, em
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
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última instância, isso seria esvaziar de sentido
o ensino de esporte como um dos temas da
Educação Física, ou, então, até mesmo refor-
çar o seu ensino nos moldes atuais, baseado
predominantemente na exclusão de muitos e
na performance de poucos.
Não se trata, então, de agir apenas para
que a escola tenha o "seu" esporte. Trata-se de
problematizar a prática cultural do esporte da
sociedade (que é, ao mesmo tempo, o esporte
da e na escola), para reinventá-lo, recriá-lo,
reconstruí-lo, e, ainda mais, produzi-lo a par-
tir do específico da escola, para tencionar com
aqueles já citados, que a sociedade incorpo-
rou a ele (e para superá-los). Não sendo mes-
mo possível à escola isolar-se da sociedade, já
que a escola é, ela mesma, uma instituição da
sociedade, uma de suas tarefas, então, é a de
debater o esporte, de criticá-lo, de produzi-lo...
e de praticá-lo! Ora, se se quer o confronto —
a tensão permanente — com os códigos e va-
lores agregados ao esporte pela forma capi-
talista de organização social para construirmos
outros valores a partir da escola (a solidarie-
dade esportiva, a participação, o respeito à di-
ferença, o lúdico, por exemplo), é fundamen-
tal que o façamos para toda a sociedade.
Se é assim, cabe à escola e, mais es-
pecificamente, à Educação Física, como uma
de suas tarefas, oferecer à sociedade outras
possibilidades de prática do esporte. E é isso
que a coloca numa posição de produzir
novos conhecimentos acerca do esporte,
colocando-os à disposição da sociedade. O
que é completamente diferente e distante de
ela ser apenas um lugar de transmissão de
um conhecimento já pronto e inabalável
sobre o esporte, ou de apenas o transpor di-
daticamente para a escola.
De toda forma, o fundamental é que, na
escola, os professores e as professoras de Edu-
cação Física, ao transformarem o esporte em
objeto de ensino (no sentido dado por Forquin),
têm condições de ampliar sua prática para pro-
duzir uma cultura escolar de esporte. Para isso,
e pensando hoje diferentemente de Bracht,
acredito que a escola, os professores e as pro-
fessoras de Educação Física já possuem um
grau de "autonomia pedagógica" nessa em-
preitada que, sem ilusões, creio até que já es-
teja sendo por muitos realizada (e isso certa-
mente inclui Bracht!).
A legitimidade do ensino da Educação
Física na escola, entre outros "argumentos
plausíveis ", poderia ser fortalecida não com o
reconhecimento tácito de que ela reproduz e
transmite o esporte de rendimento hegemôni-
co na sociedade, mas com entendimento de que
ela concretamente pode produzir uma cultura
escolar de esporte, confrontando-a com as prá-
ticas culturais de esporte da sociedade.
A TENSÃO PERMANENTE ENTRE O
ESPORTE NA ESCOLA E O ESPORTE DA
ESCOLA ENCONTRADA NO PRÓPRIO
BRACHT
Se há exemplos que podem ser aqui
citados para ilustrar o confronto — que estou
chamando de tensão permanente entre o
esporte produzido na cultura escolar e o
esporte como prática cultural da sociedade
—, vou buscá-los no próprio livro de Bracht.
Trata-se de seus dois últimos capítulos, que
aliás, como registrado por ele mesmo na
Apresentação do livro, foram escritos cro-
nologicamente antes dos Capítulos 1 e 2.
Mas continuarei obedecendo a seqüência
exposta no livro.
No Capítulo 3, o autor procura refletir
acerca da contribuição da Educação Física
no processo de socialização de crianças e de
adolescentes. Depois de salientar que
existem diferentes valorizações desse
processo decorrentes de diferentes visões de
mundo, ele afirma que
a socialização através do esporte escolar pode
ser considerada uma forma de controle social,
pela adaptação do praticante aos valores e nor-
mas dominantes como condição alegada para a
funcionalidade e desenvolvimento da sociedade.
Um dos papéis que cumpre o esporte escolar em
nosso País, então, é o de reproduzir e reforçar a
ideologia capitalista, que por sua vez visa fazer
com que os valores e normas nela inseridos se
apresentem como normais e desejáveis. Ou seja,
a dominação e a exploração devem ser
assumidas e consentidas por todos, explorados e
exploradores, como natural. (p.61)
Em outra passagem, o autor é ainda
mais rigoroso e tachativo na análise sobre as
possibilidades de o esporte ter um sentido
educativo:
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
13
... realmente o esporte educa. Mas, educação
aqui significa levar o indivíduo a internalizar
valores, normas de comportamento, que lhe
possibilitarão adaptar-se à sociedade capitalista.
Em suma, é uma educação que leva ao
acomodamento e não ao questionamento. Uma
educação que ofusca, ou lança uma cortina de
fumaça sobre as contradições da sociedade ca-
pitalista. Uma educação que não leva à forma-
ção "do indivíduo consciente, crítico, sensível à
realidade que o envolve" [citando Oliveira,
1993]. (p.63)
Bracht aqui ainda está preso àquele
olhar um tanto funcionalista da escola, da Edu-
cação Física e mesmo do esporte, como práti-
ca cultural. Mas, Bracht também se pergunta:
em que medida ou até que ponto poderemos
chegar a um quadro diferente? Ou seja, o es-
porte escolar pode ser diferente? Pode cum-
prir um papel diferente do de inculcar a ideo-
logia burguesa?
E ele se posiciona sobre tais perguntas:
Embora reconhecendo as ferrenhas determin-
ações sociais que sobre a Educação Física Es-
colar recaem, acreditamos que no seu interior a
contradição não foi suprimida, ela persiste.
Embora os espaços a serem ocupados no sentido
de uma ação transformadora sejam restritos,
admitimos a sua existência. Neste sentido, o da
identificação destes espaços, cumpre ini-
cialmente incluir a Educação Física/Esporte
escolar no contexto mais amplo da Educação e,
enquanto parte desta, analisar as possibilidades
de contribuição/colaboração para o processo de
transformação social, condição para a
concretização de uma sociedade mais justa e
livre.
Em seguida, Bracht escreve que a esco-
la não é um instrumento homogêneo da classe
dominante e que, por isso mesmo, admite que
nela existe um espaço, embora pequeno, para
o que Gadotti chama de " 'guerrilha ideológi-
ca travada na escola". (p.65)
Bracht se refere à categoria da con-
tradição e diz que os espaços para a "ação
transformadora" na escola "são restritos",
parecendo resignar-se a admitir que na es-
cola só há algumas pequenas brechas, uns
poucos momentos e espaços, "embora pe-
quenos", a serem ocupados pelos professo-
res. Ao contrário, pelo exposto, creio que há
a possibilidade concreta de um movimento
propositivo da escola na produção de sua
cultura escolar para tensionar com a história
cultural da sociedade.
Mas ele defende que a tarefa dos pro-
fessores de Educação Física
é a de desenvolver uma pedagogia desportiva
que possibilite aos indivíduos pertencentes à
classe dominada, aos oprimidos, o acesso a uma
cultura esportiva desmistificada. Permitir ou
possibilitar através desta pedagogia que estes
indivíduos possam analisar criticamente o fe-
nômeno esportivo, situá-lo e relacioná-lo com
todo o contexto sócio-econômico-político e cul-
tural. (p.65)
Aqui o seu olhar para a escola já parece
mais aberto e atento às múltiplas possibilida-
des de apropriação deste lugar social. Não
seria essa "pedagogia desportiva" uma possi-
bilidade de se construir uma relação de tensão
permanente entre uma prática escolar de es-
porte (o esporte da cultura escolar) e a prática
cultural de esporte hegemônica na sociedade?
No Capítulo 4, Bracht apresenta inúme-
ras considerações sobre o esporte e seu pro-
cesso de socialização, com base em diversos
autores. Ele relata uma pesquisa que realizou
com alunos de 6=
série numa escola pública da
cidade de Santa Maria (RS). Nesta pesquisa, o
autor se propôs a verificar os resultados da
aplicação prática de uma metodologia de en-
sino de esporte (modalidade basquete), a qual
foi denominada Metodologia Funcional Inte-
grativa (MFI).
O que quero dela trazer ao diálogo são
os animadores resultados que uma prática pe-
dagógica em Educação Física pode alcançar
quando se propõe a problematizar a prática
cultural de esporte realizada socialmente e a
construir outras possibilidades de usufrui-la (é
a isso que chamo produzir uma cultura esco-
lar de esporte), confrontando-se com aquela
perspectiva de se colocar a Educação Física "a
serviço da indústria do esporte", ou como "base
da pirâmide esportiva", como ele escreveu.
Na conclusão de sua pesquisa, o autor
ainda demonstrava uma posição bastante de-
terminista e mesmo reducionista sobre a es-
cola e sobre a presença do esporte em seu in-
terior, afirmando, por exemplo, que a escola
reproduz a ideologia da classe dominante,
concluindo com isso que o esporte na escola
não deixa de veicular e reproduzir esta ideo-
logia. Talvez seja essa posição que o acaba
induzindo a uma negação radical da possibili-
dade de a escola produzir a sua cultura de es-
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
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porte, conforme tentei demonstrar. De todo
modo, os próprios resultados que ele obteve
na pesquisa indicam que essa sua posição de-
terminista pode ser bastante relativizada.
Então, resgato os seus procedimentos na
conduta de uma prática escolar de Educação
Física com o tema esporte, propostos em sua
pesquisa:
- incentivar os alunos e possibilitar-lhes a par-
ticipação no planejamento das aulas; - incenti-
var os alunos a expressarem idéias para a
realização dos jogos; - conduzir reflexões e
discussões com os alunos sobre as atividades
desenvolvidas, levando-os a refletir quanto a:
1. importância da participação de todos os in-
tegrantes do grupo; 2. possibilidade e necessi-
dade de mudança de regras; necessidade de
conseguir ambiente agradável, cooperativo e de
companheirismo nos jogos; - considerar as idéi-
as expressas pelos alunos e submetê-las à apre-
ciação do grupo; - engajar os alunos na
organização e validação das atividades realiza-
das nas aulas; - levar em consideração a impor-
tância de uma disciplina funcional, espontânea,
em contraposição à disciplina imposta; - ex-
plorar e utilizar a colocação de problemas aos
alunos, com o objetivo de levá-los à atividade
reflexiva;
-limitar ao mínimo indispensável a direção pes-
soal das atividades, (p.90)
E também alguns aspectos da metodo-
logia empregada:
... na metodologia que propomos, a MFI, além
de buscar a eliminação da dominação pela
autoridade, sem no entanto renunciar o direito
e o dever do professor de indicar uma direção,
indicadora do compromisso político assumido,
procura-se mostrar o esporte numa perspectiva
crítica, onde os alunos possam realmente
"fazer" o seu esporte levando em consideração
as características de sua realidade infantil e
existencial (social, econômica, política,
cultural), e não apenas praticar o esporte. Para
isso, entre outras coisas, o aluno tem de
participar ativa e conscientemente do processo
de normatização que determina as condições
das interações no esporte. ( p.109, grifo meu)
...na MFI prevê-se o envolvimento dos alunos
no processo de regulamentação dos jogos, o que
implica a criação pelos alunos de seus própri-
os papéis representativos, (p.105)
A partir disso, foi possível ao autor ve-
rificar uma melhoria significativa nas catego-
rias por ele construídas e analisadas, compa-
radas com uma metodologia tradicional de
ensino de esporte. Por exemplo, houve na ca-
tegoria chamada "nível de participação" uma
freqüência dos alunos às aulas muito superior,
com uma participação com "maior entusias-
mo e maior alegria" e "um envolvimento
consciente nas decisões de aula" (p.99). Tam-
bém na categoria "contatos sociais", houve me-
lhoria significativa na comunicação entre os
alunos, e conseqüentemente na participação
deles na organização das atividades da aula
e na superação dos conflitos, quando se pre-
tende exercitar a cooperação (p.100). E um
último exemplo retirado da categoria "mudan-
ça de regras/expressão de idéias" onde houve,
por parte dos alunos, uma "maior freqüência
de expressão de idéias e sugestões de mudan-
ças de regras ocorridas nas aulas desenvolvi-
das com a MFI". Com isso, os alunos trans-
formaram regras internacionais do esporte e
puderam construir outras.
Ora, esses exemplos retirados da pes-
quisa e da prática pedagógica de Bracht não
são outra coisa senão a construção por pro-
fessores e alunos, na escola, de outras possi-
bilidades de praticar o esporte: é a isso que
chamo produção de uma cultura escolar de es-
porte.
E então retomo aquelas questões que
apresentei para este diálogo: será que não
houve autonomia pedagógica na realização
desta prática escolar? Creio que houve sim,
pois o mais significativo da pesquisa de
Bracht, a meu ver, é que ela realiza concre-
tamente o esporte da escola, sem "servir à
indústria do esporte" e sem fazer uma
"transplantação reflexa" do esporte de ren-
dimento para a escola.
A MFI substitui também a prioridade dada pela
metodologia tradicional ao ensino dos gestos e
ao aprendizado das regras esportivas interna-
cionais, pela vivência do jogo, procurando
transformar as aulas num campo de ação e vi-
vência social, (p.109)
Houve, além disso, tanto uma "trans-
formação do esporte em objeto de ensino"
com aquele "imenso trabalho de reorgani-
zação, de reestruturação" de um saber acu-
mulado historicamene, como escreveu
Forquin, mas principalmente houve uma
produção de novas formas de praticar o es-
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
15
porte na escola, com a participação do pro-
fessor e dos alunos. Bracht realizou o que
Chervel chamou de "liberdade de manobra
que tem a escola na escolha de sua pedago-
gia". E, então, as finalidades da escola não
foram a "regra imposta", a escola não foi o
"santuário da rotina e da sujeição" e nem
tampouco foi o professor "o agente impo-
tente de uma didática que lhe é imposta do
exterior", conforme reclamava Chervel.
Enfim, com aquela prática escolar,
Bracht produziu uma cultura escolar em rela-
ção com o conjunto das culturas em conflito
numa dada sociedade, mas com especificida-
des próprias (...), como defende Nóvoa.
E, ainda, não ocorreu aquele paradoxo a
que me referi, onde a Educação Física conquista
a sua legitimidade pedagógica na medida em que
perde a sua autonomia: os resultados da pesqui-
sa indicam que ambas ocorreram numa mesma
prática escolar — ou seja, a prática escolar de
Educação Física assim construída superou a su-
bordinação ao esporte de rendimento e, ao mes-
mo tempo, conquistou uma maior legitimidade,
quer seja entre os alunos quer seja, por exten-
são, na escola. Pode-se dizer, assim, que a Edu-
cação Física agora tem os "argumentos plau-
síveis" reclamados por Bracht para justificar
a sua presença no currículo escolar. E isso é
também a concretização da sua intervenção
na cultura da sociedade (ainda que numa
microssociedade).
Em síntese, entendo que a pesquisa de
Bracht mostra a possibilidade concreta de se
estabelecer uma relação de tensão entre o
esporte da escola (com seus códigos pró-
prios) e o esporte como prática cultural da
sociedade (com os atuais códigos hege-
mônicos citados).
Creio então que se pode pelo menos re-
lativizar o efeito daquela afirmação do pró-
prio Bracht de que se tem o esporte na esco-
la, mas não o esporte da escola. Existe, a
meu ver, uma prática cultural de esporte na
sociedade que certamente penetra a escola, e
ela, na medida em que produz uma cultura
escolar de esporte, pode relacionar-se com
essa prática, confrontando-a, colocando-a
em conflito, enfim, estabelecendo com ela
uma tensão permanente.
RESGATANDO AS IDÉIAS ABANDO-
NADAS POR BRACHT
Neste artigo, afirmei que Bracht teria
abandonado duas idéias. A primeira — a de
que a escola, como um sistema, teria um grau
de liberdade para estabelecer e regular os seus
próprios critérios seletivos de relação com o
meio ambiente (com os outros sistemas). E a
segunda — a de que a Educação Física assu-
me e incorpora os códigos e as funções da pró-
pria escola.
Pois bem, creio que neste diálogo tenha
ficado explícito que considero procedentes
essas duas idéias de Bracht, e mesmo de fun-
damental importância para o entendimento do
lugar da escola na sociedade, das suas possi-
bilidades de intervenção cultural. Não seria,
então, o caso de se resgatar as duas idéias do
próprio Bracht?
Finalizando, registro que ainda que o
diálogo com Bracht aqui tenha sido em torno
do tema esporte, as reflexões aqui expostas,
notadamente sobre a relação de tensão perma-
nente entre um saber produzido socialmente
e a cultura escolar, podem ser, em minha opi-
nião, articuladas aos demais temas do ensino
de Educação Física, como a ginástica, a dan-
ça, as lutas, os jogos populares. Seria o caso,
então, de se ampliar a discussão sobre a pro-
dução, pela Educação Física, de uma cultura
escolar de práticas corporais lúdicas. Tema
para muitos diálogos!
E para prosseguir este diálogo, é muito
importante perguntar como Valter Bracht dis-
cute hoje as relações entre o esporte e a escola.
Motivá-lo a escrever sobre tais relações é tam-
bém um dos objetivos deste diálogo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ção Física. Porto Alegre: Magister, 1992.
CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no
Brasil: a história que não se conta. Campi-
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CHERVEL, André. História das Disciplinas Esco-
lares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
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Teoria e Educação, Porto Alegre: Pannonica,
n.2, p. 177-229, 1990.
FORQUIN, Jean-Claude. Saberes Escolares, impe-
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GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Educação
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social dos conteúdos e a Educação Física
brasileira . São Paulo: Loyola, 1988.
KUNZ, Elenor. Educação Física: ensino e mudan-
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____. Transformação didático-pedagógica do
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LINHALES, Meily Assbú. Trajetória política do
esporte no Brasil: interesses envolvidos, seto-
res excluídos. Belo Horizonte: UFMG, 1996.
(Dissertação, Mestrado em Ciência Política.)
NÓ VOA, Antônio. História da educação: perspec-
tivas atuais. 1994 (mimeo.)
OLIVEIRA, Vítor Marinho de. Consenso e confli-
to da Educação Física brasileira. Campinas:
Papirus, 1994.
NOTAS

0 livro de Valter Bracht, Educação Física e apren-
dizagem social (Porto Alegre: Magister, 1992),
constitui-se de uma coletânea de quatro artigos,
sendo três anteriormente publicados pelo autor, em
momentos diferentes. Neste texto, as referências
serão sempre ao livro.
Segundo o Novo dicionário Aurélio, diálogo quer
dizer:  1. Fala entre duas ou mais pessoas; conver
sação, colóquio; 2. Obra literária ou científica em
forma dialogada. 3. Troca ou discussão de idéias,
de opiniões e de conceitos, com vista à solução de
problemas, ao entendimento ou à harmonia; comu
nicação; 4. (...).
!
O tratamento que a escola, como instituição, e os/
as alunos/alunas, como sujeitos, dão ao esporte tam
bém poderia ser discutido em outros tempos e
espaços escolares (o recreio e o pátio, por exem
plo), e não só no ensino de Educação Física. Essa
discussão não será, entretanto, objeto deste ensaio.

Para aprofundamento remeto o leitor à disserta-
ção de mestrado de Meily A. Linhales (1996), citada
na bibliografia deste texto.
UNITERMOS
Educação - Escola - Cultura Escolar - Ensino -
Educação Física - Esporte
*Professor de Educação Física da Universidade
Federal de Minas Gerais Mestre em Educação
pela Faculdade de Educação da UFMG
Doutorando em Educação pela Faculdade de
Educação da USP
Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2
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  • 1. O "esporte na escola" e o "esporte da escola": da negação radical para uma relaçãode tensão permanente Um diálogo com Valter Bracht Tarcísio Mauro Vago* A idéia central que apresento para este diálo- go é a de que a escola, como instituição social, pode produzir uma cultura escolar de esporte que, ao invés de reproduzir as práticas de esporte hegemônicas na sociedade, como escreveu Bracht, estabeleça com elas uma relação de tensão per- manente, num movimento propositivo de intervenção na história cultural da sociedade. Este artigo discute as relações da es- cola com as práticas culturais de es- porte, estabelecendo um diálogo com o livro de Valter Bracht (1992) e trazendo para essa discussão as contribuições de alguns estudiosos da história das disciplinas escolares (Nóvoa, Forquin e Chervel). A idéia central defendida é a de que a escola pode produzir uma cultura escolar de esporte que, ao invés de reproduzir as práticas de esporte hegemônicas na sociedade, como escreveu Bracht, estabeleça com elas uma relação de tensão permanente, intervindo na história cultural da sociedade. As práticas culturais de esporte vêm sendo escolarizadas ao longo deste século, como um dos temas de ensino da Educação Física. Então, quais as relações possíveis da escola (e do seu ensino de Educação Física) com as práticas culturais de esporte? Tentando refletir acerca das possíveis respostas a essa pergunta, tomei como referência o livro de Valter Bracht (1992)', Educação Física e aprendizagem social, o que se justifica por ser esse autor um dos mais lidos pelos professores de Educação Física, no Brasil (Oliveira, 1994). A intenção é a de estabelecer com esse estudioso um diálogo para discutir um dos muitos pontos trazidos à reflexão pelo autor, justamente aquele que trata do ensino do esporte na escola, por intermédio da Educação Física. A idéia central que apresento para este diálogo é a de que a escola, como instituição social, pode produzir uma cultura escolar de esporte que, ao invés de reproduzir as práticas de esporte hege- mônicas na sociedade, como escreveu Bracht, estabeleça com elas uma relação de tensão permanente, num movimento propositivo de intervenção na história cul- tural da sociedade. Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 4
  • 2. EM TORNO DA AUTONOMIA E DA LEGI- TIMIDADE PEDAGÓGICA DA ESCOLA E DO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA Um olhar para a escola como lugar de ''transmissão do saber acumulado" Depois de conceituar, no Capítulo 1, o ter- mo Educação Física como aquele que abrange as atividades pedagógicas, tendo como tema o movimento corporal e que toma lugar na insti- tuição educacional (p.15), Bracht considera que a Educação Física, em se realizando na insti- tuição educacional, presume-se, assume o es- tatuto de atividade pedagógica e, como tal, incorpora-se aos códigos e funções da própria escola, (p.17) Há duas idéias impor tantes contidas nessa consideração. A primeira é a de que Bracht, aqui, defende que a escola tem seus próprios "códigos e funções", admitindo então que ela possua uma certa autonomia como instituição social. A segunda idéia decorre imediatamente desta: a Educação Física (e os temas que ela vai ensinar, entre os quais o esporte), sendo constituinte da escola, assu- me e incorpora em seu ensino esses "códigos e funções" da escola. Bracht prossegue demonstrando o fato de a Educação Física ter recebido, em sua his- tória no Brasil, a influência de duas institui- ções: a instituição militar e a instituição es- porte. O que o autor discute, então, é o grau de autonomia pedagógica (ou a "identidade da Educação Física", segundo ele) alcançada pela Educação Física nas suas relações com essas instituições. Para definir o que seja essa autonomia, Bracht cita o sociólogo alemão Niklas Luhmann: A autonomia pressupõe uma determinada in- terdependência, e expressa o grau de liberdade com o qual as relações entre o sistema e o meio ambiente podem, através dos critérios seletivos do sistema, ser por ele próprio reguladas (Luhmann, citado por Bracht, 1992. p.18). Com base na definição de auto- nomia de que ele se utiliza, percebe-se que Bracht, ainda aqui, reforça aquela primeira idéia de que a escola, sendo um "sistema", teria sim um "grau de liberdade" para estabelecer relações com o meio ambiente por meio de seus "critérios seletivos" regulados por ela própria. Logo, se o esporte está no meio ambiente, a escola poderá relacionar-se com ele por meio dos seus próprios critérios e, ainda, regular essa relação. Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 5
  • 3. primeira idéia é a de que Bracht defende que a escola tem seus próprios "códigos e funções", admi- tindo então que ela possua uma certa autonomia como instituição social. A segunda idéia decorre imediatamente desta: a Educa- ção Física (e os temas que ela vai ensinar, entre os quais o esporte), sendo constituin- te da escola, assume e incor- pora em seu ensino esses "códigos e funções" da escola. Bracht não sustenta seus argumentos apenas na teoria dos sistemas. Ele procura complementá-la com base no materialismo histórico para dizer que os sistemas sociais não podem ser simplesmente colocados lado a lado, e sim, para superar o caráter meramente descritivo da análise, preci- samos, através da análise histórica, identificar a gênese dos sistemas, as suas determinações, ou seja, através da categoria antropológica do trabalho, introduzir a questão do poder nas re- lações intersistemas. Isto significa perguntar, por exemplo, em que medida um sistema não tem sua identidade ou o sentido norteador das ações, determinados por outros sistemas (que constituem o seu meio ambiente) mais 'pode- rosos'? É preciso analisar o desenvolvimento em função de sua posição na hierarquia global (p.19). Bracht entende que um dos critérios que identificam a diferenciação de um sistema diz respeito à diferenciação dos papéis. Isto é, em que medida os diferentes papéis que preci- sam ser cumpridos no interior de um sistema, não se confundem com outros de outros siste- mas. Ou seja, um "sistema" — como a escola — poderia estar cumprindo papéis determina- dos por outros sistemas "mais poderosos". Percebe-se, aqui, que Bracht abandona aquela primeira idéia, registrada anteriormente, de uma possível autonomia da Escola para esta- belecer seus próprios "códigos e funções", seus "critérios seletivos" para se relacionar com o meio ambiente e regular esta relação. Ao abandoná-la, Bracht expressa um outro entendimento sobre a escola: A instituição educacional é produto de um processo de complexificação da sociedade — produzido fundamentalmente pelo desenvolvi- mento das forças produtivas — que determinou uma diferenciação de sistemas, os quais cumprem, no conjunto das relações sociais, determinadas funções: a transmissão do saber social acumulado exigiu o surgimento de uma instituição para cumprir tal tarefa — o sistema educacional (p.19). Percebe-se, então, que Bracht agora se refere à escola como um lugar unicamente da "transmissão do saber social acumulado", sen- do essa a tarefa que o sistema educacional deve cumprir. Ou seja, a escola é entendida como um lugar de transmissão de um conhe- cimento produzido sempre fora dela, por um outro sistema "mais poderoso", para usar a sua expressão. Por aí, Bracht apresenta a escola como um "sistema" sem poder, posicionada na hierarquia social como reprodutora de a- ções determinadas por outros sistemas e, por- tanto, submissa a eles. Seus "códigos e fun- ções" ou seus "critérios seletivos" perdem for- ça. Ora, esse é somente um dos muitos olha- res que se pode lançar sobre a escola e um dos pontos centrais deste diálogo com o texto de Bracht. Um outro olhar para a escola: um lugar de produção de cultura Torna-se fundamental, aqui, trazer a crítica de Antônio Nóvoa àquele olhar sobre a escola como lugar de transmissão de conhecimento: Historicamente a escola foi vista como um 'lugar de cultura': primeiro numa acepção idealizada de aquisição de conhecimentos e das normas 'universais', mais tarde numa perspectiva crítica de inculcação ideológica e de reprodução social. Num e noutro caso, ignorou-se o trabalho interno de produção de uma cultura escolar, em relação com o conjunto das culturas em conflito numa dada sociedade, mas com especificidades próprias que não podem ser olhadas apenas pelo prisma das sobredeter-minações do mundo exterior. (Nóvoa, 1994. p.15) E também a crítica de André Chervel (1990): A concepção de escola como puro e simples agente de transmissão de saberes elaborados fora dela está na origem da idéia, muito ampla- mente partilhada no mundo das ciências huma- nas e entre o grande público, segundo a qual ela é, por excelência, o lugar do conservadorismo, da inércia, da rotina (p.182). Especialmente no Capítulo 1 (mas também nos outros três), Bracht parece pró- ximo das visões históricas sobre a escola criticadas por Nóvoa e por Chervel. Bracht parece ainda não reconhecer o trabalho in- terno de produção de uma cultura escolar. E isso terá repercussões em sua discussão sobre o esporte na escola, como se verá adiante. O entendimento de Bracht não é im- procedente: a escola pode, sim, de um lado, estar cumprindo também aquela tarefa por ele exposta. Mas, de outro lado, a escola pode não se reduzir a ela, como Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 6
  • 4. se fosse uma "correia de transmissão" de uma cultura produzida por outros "sistemas", sem intervir nela. Um outro olhar então se pode lançar à escola, reconhe-cendo-a como uma instituição que possui a capacidade de produção de uma cultura escolar. Isto é, uma escola que possua certa autonomia para produzir a sua cultura, com seus próprios códigos e critérios — como o próprio Bracht havia presumido existir — e, assim, estabelecer relação com o conjunto das culturas em conflito numa dada sociedade, como escreve Nóvoa. A diferença fundamental, aqui, é que se defende que a escola tem um movimento propositivo de intervenção cultural na sociedade. Esse outro olhar para a escola é fundamental para a discussão que segue e, por isso, estará sempre presente. O "esporte na escola" e a negação radical do "esporte da escola" É aqui, então, que irei privilegiar as re- lações da escola com o esporte, dialogando com Bracht. Sempre aproveitando o próprio texto de Bracht, nele se encontra uma breve síntese do desenvolvimento do esporte no mundo e que aqui será citada para contextualizar a discussão: O esporte sofre no período do pós-guerra um grande desenvolvimento quantitativo. Afirma- se paulatinamente em todos os países sob a influência da cultura européia, como o elemento hegemônico da cultura de movimento. No Brasil as condições para o desenvolvimento do esporte, quais sejam, o desenvolvimento indus- trial, com a conseqüente urbanização da população e dos meios de comunicação de massa, estavam agora, mais do que antes, presentes (p.22). É exatamente a partir do grande de- senvolvimento do esporte pelo mundo que, para Bracht, irá dar-se o fato mais marcante na história da Educação Física, na escola, a partir da Segunda Guerra Mundial — a sua subordinação ao esporte de rendimento: É importante citar que o desenvolvimento da instituição esportiva não se dá indepen- dentemente do da Educação Física: condicio- nam-se mutuamente. A esta é colocada a tarefa de fornecer "a base" para o esporte de rendi- mento. A escola é a base da pirâmide esporti- va. É o local onde o talento vai ser descoberto. Esta relação, portanto, não é simétrica (p. 22). Parece haver uma certa ambigüidade nessa afirmação. Bracht inicialmente escreve que o esporte e a Educação Física "condi- cionam-se mutuamente". Isso dá a entender que o esporte estaria influenciando (ou con- dicionando, ou determinando) o ensino da Educação Física, na escola, na exata medida do seu contrário, isto é, que a Educação Física também estaria influenciando o es- porte. Contudo, ao final, depois de dizer que a Educação Física é a "base da pirâmide es- portiva", Bracht afirma que a relação entre ambos "não é simétrica". Ou seja, se há um pólo subordinado nesta relação, este é o da Educação Física, na escola. Nesse quadro, Bracht apresenta uma idéia que se tornou muito conhecida e aceita quando de sua publicação (e aqui me in- cluo): ... a Educação Física assume os códigos de uma outra instituição[a instituição esporte], e de tal forma que temos então não o esporte da escola e sim o esporte na escola, o que indica a sua subordinação aos códigos/sentidos da insti- tuição esportiva. O esporte na escola é um prolongamento da própria instituição esportiva. Os códigos da instituição esportiva podem ser resumidos em: princípio do rendimento atlético-desportivo, competição, comparação de rendimentos e recordes, regulamentação rígida, sucesso esportivo e sinônimo de vitória, racionalização de meios e técnicas. O que pode ser observado é a transplantação reflexa destes códigos do esporte para a Educação Física. Utilizando uma linguagem sistêmica, poder-se- ia dizer que a influência do meio ambiente (esporte) não foi/é selecionada (filtrada) por um código próprio da Educação Física, o que demonstra sua falta de autonomia na deter- minação do sentido das ações em seu interior. (Bracht, 1992, p.22; grifo meu) Note-se que é aqui que Bracht vai abandonar aquela segunda idéia registrada anteriormente — a de que a Educação Físi- ca, realizando-se no interior do sistema edu- cacional, poderia assumir o estatuto de ati- vidade pedagógica, incorporando-se aos códigos e às funções da própria escola. Ago- ra, o autor afirma taxativamente que a Edu- cação Física "assume os códigos de uma outra instituição", mais poderosa: a institui- O entendimento de Bracht não é improcedente: a escola pode, sim, de um lado, estar cumprindo também aquela tarefa por ele exposta. Mas, de outro lado, a escola pode não se reduzir a ela, como se fosse uma "correia de transmissão" de uma cultura produzida por outros "siste- mas", sem intervir nela. Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 7
  • 5. O esporte é legitimado pela sociedade e é exatamente isso que garantiria legitimidade para o ensino de Educação Física na escola: ensi- nar esporte. Mas, paradoxalmente, parece que a Educação Física somente seria legitimada na escola na medida em que transmitisse (ensinasse) esse elemento da cultura tal como ele se realiza nas sociedades modernas, com os códigos citados. ção esportiva. E disso resulta sua falta de au- tonomia pedagógica — têm-se então o espor- te na escola, mas não o esporte da escola, se- gundo o autor. Como escreve Nóvoa, Bracht parece olhar a escola apenas pelo "prisma das sobredeterminações do mundo exterior". Um paradoxo: a perda da autonomia e a conquista da legitimidade pedagógica pela Educação Física no ensino do esporte Se no Capítulo 1 Bracht afirma a inexistência de "autonomia pedagógica" por parte da Educação Física e da escola, já no Capítulo 2 o autor traz à reflexão a discussão sobre a legitimidade pedagógica do ensino da Educação Física. A partir de citação de J. Habermas, para quem legitimidade significa que há bons motivos para que um ordenamento político seja reconhecido como justo e equâ- nime (p.37), Bracht pondera que legitimar a Educação Física significa, então, apresentar argumentos plausíveis para a sua permanên- cia ou inclusão no currículo escolar (p.37). Mais adiante, Bracht sugere a hipótese, entre outras, de que o fenômeno esportivo é uma das versões recentes para legitimar o ensino da Educação Física na Escola: [A legitimidade da Educação Física na Escola] tem a ver com a dimensão que assumiu o fenô- meno esportivo em nossa sociedade. A dimen- são quantitativa do esporte parece ser razão suficiente para que a escola assuma a tarefa de transmitir este elemento da cultura. Define-se nesta perspectiva a tarefa da Educação Física como a de desenvolver a capacidade de ação no desporto (p.46). O esporte é legitimado pela sociedade e é exatamente isso que garantiria legitimida- de para o ensino de Educação Física na esco- la: ensinar esporte. Mas, paradoxalmente, pa- rece que a Educação Física somente seria le- gitimada na escola na medida em que trans- mitisse (ensinasse) esse elemento da cultura tal como ele se realiza nas sociedades moder- nas, com os códigos citados. Nessas socieda- des, o esporte alcança, segundo Bracht, uma "unanimidade", assim resumida por ele: Ser esportivo, aparentar boa forma física, já quase não é uma opção, mas sim uma imposição social. Ligada a este boom do corpo ou das práticas corporais, temos o boom da indústria do lazer e dos materiais esportivos, (p.46) E completa: Embora os pedagogos resistam em utilizar esta nova dimensão do cotidiano de boa parte da população como elemento de legitimação da Educação Física na Escola, é bem provável que a Escola, concretamente, já esteja, através das aulas de Educação Física, servindo a esta nova indústria, e a Educação Física esteja recebendo o reconhecimento a partir do reconhecimento tácito [que em nota de rodapé Bracht traduz por consumo] destas práticas corporais na sociedade como um todo (p. 46). É aí que localizo o referido paradoxo da Educação Física quando ensina o esporte na escola: a Educação Física conquista a sua legitimidade pedagógica na medida em que perde a sua autonomia pedagógica. Servir à indústria do esporte, transmitindo os seus có- digos e valores: eis a legitimidade, eis a perda de autonomia. Não haverá saída para esse pa- radoxo? A ESCOLA, A EDUCAÇÃO FÍSICA E A PRÁTICA CULTURAL DE ESPORTE: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DE TENSÃO PERMANENTE Não se questiona aqui o fato de o espor- te ter se desenvolvido mundialmente ao ponto de se ter transformado em elemento hegemô- nico da cultura de movimento. Esse é mes- mo um fato histórico. Que o esporte tenha influenciado a Educação Física e se transfor- mado no seu principal (ou até o único) con- teúdo de seu ensino na escola nos últimos 50 anos, disso também não se discorda. As questões que coloco para este diá- logo são estas: a Educação Física, na escola, tem sido mesmo apenas e tão somente um veículo de transmissão/reprodução do esporte, com os códigos do esporte de ren- dimento citados por Bracht? Ela apenas está "servindo à indústria do esporte"? Ou, de outra forma: a escola não possui e nem se- quer desenvolveu nenhum "grau de autono- mia" para, por intermédio da Educação Fí- sica (mas também de outros tempos e espa- ços educativos), ensinar o esporte por seus próprios códigos, normas ou critérios? Ela se resume a realizar uma "transplantação reflexa" do esporte produzido "totalmente fora dela"? Ela não tem ou nem pode cons- Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 8
  • 6. truir uma forma própria de cultivar e ensinar o esporte? Como prática cultural, o esporte incor- pora valores sociais, culturais, econômicos e estéticos de uma dada sociedade historicamen- te organizada, sendo realizado em diferentes espaços sociais e culturalmente apropriado de múltiplas formas — inclusive as não-autori- zadas. A escola é um desses espaços de reali- zação e de apropriação da prática cultural de esporte, e é o tratamento que ela dá a ele, na Educação Física, que interessa aqui.! Assim, de um lado, pergunta-se: é impos- sível a escolarização do esporte, isto é, a produ- ção de um "esporte da escola", que seja uma prá- tica da cultura escolar, com seus códigos própri- os? E, de outro lado, também pergunta-se: como seria isso sem o "esporte na escola"? Creio que o problema central está aqui: ao afirmar que "temos não o esporte da escola e sim o esporte na escola", Bracht estabelece uma negação radical da possibilidade de se ter o "esporte da escola", negação que se dá com a presença do "esporte na escola". Ou seja, a existência deste impõe-se de tal forma na escola (e à escola), que inibe, inviabiliza, opõe-se, enfim, nega a existência daquele. Então, é a instituição esportiva, como um "sistema mais poderoso", que determina as ações que uma outra instituição mais fraca, a escola (e, nela, a Educação Física) deve realizar. Em decor- rência, a ação da Educação Física na escola se limitaria a ser a "base da pirâmide esportiva", a fonte dos talentos para o esporte de rendimento. É a configuração da relação assimétrica a que se referiu o autor. No limite, isso elimina a possibili- dade de o esporte ser escolarizado, de a cultura escolar ter o seu esporte. É a perda da autonomia pedagógica, ainda que com a conquista da legiti- midade pedagógica. Sim, pode-se admitir que essa é uma das possíveis manifestações do esporte na escola. Mas seria essa negação radical a única possi- bilidade de relação entre o esporte e a escola? O esporte entra em "campo" na escola Como prática cultural, o esporte ocupa um importante lugar nas relações sociais. As- sim é que a história do esporte, no Brasil, evi- dencia a sua origem aristocrática, mas tam- bém um movimento de popularização crescen- te de algumas de suas manifestações (o maior exemplo é o futebol). O uso do esporte para fins políticos e ideológicos também é um fato (a era Vargas e a era da ditadura militar são ilustrativas; Linhales, 1996). Por um lado, numa sociedade estru- turada em moldes capitalistas de produção, como é a brasileira, o esporte não ficou imu- ne a um processo de mercantilização que pa- rece sem fronteiras. O esporte incorpora (ou já é mesmo criado com) os valores estimula- dos por este modelo: a competição, a classifi- cação, a seleção, a comparação, a performan- ce, a vitória... enfim, aqueles mesmos códigos indicados por Bracht. A paulatina constituição do esporte com a propriedade de ser "de ren- dimento" indica uma das suas possíveis for- mas de manifestação numa sociedade de mol- des capitalistas. O processo de mercantilização referido pode ser exemplificado na venda de espaços para publicidade nos lugares da práti- ca esportiva (estádios e ginásios, por exem- plo) e nos uniformes dos atletas; na compra, na venda ou na troca dos próprios atletas (tal- vez ainda a maior e mais rentável das merca- dorias esportivas, com sua expressão legal na lei do passe), no gerenciamento empresarial dos clubes, num imenso mercado gerado em torno do esporte (produtos de beleza, cigar- ros, bebidas, roupas, calçados, uma infinidade de material esportivo, carros, bicicletas, mo- tocicletas... tudo pode ser melhor vendido quando associado ao esporte, à idéia de que ele é um bem acima de qualquer suspeita). Os exemplos poderiam continuar, garimpados de praticamente todos os campos da atividade humana. (Castellani F°, 1989; Ghiraldelli, 1989; Kunz 1991; Bracht, 1992; Linhales, 1996). Mas essa forma de existência não ficou restrita às fronteiras capitalistas: paradoxalmen- te, os países ditos socialistas também desenvol- veram e usaram o esporte com esses mesmos códigos, para fins políticos e ideológicos. Por outro lado, no entanto, o percurso histórico do esporte, no Brasil, também pode ser investigado a partir das tentativas de apro- priação de suas várias manifestações, das for- mas de resistência ao seu controle político, econômico e cultural e, ainda, da produção de outras formas de praticá-lo, por parte dos setores populares da sociedade — esse é um Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 9
  • 7. Assim, diferente- mente de uma negação radical do "esporte da escola" pelo "esporte na escola", conside- ro ser frutífero para a Educação Física avançar no sentido de construir uma relação de tensão perma- nente entre eles. Uma relação de tensão perma- nente que se estabeleça entre uma prática de esporte produzi- da e acumulada historicamente e uma prática escolar de esporte (a cultura escolar de esporte). tema de investigação ainda pouco explorado por pesquisadores da Educação Física. Não aceitando ser meros coadjuvantes da história, os setores populares também bus- caram (e buscam) apropriar-se das práticas culturais de esporte. O futebol, como citado, talvez seja o melhor exemplo disso: de espor- te aristocrático transformou-se num dos maio- res fenômenos de massa, sendo praticado em condições diversas. Fundamental é que ele tam- bém foi apropriado pelos setores populares." Há então muitas imbricações a serem consideradas pelos estudiosos da Educação Física no percurso histórico do esporte no Bra- sil, para que se possa ampliar a compreensão das múltiplas formas de apropriação desta prá- tica cultural — principalmente das apropria- ções não-autorizadas das práticas culturais de esporte, por parte dos setores populares. Pois bem, essas breves considerações históricas, aliadas àquelas citadas de Bracht, têm a intenção de perguntar: poderia a escola ficar indiferente ou alheia a essa história? Os estudos sobre a história da Educa- ção Física e do esporte já demonstraram que não. Especificamente sobre as relações entre o esporte e a Educação Física na escola, tais estudos — e os de Bracht são muito importan- tes para isso — apontam a predominância de uma relação histórica onde a submissão e a dependência da Educação Física ao esporte de rendimento aparecem com muita força (Castellani P, 1988; Ghiraldelli, 1989; Kunz, 1991; Bracht, 1992; Linhales, 1996). Nos anos 1980, essa relação de submis- são começa a ser problematizada por estudio- sos/as da Educação Física. Entre eles, os es- critos de Bracht parecem indicar a existência da referida negação radical, ao afirmar que se tem "o esporte na escola, mas não o esporte da escola". Realmente, por suas relações com a to- talidade social, da qual é uma manifestação, a escola não poderia ficar alheia a todo esse pro- cesso histórico de consolidação do esporte como prática cultural da sociedade moderna. Ele penetra por seus portões, é praticado em seus espaços e em seus tempos, consolida-se como conteúdo de ensino da Educação Física (o espaço e o tempo oficiais para o seu ensi- no). É eleito (ou imposto?) como algo digno de ser ensinado. Em suma, é por esse proces- so histórico que se tem o "esporte na esco- la": o esporte entrou no "campo" da escola. No entanto, há que se investigar tam- bém se a escola não foi (ou é) um "campo" apropriado pelos alunos oriundos dos setores populares para o acesso à prática de esportes. E não me refiro aqui somente às aulas curri- culares de Educação Física. Refiro-me tam- bém, e principalmente, às estratégias usadas para ocupação dos espaços e dos tempos es- colares, ainda que contra a (ou apesar da) pró- pria escola, para a prática das modalidades esportivas, e com códigos que não necessaria- mente reproduzem os do esporte de rendimen- to, mas com a construção de regras, de tem- pos e de espaços próprios. Como assinalei, as apropriações e as práticas não autorizadas de esporte por alunos e professores se constitu- em num interessante tema para pesquisas em Educação Física. Assim, diferentemente de uma nega- ção radical do "esporte da escola" pelo "es- porte na escola", considero ser frutífero para a Educação Física avançar no sentido de construir uma relação de tensão permanente entre eles. Uma relação de tensão perma- nente que se estabeleça entre uma prática de esporte produzida e acumulada historicamen- te e uma prática escolar de esporte (a cultura escolar de esporte). Da negação radical à tensão permanente: os/as professores/as de Educação Física como produtores/as de cultura na escola É certo que se pode questionar os limi- tes políticos e culturais que possui a escola para criar uma cultura escolar de esporte, com es- pecificidades e organização próprias para, com ela, confrontar-se com o chamado esporte de rendimento, produzido no interior de uma so- ciedade predominantemente capitalista e por- tadora dos valores desta. Consciente desses limites, creio também que é aí que se localiza a principal tarefa do/da professor/a: ser um/ uma produtor/a de cultura. Aliás, uma tarefa ao mesmo tempo desafiadora e, por isso mes- mo, estimulante. Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 10
  • 8. Então, a partir dessa relação de tensão permanente, pode-se discutir as possibilidades que se abrem para o ensino de Educação Físi- ca ao tratar da prática cultural de esporte como um de seus temas, e aí, provocando a constru- ção de sua cultura escolar do tema esporte. O esporte que penetra o espaço escolar é o esporte criado e praticado culturalmente na sociedade, com interesses diversos e conflituosos, certamente. Esse esporte é escolarizado e incorporado à cultura escolar. Como uma prática sociocultural da so- ciedade moderna, o esporte está "na escola", sim, e tudo indica a sua permanência nela. E por que o esporte não estaria na escola? A pro- pósito, Forquin (1992), por intermédio de Denis Lawton, chama a atenção para o fato de que certos aspectos de nosso modo de vida, certos tipos de conhecimento, certas atitudes e certos valores são considerados, na verdade, como tendo suficiente importância para que sua trans- missão à geração seguinte não seja deixada ao acaso em nossa sociedade, mas seja confiada a profissionais especialmente formados (os do- centes) no contexto de instituições complexas e custosas (as escolas), (p.31) Creio que isso se aplica às práticas cul- turais de esporte. E, por isso, estranho mesmo seria ele não estar lá "na escola". A questão central passa a ser, então, o tratamento, a rela- ção da escola com essas práticas culturais no seu processo de ensino, tanto na Educação Fí- sica quanto em outros espaços e tempos educativos. Veja-se que Forquin, como Bracht, também se refere somente à "transmissão" de certos tipos de conhecimento. Mas ambos não avançam para a idéia de que haja a produção de uma cultura escolar, no caso, cultura esco- lar de esporte. Ambos não consideram um movimento propositivo da escola na produção dessa sua cultura própria de esporte. A esse respeito, há uma importante dis- cussão a ser aprofundada (e que se deve esten- der muito além deste artigo, obviamente). Bracht defende em seu texto que a Edu- cação Física deve realizar uma "filtragem crí- tica" das atividades corporais, ao ensiná-las, na escola, o que seria fundamental para o de- senvolvimento de sua identidade pedagógica (p.24). Isso se oporia àquela "transplantação reflexa" dos códigos do esporte para a escola (e de outras práticas), que ele menciona (p.22). Com esta mesma preocupação, Kunz (1994) se refere a uma "transformação didática do esporte" a ser realizada pela escola. A "filtragem crítica" proposta por Bracht e a "transformação didática do esporte", de Kunz, aproximam-se da idéia de Forquin (1992) so- bre a tarefa de "transposição didática" que a escola pode realizar: A educação escolar não se limita a fazer uma seleção entre os saberes e os materiais culturais disponíveis num momento dado da sociedade. Ela deve também, a fim de os tornar efetivamente transmissíveis, efetivamente assimiláveis para as jovens gerações, se entregar a um imenso trabalho de reorganização, de reestruturação, de "transposição didática". (p.32) Forquin se apóia em Michel Verret para escrever que toda prática de ensino de um objeto pressupõe a transformação prévia deste objeto em objeto de ensino. Aplicando tal idéia ao esporte, têm-se que a transposição didática do esporte, isto é, a passagem de sua condição de saber erudito para a condição de saber ensinado na escola, pressupõe, então, a sua transformação em um objeto de ensino. Se isso é fundamental, no entanto, não é suficiente, pois, ainda assim, continua-se no entendimento de que cabe à escola apenas o papel de transmitir saberes produzidos fora dela, ainda que ela possa transformar esse sa- ber. Até aqui, não se atingiu, ainda, o entendi- mento de que a escola pode produzir a sua cultura escolar. É em André Chervel (1990) que se pode encontrar um avanço necessário a esse enten- dimento: A história das disciplinas escolares expõe à plena luz a liberdade de manobra que tem a escola na escolha de sua pedagogia. Ela depõe contra a longa tradição que, não querendo ver nas disciplinas ensinadas senão as finalidades que são efetivamente a regra imposta, faz da escola o santuário não somente da rotina mas da sujeição, e do mestre, o agente impotente de uma didática que lhe é imposta do exterior. (P- 193) Com isso, prossegue Chervel, permane- cendo totalmente no interior desse quadro ri- Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 11
  • 9. gido (...) se fechou toda possibilidade de ver o movimento surgir do interior [da escola]. Note-se que Chervel se aproxima aqui daque- la crítica de Antônio Nóvoa a uma visão reducionista de escola. Ora, se, como afirmou Nóvoa, não se pode ignorar "o trabalho interno de produção de uma cultura escolar", e agora, como regis- tra Chervel, é preciso perceber "o movimento surgir do interior da escola", pode-se, então, admitir que a escola — com a sua cultura e o seu movimento interior — tem condições de estabelecer uma relação de tensão entre o sa- ber erudito e o saber escolar, não se limitan- do apenas a realizar uma "transposição didáti- ca", ou uma "filtragem crítica". Concordo, então, com a idéia de Chervel de que a escola possui sim autonomia didática e organizacional (portanto, autonomia pedagó- gica, como quer Bracht) para transmitir a cul- tura escolar gerada em seu próprio interior, da- das as suas especificidades como instituição. Afirma-se e defende-se aqui, portanto, a escola como um lugar de produção de cul- tura. Cabe-lhe, então, ao tratar do esporte, pro- duzir outras possibilidades de se apropriar dele — é o processo de escolarização do esporte — e, com isso, influenciar a sociedade para conhecer e usufruir de outras possibilidades de se apropriar do esporte. Buscar uma tensão permanente entre o espaço social da escola e o espaço social mais amplo. E isso que carac- teriza um movimento propositivo da escola em suas relações com outras práticas culturais da sociedade. A escola pode, por exemplo, problema- tizar o esporte como fenômeno sociocultural, construindo um ensino que se confronte com aqueles valores e códigos que o tornaram excludente e seletivo, para dotá-lo de valores e códigos que privilegiam a participação, o respeito à corporeidade, o coletivo e o lúdico, por exemplo. Agindo assim, ela produz uma outra forma de apropriação do esporte, pro- duz um outro conhecimento acerca do espor- te. Enfim, produz uma outra prática cultural de esporte. Com ela, a escola vai tensionar com os códigos dominantes da sociedade agre- gados ao esporte (principalmente com a ex- clusão da prática cultural de esporte a que a ampla maioria dos alunos é submetida e com a idéia de rendimento e performance que pre- dominantemente orientam o seu ensino na es- cola). E essa tensão é possível porque o ensi- no produzido e realizado na escola não se en- cerra nele mesmo: As disciplinas escolares intervém igualmente na história cultural da sociedade. Seu aspecto funcional é o de preparar a aculturação dos alu- nos em conformidade com certas finalidades: é isso que explica sua gênese e constitui sua razão social. Mas se se as consideram em si mesmas, tornam-se entidades culturais como outras, que transpõem os muros da escola, penetram na sociedade, e se inscrevem então na dinâmica de uma outra natureza. (Chervel, 1990, p.220) Daí se avança para a compreensão de que o "esporte da escola" pode "intervir na história cultural da sociedade". Ora, com essa compreensão, recusa-se aquela idéia de que o "esporte na escola", com os códigos produzi- dos por "sistemas mais poderosos", vai ser a negação radical do "esporte da escola", ini- bindo e inviabilizando a sua existência. E su- pera-se também a idéia de que a escola não pode produzir uma prática de esporte com seus códigos próprios, ou que isso seria algo ina- tingível e mesmo derrotado de uma vez por todas. Aceita-se, então, a idéia de que não só é possível à escola produzir a sua própria cultu- ra escolar de esporte, como também a idéia de que é com essa cultura que a escola vai inter- vir na história cultural da sociedade. E exata- mente aí que está o lugar da tensão permanente a que me referi. Implícito está que, nesse caso, o professor e a professora de Educação Física, e a escola como instituição, são enten- didos como produtores de uma dada cultura. A propósito, é preciso que se afirme ra- dicalmente essa capacidade de intervenção da escola na sociedade, pois o que de pior pode- ria acontecer à idéia de se construir um espor- te como prática cultural portadora de valores que privilegiam, por exemplo, o coletivo e o lúdico, é o enclausuramento dessa idéia na escola, como se ela fosse possível e desejada somente em seu interior. Aprisionar essa idéia na escola é antecipar a sua morte. É o que pode ocorrer, paradoxalmente, se aceitarmos que o esporte "da escola", só possa ser prati- cado no interior de seus muros. Aceitar isso seria negar a gênese social da escola e a sua permanente inserção na totalidade social, ne- gar que ela possa oferecer à sociedade outras possibilidades de fruição do esporte. Ora, em Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 12
  • 10. última instância, isso seria esvaziar de sentido o ensino de esporte como um dos temas da Educação Física, ou, então, até mesmo refor- çar o seu ensino nos moldes atuais, baseado predominantemente na exclusão de muitos e na performance de poucos. Não se trata, então, de agir apenas para que a escola tenha o "seu" esporte. Trata-se de problematizar a prática cultural do esporte da sociedade (que é, ao mesmo tempo, o esporte da e na escola), para reinventá-lo, recriá-lo, reconstruí-lo, e, ainda mais, produzi-lo a par- tir do específico da escola, para tencionar com aqueles já citados, que a sociedade incorpo- rou a ele (e para superá-los). Não sendo mes- mo possível à escola isolar-se da sociedade, já que a escola é, ela mesma, uma instituição da sociedade, uma de suas tarefas, então, é a de debater o esporte, de criticá-lo, de produzi-lo... e de praticá-lo! Ora, se se quer o confronto — a tensão permanente — com os códigos e va- lores agregados ao esporte pela forma capi- talista de organização social para construirmos outros valores a partir da escola (a solidarie- dade esportiva, a participação, o respeito à di- ferença, o lúdico, por exemplo), é fundamen- tal que o façamos para toda a sociedade. Se é assim, cabe à escola e, mais es- pecificamente, à Educação Física, como uma de suas tarefas, oferecer à sociedade outras possibilidades de prática do esporte. E é isso que a coloca numa posição de produzir novos conhecimentos acerca do esporte, colocando-os à disposição da sociedade. O que é completamente diferente e distante de ela ser apenas um lugar de transmissão de um conhecimento já pronto e inabalável sobre o esporte, ou de apenas o transpor di- daticamente para a escola. De toda forma, o fundamental é que, na escola, os professores e as professoras de Edu- cação Física, ao transformarem o esporte em objeto de ensino (no sentido dado por Forquin), têm condições de ampliar sua prática para pro- duzir uma cultura escolar de esporte. Para isso, e pensando hoje diferentemente de Bracht, acredito que a escola, os professores e as pro- fessoras de Educação Física já possuem um grau de "autonomia pedagógica" nessa em- preitada que, sem ilusões, creio até que já es- teja sendo por muitos realizada (e isso certa- mente inclui Bracht!). A legitimidade do ensino da Educação Física na escola, entre outros "argumentos plausíveis ", poderia ser fortalecida não com o reconhecimento tácito de que ela reproduz e transmite o esporte de rendimento hegemôni- co na sociedade, mas com entendimento de que ela concretamente pode produzir uma cultura escolar de esporte, confrontando-a com as prá- ticas culturais de esporte da sociedade. A TENSÃO PERMANENTE ENTRE O ESPORTE NA ESCOLA E O ESPORTE DA ESCOLA ENCONTRADA NO PRÓPRIO BRACHT Se há exemplos que podem ser aqui citados para ilustrar o confronto — que estou chamando de tensão permanente entre o esporte produzido na cultura escolar e o esporte como prática cultural da sociedade —, vou buscá-los no próprio livro de Bracht. Trata-se de seus dois últimos capítulos, que aliás, como registrado por ele mesmo na Apresentação do livro, foram escritos cro- nologicamente antes dos Capítulos 1 e 2. Mas continuarei obedecendo a seqüência exposta no livro. No Capítulo 3, o autor procura refletir acerca da contribuição da Educação Física no processo de socialização de crianças e de adolescentes. Depois de salientar que existem diferentes valorizações desse processo decorrentes de diferentes visões de mundo, ele afirma que a socialização através do esporte escolar pode ser considerada uma forma de controle social, pela adaptação do praticante aos valores e nor- mas dominantes como condição alegada para a funcionalidade e desenvolvimento da sociedade. Um dos papéis que cumpre o esporte escolar em nosso País, então, é o de reproduzir e reforçar a ideologia capitalista, que por sua vez visa fazer com que os valores e normas nela inseridos se apresentem como normais e desejáveis. Ou seja, a dominação e a exploração devem ser assumidas e consentidas por todos, explorados e exploradores, como natural. (p.61) Em outra passagem, o autor é ainda mais rigoroso e tachativo na análise sobre as possibilidades de o esporte ter um sentido educativo: Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 13
  • 11. ... realmente o esporte educa. Mas, educação aqui significa levar o indivíduo a internalizar valores, normas de comportamento, que lhe possibilitarão adaptar-se à sociedade capitalista. Em suma, é uma educação que leva ao acomodamento e não ao questionamento. Uma educação que ofusca, ou lança uma cortina de fumaça sobre as contradições da sociedade ca- pitalista. Uma educação que não leva à forma- ção "do indivíduo consciente, crítico, sensível à realidade que o envolve" [citando Oliveira, 1993]. (p.63) Bracht aqui ainda está preso àquele olhar um tanto funcionalista da escola, da Edu- cação Física e mesmo do esporte, como práti- ca cultural. Mas, Bracht também se pergunta: em que medida ou até que ponto poderemos chegar a um quadro diferente? Ou seja, o es- porte escolar pode ser diferente? Pode cum- prir um papel diferente do de inculcar a ideo- logia burguesa? E ele se posiciona sobre tais perguntas: Embora reconhecendo as ferrenhas determin- ações sociais que sobre a Educação Física Es- colar recaem, acreditamos que no seu interior a contradição não foi suprimida, ela persiste. Embora os espaços a serem ocupados no sentido de uma ação transformadora sejam restritos, admitimos a sua existência. Neste sentido, o da identificação destes espaços, cumpre ini- cialmente incluir a Educação Física/Esporte escolar no contexto mais amplo da Educação e, enquanto parte desta, analisar as possibilidades de contribuição/colaboração para o processo de transformação social, condição para a concretização de uma sociedade mais justa e livre. Em seguida, Bracht escreve que a esco- la não é um instrumento homogêneo da classe dominante e que, por isso mesmo, admite que nela existe um espaço, embora pequeno, para o que Gadotti chama de " 'guerrilha ideológi- ca travada na escola". (p.65) Bracht se refere à categoria da con- tradição e diz que os espaços para a "ação transformadora" na escola "são restritos", parecendo resignar-se a admitir que na es- cola só há algumas pequenas brechas, uns poucos momentos e espaços, "embora pe- quenos", a serem ocupados pelos professo- res. Ao contrário, pelo exposto, creio que há a possibilidade concreta de um movimento propositivo da escola na produção de sua cultura escolar para tensionar com a história cultural da sociedade. Mas ele defende que a tarefa dos pro- fessores de Educação Física é a de desenvolver uma pedagogia desportiva que possibilite aos indivíduos pertencentes à classe dominada, aos oprimidos, o acesso a uma cultura esportiva desmistificada. Permitir ou possibilitar através desta pedagogia que estes indivíduos possam analisar criticamente o fe- nômeno esportivo, situá-lo e relacioná-lo com todo o contexto sócio-econômico-político e cul- tural. (p.65) Aqui o seu olhar para a escola já parece mais aberto e atento às múltiplas possibilida- des de apropriação deste lugar social. Não seria essa "pedagogia desportiva" uma possi- bilidade de se construir uma relação de tensão permanente entre uma prática escolar de es- porte (o esporte da cultura escolar) e a prática cultural de esporte hegemônica na sociedade? No Capítulo 4, Bracht apresenta inúme- ras considerações sobre o esporte e seu pro- cesso de socialização, com base em diversos autores. Ele relata uma pesquisa que realizou com alunos de 6= série numa escola pública da cidade de Santa Maria (RS). Nesta pesquisa, o autor se propôs a verificar os resultados da aplicação prática de uma metodologia de en- sino de esporte (modalidade basquete), a qual foi denominada Metodologia Funcional Inte- grativa (MFI). O que quero dela trazer ao diálogo são os animadores resultados que uma prática pe- dagógica em Educação Física pode alcançar quando se propõe a problematizar a prática cultural de esporte realizada socialmente e a construir outras possibilidades de usufrui-la (é a isso que chamo produzir uma cultura esco- lar de esporte), confrontando-se com aquela perspectiva de se colocar a Educação Física "a serviço da indústria do esporte", ou como "base da pirâmide esportiva", como ele escreveu. Na conclusão de sua pesquisa, o autor ainda demonstrava uma posição bastante de- terminista e mesmo reducionista sobre a es- cola e sobre a presença do esporte em seu in- terior, afirmando, por exemplo, que a escola reproduz a ideologia da classe dominante, concluindo com isso que o esporte na escola não deixa de veicular e reproduzir esta ideo- logia. Talvez seja essa posição que o acaba induzindo a uma negação radical da possibili- dade de a escola produzir a sua cultura de es- Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 14
  • 12. porte, conforme tentei demonstrar. De todo modo, os próprios resultados que ele obteve na pesquisa indicam que essa sua posição de- terminista pode ser bastante relativizada. Então, resgato os seus procedimentos na conduta de uma prática escolar de Educação Física com o tema esporte, propostos em sua pesquisa: - incentivar os alunos e possibilitar-lhes a par- ticipação no planejamento das aulas; - incenti- var os alunos a expressarem idéias para a realização dos jogos; - conduzir reflexões e discussões com os alunos sobre as atividades desenvolvidas, levando-os a refletir quanto a: 1. importância da participação de todos os in- tegrantes do grupo; 2. possibilidade e necessi- dade de mudança de regras; necessidade de conseguir ambiente agradável, cooperativo e de companheirismo nos jogos; - considerar as idéi- as expressas pelos alunos e submetê-las à apre- ciação do grupo; - engajar os alunos na organização e validação das atividades realiza- das nas aulas; - levar em consideração a impor- tância de uma disciplina funcional, espontânea, em contraposição à disciplina imposta; - ex- plorar e utilizar a colocação de problemas aos alunos, com o objetivo de levá-los à atividade reflexiva; -limitar ao mínimo indispensável a direção pes- soal das atividades, (p.90) E também alguns aspectos da metodo- logia empregada: ... na metodologia que propomos, a MFI, além de buscar a eliminação da dominação pela autoridade, sem no entanto renunciar o direito e o dever do professor de indicar uma direção, indicadora do compromisso político assumido, procura-se mostrar o esporte numa perspectiva crítica, onde os alunos possam realmente "fazer" o seu esporte levando em consideração as características de sua realidade infantil e existencial (social, econômica, política, cultural), e não apenas praticar o esporte. Para isso, entre outras coisas, o aluno tem de participar ativa e conscientemente do processo de normatização que determina as condições das interações no esporte. ( p.109, grifo meu) ...na MFI prevê-se o envolvimento dos alunos no processo de regulamentação dos jogos, o que implica a criação pelos alunos de seus própri- os papéis representativos, (p.105) A partir disso, foi possível ao autor ve- rificar uma melhoria significativa nas catego- rias por ele construídas e analisadas, compa- radas com uma metodologia tradicional de ensino de esporte. Por exemplo, houve na ca- tegoria chamada "nível de participação" uma freqüência dos alunos às aulas muito superior, com uma participação com "maior entusias- mo e maior alegria" e "um envolvimento consciente nas decisões de aula" (p.99). Tam- bém na categoria "contatos sociais", houve me- lhoria significativa na comunicação entre os alunos, e conseqüentemente na participação deles na organização das atividades da aula e na superação dos conflitos, quando se pre- tende exercitar a cooperação (p.100). E um último exemplo retirado da categoria "mudan- ça de regras/expressão de idéias" onde houve, por parte dos alunos, uma "maior freqüência de expressão de idéias e sugestões de mudan- ças de regras ocorridas nas aulas desenvolvi- das com a MFI". Com isso, os alunos trans- formaram regras internacionais do esporte e puderam construir outras. Ora, esses exemplos retirados da pes- quisa e da prática pedagógica de Bracht não são outra coisa senão a construção por pro- fessores e alunos, na escola, de outras possi- bilidades de praticar o esporte: é a isso que chamo produção de uma cultura escolar de es- porte. E então retomo aquelas questões que apresentei para este diálogo: será que não houve autonomia pedagógica na realização desta prática escolar? Creio que houve sim, pois o mais significativo da pesquisa de Bracht, a meu ver, é que ela realiza concre- tamente o esporte da escola, sem "servir à indústria do esporte" e sem fazer uma "transplantação reflexa" do esporte de ren- dimento para a escola. A MFI substitui também a prioridade dada pela metodologia tradicional ao ensino dos gestos e ao aprendizado das regras esportivas interna- cionais, pela vivência do jogo, procurando transformar as aulas num campo de ação e vi- vência social, (p.109) Houve, além disso, tanto uma "trans- formação do esporte em objeto de ensino" com aquele "imenso trabalho de reorgani- zação, de reestruturação" de um saber acu- mulado historicamene, como escreveu Forquin, mas principalmente houve uma produção de novas formas de praticar o es- Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 15
  • 13. porte na escola, com a participação do pro- fessor e dos alunos. Bracht realizou o que Chervel chamou de "liberdade de manobra que tem a escola na escolha de sua pedago- gia". E, então, as finalidades da escola não foram a "regra imposta", a escola não foi o "santuário da rotina e da sujeição" e nem tampouco foi o professor "o agente impo- tente de uma didática que lhe é imposta do exterior", conforme reclamava Chervel. Enfim, com aquela prática escolar, Bracht produziu uma cultura escolar em rela- ção com o conjunto das culturas em conflito numa dada sociedade, mas com especificida- des próprias (...), como defende Nóvoa. E, ainda, não ocorreu aquele paradoxo a que me referi, onde a Educação Física conquista a sua legitimidade pedagógica na medida em que perde a sua autonomia: os resultados da pesqui- sa indicam que ambas ocorreram numa mesma prática escolar — ou seja, a prática escolar de Educação Física assim construída superou a su- bordinação ao esporte de rendimento e, ao mes- mo tempo, conquistou uma maior legitimidade, quer seja entre os alunos quer seja, por exten- são, na escola. Pode-se dizer, assim, que a Edu- cação Física agora tem os "argumentos plau- síveis" reclamados por Bracht para justificar a sua presença no currículo escolar. E isso é também a concretização da sua intervenção na cultura da sociedade (ainda que numa microssociedade). Em síntese, entendo que a pesquisa de Bracht mostra a possibilidade concreta de se estabelecer uma relação de tensão entre o esporte da escola (com seus códigos pró- prios) e o esporte como prática cultural da sociedade (com os atuais códigos hege- mônicos citados). Creio então que se pode pelo menos re- lativizar o efeito daquela afirmação do pró- prio Bracht de que se tem o esporte na esco- la, mas não o esporte da escola. Existe, a meu ver, uma prática cultural de esporte na sociedade que certamente penetra a escola, e ela, na medida em que produz uma cultura escolar de esporte, pode relacionar-se com essa prática, confrontando-a, colocando-a em conflito, enfim, estabelecendo com ela uma tensão permanente. RESGATANDO AS IDÉIAS ABANDO- NADAS POR BRACHT Neste artigo, afirmei que Bracht teria abandonado duas idéias. A primeira — a de que a escola, como um sistema, teria um grau de liberdade para estabelecer e regular os seus próprios critérios seletivos de relação com o meio ambiente (com os outros sistemas). E a segunda — a de que a Educação Física assu- me e incorpora os códigos e as funções da pró- pria escola. Pois bem, creio que neste diálogo tenha ficado explícito que considero procedentes essas duas idéias de Bracht, e mesmo de fun- damental importância para o entendimento do lugar da escola na sociedade, das suas possi- bilidades de intervenção cultural. Não seria, então, o caso de se resgatar as duas idéias do próprio Bracht? Finalizando, registro que ainda que o diálogo com Bracht aqui tenha sido em torno do tema esporte, as reflexões aqui expostas, notadamente sobre a relação de tensão perma- nente entre um saber produzido socialmente e a cultura escolar, podem ser, em minha opi- nião, articuladas aos demais temas do ensino de Educação Física, como a ginástica, a dan- ça, as lutas, os jogos populares. Seria o caso, então, de se ampliar a discussão sobre a pro- dução, pela Educação Física, de uma cultura escolar de práticas corporais lúdicas. Tema para muitos diálogos! E para prosseguir este diálogo, é muito importante perguntar como Valter Bracht dis- cute hoje as relações entre o esporte e a escola. Motivá-lo a escrever sobre tais relações é tam- bém um dos objetivos deste diálogo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRACHT, Valter. Aprendizagem social e Educa- ção Física. Porto Alegre: Magister, 1992. CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campi- nas, SP: Papirus, 1988. CHERVEL, André. História das Disciplinas Esco- lares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 16
  • 14. Teoria e Educação, Porto Alegre: Pannonica, n.2, p. 177-229, 1990. FORQUIN, Jean-Claude. Saberes Escolares, impe- rativos didáticos e dinâmicas sociais. Teoria e Educação, Porto Alegre: Pannonica, n.5, p.28- 54, 1992. GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Educação Física progressista; a pedagogia crítico- social dos conteúdos e a Educação Física brasileira . São Paulo: Loyola, 1988. KUNZ, Elenor. Educação Física: ensino e mudan- ças. Ijuí:UNIJUÍ, 1991. ____. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994 LINHALES, Meily Assbú. Trajetória política do esporte no Brasil: interesses envolvidos, seto- res excluídos. Belo Horizonte: UFMG, 1996. (Dissertação, Mestrado em Ciência Política.) NÓ VOA, Antônio. História da educação: perspec- tivas atuais. 1994 (mimeo.) OLIVEIRA, Vítor Marinho de. Consenso e confli- to da Educação Física brasileira. Campinas: Papirus, 1994. NOTAS 0 livro de Valter Bracht, Educação Física e apren- dizagem social (Porto Alegre: Magister, 1992), constitui-se de uma coletânea de quatro artigos, sendo três anteriormente publicados pelo autor, em momentos diferentes. Neste texto, as referências serão sempre ao livro. Segundo o Novo dicionário Aurélio, diálogo quer dizer: 1. Fala entre duas ou mais pessoas; conver sação, colóquio; 2. Obra literária ou científica em forma dialogada. 3. Troca ou discussão de idéias, de opiniões e de conceitos, com vista à solução de problemas, ao entendimento ou à harmonia; comu nicação; 4. (...). ! O tratamento que a escola, como instituição, e os/ as alunos/alunas, como sujeitos, dão ao esporte tam bém poderia ser discutido em outros tempos e espaços escolares (o recreio e o pátio, por exem plo), e não só no ensino de Educação Física. Essa discussão não será, entretanto, objeto deste ensaio. Para aprofundamento remeto o leitor à disserta- ção de mestrado de Meily A. Linhales (1996), citada na bibliografia deste texto. UNITERMOS Educação - Escola - Cultura Escolar - Ensino - Educação Física - Esporte *Professor de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG Doutorando em Educação pela Faculdade de Educação da USP Movimento - Ano III - Nº 5 - 1996/2 17