O documento discute a importância do ensino do Latim no contexto pedagógico português. Apresenta como o estudo do Latim tem declinado devido a reformas educacionais e atitudes sociais, mas defende que o Latim é essencial para compreender a língua portuguesa e campos como Direito e História. O documento argumenta que os professores devem adaptar suas estratégias para tornar o Latim mais relevante e motivador para os estudantes.
1. Oração Relativa e a sua aplicação no contexto Pedagógico-didáctico
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A importância do Latim na aprendizagem do Português
Pretendemos com esta reflexão aferir a importância que o estudo do Latim
poderá ter na aprendizagem da língua materna, não sem antes fazermos, num primeiro
momento, a análise do estado em que se encontra a língua Latina, actualmente, em
Portugal e, num segundo, a aferição, com base no contexto político e em vários
argumentos, da forma como o ensino do Latim é perspectivado actualmente.
Maria Helena da Rocha Pereira, numa comunicação intitulada «Portugal e a
Herança Clássica»1
salienta que «a herança greco-latina atravessa toda a cultura
ocidental». Todos sabemos que foi na Antiguidade Clássica que surgiram,por exemplo,
a retórica, várias formas de arte,o direito, a democracia, a religião, a ginástica. Podemos
verificar em muitodo que nos rodeia uma grande «dívida que temos para com esse
mundo»2
.Quer isto dizer que, por um lado,a culturagreco-latina marca o nosso
conhecimento do mundo, a nossa própria cultura e o modo como nos organizámos em
sociedade. Por outro lado, leva-nos a colocar uma questão: como é que o Homem de
hoje pode ignorar este legado, que contém um valor tão precioso? De facto, uma grande
parte da sociedade fá-lo e o panorama actual não se mostra nada favorável para
aslínguas grega elatina, como constata Carlos Ascenso André3
:«É inegável que as
décadas mais recentes têm sido testemunhas de um crescente menosprezo pelas línguas
clássicas; o prestígio de outrora está em decadência; lenta e paulatinamente, instala-se
a tendência para as considerar um luxo - inútil».
Note-se que a este desprezo a que as línguase, por consequência, as cultura
classicas têm sido alvo, junta-se, por um lado, o facto de a sociedade actual, que se
encontra dominada pela tecnologia e pela economia, expurgar tudo o que não se
enquadre nestes domínios e, por outro, a valorização crescente concedida às línguas
«modernas [que](…) apadrinhadas[por]bons guardiões político-económicos se
conseguiram impor»4
.
No contexto pedagógico-didáctico,a questão relacionada com o gradual
desaparecimento do Latim assume-se como um problema sério. Actualmente, «o
aprendizado das línguas clássicas, outrora centro nevrálgico do processo educativo,
1
Maria Helena da Rocha Pereira, «Portugal e a Herança Clássica» -p.11
2
Simon Goldhill, «Amor, Sexo, e Tragédia»
3
Carlos Ascenso André, «Apresentação» - p.182
4
Raul Gomes, «Aprender Ensinando» - p.287
2. Oração Relativa e a sua aplicação no contexto Pedagógico-didáctico
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vê-se relegado para um plano secundário»5
.A extinção progressiva do ensino do Latim
também é reafirmada por Manuel Cerejeira Abreu Carneiro, numa comunicação
intitulada «Como Renovar o ensino do latim – algumas sugestões»,onde mostra como
essa extinçãose tem processado, a nível oficial, no ensino secundário, operada através
da implementação de uma série de reformas.
Apresentaremos de seguida, algumas dessas reformas, enquadrando-as no
contexto político, social e económico que esteve na base de cada uma.
A primeira reforma aplicada por José Coelho, em 1905, levou à redução drástica
do número de horas semanais de Latim nos cursos gerais,ainda durante a época da
monarquiae resultou de um longo processo de transformação do ensino secundário que
veio acentuar a vertente científica em detrimento da humanista que vigorava na
época.Recordemos que esta surge como reacção à reforma que se encontrava em vigor,
da autoria de Jaime Moniz, que foi alvo de durascríticas por parte dos pais dos
estudantes, que alegavam que estes «eram obrigados a um excesso de trabalho que,
naturalmente, lhes desagradava, com horas demasiadas em algumas disciplinas,
programas sobrecarregados, o peso exagerado do Latim ao longo do curso, a ausência
de bifurcação em letras e ciências»6
. Neste âmbito, a reforma de José Coelho
manteveas disciplinas da reforma de 1895, às quais acrescentou uma nova, Educação
Física, reduziu o número de horas semanais deLatim e levou àbifurcação dos cursos
gerais em Letras e Ciências. Relativamente ao acessoao ensino secundário, este
privilegiava os filhos da burguesia urbana e as classes socialmente mais elevadas7
.
Por sua vez, a reforma de 1972introduzida por Veiga Simão, durante governo de
Marcelo Caetano,conduziu o Latim à condição de disciplina de opção. Na base desta
reforma estiveram vários acontecimentos, dos quais destacamos apenas os mais
importantes, nomeadamente, a saída de Salazar do governo, que é substituído por
Marcelo Caetano e o episódio da inauguração do edifício das Matemáticas da
Universidade de Coimbra8
. Cenários que levaram Veiga Simão a tornar-se o precursor
5
Carlos Ascenso André, ibidem – pp. 183-184.
6
Rómulo de Carvalho, «História do ensino em Portugal: desde a fundação da nacionalidade até ao fim
do regime de Salazar-Caetano» - p. 644
7
Importa realçar que a percentagem de mulheres que ingressavam no ensino secundário era muito
reduzida.
8
No dia 17 de Abril 1969 estavam reunidos num salão do novo edifício das Matemáticas da
Universidade de Coimbra, que ia ser inaugurado, Américo Tomás, altas figuras do Estado e do mundo
universitário. Durante a cerimónia de abertura, havia um programa de discursos a cumprir e que todos
3. Oração Relativa e a sua aplicação no contexto Pedagógico-didáctico
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de uma grande transformação no ensino,que se reflectiu, mais especificamente, na
reestruturaçãoda Junta Nacional da Educação,na remodelação do Gabinete de Estudos e
Planeamento, na concentraçãodas funções pedagógicas e disciplinares em três grandes
Direcções-Gerais do Ensino, Superior, Secundário e Básico, na reformado instituto dos
meios Audiovisuais de Educação Permanente, na criaçãodo Secretariado para a
Juventude, destinado a estimular e apoiar as actividades Juvenis no preenchimento dos
tempos livres. No que respeita ao acesso ao ensino, fomentou um aumentosignificativo
do número de alunos a frequentar os estabelecimentos de ensino públicos primários,
enquantono ensino secundário, só os filhos de famílias economicamente abastadas é que
tinham a possibilidades de prosseguirem. Com efeito/Na realidade, o ensino desta
épocacaracterizava-se por uma elevada taxa de analfabetismo.
Finalmente, depois do 25 de Abril de 1974,as Universidades renovaram os seus
cursos e respectivos planos de estudo. Em particular permitiu-se a concessão do grau de
licenciatura em Estudos Portugueses sem exigir Latim no currículo, ou seja, muitos
professores de português formaram-se sem terem conhecimentos da língua de Cícero.
Actualmente, esta situação foi parcialmente resolvida, porque algumas universidades,
utilizando o seu direito da autonomia, restabeleceram a necessidade da aprendizagem do
Latim como pré-requisito essencial para a formação de professores de Português. No
entanto, as reformas anteriormente referidas contribuíram, e muito, para a diminuição
da frequência da disciplina de Latim no ensino secundário. Deve-se explicitar que
areforma do ensino de 1974 surgiu num contexto de mudança, tendo como «pano de
fundo» o golpe militar de 25 de Abril de 1974 que pôs termo ao regime ditatorial
implantado em 1926. Esta revolução levou àdemocratização do ensino, que por sua vez
conduziu ao aumento do número de alunos e da sua heterogeneidade.
Um estudo realizado por Raul Gomes demonstra a posição dos alunos
relativamente ao estudo do Latim, estes apontam-nocomo sendo muito difícil,
complexo e sem qualquer tipo de utilidade prática. Estes consideram o seu estudo
dispensável e propõem a sua substituição por cadeiras como informática, literatura ou
aguardavam respeitosamente. No entanto, Alberto Martins, estudante universitário, durante um
intervalo de uma das comunicações pediu para falar, com o intuito de expor os problemas que
afectavam o ensino da época, atitude que o levo à prisão. A comunidade estudantil revoltou-se, de tal
modo, que o governo acabou por voltar ao caminho anterior, ou seja, ao da modernização do sistema
de ensino.
4. Oração Relativa e a sua aplicação no contexto Pedagógico-didáctico
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linguística portuguesas9
. Raul Gomes no seu estudo «Aprender Ensinando»10
expõeas
três principais razõesapresentadas pelos alunos que explicam a desmotivação em relação
ao estudo da língua latina, as quais passamos a citar:«a inexistência de bases científicas
a nível de língua materna»; «um programa demasiado extenso para a disciplina de
língua latina»; «o facto de o latim ser uma língua difícil e sem interesse porque não
proporciona a conversação».
Perante este cenário, o professor de Latimdevetentar adaptar o seu modo de
ensinaralterandoestratégias ea orientação das suas práticas pedagógicas. Para além do
papel do professor, quedeve ajudar a colmatar as barreiras, anteriormente referidas,
concordamos com a posição de Raúl Gomes no sentido de que encontradas as razões
das dificuldades sentidas pelos alunos do secundário, devemos apresentar possíveis
soluções «a inexistência de bases científicas a nível de língua materna». Na
actualidade,o processo de ensino-aprendizagem da língua Latina deverpartir, sempre
que possível, da língua portuguesa para a latina. Neste âmbito, importa referir que as
comunicações de Manuel Cerejeira Abreu Carneiro, «Como Renovar o ensino do latim
– algumas sugestões»e de Raul Gomes,«Aprender Ensinando»apresentam algumas
propostas bastante interessantes, que poderão conferir uma dinâmica diferente às aulas
de latim e ajudarão a aprofundar a compreensão da língua materna. A selecção dos
conteúdos de cultura que deverão ser leccionados em articulação com os conteúdos
linguísticos, como uma possível solução para o segundo problema.Como proposta de
resolução para o terceiro problemapensamos que o estudo do latim deve ser apresentado
como algo necessário para a formação profissional de muitos alunos e para a formação
de personalidades capazes de assumirem o seu lugar na sociedade. Para além disso, o
professor deve estimular, sempre que possível, a conversação em Latim no contexto
didáctico. Em suma, todas estas medidas visam estimular a motivação do aluno para a
aprendizagem do latim.
Apesar da situação do Latim não ser nada favorável defendemos a importância
do seu estudo para a aprendizagem do Português. Neste âmbito, é importante destacar o
facto de 60 % do nosso vocabulário derivar do Latim. O estudo desta língua clássica
ajuda a proporcionar, por um lado, a aprendizagem de uma língua nova e, por outro, o
9
Para além destes factores, o insucesso nesta disciplina constitui-se como uma razão bastante plausível
para explicar a aversão ao latim.
10
Raul Gomes, «Aprender Ensinando» - p. 292
5. Oração Relativa e a sua aplicação no contexto Pedagógico-didáctico
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alargamento e fundamento dos conhecimentos sobre a língua portuguesa; contribui para
o enriquecimento do léxico da língua materna e evita o seu empobrecimento. Em
particular, a aprendizagem da morfologia e da sintaxe latinasajuda a ter conhecimentos
seguros nessas áreas no Português. Assim, as dificuldades sentidas na aprendizagem da
língua de Virgílioobrigando a uma reflexão atentaque pode contribuir para melhorar o
entendimento das estruturas do português. Desse modo, pode contribuir para a
diminuição do insucesso escolar na disciplina de língua Portuguesa, motivo que leva
vários professores e especialistas desta áreaa defenderem a necessidade de introdução
desta língua clássica no currículo do ensino secundário. Por outro lado, é muito
necessáriopara prosseguimento profissional de muitos jovens em diversas áreas, um
professor de Português deveria possuir obrigatoriamente conhecimentos de Latim.
Tome-se como exemplo, os alunos de Direito, História que necessitam de ter
conhecimentos de Latim. Para alémdisso, o Latim é útil para o estudo comparado das
línguas românicas. Por outro lado, o estudo do Latim é essencial para a compreensão de
terminologias técnicas e científicas.
Em suma, acreditamos que o homem moderno deve compreender que o
conhecimento e estudo da língua de Vergílio «representa, em larga medida, o chão
onde pomos os pés. É um chão sólido, podemos construir em cima dele o que quer que
seja»11
.
11
Jorge Deserto, «Do emprego das línguas clássicas ao emprego com as línguas clássicas» - p. 4