Este poema descreve a metamorfose como um processo assustador em que tememos perder o controle sobre nós mesmos e nos tornarmos algo diferente. Ele também fala sobre as pressões da vida moderna que nos forçam a assumir diferentes papéis em diferentes momentos e como isso pode ser estressante.
3. ÍNDICE
Despertou na obscuridade.........................................................4
O olhei empunhando uma arma................................................5
O inverno..................................................................................6
Às vezes temo a metamorfose..................................................7
Quando deixo............................................................................8
Visões horríveis.......................................................................9
Escorrega pelas ruas...............................................................10
Neste mundo cruel..................................................................11
Continuam novas guerras.......................................................12
Dizer viver é incerto...............................................................13
Como amanhar.......................................................................14
Ao menino mendigo.............................................................15
Encruzilhada de pensamentos I............................................16
Encruzilhada de pensamentos II...........................................17
Se não fosse...........................................................................18
No entanto.............................................................................19
Verdugos de sonhos..............................................................20
Suicidas.................................................................................21
Agonizante fauna..................................................................22
Os dias escoam-se ..............................................................23
De que maneira num momento.............................................24
Noite......................................................................................25
Nesta hora adversa................................................................26
Ode ao desempregado...........................................................27
A paz.....................................................................................28
Ontem...................................................................................29
4. DESPERTOU NA OBSCURIDADE
dum aparente dia
Tentou alçar a sua voz, gritar
mas o corvo com bicadas de ferro
lhe fez calar
e na sua garganta,
garrotada
ficou a palavra,
liberdade
Liberdade,
amanheceu rasgada
sepultada baixo lágrimas
A tristeza meteu-se
na sua cama
sovou-lhe o corpo
com beijos de mofo
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5. O OLHEI EMPUNHANDO UMA ARMA
Brincando à guerra
nada mais nascer
Sua mãe pareu-o
sobre um leito de navalhas
Nasceu coa insígnia
“rebelião “
Ainda não aprendeu a caminhar e já
sua mente pequena inventa
estratégias
No seu iniciado vocabulário
balbuciante, surge a palavra
“lutar”
Chegou trazendo herdadas
chagas
Da cavidade do ventre materno
(bom campo adestrador)
saiu às sombras ditatoriais
um duro lutador
Nasceu co sorriso roto
com sequelas de cadeias
na alma
Jamais saberá o que é voar
jamais
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6. O INVERNO
fai-se patente no circundante
A realidade impõe lutas
Engendra soldados
vira corpos
Desordena tempos, sonhos
Recrutamentos sem razões
no nome duma pátria
Assumem-se (mas com tristeza)
enlouquecidos feitos
Sentes um nó no estômago
pelos caídos
aqueles,
que jamais não quiseram
ser heróis
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7. ÀS VEZES TEMO A METAMORFOSE
O brilho da moeda que nos arrasta ao presumível
domínio dum filho da puta por um mísero
salário
Hoje toca-me dupla representação, os espectadores
esperam ocorrências
Amanhã oscila entre preguiça e apatia
Ressona um despertador na mente como
um maço
Almanaques pirómanos de sonhos
delineiam maioritariamente a preto os dias
É tarde
Os semáforos sabem-no e fodem
mudando o verde permissível
por um vermelho que paralisa
Toca o sino, já está na hora
Mais uma vez a contenda de
pontualidades e
atrasos
da diária jornada de perfeita proletária
De cancelados direitos e
de um montão de obrigações
Amanhã alcançarás o teu prémio
subir ao céu dos idiotas
Mas esta certeza não é suficiente
A fé perde adictos
Os comícios não convencem
As promessas tornam-se contos de fadas
e levas um corvo no bico
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8. QUANDO DEIXO o doce estado da sonolência
e torno ao mundo
vivo amanheceres duros
desajeitadas tragédias
Sinto-me acorrentada no cruel
silêncio
das soterradas pedras
que a infinita noite desenterra
Ao teu reverso vejo países estéreis
Cães que uivam, vaticínios da morte
Mãos que derrubam caminhos
e lançam-me a rolar
A violência ofusca-me
coma se fosse uma fresta
afogada na lama
Semelho uma velha de luto
resmungando rogos
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9. VISÕES HORRÍVEIS
Descarnados seres
caminham em busca do sol
sob uma nuvem de medo, de chumbo
Mortas paisagens criam dramas
Não há mais distante pensamento
que o sossego neste enxame
O sangue espalha-se entre as pedras
das ruas onde, a liberdade estrangula-se
antes de nascer
onde os ratos levam ligas de latão
e dormem encolhidos sobre os membros
Amputados membros dum povo
no limiar do seu pôr-do-sol
Horríveis visões
magoam...fazem sofrer
pelos corpos amados, que
enchem tumbas, em caminhos de sangue
E o pranto a bolorecido de séculos
persiste com a luta duma utopia
verte-se continuamente enquanto
sonha com novos amanheceres
Onde o homem
não mande no homem
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10. ESCORREGAM PELAS RUAS
o peso de mortes sem sentido
Os sineiros tocam à defunto prematuro
Dos esconderijos da raiva
surgem informações sujas de sangue
Assassinos com feições de vermes
e miolos enrugados
enchem televisões a cores
Pegadas de morte
fortes
firem
Fecham tudas as portas
Ataúdes abertos mostram-se
no nojento marco
duma sociedade em declive
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11. NESTE MUNDO CRUEL
emerge o desatino
fica a espada da violência
perta a ferir o sorriso
Assim sucessivamente
asneiras
A foice agride,não pensa em vida...
Almas penitentes dum povo
imergidas no abismo
Corpos mutilados
enchem pesadelos
Verte-se sangue sem limite
Medito na morte,
sinto-a muito intensa
e digo:
IGNORA
Por mais que...
É o mesmo...
Estás aqui loucura
vens com brutal antagonismo
És como um verme na terra
que germina erva daninha
Triste realidade,
só fica a espada e, silêncio
TORNA TUDO AO MESMO
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12. CONTINUAM NOVAS GUERRAS a roubar sonhos
a rasgar sorrisos
Os ventres da discórdia continuam a parir fetos deformes
monstros
que logo crescem e inventam novas maneiras de matar
O mundo chora
impotente lança lamentações, evoca
quase não sonha
Desconhece a sensação de amar
a decepção é palpável
vaga...
homem, aprendiz de pássaro
O pessimismo disfarça facções
Inevitáveis conclusões
batem na alma
Quando não existe a luz
o terror e a morte, sádicos
amantes
emparelham-se e engendram
desastre após desastre
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13. DIZER VIVER É INCERTO
tuda palavra formosa adquire significado
de conto
pertencente a um ontem, que já é passado
Já é recordação
Dizer viver é sonho
impalpável, escorregadiço como menino inquieto
que brinca e brinca, nos esgota
arremata
supera
O caminho dos anseios
pedregal e ambíguo não é acessível
Abutres
espreitam no circundante
cevam-se dos nossos restos e bebem
as meninas dos nossos olhos
Enfim!... buscar a liberdade é um sonho
quimera
É uma palavra,uma invenção pôde
mas é tão bela!
A nossa busca é tão dura que às vezes
recostada sobre as nossas muitas feridas
a dúvida da liberdade balança-se
com frenética insistência
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14. COMO AMANHAR as rotas choças internas
Como alugar um pedaço,
Ainda que só seça uma porção duma alegria
ou a migalha do reflexo dum sorriso
Quando penso papa,ainda hoje que foste
de pressa
como uma chama dum círio, com um assopro
em um instante
como uma ligeira borboleta...
É um triste facto!
Tremo ao pensar na data do teu falecimento
A consciência da tua morte, enoja-me papa!
Não posso evitar e lembro,
lembro...
Amanhã que disseste adeus
aquele adeus definitivo
aquelas horas longas
longas
O tristonho soar do sino que ainda me fere
que bate na minha alma como um martelo
e bate
bate
bate...
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15. AO MENINO MENDIGO
Ontem, hoje, sempre
pedindo na rua
Olho os sobressalentes ossos
desenhados pela miséria
Pequenos deserdados de
afundidos olhos
percorrem todo dia
uma multidão de frias olhadas
de transeuntes
com pressa
Dói ver tantas infâncias
rotas
tristes
aqui, além
nos gelados solos
duma rua qualquer
Dói pensar que o mundo
não muda
Curiosamente: os pobres seguem
tão pobres
O pão escasso. E os países?
ah, os países!
ARMADOS
armados até os dentes
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16. ENCRUZILHADA DE PENSAMENTOS I
Um sem-fim de vezes estou no meio
Justo no meio de um horizonte incerto
Removo as turbulentas águas
que circundam paisagens
e criam naufrágios assombrosos
Apanho branca espuma que cavalga
sobre as ondas
Ondas enjoadas
e brinco com elas
Troco-me em uma partícula insignificante
Em uma imagem imperceptível
furtiva caminhante
alheia
de nenhum sítio
Som em um instante aquilo que jamais eu não quis ser,
nada
A mente: “encruzilhada de pensamentos”
rola pela pendente de derradeiras
demências
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17. ENCRUZILHADA DE PENSAMENTOS II
Vagabundeia pelas ruas das noites eternas
As trevas vistem os seus corpos despidos
O senso procura claridades
nos esconderijos incertos
Nos berços arrulham-se, dormem
pequenos sonhos
que crescem só na ingenuidade
na fantasia das olhadas
dum menino
Quando crescemos a coisa mais singela
troca-se complexa
O medo supera-nos
pendura-nos a matérias feridas
a situações de incógnitas vindouras
Trememos quando nas suas mãos de
caprichoso artista
somos bonecos surgidos da
sua imaginação
sem limite
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18. SE NÃO FOSSE pela pegada assassina
Pela faca suja de sangue
Pela carne aberta da inocente vítima
Se não fosse pelos famintos lobos
que enchem as ruas frias
Eu dizia
Ainda vives esperança
deitada à beira do mar
nas lajes deste caminho
Se não fosse pela liberdade
sufocada, soterrada
engolida pelo alçamento
de fanatismos sucessivos
Se não fosse
pelos degolados alentos
Eu dizia
Ainda ficas esperança
neste chão de misérias
vagando, mergulhando
apanhando murchas essências
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19. NO ENTANTO acendo a cinza
em perigo de labareda
Não faço nada para dete-las
As chamas ameaçam com queimar tudo
até o perfil desconhecido dum coração
em vias de destruição
Arranco o precinto de seguridade duma
bomba passional
que se esconde detrás da identificação
e surge o estampido,
Sei que só o pensamento desperta
novas formas de expressão
que te definem
Não quero que o esquecimento
me tape coa sua manta
de cinzentos cores
que dá-me tanto frio
E sigo acendendo as cinzas
ainda quentes de outros dias
Já que em definitiva, entre as chamas
que brotam debilitadas surge
resplandece a essência que me define
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20. VERDUGOS DE SONHOS
Norte,sul este, oeste...
O globo mundo em sua mão
Nos contornos da terra há um homem
forte, frio
rindo-se do amor
com gargalhadas de ferro
Homem de duas caras
Há um ditador com lança de lume
agonizando resquícios de liberdade
Há um diabo com forma
humana
mestre de hipocrisia
Sepultando ideias, sonhos
e semeando morte detrás dele
Há um verdugo soterrando
corpos
na profundidade da terra
Corações gelados finam
baixo as pedras
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21. SUICIDAS
Galopam debruçados no fracasso
coas ilusões estranguladas
tristes
cansadas
Destecendo tuda uma vida num instante
ao som das mesmas lágrimas
Nas mãos, sombras de noite pressentidas
frieza, beiços gelados
Desassossego que perdura
em cima das suas mortalhas
Murmúrios de responsos
ferem
ferem
com adeuses irremediáveis
definitivos
O vento traz voz de morto
vem gemendo pesar
Nosso pai que estás no céu
dá-nos esperança
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22. A AGONIZANTE FAUNA
fai na área preta
fossas
Fuel óleo incrustado nas rochas
acampa nas praias
Vómitos irremediáveis
duma doença que avança
A espuma tem um fedor
a veneno, a morte
A vida derruba-se na lama
Maré negra que traz fome
As redes fam cursos nos molhes
Os néscios ensaiam discursos enganadores
mostram o perfil de verme
enquanto dizem: “ não é nada”
A incontinência verbal encaixa
coas matanças propiciadas
pelos 4+4 bastardos
Estirpe de ”Pepa a Loba”
E tu, indefesa
segues lambendo as chagas
Segues sendo
insignificante ponto
ainda num mapa
16-1-03
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23. OS DIAS ESCOAM-SE
em uma permutação de contratempos
entre desejos
às vezes bêbados
Histórias interrompidas
que furam almanaques
dias pretos e vermelhos
dos tempos
Quebram-se palavras
em cima das lajes
de labirintos internos
Perfumam ao vento
melodramáticos poemas
Os dias escoam-se
desaparecem
Não sei que fam aqui os teus olhos
Não sei, pero às vezes
os silêncios choram
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24. DE QUE MANEIRA NUM MOMENTO
saes duma sombra para sumirte em outra
Imensa sombra assassina que enforca
as ilusões dum dia
Ninguém pode deter as aflições
que chegam
e firem-te sem compaixão
Elas, então ficam
rasgam-te como se fosses
folha dum manuscrito velho
sem importância, nem sentido
Como folha caída
que viste o chão nu
duma tarde de outono
Ficas como lama dum caminho
de qualquer tristonho inverno
De que maneira em um momento
saes duma sombra para
sumirte em outra
rememorando ausências
que supuram dores
Sentindo mais dentro a morte
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25. NOITE
Tuda vestida de preto
murmuradora, envolvida
em medos
Mochos, morcegos
quebram o silêncio,
mudam as claridades
transformas em um grito
de mistério
Abandonada pelas luces
abraça-se nas trevas
suicidas,
de medo
Aprisiona-me coas suas sombras
Corre detrás de mim, dá-me medo
e assusta-me o pensamento
duma noite
sem alva
dum sol dorminhoco, preguiçoso
duma noite que não acaba
duma obscuridade eterna
eterna
e-ter-na
na
na...
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26. NESTA HORA ADVERSA
sem brilho, nevoeiro
mar preto, confuso horizonte
Vestidas de fuel óleo as costas
Vestidas de morte
Águas pretas que
soterram cadáveres
em ataúdes de areia
contaminada
Que o vento faça um fado
co despertar do mal que existe
e a sensação de fome remeta
aos culpáveis
Na praia dança o marinheiro
sua dança sacude a terra
Quantos filhos, quantas mães
choraram,rezaram em vão
Ficaram tristes no areal
mas logo surge o sol
A névoa finda
nas mãos dos voluntários
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27. Ode ao desempregado
Pegadas de passageiros insones
Batem
Afundam as portas cerebrais
caminham
abrem covas
Famintas depressões devoram
Inseguridades furam cavidades
do razoamento
De repente, o juízo desequilibrado
pendura de um fio
Os sentimentos germinam em uma raivosa
consequencia
Em um complexo engrenagem
iniludível
Que propina duras bofetadas
desperta-te
despertamos
e sofrimos
As estradas e atalhos falam
Dum cada vez mais curto caminho
e de abismos
Dizem que a vida é só um suspiro
mas entretanto 5325+1
cresce
uma fileira do desemprego
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28. A PAZ
No som das ondas, ao longe
Fosse acaso um aparecimento
vem ansiosa na espuma
navegando sobre águas feridas
levando a bordo os medos
ombro a ombro
Anoréxica figura de febre
de febre e
amargura
Vestida de sombras, sombra eterna...
entre choros e presságios funestos
assinala que onde está a morte
não há o dia
Que inquietude mais funda!
o frio vento passa, com movimento
de ataque aéreo
Sustendo uma luz emprestada
projecta pesadelos
no rasgado espaço da contenda
Obscuro filme, de guião incerto
abre linhas abstractas
na terra
O homem ávido de lutas e conquistas
arrasta a humanidade pela merda
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29. ONTEM aproximada ao limite
mais limite
Hoje, uma atitude positiva
quebra
tudas as lutas
Arremessa às calçadas caras enlutadas
Impertinentes depressões
as húmidas lágrimas
Acometes com ímpeto,
com força de fera as circunstâncias
ergues-te
segues andando
Mordes as angústias que atacam
pelejas
ganhas
Fas de todo dia uma luz decapitadora de
negruras insalubres
Prelúdio de recíprocas ressonâncias
duma primavera fora de estação
acomodada no mais fundo
dos sentimentos
Primavera surgida da interna luz
que provoca serenidade do pensamento
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30. Esta composição poética ganhou o 3º prémio no Certame
Literário: “ AALF- Associação de Artes e Letras de
Freamunde, 2003 Portugal.
Trabalho registrado no registro da propriedade
intelectual com o título: “ Os espelhos projectam
estruturas”.Número de assento registro 03/ 2004/620