1) O documento fornece 12 assuntos sugeridos para meditações sobre a Ceia do Senhor, incluindo o amor de Deus e Cristo, a hediondez do pecado, a excelência do banquete sacramental, a indignidade do homem e as promessas sacramentais.
2. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 3
CONSELHOS PARA O BOM USO DESSAS MEDITAÇÕES 4
INSTRUÇÃO CONFESSIONAL 5
EDMUND CALAMY 6
JEREMIAH BURROUGHS 10
LEWIS BAYLY 14
RICHARD BAXTER 20
3. INTRODUÇÃO
Tomar parte no Sacramento da Ceia do Senhor exige santa preparação
e participação ativa. Um árduo trabalho da mente. Muito desse trabalho
consiste em conhecimento sólido da fé Cristã, auto-exame, oração e
meditação. Envolve também as nossas afeições e sentimentos.
Nós do século XXI temos muita dificuldade com esse labor intelectual
e introspectivo. Por isso, nos apoiando nos ombros dos nossos gigantes pais
na fé, procuramos trazer esse pequeno compilado de meditações
recomendadas sobre a Ceia do Senhor.
Nosso intuito é que ele sirva de apoio para despertar nossa mente e
afeições e que assim possamos comer e beber de modo digno, discernindo o
corpo de Cristo.
As meditações são retiradas das seguintes obras:
1. The Art of Divine Meditation. Edmund Calamy. 1680.
2. Adoração Evangélica. Jeremiah Burroughs. Editora Os
Puritanos. 2015.
3. A Prática da Piedade. Lewis Bayly. Editora PES. 2017.
4. A Christian Directory. Richard Baxter. 1673.
Ressaltamos que o presente documento se trata apenas de uma
compilação de trechos das obras mencionadas acima. Não temos nenhum
interesse lucrativo.
Recomendamos fortemente a leitura completa dessas obras. Os links se
encontram abaixo:
The Art of Divine Meditation. Edmund Calamy:
http://digitalpuritan.net/edmund-calamy-the-elder
Adoração Evangélica. Jeremiah Burroughs:
www.amazon.com.br/B011WTWVXQ
A Prática da Piedade. Lewis Bayly:
www.amazon.com.br/dp/856802632X
A Christian Directory. Richard Baxter:
http://digitalpuritan.net/richard-baxter/
4. CONSELHOS PARA O BOM USO DESSAS MEDITAÇÕES
● Reserve um tempo de qualidade. Sem interrupções e distrações.
● Lembre de passagens bíblicas relacionadas ao tema. Procure refletir
sobre cada uma.
● Compare sua vida ao que foi lido. Examine-se. Busque dentro de si
pecados ocultos e confesse-os.
● Faça resoluções de mudança e arrependimento.
● Ore para encontrar graça durante o sacramento.
● Durante a celebração do sacramento, traga à memória o que foi
meditado anteriormente.
5. INSTRUÇÃO CONFESSIONAL
CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER
171. Os que recebem o sacramento da Ceia do Senhor, como devem
preparar-se para o receber?
R: Os que recebem o sacramento da Ceia do Senhor devem preparar-se para o
receber, examinando-se a si mesmos, se estão em Cristo, a respeito de seus pecados
e necessidades, da verdade e medida de seu conhecimento, fé, arrependimento e
amor para com Deus e para com os irmãos; da caridade para com todos os homens,
perdoando aos que lhes têm feito mal; de seus desejos de ter Cristo e de sua nova
obediência, renovando o exercício destas graças pela meditação séria e pela oração
fervorosa.
174. Que se exige dos que recebem o sacramento da Ceia do Senhor, na
ocasião de sua celebração?
R: Exige-se dos que recebem o sacramento da Ceia do Senhor que, durante a sua
celebração, esperem em Deus, nessa ordenança, com toda a santa reverência e
atenção; que diligentemente observem os elementos e os atos sacramentais; que
atentamente discriminem o corpo do Senhor, e, cheios de amor, meditem na sua
morte e sofrimentos, e assim se despertem para um vigoroso exercício das suas
graças, julgando-se a si mesmos e entristecendo-se pelo pecado; tendo fome e sede
ardentes de Cristo, alimentando-se nele pela fé, recebendo da sua plenitude,
confiando nos seus méritos, regozijando-se no seu amor, sendo gratos pela sua
graça e renovando o pacto que fizeram com Deus e o amor a todos os santos.
175. Qual é o dever dos crentes depois de receberem o sacramento da Ceia do
Senhor?
O dever dos crentes, depois de receberem o sacramento da Ceia do Senhor, é o de
seriamente considerar como se portaram nele, e com que proveito; se foram
vivificados e confortados; devem bendizer a Deus por isto, pedir a continuação do
mesmo, vigiar contra a reincidência, cumprir seus votos e animar-se a atender
sempre a esta ordenança; se não acharem, porém, nenhum benefício, deverão
refletir novamente, e com mais cuidado, na sua preparação para este sacramento e
no comportamento que tiverem na ocasião, podendo, em uma e outra coisa,
aprovar-se diante de Deus e de suas próprias consciências, esperando com o tempo
o fruto de sua participação; se perceberem, porém, que nessas coisas foram
remissos, deverão humilhar-se, e para o futuro participar desta ordenança com
mais cuidado e diligência.
6. EDMUND CALAMY
(A Arte da Meditação Cristã - 12 Assuntos Sugeridos Como Exemplos de
Meditações Sacramentais)
Existem doze meditações que devem ocupar nosso tempo durante o sacramento, as quais
eu chamo de doze ditos principais. Não digo que devemos meditar em todos eles em uma
única Ceia. Meu objetivo é dar-lhe matéria suficiente para que você possa, às vezes
meditar em um, outras vezes em outro. Eu apenas irei nomeá-los:
1. Você deve meditar no grande e maravilhoso amor de Deus Pai em dar a Cristo,
não apenas para morrer por nós na cruz, mas em dar-lhe para ser nosso alimento
na Ceia. Não havia nada que levasse Deus a dar a Cristo, a não ser o puro e grande
amor: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito”. Então! Como? De maneira tão infinita, tão inexprimível, o amor de
Deus em conceder Cristo é tão grande que os anjos desejam examiná-lo. E você
que não é afetado por esse amor, temo que você tenha pouca participação nele.
Isso é suficiente para ocupar todo um Sacramento.
2. Você deve meditar no Sacramento, não apenas no amor do Pai em dar seu Filho,
mas também no amor de Cristo em dar a si mesmo. Efésios 5.2: “[...] como também
Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em
aroma suave”. Como Deus deu Cristo, assim Cristo se entregou. Como Deus se
entregou como homem, a Divindade infundiu essa vontade na humanidade, que
Cristo voluntariamente entregou sua vida. João 10:17,18: “Por isso, o Pai me ama,
porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu
espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este
mandato recebi de meu Pai”. Agora, o amor de Cristo em se entregar para ser uma
maldição por nós é um amor que ultrapassa o entendimento, mas é um amor que
devemos estudar para conhecer. É um enigma, mas um enigma como o próprio
apóstolo em tantas palavras expressas nos declara, Efésios 3:18,19 : “a fim de
poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura,
e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento [...]”.
Grande é o amor de Cristo em morrer por nós, em ser feito pecado por nós e em
ser feito maldição por nós.
3. Devemos meditar na hediondez do pecado; quando todos caímos em Adão, fomos
mergulhados em um abismo tão profundo de miséria, que nada além do sangue de
um Deus poderia nos libertar; pois houve uma brecha infinita pelo pecado entre
Deus e nós; e essa brecha nunca poderia ser compensada senão pelo sangue de
Deus. Essa é uma extraordinária meditação no Sacramento, meditar sobre a
característica hedionda do pecado; quando você vê o pão partido, foi o pecado que
7. fez com que o corpo de Cristo fosse partido; e quando você vê o vinho
derramado, foi pelo pecado que o sangue de Cristo foi derramado; foi o pecado
que fez com que Cristo sofresse tanto.
4. Você deve meditar sobre a excelência deste banquete sacramental; pois o
sacramento é um sacrifício comemorativo, é uma comemoração daquele sacrifício
bendito que foi oferecido na cruz pelos nossos pecados; e é uma confirmação ou
selo de todos os benefícios de nossa redenção; e é uma exibição de Jesus Cristo, é
uma ação de Cristo como oferta; Deus vai dando de Cristo a ti e a mim, e por isso
todo esse esforço de vir dignamente.
Oh! Não pode haver um banquete maior, em que Cristo é a oferta que é
concedida; Cristo é o banquete, Cristo e todos os seus benefícios.
5. Você deve meditar sobre sua própria indignidade; Ó Senhor, não sou digno de
recolher as migalhas que caem da tua Mesa; Não sou digno de comer meu pão
diário, muito menos digno de comer o pão sacramental. Oh, o pensamento disso
fará você dizer com Mefibosete: “O que eu sou? Um cachorro morto, para que
meu Senhor e Rei me convide para sua mesa! O que sou eu? Pó e cinza, miserável
pecador, para que o Senhor Jesus me convide para um banquete celestial!”
6. Você deve meditar sobre suas deficiências e necessidades espirituais; Que graça
você quer que você seja suprida? Que pecado tem mais influência em ti, para que
o tornes mais mortificado? Agora, quanto mais consciente você for de suas
carências espirituais, mais seu apetite será aguçado para este banquete abençoado.
7. Você deve meditar sobre a condição amaldiçoada de um participante indigno; um
participante indigno é um assassino de Cristo, um assassino de almas, um assassino
de corpos; ele é culpado do corpo e sangue de Jesus Cristo; ele come e bebe sua
própria condenação, é culpado de trazer doenças; Por essa causa (isto é, pela
indigna vinda ao Sacramento), muitos estão doentes, muitos fracos e muitos
morrem.
8. Gostaria que você meditasse na feliz condição daqueles que vêm dignamente ao
Sacramento; embora você não traga uma dignidade legal, se você tiver uma
dignidade vinda do Evangelho, Deus o aceitará; e o pão que partimos será a
Comunhão do Corpo de Cristo; e o cálice de bênção que abençoarmos será a
Comunhão do Sangue de Cristo para você; a comunhão de todas as bênçãos do
céu para a sua alma. Será o pão do Senhor para você, e o pão da vida e o cálice da
salvação para você
9. Gostaria que você meditasse algumas vezes nos Elementos Sacramentais; quando
você vê o pão, gostaria que você meditasse na analogia e relação entre o pão e o
corpo de Cristo; você sabe que o pão é o sustento da vida, assim como Cristo é o
sustento de um cristão; o pão não é para pessoas mortas, mas para pessoas vivas;
pão não gera vida, mas aumenta e fortalece a vida; portanto, o Sacramento não é
para aqueles que estão mortos em pecado; o Sacramento não gera graça, mas nutre
e aumenta a graça. E então eu gostaria que você considerasse a analogia entre o
8. vinho e o sangue de Cristo; Como o vinho refresca o espírito e alegra o coração, o
sangue de Cristo alegra a alma de todo recebedor digno.
10. Gostaria que você meditasse nos atos sacramentais; pois todas os atos do Ministro
no sacramento são místicas, todos representam Cristo; Cristo deve ser visto por
olhos espirituais em tudo que é feito pelo Ministro; o partir do pão representa o
corpo de Cristo sendo partido na cruz pelos nossos pecados; e o derramamento do
vinho representa como o sangue de Cristo foi vertido por nós; e a entrega do
vinho representa como Cristo é oferecido e dado a nós; o tomar do pão e do vinho
representa como você, pela fé, toma Cristo para o seu conforto eterno. Tudo no
sacramento é o objeto de meditação e é raro um cristão fazer com que os
elementos sacramentais sejam sua Bíblia. Quando ele está no sacramento, e
encontra o seu coração embotado, deve olhar para os elementos, o partir do pão e
o derramar do vinho, que são todos auxílios espirituais para elevar seu coração a
Cristo.
11. Você deve meditar nas Promessas Sacramentais; Jesus Cristo prometeu, Tomai,
comei, isto é o meu corpo, que é partido por vós; fazei isto em memória de mim;
esta é a Promessa Sacramental, Este é o meu sangue que é derramado por vós, fazei
isto em memória de mim. Cristo prometeu que sempre que tomarmos esse pão e
bebermos deste cálice de maneira digna, ele irá se transmitir a nós. Agora nós
precisamos nos alimentar dessa promessa e vir ao Sacramento na força dessa
promessa; e ele prometeu que o cálice da bênção será o cálice da comunhão do
sangue de Cristo, e o pão que é partido será a comunhão do corpo de Cristo:
Agora nós devemos meditar nessas Promessas e exercitar fé sobre elas.
12. Quando tudo isso estiver feito, quero dizer, quando você tiver recebido o
Sacramento, então deve meditar que retribuição fazer a Cristo por isso; você deve
dizer como Davi, Salmo. 116.12 Que darei ao SENHOR por todos os seus benefícios
para comigo? Deves dizer à tua alma: Oh, como devo amar aquele Cristo que me
amou e se tornou uma maldição por mim! Como devo estar disposto a morrer por
aquele Cristo que derramou seu sangue por mim! Oh, que coisa singular devo
fazer por aquele Cristo que se tornou homem, que deixou o Trono do Céu,
tomou a minha natureza e se entregou por mim na cruz, a mim no Sacramento!
Que grande coisa darei de volta a este Deus! Oh, que eu fosse feito de toda a
gratidão! Oh, que eu pudesse fazer algo digno desse Deus! Essa deve ser a sua
meditação e você deve investigar para descobrir algum serviço precioso a fazer por
esse Cristo, que fez e sofreu tanto por você; e você nunca deve deixar de meditar
até descobrir alguma coisa singular. Por exemplo, se um inimigo me fizer mal, eu
o procurarei para amá-lo ainda mais, farei a ele mais exercícios de amor; Isto é
viver de modo digno de Cristo, que me amou quando eu era inimigo. E então há um
ato de caridade, um cristão tão pobre que sua família está se arruinando, farei este
serviço por Cristo, darei a ele um presente proporcional, um presente digno, para
que sua alma possa louvar a Deus por mim. Mais uma vez, Cristo Jesus hoje me
deu a si mesmo; ele me deu seu corpo e sangue. Eu irei e estarei disposto a morrer
9. por ele. Eu direi com Tomé: “Vamos também nós para morrermos com ele”. Estarei
disposto a sofrer reprovação por ele, se ele para isso me chamar.
Estas são as meditações nas quais você deve gastar seu tempo quando estiver no
sacramento.
Agora deixe-me dizer apenas mais isto: Que extraordinários cristãos seríamos se, mês após
mês, gastássemos assim nosso tempo durante o sacramento! Certamente grande seria o
benefício e o fruto disso.
10. JEREMIAH BURROUGHS
(Adoração Evangélica - Celebrar o Sacramento Conforme Foi Instituído)
Há mais uma coisa que preciso apresentar-lhes: as várias coisas em que devemos meditar
enquanto recebemos o sacramento. Para a santa comunhão, recomendam-se as mais
importantes reflexões, mais importantes, mais eficazes, mais variadas do que quaisquer
meditações que tenhamos sugerido a respeito de qualquer outro assunto; e é um grande
sinal de que homens e mulheres não discernem o corpo do Senhor se as suas meditações,
nessa ocasião, são infrutíferas, estéreis. Por essa razão, pretendo sugerir algumas coisas em
que meditar, de forma que a ordenança de Deus seja clara e familiar a cada comungante
enquanto dela participa.
1. A salvação é efetuada por meio de um Mediador. Não é apenas a misericórdia de
Deus, Deus dizendo que está ofendido pelo pecado, mas que se satisfará em deixar
isso de lado; não, isso acontece por meio de um Mediador. Sugerimos que se faça
esta meditação da seguinte forma: Quando vejo o pão e o vinho, se consigo
discernir o que significam, isso me lembrará de que o caminho da salvação do
homem não vem unicamente do fato de Deus ter dito: “Bem, eu vou perdoá-los e
acabou”, mas há uma grande obra exigida por Deus para fazer expiação entre os
pecadores e ele mesmo. Este sacramento nos apresenta isso muito bem. Por qual
outra razão temos aqui pão e vinho, senão para indicar que o caminho da nossa
reconciliação precisa ser por meio de um Mediador?
2. Esse Mediador que se coloca entre Deus e nós é de fato e de verdade um homem.
Ele assumiu nossa natureza. O pão nos lembra do corpo e o vinho, do sangue de
Cristo; por isso, devemos meditar na natureza humana de Jesus Cristo. E essa
meditação é extremamente poderosa. O quê? O Filho de Deus assumiu a nossa
natureza humana? Ó, como Deus concedeu honra à natureza humana! Que eu,
então, não abuse do meu corpo com as paixões, com a impiedade, uma vez que
Jesus Cristo adotou um corpo humano, assumiu a natureza humana. Que eu dê
honra à natureza humana que está tão estreitamente unida à natureza divina.
3. Aqui se nos apresenta aquilo que esse Mediador fez para nos reconciliar com Deus.
O seu corpo foi moído. Ele se sujeitou à moedura do seu corpo e ao
derramamento do seu sangue para obter nossa reconciliação. Não é apenas, como
já mencionei anteriormente, que Deus disse: “Eu vou perdoá-los”, mas isso custou
a Cristo estabelecer a paz entre o seu Pai e nós, quebrantar seu corpo e derramar
seu sangue. Esta é uma meditação muito proveitosa. Ó, quanto deveríamos estar
disposto a sofrer por Jesus Cristo em nosso corpo, resistir até ao sangue, uma vez
que Cristo se dispôs a quebrantar seu precioso corpo e derramar seu sangue em
nosso favor!
11. 4. Aqui temos oportunidade de meditar naquilo que a Escritura diz, que fomos salvos
pelo sangue de Deus. É o sangue de Deus. “Eles crucificaram o Senhor da glória”, é
isso que diz a Escritura. Devemos considerar de quem é o corpo e o sangue,
quando vemos o vinho derramado e somos lembrados do sangue. Não é outro
senão o corpo e o sangue daquele que era verdadeiramente Deus, a segunda
Pessoa da Trindade. Esse é o grande mistério do evangelho, e é muito necessário
que pensemos a respeito disso quando vemos o corpo partido e o sangue
derramado.
O quê? Será que partir o corpo e derramar o sangue de uma simples criatura será
suficiente para restabelecer a paz entre Deus e o homem? É evidente que não. Por
isso, vocês precisam meditar na Pessoa a quem pertence esse corpo. É o corpo e o
sangue daquele que era Deus. É verdade, Deus não possui corpo nem sangue, mas
a mesma pessoa que era Deus tinha corpo e sangue. Esse corpo e sangue estavam
unidos com a divina natureza em uma união hipostática, e por isso possuía
condições de satisfazer a Deus — pois nos reconciliar outra vez com Deus é o
grande mistério da piedade.
5. Quando vocês virem o pão partido e o vinho derramado, pensem assim: “Ó, o
infinito horror da justiça de Deus! Como é terrível a justiça de Deus que,
descarregada sobre seu próprio Filho, precisando ser cumprida por ele, teve de
esmagá-lo e quebrá-lo, precisou derramar-lhe o sangue, exigiu tal sofrimento do
seu Filho! A justiça de Deus é terrível. É preciso temer e tremer diante dela. Aqui
vemos o que é exigido por causa do pecado do homem, e Jesus Cristo mesmo teve
de pagar tudo integralmente, sem misericórdia nenhuma”.
6. Aqui me é apresentado o que custou cada alma que será salva. Todo aquele que
tiver sua alma salva a terá salva por meio de um resgate, por um preço pago que é
mais digno do que dez milhões de mundos. Vocês consideram de pouco valor sua
própria alma, mas se tiverem consciência de que estão salvos, ela custou mais do
que se milhares de mundos tivessem sido dados a vocês, custou o derramamento
do sangue de Cristo, cada gota do qual era mais preciosa do que dez mil mundos.
7. Disso tudo vemos a maldade do pecado. “Como isso é terrível que fez tão grande
separação entre Deus e minha alma, para que só um caminho desses e um meio
desses pudesse limpar meu pecado! Eu teria de sofrer eternamente debaixo do peso
do meu pecado, se Jesus Cristo, que é Deus e homem, não sofresse esse tanto por
ele”. Ó, essas meditações devem elevar o coração das pessoas!
8. Contempla o infinito amor de Deus para com a humanidade, e o amor de Jesus
Cristo, que, para Deus não ver os filhos dos homens perecendo eternamente,
enviou seu Filho para assumir nossa natureza e assim sofrer essas coisas terríveis. É
nisso que Deus mostra o seu amor. O amor de Deus não se mostra tanto em dar a
vocês uma boa jornada e prosperidade material aqui neste mundo, mas “Deus
amou ao mundo de tal maneira, que deu seu Filho Unigênito”. E o Pai se agradou em
moer seu Filho e derramar-lhe o sangue. Aqui está o amor de Deus e de Jesus
12. Cristo. Ó, como essa meditação deve exercer sobre nós uma influência poderosa,
vigorosa, atraente e eficaz!
9. O crente é nutrido para a vida eterna, de forma que não existe o medo de que vá
afastar-se totalmente de Deus e morrer em seu pecado. Por quê? Porque o corpo e
o sangue de Cristo são dados para ele como sua nutrição espiritual. Por mais fraco
que seja o crente, uma vez que Deus indicou o corpo e o sangue do seu Filho para
que se alimente e beba num sentido espiritual, então com certeza o mais fraco do
mundo será fortalecido para passar por todos os riscos e perigos que existem neste
mundo. É isso que fortalece os crentes para encarar todo tipo de perigo. É isso que
preserva a mais débil graça no crente, ou seja, o alimento espiritual que Deus o Pai
indicou para eles, o alimentar-se do corpo e o beber do sangue do seu Filho. Esse
é o alimento de fato e a bebida verdadeira que alimentam para a vida eterna.
10. Quando vocês vêm ao sacramento, vendo o pão partido e o vinho derramado, têm
oportunidade de meditar na Nova Aliança, a aliança da graça que Deus
estabeleceu com os pecadores. Pois são estas as palavras da instituição: “Este é o
cálice do Novo Testamento”. O Novo Testamento, que é o Novo Pacto, difere
apenas num particular. Ele contém a essência do Novo Pacto, mas é chamado de
“testamento” no sentido que mostra que o Senhor faz tudo no Novo Pacto. Ou
seja, ele não apenas promete tais misericórdias mediante a condição de crermos e
nos arrependermos, mas opera a fé e o arrependimento, e opera a graça, e por isso
a mesma coisa que às vezes é chamada de aliança é chamada também de
testamento. Essa é a vontade de Deus na qual o Senhor transmite em herança os
seus ricos legados aos seus filhos, àqueles que serão eternamente salvos, de forma
que todas as boas coisas da aliança da graça são concedidas em herança por meio
de testamento bem como por aliança. E essa é uma situação que produz tremendo
conforto para os santos. Na verdade, quando eles olham para o evangelho como
uma aliança, pensam o seguinte: “Isso requer que façamos alguma coisa, e de fato
Deus cumprirá a aliança da sua parte, mas pode ser que não cumpramos a nossa
parte da aliança, e talvez acabaremos falhando afinal”. Mas se vocês olharem todas
as boas coisas do evangelho que são dispensadas na forma de testamento, ou seja, a
determinação de Deus, os legados que ele transmite em herança aos seus servos, é
um tremendo conforto para a alma que todas as coisas preciosas do evangelho me
vêm a mim na forma de um testamento. E esse é o significado do Novo
Testamento, ou seja, as misericórdias de Deus em Cristo vindo agora na forma de
uma administração diferente da anterior. Não é nova somente com respeito à
aliança das obras que Deus fez com Adão, mas nova em respeito à administração.
Nossos antepassados, os patriarcas, receberam a mesma coisa em essência, mas
administrada de forma diferente, e as diferenças são muitas. Mas quando ouvimos
do Novo Testamento, ali nos são apresentadas as riquezas do pacto da graça na
forma de herança e na administração dele com clareza e com imensa misericórdia
e bondade da parte de Deus; são removidos o terror e a dureza da antiga
administração.
13. Essas são, então, as meditações por meio das quais devemos esforçar-nos para santificar
nosso coração quando estamos recebendo o sacramento. E trazendo essas meditações em
nosso coração, com certeza santificaremos o nome de Deus quando estivermos nos
achegando a ele nesta santa ordenança sua.
14. LEWIS BAYLY
(A Prática da Piedade - Sobre os Deveres a Serem Cumpridos, por um
Participante Digno, ao Receber a Ceia do Senhor)
Tratemos agora do meio para participação digna da Ceia do Senhor o qual chamamos
meditação. O exercício espiritual da meditação consiste em diversos pontos.
1. Primeiro, terminado o sermão e começando a celebração do banquete da Ceia do
Senhor, medite consigo mesmo em que você foi convidado para ser um hóspede à
Sua mesa (Mt 22), e que Ele o convida amorosamente, dizendo: "Venham, todos
vocês que estão com sede, venham às águas; e vocês que não possuem dinheiro
algum, venham, comprem e comam! Venham, comprem vinho e leite sem
dinheiro e sem custo... comam o que é bom, e a alma de vocês se deliciará com a
mais fina refeição" (Is 55.1,2). "Tomem e comam; isto é o meu corpo... Bebam
dele todos vocês. Isto é o meu sangue... que é derramado em favor de muitos, para
perdão de pecados" (Mt 26.26-28). Que maior honra pode ser outorgada do que a
de ser admitido à mesa do Senhor?
Que melhor comida pode ser dada do que o corpo e o sangue do Senhor? Se Davi
achou que estava prestando o maior favor ao bom Barzilai por toda a bondade
com que esse o tratara em suas tribulações, oferecendo-lhe que se alimentasse com
ele, à sua mesa, em Jerusalém (2Sm 19.33), quanto maior favor devemos
considerar que Cristo nos faz quando nos alimenta em Sua Igreja à Sua mesa com
o Seu santíssimo corpo e com o Seu preciosíssimo sangue?
2. Segundo, quando Abraão subiu ao monte para sacrificar o seu filho Isaque, deixou
os seus servos embaixo, no vale (Gn 22.5). Assim também, quando você vem ao
memorial espiritual do sacrifício de Cristo na Ceia do Senhor, ponha de lado todos
os pensamentos e cogitações terrenos, para que possa meditar plenamente em
Cristo e oferecer a sua alma Àquele que sacrificou tanto a Sua alma quanto o Seu
corpo por você.
3. Terceiro, medite consigo mesmo em quão preciosos e veneráveis são o corpo e o
sangue do Filho de Deus, que governa o céu e a terra, que é o Senhor a cujo
aceno os anjos tremem, e por quem os vivos e os mortos serão julgados no último
dia, estando você entre eles. Medite em que foi Ele que, tendo sido crucificado por
causa dos seus pecados, Se oferece agora para ser recebido por sua alma pela fé. Por
outro lado, considere quão pecadora criatura você é e quão indigno você é de tão
santo anfitrião, e como está longe de merecer provar tão sagrado alimento.
Lembre-se de que você foi concebido em pecado, e daí por diante, viveu
chafurdando na lama da iniquidade, levando o nome de cristão, mas praticando as
obras do diabo, adorando Cristo com um Salve, Rei! em sua boca, mas cuspindo
15. juramentos blasfemos em Seu rosto e crucificando-O de novo com os seus atos
destituídos de bondade.
4. Quarto, pondere, então, com que cara você ousa se apresentar para tocar tão santo
corpo com mãos tão contaminadas, ou beber tão precioso sangue com tão má e
mentirosa boca, ou alojar tão bendito hóspede num estábulo tão sujo. Pois, se os
bete-semitas foram mortos por apenas olharem irreverentemente para a arca do
Antigo Testamento (1Sm 6.19), que juízos justos você pode esperar, já que com
coração e olhos impuros vem ver e receber a arca do Novo Testamento, na qual
habita corporalmente a plenitude da Divindade (Cl 2.3,9)?
Se Uzá foi abatido por morte súbita por apenas tocar, não sem zelo, a arca da
aliança (2Sm 6.7), que golpe do juízo de Deus você não deve temer, visto que tão
rudemente e com mãos impuras você se atreve a manusear a arca do testamento
eterno, na qual estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento?
Se João Batista, o homem mais santo dos nascidos de mulher, se julgava indigno
de levar os sapatos do seu Mestre e Senhor (Mt 3.11), quão indigno não há de ser
um miserável profano como você, de comer a Sua santa carne e beber o Seu
precioso sangue?
Se o abençoado apóstolo Pedro, vendo apenas uma centelha do extraordinário
poder de Cristo, se achou indigno de ficar junto com Ele no mesmo barco, quão
indigno será você de se sentar com Cristo à mesma mesa, onde você pode
contemplar a infinidade da Sua graça e da Sua misericórdia amplamente
manifestas?
Se o centurião achou que o teto da sua casa não era digno de abrigar um hóspede
tão sublime (Mt 8.8), que aposento apropriado, sob as abas da sua moradia, será
apropriado para que nele habite a santidade de Cristo?
Se a mulher que padecia de hemorragia teve medo de tocar a orla da veste de Jesus
Cristo, como você não há de tremer ao comer a Sua carne e beber o Seu sangue,
que tudo cura?
Todavia, se você vier com humildade, fé, arrependimento e amor caridoso,
detestando os pecados passados e se propondo sinceramente a corrigir a sua vida
daí por diante, não se deixe atemorizar pelos pecados passados, pois eles nunca
serão lançados em sua conta. E esta ordenança selará em sua alma a garantia de que
todos os seus pecados e todos os juízos a eles devidos foram e estão perdoados,
lavados e eliminados pelo sangue de Cristo. Pois esta ordenança não foi ordenada
para os que são perfeitos, mas para ajudar pecadores penitentes quanto ao seu
aperfeiçoamento. Cristo não veio chamar os justos, mas os pecadores ao
arrependimento. E, disse Ele, os sãos não precisam de médico, mas sim, os
enfermos (Mt 9.12,13; 11.28). A estes Cristo chamou, e quando eles vieram ter
com Ele, sempre receberam dEle o socorro de que necessitavam. Contemple o
evangelho todo, que testifica que nenhum pecador que veio a Cristo em busca de
misericórdia jamais foi embora sem receber a sua parte. Banhe, por assim dizer, a
sua alma enferma neste manancial do sangue de Cristo, e, sem dúvida, segundo a
16. Sua promessa (Zc 13.1), você será curado de todos os seus pecados e de toda a sua
impureza. Portanto, não são os pecadores que são barrados desta ordenança, e sim,
os que não querem se arrepender dos seus pecados.
5. Quinto, medite em que Cristo nos deixou esta ordenança como o principal sinal e
penhor do Seu amor. Ele a instituiu, não quando quiseram fazê-10 rei (Jo 6.15), o
que pode ter parecido um prêmio por Sua bondade, mas, de fato, quando Judas e
os sacerdotes estavam tramando a Sua morte. Portanto, é totalmente fruto do Seu
puro e simples favor. Lembre-se de que Natã quis mostrar a Davi que certo
homem amava tanto a sua ovelha, que fora morta por um ricaço, que lhe dava para
comer, disse Natã, as suas próprias porções, e lhe dava de beber do seu próprio
cálice (2Sm 12.3). E não deveria o amor de Cristo ser considerado indescritível,
sendo que Ele dá à Sua ovelha a sua própria carne para comer e o Seu próprio
sangue para beber, para a sua nutrição espiritual e eterna? Então, se há em seu
coração algum amor, tome em suas mãos o cálice da salvação e brinde o Seu amor
com amor (Sl 116.13).
6. Sexto, quando o ministro começar os atos de consagração da ordenança, ponha de
lado a oração, a leitura e todas as demais cogitações, sejam quais forem, e fixe as
suas meditações só nos santos atos e ritos que de acordo com a instituição de
Cristo, são realizados aqui e ali no santo memorial. Pois aprouve a Deus,
considerando a nossa fraqueza, designar esses ritos como um meio pelo qual
podemos elevar as nossas mentes a uma séria contemplação das Suas graças
celestiais.
Portanto, quando você vir o ministro separando o pão e o vinho na mesa do
Senhor e consagrando os elementos pela oração e pela repetição das palavras de
Cristo em sua instituição, para que sejam uma santa ordenança do bendito corpo e
do precioso sangue de Cristo, proceda da seguinte maneira: medite em que Deus
o Pai, simplesmente por Seu amor à humanidade, separou e selou o Seu Filho
unigênito para Ele ser o todo-suficiente meio e o único Mediador, para nos
redimir do pecado, nos reconciliar com a Sua graça e nos levar para a Sua glória.
Quando vir o ministro partir o pão, sendo este abençoado, medite em que Jesus
Cristo, o Filho eterno de Deus, foi posto à morte, e o Seu santo e bendito Ser,
alma e corpo, sob o senso da ira de Deus, foi partido pelos pecados que você
cometeu, o que aconteceu tão verdadeiramente quanto agora você vê a santa
ordenança ser partida diante dos seus olhos. Chame também à sua memória a
hediondez dos seus pecados e a enormidade do ódio de Deus contra os mesmos,
razão pela qual a justiça de Deus não poderia ser satisfeita senão por um sacrifício
como o que Ele fez na Pessoa do Seu Filho unigênito.
Quando o ministro, tendo abençoado e partido o pão, se presta a distribuí-lo, faça
isto: medite em que o Rei, que é o Senhor da festa, Se põe em pé junto à mesa
17. para ver os Seus convidados (Mt 22.11), e olha para você, para ver se você está
vestindo a veste nupcial.' Pense também em que todos os santos anjos, que
atendem aos eleitos na Igreja (1Co 11.10) e desejam contemplar a celebração
destes santos mistérios (1 Pe 1.12), observam a sua reverência e como você se
porta.
Quando o ministro lhe trouxer e lhe oferecer o pão já abençoado e partido, para
você recebê-lo, tomá-lo, comê-lo, etc., então medite.
Na meditação, pense nisto: Cristo vem até você e oferece e dá à sua fé o Seu corpo
e o Seu sangue, com todos os méritos da Sua paixão e morte, para alimentar a sua
alma para a vida eterna. Este glorioso fato se da tão certamente quanto é certo que
o ministro oferece e dá os sinais externos que alimentam o seu corpo para a vida
temporal. O pão do Senhor é dado pelo ministro, mas o pão que é o Senhor é
dado pelo próprio Cristo.
Quando você tomar o pão da mão do ministro para comê-lo, eleve a sua alma para
apreender Cristo pela fé, e para aplicar os Seus méritos para curar as suas misérias.
Abrace-O gentilmente com a sua fé ao participar da ordenança, como uma vez
Simeão O abraçou, ainda bebê, nos panos que O envolviam.
Enquanto estiver comendo o pão, imagine Cristo pendurado na cruz, satisfazendo
à justiça de Deus por seus pecados e sofrendo tormentos indescritíveis.
Empenhe-se em se apropriar tão verdadeiramente da graça espiritual quanto
concretamente se apropria dos sinais elementares. Pois a verdade não está ausente
do sinal, e Cristo não fala enganosamente quando diz: “Isto é o meu corpo". Ele Se
dá realmente a toda alma que O recebe espiritualmente pela fé. Sim, pois, assim
como a nossa Ceia é a mesma que Cristo administrou, assim também o mesmo
Cristo está verdadeiramente presente em Sua Ceia, não por algo como a
transubstanciação papal, mas sim, por uma participação sacramental, pela qual Ele
alimenta verdadeiramente o participante digno para a vida eterna. Ele o faz, não
descendo do céu e vindo a você, mas elevando você da terra até Ele, conforme a
antiga expressão, Sursum corda, elevem os seus corações, o que lembra também as
palavras de Jesus Cristo: "Onde houver um cadáver, aí se ajuntarão os abutres" (Mt
24.28).
Quando você vir o vinho sendo trazido a você, separado do pão, lembre-se de que
o sangue de Jesus Cristo também foi separado do Seu corpo na cruz, para a
remissão dos seus pecados. Lembre-se igualmente que o Seu sangue é o selo da
nova aliança, que Deus fez para perdoar todos os pecados dos pecadores penitentes
que creem nos méritos do Seu sangue derramado. Pois o vinho não é uma
ordenança do sangue de Cristo contido em Suas veias, mas sim, o Seu sangue
18. derramado do Seu corpo na cruz, para a remissão dos pecados de todos os que
creem nEle.
Quando você beber o vinho, medite e creia que, pelos méritos do Cristo derramou
na cruz, todos os seus pecados foram tão sangue que verdadeiramente perdoados
quanto agora é certo que você bebeu este vinho memorial e o recebeu pela fé. E,
no instante em que o beber, fixe a sua meditação em Cristo, pendurado no
madeiro, como se, à semelhança de Maria e João, você O visse ali cravado e visse o
Seu sangue correndo para baixo, do Seu lado bendito, da horrível ferida feita pela
lança em Seu coração puro e inocente. Imagine a sua boca colada ao Seu lado,
para receber o precioso sangue antes de ele cair na terra empoeirada.
E, todavia, beber de fato o sangue real com a sua boca não seria em nada eficaz
como eficaz é este beber sacramental espiritual daquele sangue pela fé (Mt 26.28).
Pois qualquer dos soldados poderia ter bebido o sangue real derramado na cruz e
continuar sendo um réprobo. Entretanto, todo aquele que o beber
espiritualmente, na ordenança, pela fé, certamente terá a remissão dos seus pecados
e a vida eterna.
Assim como você sente o vinho memorial que bebeu aquecer o seu frio estômago,
assim também faça empenho em exercer a sua fé para sentir o Espírito Santo
animar a sua alma com a jubilosa certeza do perdão de todos os seus pecados, pelo
mérito do sangue de Cristo. E, com esse fim, Deus dá a toda alma fiel, junto com
o sangue memorial, o Espírito Santo para beber: "E a todos nós foi dado beber de
um único Espírito" (1Co 12.13). Por isso, erga a sua mente da contemplação de
Cristo, morto na cruz, para considerá-l0 agora assentado na glória, à destra do Seu
Pai, fazendo intercessão por você (Rm 8.34; Hb 7.25; 9.24), pela apresentação que
faz ao Seu Pai dos inapreciáveis méritos da morte que Ele sofreu por você uma vez
por todas, para aplacar a Sua justiça pelos pecados que você comete diariamente
contra Ele.
Depois de comer o pão e beber o vinho, trabalhe no sentido de que, conforme
esses sinais memoriais se tornam a nutrição do seu corpo, e pelo calor da digestão
se tornam um com a substância física do seu corpo, assim a operação da fé e do
Espírito Santo torne você um com Cristo; e Cristo, um com você; e assim você
sinta a sua comunhão com Cristo confirmada e aumentada diariamente, cada vez
mais (1Co 10.17). Considere, então, que, assim como é impossível separar o pão e
o vinho, digeridos juntos, no sangue e na substância do seu corpo, assim também,
e ainda mais, é impossível separar Cristo da sua alma,
e a sua alma de Cristo.
19. Por último, assim como o pão da ordenança, embora composto de muitos grãos,
forma um só pão, assim também você deve lembrar que, embora todos os crentes
sejam muitos, todos eles são, no entanto, apenas um corpo místico, do qual Cristo
é a Cabeça. Por isso você deve amar todo cristão como a si mesmo, como membro
do seu corpo.
Vimos, pois, até aqui os deveres a serem cumpridos quando do recebimento dos
elementos da Ceia, processo ao qual damos o nome de meditação.
20. RICHARD BAXTER
(Um Diretório Cristão - Breves Instruções para as Famílias sobre o
Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo)
Instrução 7. No momento da administração do Sacramento, acompanhem o Ministro
durante todo o serviço e conservem os vossos corações próximos de Jesus Cristo no
exercício de todas aquelas graças que são próprias das várias partes da administração. Não
pensem que todo o trabalho deve ser dos ministros. Esse deve ser um dia ocupado para
vocês e seus corações devem ser tomados com tanta diligência, quanto suas mãos estão
ocupadas em seu trabalho comum. Porém não em uma diligência penosa e cansativa, mas
em negócios tão prazerosos como convém aos convidados do Deus do Céu para uma
festa tão doce e no recebimento de presentes tão inestimáveis.
Aqui eu devo mostrar-lhes distintamente: I. Que graças são essas que você deve
exercer. II. O que se apresenta objetivamente diante de você no Sacramento para exercer
todas essas graças. III. Em que momentos da administração cada uma dessas obras internas
deve ser feita.
I. As Graças a serem exercidas são estas: (além daquele santo temor e reverência
comum a todo o Culto)
1. Um humilhante senso da odiosidade do pecado, da nossa condição perdida,
um desprazer contra nós mesmos, uma aversão a nós mesmos e um
arrependimento ardente pelos pecados que cometemos contra nosso Criador,
contra o Amor e Misericórdia do nosso Redentor e contra o Espírito Santo da
Graça.
2. Um desejo faminto e sedento pelo Senhor Jesus, por sua graça, pelo favor de
Deus e pela comunhão com Ele, que são aqui representados e oferecidos à alma.
3. Uma fé viva em nosso Redentor, sua morte, ressurreição e intercessão. Uma
confiança de nossas almas miseráveis nele como nosso suficiente Salvador e auxílio.
E por fim, uma aceitação sincera dele e de seus benefícios nos termos oferecidos.
4. Uma alegria e felicidade na aceitação desta misericórdia indescritível que
aqui nos é oferecida.
5. Um coração agradecido para com Aquele de quem o recebemos.
6. Um amor fervoroso para Aquele que por tal amor busca o nosso amor.
7. Uma esperança triunfante de vida eterna, que é comprada e selada para nós.
8. Uma vontade e resolução de negar a nós mesmos e a todo este mundo e
sofrer por Aquele que sofreu por nossa redenção.
9. Um amor aos nossos irmãos, nossos vizinhos e nossos inimigos com
prontidão para abrandá-los e perdoá-los quando nos fazem mal.
10. E uma firme resolução para a obediência futura, ao nosso Criador, Redentor
e Santificador, de acordo com nossa Aliança.
21. II. Ao nomear essas Graças, denominei seus objetos, os quais você deve observar tão
distintamente quanto puder para que possam ser operantes:
1. Para ajudar em sua humilhação e arrependimento, você deve trazer uma alma
miserável e oprimida para receber perdão e alívio e então você verá diante de si o
Filho de Deus sacrificado, que fez de Sua alma uma oferta pelo pecado e se tornou
maldição por nós, para salvar nós que fomos amaldiçoados.
2. Para desenvolver seus desejos, você tem os dons mais excelentes e as
misericórdias mais necessárias que este mundo é capaz de oferecer: o perdão do
pecado, o amor de Deus, o Espírito da graça, as esperanças da glória e o próprio
Cristo com quem tudo isso é dado.
3. Para exercer sua fé, você tem Cristo aqui representado primeiro como
crucificado diante de seus olhos e depois com seus benefícios, dado gratuitamente
a você e oferecido à sua aceitação, com uma regra que você não deve recusar.
4. Para exercer seu deleite e alegria, você tem este Salvador e sua salvação
oferecidos a você e tudo o que suas almas podem desejar está diante de você.
5. Para exercer sua gratidão, o que você poderia fazer mais do que magnificar
um presente tão penosamente obtido, tão seguramente selado e tão livremente
oferecido?
6. Para exercer o seu amor a Deus em Cristo, você tem a manifestação mais
completa do seu amor cativante, oferecida aos seus olhos, paladar e coração, que
uma alma na terra não pode razoavelmente imaginar. Em tão maravilhosa
condescendência, que a grandeza e estranheza dela ultrapassa a crença de um
homem natural.
7. Para exercitar suas esperanças de vida eterna, você tem o preço dela colocado
diante de si, você tem o dom dessa esperança aqui selado para você e tem aquele
Salvador apresentado a você em seu sofrimento e que agora está reinando e que
você pode se lembrar dele como um aguardante de sua vinda gloriosa para julgar o
mundo e glorificá-lo consigo mesmo.
8. Para exercer sua abnegação e resolução para o sofrimento e desprezo pelo
mundo e prazeres carnais, você tem diante de si o maior exemplo e obrigação que
jamais poderia ser oferecido ao mundo: Quando você vê e recebe um Cristo
crucificado que tão estranhamente se negou por você, estabeleça buscar muito
pouco pelo mundo e pela carne.
9. Para exercer seu amor aos irmãos, e sim, aos inimigos, você tem o exemplo
Dele diante de seus olhos, que te amou até a morte quando você era inimigo.
Você tem diante de seus olhos os santos servos Dele, que são amáveis Nele através
das obras de seu Espírito e em quem Ele quer que você mostre amor como a si
mesmo.
10. E para exercer sua resolução para a obediência futura, você considera os dois
títulos de governo: Criador e Redentor e você sente as obrigações de misericórdia
e gratidão e então você deve renovar abertamente uma aliança com ele para esse
fim onde toda a Igreja é testemunha. De modo que você vê que aqui há objetos
22. poderosos diante de si para extrair todas essas Graças e que elas são todas, exceto
aquelas que o trabalho exige que você exerça.
III. Mas para que você esteja mais pronto quando vier a praticar, eu o guiarei pela mão,
por todas as partes da administração e lhe direi quando e como exercer todas essas graças.
Aquelas que deverão ser tomadas juntas eu as tomarei para que a distinção desnecessária
não o atrapalhe.
1. Quando você for chamado e estiver indo à mesa do Senhor, exercite sua
humildade, desejo e gratidão e diga em seu coração:
“O que Senhor? Tu chamas um miserável como eu? O que! Eu que tanto desprezei a
tua misericórdia e voluntariamente te ofendi e preferi a sujeira deste mundo e os prazeres
da carne antes de ti? Ai de mim! É a tua ira no inferno que me é devida.
Mas se o Amor escolher um hóspede tão indigno e a Misericórdia for honrada sobre tal
pecado e miséria, eu venho Senhor ao teu chamado. Eu venho de bom grado. Seja feita a
tua vontade. E que a misericórdia que me chama, me faça aceitável e me acolha
graciosamente e que eu não venha sem as vestes nupciais, nem me apresse
irreverentemente em coisas sagradas, nem torne tuas misericórdias em minha perdição!”
2. Quando o ministro estiver confessando o pecado, humilhe suas próprias
almas na percepção de sua indignidade e deixe que seus pecados particulares
estejam diante de seus olhos com seus hediondos agravos. O são não precisa do
médico, mas sim o doente. Aqui não preciso colocar palavras em suas bocas ou
mentes, porque o ministro vai adiante de vocês e seus corações devem concordar
com as confissões dele e adicionar os pecados secretos que ele não mencionar.
3. Quando você olhar para o Pão e para o Vinho que é provido e oferecido para
este uso sagrado, lembre-se de que é o Criador de todas as coisas, em quem você
vive, cujas Leis você ofendeu e diga em seus coração:
“Ó Senhor, quão grande é a minha ofensa? Quem transgrediu as leis daquele que me
fez e de quem toda a Criação depende? Eu recebi meu ser e recebo meu pão de cada dia
de Ti. Deveria eu ter te recompensado com desobediência? Pai, pequei contra o céu e
contra Ti e não sou mais digno de ser chamado teu filho.”
4. Quando as palavras da Instituição forem lidas, o Pão e o Vinho forem
solenemente consagrados, separando-os para esse uso sagrado e a admissão e
bênção de Deus forem desejadas, admire a misericórdia que preparou para nós um
Redentor e diga:
“Ó Deus, quão maravilhosa é a tua Sabedoria e o teu Amor! Quão
surpreendentemente tu glorificas tua misericórdia sobre aqueles pecados que te deram
motivo para glorificar tua justiça! Tu, nosso Deus, a quem ofendemos, de Teu próprio
tesouro satisfizeste tua própria justiça e nos deste um Salvador por um milagre de
23. sabedoria, amor e condescendência, como homens ou anjos nunca serão capazes de
compreender completamente.
Assim amaste o mundo pecador, a ponto de dar o teu Filho, para que todo aquele que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Ó tu que nos preparaste um remédio tão completo e um dom tão precioso, santifica
estes elementos para serem representativos do corpo e do sangue de Cristo e prepara meu
coração para um dom tão grandioso e uma obra tão elevada, santa e honrosa.”
5. Quando contemplar o pão e o vinho consagrados, discirna o Corpo do
Senhor e reverencie-os como representativos do corpo e do sangue de Jesus Cristo
e tome cuidado de não profaná-los, olhando-os como pão e vinho comum.
Embora não sejam transubstanciados, sendo pão e vinho em seu ser natural,
também são corpo e sangue de Cristo em representação e efeito. Olhe para ele
como o pão consagrado da vida, que com o Espírito vivificador deve nutrir você
para a vida eterna.
6. Quando você vir o partir do pão e o derramar do vinho, deixe que o
arrependimento, o amor, o desejo e a gratidão trabalhem dentro de você:
“Ó maravilhoso Amor! Ó odioso pecado! Quão misericordioso, Senhor, tens sido para
com os pecadores! E quão cruéis temos sido para nós mesmos e para Ti! Poderia o amor
inclinar-se ainda mais baixo? Deus poderia ser misericordioso em um grau ainda maior?
Poderia meu pecado ter feito uma ação mais horrível do que matar o Filho de Deus?
Quão pouco um assunto me tentou a algo que deve custar tão caro para ser perdoado!
Quão caro pagou meu Salvador por aquilo que eu poderia ter evitado a um custo tão
baixo! A que tão baixo preço avaliei Seu sangue, quando pequei e pequei novamente por
nada! Este é o meu feitio! Meus pecados foram os espinhos, os pregos, a lança! Pode um
assassino de Cristo ser um pequeno infrator? Ó terrível justiça! Sou eu e outros pecadores
que merecemos suportar a punição por sermos culpados do pecado e sermos combustível
para as chamas inextinguíveis para sempre. Ó precioso Sacrifício! Ó odioso pecado! Ó
gracioso Salvador!
Como pode o coração do homem embotado e tacanho ser devidamente afetado por
coisas tão transcendentes? Ó Céu, faça sua devida marca sobre uma ninharia de homem!
Devo ter mais uma vez uma percepção tediosa de tal amor? Ou sempre terei um
pensamento favorável ao pecado e destemido da justiça? Oh, quebre ou derreta este
coração endurecido para que seja um pouco conformado ao meu Senhor crucificado! As
lágrimas de amor e arrependimento verdadeiro são mais agradáveis do que as chamas das
quais sou redimido. Oh, esconda-me nestas feridas e lave-me neste sangue precioso!
Este é o Sacrifício no qual eu confio. Esta é a justiça pela qual devo ser justificado e
salvo da maldição da tua lei violada! Como tu o aceitaste, ó Pai, para o mundo sobre a
cruz, observe-o ainda em favor dos pecadores. Ouve o seu sangue que clama a Ti por
misericórdia para com os miseráveis, perdoa-nos e aceita-nos como teus filhos
24. reconciliados somente por causa deste Cristo Crucificado! Não podemos oferecer-te
nenhum outro sacrifício pelo pecado e não precisamos de outro.”
7. Quando o ministro se aplicar a Deus em oração, para a eficácia deste
sacramento, para que nele seja nos dado Cristo e seus Benefícios e que Ele nos
perdoe, nos justifique e nos aceite como seus Filhos reconciliados, junte-se
fervorosamente e de todo coração nesses pedidos como alguém que conhece a
necessidade e o valor de tal misericórdia.
8. Quando o ministro entregar a você o pão e o vinho consagrados, olhe para
ele como o mensageiro de Cristo e ouça-o como se Cristo por ele dissesse a você:
“Tome este meu corpo e sangue partidos e alimente-se deles para a vida eterna. Leve
com ele minha aliança selada e nela o testemunho selado do meu amor, o perdão selado
de seus pecados e o dom selado da vida eterna. Assim, seja você abraçado sem fingimento
a minha aliança e entregue a Mim como meu redimido”.
Assim como ao entregar a posse de uma casa ou de terras, o doador dá uma
chave e diz: Eu te entrego esta casa e te entrego esta terra. Assim o ministro, pela
autoridade de Cristo, te entrega Cristo, o perdão e o direito à vida eterna.
Aqui está uma imagem de Cristo sacrificado, dado pelo próprio desígnio de
Deus que você pode usar licitamente. E mais do que uma imagem: um
instrumento de aplicação, pelo qual essas altíssimas misericórdias são solenemente
entregues a você em nome de Cristo.
Que seus corações, portanto, digam com alegria e gratidão com fé e amor:
“Ó incomparável generosidade do Deus eterno! Que presente é esse? E para que
pecadores tão indignos? Deus se rebaixará tanto para com o homem? Virá tão perto dele
para assim reconciliar-se com seus inimigos desprezíveis? Ele livremente perdoará tudo o
que fiz e me acolherá em sua família e em seu amor me alimentando com a carne e o
sangue de Cristo? Eu humildemente e com gratidão aceito teus presentes! Abre o meu
coração, para que eu possa aceitá-los com ainda mais alegria e gratidão.
Visto que Deus glorificará seu amor e misericórdia por dons tão incompreensíveis
como estes, eis aqui Senhor, um miserável que precisa de toda essa misericórdia! E
também visto que é a oferta de Tua graça e da Tua aliança, minha alma te aceita de bom
grado como meu Deus e Pai, como meu salvador e meu santificador e aqui me entrego a
Ti como teu servo redimido e (eu espero) regenerado. Sou Teu súdito e Teu filho, para ser
salvo e santificado por Ti, para ser amado por Ti e Te amar para sempre. Ó sela esta
aliança pelo teu Espírito, pelo qual me selaste e me entregaste neste sacramento. Para que,
sem reservas, eu seja inteiramente e para sempre teu!”
25. 9. Quando virdes os comungantes recebendo convosco, unam vossos corações
aos santos em amor e digam:
“Quão boas são as vossas tendas, ó Jacó! Quão amável é a família do Senhor! Quão
boa e agradável é a unidade dos irmãos! Quão queridos para mim são os preciosos
membros do meu Senhor! Embora eles ainda tenham as suas manchas e fraquezas, Ele os
perdoa e nós também devemos perdoá-los.
Minha bondade, ó Senhor, não se estende a ti mas aos teus santos, os notáveis na terra
em quem está meu prazer. A porção de minha propriedade que Tu requeres, eu
voluntariamente dou aos pobres e se eu prejudiquei algum homem, estou disposto a
restituí-lo. E visto que Tu me amaste quando era eu um inimigo Teu e me perdoaste uma
dívida tão grande, eu de coração perdoo aqueles que me fizeram mal e amo meus
inimigos.
Ó, guarda-me em tua família todos os meus dias, pois um dia nos teus átrios é melhor
do que mil e os porteiros de tua casa são mais felizes do que os mais prósperos dos
ímpios”.
10. Quando o Ministro der graças e louvores a Deus, suscitem suas almas para
uma maior vivacidade e imagine que você viu as hostes celestiais de santos e anjos
louvando o mesmo Deus na presença de sua Glória. Pense consigo mesmo que
você pertence à mesma família e sociedade que eles, que está aprendendo suas
obras e deve chegar em breve à mesma perfeição. Esforcem-se, portanto, para
imitá-los em amor e alegria e deixem suas próprias almas se derramarem em
louvor e ação de graças.
E quando você tiver algum tempo livre para seus pensamentos privados (como
quando o ministro está exortando você ao seu dever) exercite seu amor, gratidão,
fé, esperança, abnegação e resolução para obediência futura em algumas aspirações
de suas almas como estas:
“Ó meu gracioso Deus, tu ultrapassaste toda a compreensão humana em teu amor! É
este o Teu tratamento a pródigos indignos? Eu temia que Tua ira como um fogo
consumidor tivesse devorado uma alma tão culpada e que Tu terias cobrado de mim toda
a minha loucura, mas enquanto eu me condenava, Tu me perdoou, me justificou e me
surpreendeu com os mais doces abraços do teu amor!
Vejo agora que teus pensamentos estão acima de nossos pensamentos, teus caminhos
acima de nossos caminhos e teu amor supera o amor do homem, muito mais do que os
céus estão acima da terra. Com que alto preço resgataste um miserável, que mereceu a tua
vingança eterna! Com que belo e doce banquete me recebeste! Eu que merecia ser expulso
com os que praticam a iniqüidade!
Devo menosprezar um amor como este? Não vencerá minha rebeldia e derreterá meu
coração frio e endurecido? Serei salvo do inferno e não serei grato? Os anjos estão
admirando esses milagres de amor e não devo eu admirá-los? O amor deles por nós os
faz regozijar-se enquanto assistem ao nosso banquete celestial e não deveria ser mais doce
para nós que somos os convidados que se alimentam dele? Meu Deus, quão caro
26. compraste o meu amor? Quão estranhamente o honraste e o buscaste? Nada me dói e me
envergonha tanto quanto não poder responder a tal amor com um amor mais fervoroso e
frutífero.
Ó, que acréscimo seria a toda esta preciosa misericórdia, se Tu me deste um coração
para responder a esses Teus chamados, para que Teu amor assim derramado pudesse atrair
o meu amor, que minha alma pudesse se inflamar ao se aproximar dessas Tuas chamas e
que o amor tirado da percepção do Teu amor pudesse ser toda a minha vida! Ó, que eu
pudesse Te amar tanto quanto eu posso Te amar, sim, tanto quanto Tu gostarias que eu te
amasse. Esta seria uma felicidade grande demais para a terra, porém tu me mostraste o
lugar onde eu posso alcançá-la! Meu Senhor, me deixou essas promessas até que Ele
venha e nos traga para Si e nos banqueteie lá na alegria de nosso Mestre.
Ó lugar abençoado! Ó feliz companhia daqueles que veem a Tua glória e se enchem
das correntes daqueles rios de consolação! Sim, felizes nós a quem Tu chamaste do nosso
estado sombrio e miserável e nos fizeste herdeiros, passageiros e expectantes dessa
felicidade, sob a conduta de um guia tão seguro!
Oh, então nós te amaremos sem essas interrupções e defeitos pecaminosos! Em outra
medida e de outra maneira do que agora fazemos quando Tu revelares e comunicares Teu
atraente amor em outra medida e maneira do que comunicas agora! Até lá, meu Deus, sou
dedicado a Ti, por direito e aliança sou teu! Minha alma aqui testemunha contra mim
mesmo, que os defeitos do meu amor não têm desculpa, Tu mereces tudo. Se eu tivesse o
amor de todos os santos no céu e na terra seria para te dar.
O que este mundo tem a ver com minhas afeições? E o que é esta sórdida carne
corruptível para que seus desejos e prazeres afetem minha alma e a tentem a negligenciar
meu Deus? O que há em todos os sofrimentos que o homem pode impor sobre mim para
que eu não os aceite com alegria por causa Dele, que me redimiu do inferno, por
sofrimentos voluntários incomparáveis?
Senhor, vendo que Tu consideras um verme tão vil, meu coração, minha língua e minha
mão confessam que sou totalmente Teu. Oh, não deixe-me viver para ninguém além de
Ti, para o Teu serviço e Teus santos na terra! E, ó, não me deixe mais retornar à
iniqüidade! Nem me aventurar naquele pecado que matou meu Senhor! Agora que Tu
escolheste uma morada tão baixa, não sejas estranho ao coração que Tu escolheste tão
livremente! Ó, faça dela a residência diária de Teu Espírito! Desperta-a pela Tua graça,
adorna-a com os Teus dons, emprega-a no Teu amor, deleite-se em seu serviço a Ti,
refresque-a com Tuas alegrias e a luz de Teu semblante, destrua essa carnalidade,
egoísmo e incredulidade e deixe o mundo ver que Deus fará um palácio, do coração mais
baixo, quando Ele o escolher para o lugar de sua própria morada.
27. Instrução 8. Quando você voltar para casa, reveja a misericórdia que você
recebeu, o dever que você cumpriu e a aliança que você fez e:
1. Entregue-se a Deus em louvor e oração para o aperfeiçoamento de sua obra;
2. Cuidem de vossos corações para que eles não esfriem e que as coisas
mundanas ou ninharias engraçadas, não apaguem as impressões sagradas que
Cristo fez e que elas não esfriem rapidamente e voltem a sua antiga forma
enfadonha e apática;
3. E vejam que suas vidas sejam estimuladas pela graça que vocês receberam
aqui, para que mesmo aqueles com quem vocês conversem possam perceber que
vocês estiveram com Deus. Especialmente quando as tentações possam levá-lo
novamente ao pecado, quando as injúrias de amigos ou de inimigos o provocarem
e quando você for chamado a testemunhar seu amor a Cristo em qualquer trabalho
ou sofrimento dispendioso. Lembre-se então do que estava tão recentemente
diante de seus olhos e em seu coração, o que você decidiu e que aliança você fez
com Deus. No entanto, não julgue o fruto de seu recebimento tanto pelo
sentimento quanto julga pela fé, pois mais é prometido do que você já possui.